A revista da GHabitar - Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
SOBRE O DESENHO À MÃO LIVRE, NOTAS GERAIS
António Baptista Coelho
Um texto prático sobre o desenho à mão livre
Este texto foi, inicialmente, elaborado para enquadrar e justificar, em
grande parte, o desenvolvimento temático, mas também o programático, em 2014/15,
da Disciplina de Desenho I do Mestrado Integrado em Arquitectura da
Universidade da Beira Interior, na Covilhã; disciplina esta estruturada pelo
autor do texto.
Fig. 1
Duas perspetivas para a prática do Desenho Livre e da Arquitectura: o gosto pelo desenho e a necessidade/oportunidade de desenhar
Mais do que iniciar um processo de aproximação ao desenho à mão livre e/ou
ao desenho globalmente aplicado à arquitetura e ao seu ensino e aprendizagem e
não descurando situações em que tal caminho seja necessário, considera-se do
maior interesse aprofundar o "desenho livre", em geral, nas duas
perspetivas que, emseguida, se desenvolvem minimamente e que se ligam, quer ao
gosto natural pelo desenho, que se vê e que se faz, quer ao papel prático, de
ferramenta, que o desenho livre sempre cumpriu e cumprirá na aproximação, na
"fixação" e na modelação do projeto e da obra arquitetónica.
Mas um tal desenvolvimento não quer dizer que entre o desenho livre a a
arquitectura não existam outras relações íntimas, por exemplo, associadas a
matérias como, por exemplo, a cenografia, a ilustração e a própria ficção
desenhada; no entanto e para já queremos sublinhar a importância de duas
matérias tão distintas como o gosto/prazer de ver/fazer desenhos e a
necessidade/utilidade de desenhar ao projetar.
Para as outras perspetivas aqui voltaremos em futuros artigos desta pequena
série.
Desenhar ou gostar do desenho ou de ver desenhos liga-se a uma
perspetiva de verdadeiro gosto pelo desenho, de prazer do desenho, como
algo que se aprecia e de que se gosta e acompanha, em exposições, ou no
dia-a-dia, e mesmo eventualmente até como prazer de rabiscar e desenhar,
naturalmente, acompanhando outras atividades e ajudando, até, na concentraçãoquando
.
Nesta perspetiva há que ter em conta que o desenho à mão livre, mais ou
menos apoiado e imaginativo, sempre esteve na base do projetar ou do compor o
espaço do habitat humano, e que esse habitat e os quadros naturais em que se
integra, assim como a própria história viva da cultura humana, sempre estiveram
intimamente ligados à prática e ao gosto pelo desenho, em si próprio e em tudo
aquilo em que ele serve como ferramenta prospectiva e imaginativa.
E nesta perspetiva parece ser hoje oportuno fazer reviver o gosto pelo
desenho, no sentido em que ao desenhar, se vê melhor o que nos rodeia, que
entendemos melhor e vivemos melhor o que nos rodeia, e não será por acaso que
assistimos a um crescimento claro do gosto pelo desenho e pelas artes plásticas,
que nos fazem bem numa sociedade cheia de pressa, de individualismo e de stress
e que se revela, por exemplo, nos cada vez mais frequentes grupos conhecidos
como "esboçadores urbanos" (urban sketchers), que a pé usam e
apreciam os espaços da cidade e, porque não, da natureza, vulgarizando, muito
positivamente, as capacidades desenhísticas e associando-as ao puro gosto do
usufruto da cidade e da natureza em grupos de amigos e conhecidos.
E nesta matéria será interessante fazer alargar o perfil optado pelos
referidos "esboçadores urbanos", também para matérias mais
diretamente ligadas à paisagem e à natureza, seja pelo interesse desenhístico
de uma tal opção, seja porque será este um meio de alargar o interesse,
aprofundado e detalhado, pelo nosso habitat, conseguido expressivamente quando
nos concentramos para desenhar, à natureza e ao ambiente mais global que
habitamos e onde a cidade e o espaço urbanizado se deveriam integrar
positivamente.
O desenho livre como ferramenta do projeto
O desenho livre e à mão livre liga-se também a uma perspetiva de
natural necessidade de desenhar, que visa o projeto de
arquitetura, uma ferramenta e um caminho marcados pelas diversas fases
sequenciais de análise mais sentida e/ou mais objetiva, de experimentação continuada
e reflexiva, de representação com vista à fixação do projeto, depois à sua
construção e, ainda depois, de interpretação da obra feita e vivida.
Nesta perspetiva de um desenho útil ao projeto de arquitetura há também
diversas facetas de interpretação e de utilização do desenho livre, sempre as
houve e sempre existirão, mesmo quando, hoje em dia, as ferramentas digitais
estão a marcar, cada vez mais, o processo de projeto (por exemplo com o
processo Building Information Module ou Modeling),
pois para conceber, para identificar e depois aprofundar aquela que se
considere ser a melhor solução ou o melhor "partido" de projeto, é
extremamente adequado e muito rico imaginar com uma base visual e desenhada, de
esboços e apontamentos preliminares e depois de pormenorização; e podemos até
sustentar que será quem o faz que retirará os maiores benefícios das
referidas ferramentas digitais, pois conseguirá imaginar e antever melhor o
resultado final de uma dada ideia projetada.
E quando entra em jogo o levantamento patrimonial e a intervenção em
contextos históricos, então está ainda para ser devidamente reconhecida a
importância e a utilidade de um desenho à mão livre, neste caso devidamente
rigoroso, numa perspetiva que se julga ficar bem apontada e exemplificada pela
prática dos levantamentos de arquitetura regional/local e mesmo de contextos
arqueológicos.
O desenho livre nunca pode ser uma obrigação
Importa agora sublinhar que em nenhuma destas duas perspetivas tem e terá
lugar o sentido do "desenho livre" como obrigação, ou
"obrigatório", afinal um sentido pouco ou nada adequado à própria
"liberdade" anunciada na referência a este desenho; mas atenção que
esta vital consideração de "não obrigatoriedade" nada tem a ver com
qualquer tipo de falta de disciplina, de reduzida prática do desenho à mão
livre e de menor exigência no desenhar à mão livre.
O desenho livre como prática intensa e continuada
Antes pelo contrário , e tal como muitos grandes artistas salientaram, o
bom desenho, a boa arte se se quiser, provém de quase 100% de trabalho e de
alguma vocação para desenhar, ou designação que queira dizer o mesmo; por
exemplo, e entre muitos outros grandes artistas, Picasso e van-Gogh dizem-no ou
exemplificam-no em termos de práticas artísticas e experiência de vida.
São tantos aqueles que salientam que o desenho se ganha no desenhar, numa
prática tendencialmente diária e natural, mas sempre intensa e concentrada, em
que o olhar e o pensar se fazem numa natural aliança com o esboço, uma aliança
que acaba por ser um mútuo apoio e uma sequência de clarificação; e
evidentemente que um tal caminho é muito importante para quem faz e quer fazer
a sua vida nas áreas da visualização e formalização do espaço interior e
exterior do habitat humano e da natureza em que se integra.
E ainda nesta matéria dá vontade de dizer que uma certa capacidade de
desenho é útil para muitos caminhos profissionais, ajuda a ver melhor, a
compreender melhor o que se vê, a situarmo-nos melhor, a apreciar melhor os
cenários que usamos, mas, não haja dúvida, que é algo de essencial para quem
quer ser arquiteto, para quem quer entender bem e atuar bem no quadro
construído e natural do nosso habitat.
Desenhar por gosto e por necessidade de melhor projetar
É, portanto, essencial, que quem deseja seguir um caminho adequado no
projeto de arquitetura, considere o desenho livre, naturalmente, seja como algo
a apreciar com gosto e periodicamente, um gosto que existe ou que acabae
por se sedimentar e desenvolver, ao longo do tempo, favorecido por e favorecendo
bases culturais mais ricas e uma experiência de vida mais estimulante, seja
numa relação instrumental com a prática do projeto de arquitetura,
aprofundando-se e melhorando-se, pela prática, um processo de desenho, que se
irá associar, gradual e naturalmente, a outras práticas - como, por exemplo, a
fotografia e os diversos meios informáticos de desenho e pintura - como meio de
tradução de ideias projetadas/imaginadas e de arquiteturas já realizadas, numa
relação com lugar cativo e sempre enriquecedor na associação com as existentes
e inovadoras práticas digitais de projeto de arquitetura.
Notas editoriais:
· (i) Embora a edição dos artigos editados
na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de
se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível
técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas
traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses
artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos
autores.
· (ii) De acordo com o mesmo sentido, de se
tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da
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de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a
tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
SOBRE O DESENHO À MÃO LIVRE, NOTAS GERAIS
Infohabitar, Ano X, n.º 502
Editor: António Baptista Coelho – abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
1 comentário :
Prof. Coelho, foi um grande prazer ler o seu texto e ver reforçado em suas linhas ideias que venho trabalhando há algum tempo com meus alunos - de Projeto de Arquitetura e de Desenho de Arquitetura - aqui em Uberlândia, no Brasil. Certamente, será mais uma referência de leitura para os alunos. Muito obrigado!
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