Infohabitar, Ano XV, n.º 671
Os muitos sítios de uma boa habitação II, sobre os corredores - Infohabitar 671Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
(texto introdutório)
Sobre uma habitação feita mais por sítios
específicos do que por espaços ditos de/para actividades e funções domésticas.
Aproveitando para lembrar, entre outros autores
Arquitectos, o grande Christopher Alexander e a sua incontornável “linguagem de
padrões”, que tanto influenciou tanta gente e é tão poucas vezes citada ou
referenciada, podemos referir que uma habitação, um mundo doméstico que, para o
ser, tem de integrar, potencialmente, os vários mundos domésticos específicos
dos respectivos habitantes, mais o respectivo agregado comum e convivial, muito
mais do que um “simples” complexo funcional – e ainda assim o número de funções
é extenso – deveria ser constituído e constituível por uma potencial e muito
extensa diversidade de “cantos”, “recantos” e “sítios” adequados a uma enorme
variedade de misturas funcionais e apropriações pessoais e de grupo específicas
e dinâmicas.
Sobre a previsão destes tipo de “cantos”, “recantos”
e “sítios” domésticos, que são, em boa
parte, os grandes responsáveis pela criação de um grande mundo pessoal e
familiar, destacam-se alguns aspectos muito variados e, designadamente, de
agradabilidade e de conforto ambiental, de adaptabilidade, de funcionalidade
com sentido lato e de adequada, rica e apropriável pormenorização
arquitectónica, que, em seguida, muito brevemente se apontam – não exaustivamente
(trata-se de um texto naturalmente dinâmico).
Fig. 01: valorizar os corredores domésticos
Sobre os corredores domésticos: uma reflexão de enquadramento
No presente artigo abordam-se, global e
particularmente, os corredores domésticos, aqueles espaços tantas vezes
desprezados e remetidos a uma mera função de ligação e circulação entre os
outros espaços domésticos, naturalmente, mais protagonistas.
Há que recordar que os corredores foram, em boa
parte e no maior número de situações, uma tardia invenção no mundo doméstico,
pois, por regra, ou não existiam, porque os espaços de vida da família eram
muito restritos, frequentemente, a um ou dois compartimentos multifuncionais,
ou, em casas abastadas, por regra, a circulação fazia-se, frequentemente, de
forma directa entre compartimentos contíguos, criando-se verdadeiras sequências
de espaços/compartimentos, que iriam sendo ligados ou separados (pelo abrir e
fechar de portas), consoante as necessidades e os objectivos domésticos mais
privados ou mais conviviais.
Naturalmente que neste último caso, por vezes, os
corredores já existiam, com uma função, talvez, essencialmente, de serviço e de
apoio às principais actividades que decorriam nessas sequências de
compartimentos contíguos e interligados.
Depois, talvez possamos considerar que, com o funcionalismo
e a necessidade de se proporcionarem adequadas condições de sanidade na
habitação, os corredores domésticos acabam por se tornar as ferramentas físicas
da ligação entre as diversas funções e actividades domésticas, assumindo-se,
assim, basicamente como espaços de circulação, separação e mesmo de
hierarquização nas bem conhecidas e “funcionais” zonas de privacidade
doméstica, que foram marcando, cada vez mais rigidamente as habitações do Século XX.
E aqui importa considerar, ainda, dois outros aspectos:
sendo o primeiro que as “obrigações” funcionais (de estruturação e
hierarquização) domésticas exigidas em “letra de lei” pelos regulamentos da
edificação que então surgiram (com os tais objectivos de melhor sanidade e
habitabilidade), se foram, tornando, com o tempo, verdadeiros espartilhos na
concepção doméstica, designadamente, quando assumidos por projectistas sem
capacidade imaginativa e base cultural e bem recebidos pela própria indústria
da construção ; e sendo o segundo aspecto, que tais “espartilhos” funcionais,
de espaciosidade e de inter-relação espacial, quando reinterpretados por
grandes projectistas “funcionalistas” resultaram, frequentemente, em excelentes
soluções domésticas, mas como este foi sempre um caso excepcional, no caso
corrente as soluções domésticas que nos foram sendo oferecidas,
caracterizaram-se, por regra, por uma triste monotonia e pobreza espacial e
funcional.
E nesta pobreza os monótonos e tantas vezes
monofuncionais corredores foram, frequentemente, protagonistas de tais
soluções, tornando a circulação como que talvez a função doméstica mais
evidenciada, muitas vezes até com alargamentos estratégicos em “halls” de
entrada e de zonas íntimas, cujo interesse doméstico se resumia, muitas vezes à
circulação e à amostragem de algumas peças de mobiliário e decorativas.
E lembremos que uma tal situação, muito aplicada
especificamente aos corredores domésticos se prende, não só com a referida
estruturação hierarquicamente rígida dos diversos espaços, mas também com um
dimensionamento próprio e regulamentar “mínimo”, que ao ser assumido pela
indústria da construção e por muitos projectistas como regra, vai produzir
corredores que, de facto, apenas têm espaço disponível para a circulação e não
para esta função e para outras, como a disposição de mobiliário funcional e
mesmo para o estar casual ou para actividades pontuais de estudo e trabalho não
doméstico na habitação.
Introdução a algumas ideias sobre os corredores domésticos
A reflexão que acabou de ser feita abrirá, então,
espaço a possíveis propostas domésticas distintas daquelas a que fizemos
referência – marcadas por rígidas hierarquias funcionais e/ou até “roubadas” em
parte do seu espaço habitável por longos corredores quase apenas de circulação.
E apontam-se então, aqui, em seguida, algumas ideias
de relacionamento mais directo entre diversos espaços domésticos, eles próprios
com uma margem razoável de multifuncionalidade, e ideias de um maior
protagonismo estruturante e multifuncional dos próprios corredores domésticos,
através, designadamente, do recurso a diversificadas soluções, como aquelas que
em seguida se apontam e comentam com brevidade.
Corredores mais úteis e agradáveis
Um aspecto a ter em conta, talvez em primeira linha
de preocupações, nesta matéria é que os corredores domésticos sejam, tendencialmente,
o mais curtos possível – condição esta óbvia mas que não estará na mente de
quem por vezes projecta verdadeiros meandros domésticos, extremamente
perdulários em termos de área habitacional – sendo, simultaneamente, o mais
úteis possível – condição esta que poderá ter variadas respostas, sendo a mais
óbvia o proporcionar acesso funcional a adequadas e extensas arrumações
domésticas.
Outro aspecto bem importante é que os corredores não
sejam aquele “espaço escuro”, por vezes, até difícil de usar por crianças
pequenas, e para tal e não sendo fácil proporcionar-lhes vãos directos sobre o
exterior, poderemos prever instalações/soluções que façam infiltrar luz
natural, ainda que pontual ou, de preferência, ritmicamente; e uma solução
tradicional e ainda excelente é a existência de portas envidraçadas,
transparentes ou translúcidas, e/ou de bandeiras transparentes sobre as portas
interiores – bandeiras estas que poderão também permitir condições constantes
de ventilação natural (aos corredores e à própria habitação, em termos de
ventilação cruzada).
Fig. 02: corredores mobilados e corredores-galerias
Corredores mobilados e corredores-galerias
Os corredores mobilados e os corredores-galerias (de
arte), podem ser elementos estruturantes e agradavelmente caracterizadores na
organização da habitação e na sua essencial apropriação pelos respectivos
moradores.
Esta opção por corredores mobilados e/ou por corredores-galerias,
leva a que estes espaços deixem de ser
zonas "escuras" e "inúteis" para passarem a ser aspectos
verdadeiramente caracterizadores da habitação, estimulando mesmo a sua vida
interna e a identidade e amor próprio dos respectivos habitantes, pois trata-se
de espaços intensamente marcados pela apropriação do seu espaço doméstico e
pelas escolhas e gostos próprios em termos de elementos de decoração aí integrados
e/ou "expostos".
Naturalmente que há que cuidar de um adequado
dimensionamento da largura dos corredores e das peças de mobília aí integradas,
de modo a que a circulação possa continuar a desenvolver-se de forma adequada,
embora talvez mais naturalmente a um ritmo mais cadenciado e doméstico, o que
parece ser positivo; e este tipo de solução pode. naturalmente, evoluir,
havendo “pontualmente” espaço para a recriação de pequenos subespaços espaços
domésticos atribuíveis a variadas actividades.
Importa ainda referir que ao apontarmos a ideia da
recriação de corredores domésticos como pequenas “galerias de arte”, estamos a
visar, de forma mais geral, um gradual preenchimento das respectivas paredes
com módulos de arte diversificados e/ou com cartazes ou outros tipos de
elementos de design de comunicação, pouco ou nada dispendiosos.
Corredores-saletas
Os corredores-saletas são espaços do interior/âmago
doméstico que "crescem" da opção limitada função de circulação mais integração/exposição
de mobiliário e elementos de decoração e apropriação espacial, para zonas com
eventuais funções estruturadoras da vida da habitação e de evidenciação da
identidade e dos gostos e formas de vida dos seus habitantes.
Estão neste caso compartimentos, habitualmente,
alongados que, além de serem espaços de circulação, servem, por exemplo, como
zonas de trabalho e estudo, espaço de biblioteca e videoteca, espaço de
aquariofilia, e local de estruturação e exibição de variados tipos de colecções.
Estes corredores-saletas ganharão muito,
naturalmente, com um mínimo de condições de conforto ambiental, em termos de
luz e ventilação naturais, e com um máximo de adequada pormenorização, marcada
pela sobriedade de modo a não colidir em termos visuais (ex., contraste
excessivo) e funcionais (ex, espaço habitual e aparentemente desarrumado) com
os referidos usos.
De certa forma este corredores-saletas podem
definir-se como não corredores, sendo compartimentos entre compartimentos e que
proporcionam o acesso directo entre eles.
Dos corredores estruturantes à quase ausência de corredores
Conclui-se, para já, esta reflexão comentada sobre
os corredores e, naturalmente, sobre a circulação doméstica, com algumas,
poucas, observações sobre duas situações-limite, que podem marcar (positiva ou
negativamente) habitações: pela existência de um corredor estruturante da vida
doméstica; ou pela quase inexistência de corredores na habitação.
Um corredor estruturante pode marcar muito
positivamente toda a estrutura, visualidade e capacidade de uso de uma
habitação, habitualmente, por uma sua posição próxima de um eixo de simetria
que atravessa boa parte do fogo, por um seu adequado dimensionamento e
utilidade (tal como acima se apontou) e por cuidados específicos com as suas
condições de conforto ambiental, com relevo para a luz natural (também como foi
acima apontado). Desta forma e habitualmente a habitação assim estruturada
poderá ganhar, entre outros aspectos, um apreciável potencial de adaptabilidade
e de versatilidade na afectação dos compartimentos servidos por este tipo de
corredor, assim como ganha numa sua afirmada caracterização.
Nos antípodas das soluções domésticas, uma habitação
pode ser caracterizada pela quase inexistência de corredores, definindo-se um
espaço vivencial que tende a ser expressivamente caracterizado pela
adaptabilidade de afectações funcionais e pela convivialidade doméstica, sendo
essencial nesta situação, entre outros cuidados, que os espaços designados de
“circulação obrigatória” nos compartimentos não atravessem e, em boa parte, inutilizem
zonas funcionais, criando (conformando), portanto, esses percursos de
circulação, espaços e “cantos” úteis, versáteis e agradáveis. E muito mais haverá
a dizer sobre este tipo de soluções, que foram bastante utilizadas por grandes
arquitectos do século XX, produzindo espaços domésticos expressivamente
unificados, que muito ganham com cuidadosas condições de conforto ambiental, arquitectonicamente
utilizadas e valorizadas (ex., janelas junto ao tecto) e com uma afirmada e estratégica
relação com um exterior estimulante.
Não sendo, talvez, essencial referi-lo, porque parece
ser óbvio, mas porque se trata de matéria muito sensível na organização e
caracterização de boas soluções domésticas, estas soluções que acabaram de ser
referidas – marcadas por corredores estruturantes ou pela sua ausência – só
estão, verdadeiramente, ao alcance de excelentes processos de concepção
arquitectónica, resultando, habitualmente, muito mal quando aplicados de forma
pouco cuidada, pouco fundamentada e mal imaginada.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 671
Os muitos sítios de uma boa habitação II, sobre os corredores - Infohabitar 671
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar,– Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho -
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
Sem comentários :
Enviar um comentário