domingo, setembro 28, 2014

502 - SOBRE O DESENHO À MÃO LIVRE, NOTAS GERAIS - Infohabitar 502



Infohabitar n.º 502
A revista da GHabitar - Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

SOBRE O DESENHO À MÃO LIVRE, NOTAS GERAIS

António Baptista Coelho

Um texto prático sobre o desenho à mão livre

Este texto foi, inicialmente, elaborado para enquadrar e justificar, em grande parte, o desenvolvimento temático, mas também o programático, em 2014/15, da Disciplina de Desenho I do Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade da Beira Interior, na Covilhã; disciplina esta estruturada pelo autor do texto. 


Fig. 1

Duas perspetivas para a prática do Desenho Livre e da Arquitectura: o gosto pelo desenho e a necessidade/oportunidade de desenhar  

Mais do que iniciar um processo de aproximação ao desenho à mão livre e/ou ao desenho globalmente aplicado à arquitetura e ao seu ensino e aprendizagem e não descurando situações em que tal caminho seja necessário, considera-se do maior interesse aprofundar o "desenho livre", em geral, nas duas perspetivas que, emseguida, se desenvolvem minimamente e que se ligam, quer ao gosto natural pelo desenho, que se vê e que se faz, quer ao papel prático, de ferramenta, que o desenho livre sempre cumpriu e cumprirá na aproximação, na "fixação" e na modelação do projeto e da obra arquitetónica.
Mas um tal desenvolvimento não quer dizer que entre o desenho livre a a arquitectura não existam outras relações íntimas, por exemplo, associadas a matérias como, por exemplo, a cenografia, a ilustração e a própria ficção desenhada; no entanto e para já queremos sublinhar a importância de duas matérias tão distintas como o gosto/prazer de ver/fazer desenhos e a necessidade/utilidade de desenhar ao projetar.
Para as outras perspetivas aqui voltaremos em futuros artigos desta pequena série.



Fig. 2

O gosto pelo desenho livre
Desenhar ou gostar do desenho ou de ver desenhos liga-se a uma perspetiva de verdadeiro gosto pelo desenho, de prazer do desenho, como algo que se aprecia e de que se gosta e acompanha, em exposições, ou no dia-a-dia, e mesmo eventualmente até como prazer de rabiscar e desenhar, naturalmente, acompanhando outras atividades e ajudando, até, na concentraçãoquando .
Nesta perspetiva há que ter em conta que o desenho à mão livre, mais ou menos apoiado e imaginativo, sempre esteve na base do projetar ou do compor o espaço do habitat humano, e que esse habitat e os quadros naturais em que se integra, assim como a própria história viva da cultura humana, sempre estiveram intimamente ligados à prática e ao gosto pelo desenho, em si próprio e em tudo aquilo em que ele serve como ferramenta prospectiva e imaginativa.
E nesta perspetiva parece ser hoje oportuno fazer reviver o gosto pelo desenho, no sentido em que ao desenhar, se vê melhor o que nos rodeia, que entendemos melhor e vivemos melhor o que nos rodeia, e não será por acaso que assistimos a um crescimento claro do gosto pelo desenho e pelas artes plásticas, que nos fazem bem numa sociedade cheia de pressa, de individualismo e de stress e que se revela, por exemplo, nos cada vez mais frequentes grupos conhecidos como "esboçadores urbanos" (urban sketchers), que a pé usam e apreciam os espaços da cidade e, porque não, da natureza, vulgarizando, muito positivamente, as capacidades desenhísticas e associando-as ao puro gosto do usufruto da cidade e da natureza em grupos de amigos e conhecidos.
E nesta matéria será interessante fazer alargar o perfil optado pelos referidos "esboçadores urbanos", também para matérias mais diretamente ligadas à paisagem e à natureza, seja pelo interesse desenhístico de uma tal opção, seja porque será este um meio de alargar o interesse, aprofundado e detalhado, pelo nosso habitat, conseguido expressivamente quando nos concentramos para desenhar, à natureza e ao ambiente mais global que habitamos e onde a cidade e o espaço urbanizado se deveriam integrar positivamente.

Fig. 3

O desenho livre como ferramenta do projeto  

O desenho livre e à mão livre liga-se também a uma perspetiva de natural necessidade de desenhar, que visa o projeto de arquitetura, uma ferramenta e um caminho marcados pelas diversas fases sequenciais de análise mais sentida e/ou mais objetiva, de experimentação continuada e reflexiva, de representação com vista à fixação do projeto, depois à sua construção e, ainda depois, de interpretação da obra feita e vivida.
Nesta perspetiva de um desenho útil ao projeto de arquitetura há também diversas facetas de interpretação e de utilização do desenho livre, sempre as houve e sempre existirão, mesmo quando, hoje em dia, as ferramentas digitais estão a marcar, cada vez mais, o processo de projeto (por exemplo com o processo Building Information Module ou Modeling), pois para conceber, para identificar e depois aprofundar aquela que se considere ser a melhor solução ou o melhor "partido" de projeto, é extremamente adequado e muito rico imaginar com uma base visual e desenhada, de esboços e apontamentos preliminares e depois de pormenorização; e podemos até sustentar que será quem o faz que retirará  os maiores benefícios das referidas ferramentas digitais, pois conseguirá imaginar e antever melhor o resultado final de uma dada ideia projetada.
E quando entra em jogo o levantamento patrimonial e a intervenção em contextos históricos, então está ainda para ser devidamente reconhecida a importância e a utilidade de um desenho à mão livre, neste caso devidamente rigoroso, numa perspetiva que se julga ficar bem apontada e exemplificada pela prática dos levantamentos de arquitetura regional/local e mesmo de contextos arqueológicos.
O desenho livre nunca pode ser uma obrigação
Importa agora sublinhar que em nenhuma destas duas perspetivas tem e terá lugar o sentido do "desenho livre" como obrigação, ou "obrigatório", afinal um sentido pouco ou nada adequado à própria "liberdade" anunciada na referência a este desenho; mas atenção que esta vital consideração de "não obrigatoriedade" nada tem a ver com qualquer tipo de falta de disciplina, de reduzida prática do desenho à mão livre e de menor exigência no desenhar à mão livre.


Fig. 4

O desenho livre como prática intensa e continuada

Antes pelo contrário , e tal como muitos grandes artistas salientaram, o bom desenho, a boa arte se se quiser, provém de quase 100% de trabalho e de alguma vocação para desenhar, ou designação que queira dizer o mesmo; por exemplo, e entre muitos outros grandes artistas, Picasso e van-Gogh dizem-no ou exemplificam-no em termos de práticas artísticas e experiência de vida.
São tantos aqueles que salientam que o desenho se ganha no desenhar, numa prática tendencialmente diária e natural, mas sempre intensa e concentrada, em que o olhar e o pensar se fazem numa natural aliança com o esboço, uma aliança que acaba por ser um mútuo apoio e uma sequência de clarificação; e evidentemente que um tal caminho é muito importante para quem faz e quer fazer a sua vida nas áreas da visualização e formalização do espaço interior e exterior do habitat humano e da natureza em que se integra.
E ainda nesta matéria dá vontade de dizer que uma certa capacidade de desenho é útil para muitos caminhos profissionais, ajuda a ver melhor, a compreender melhor o que se vê, a situarmo-nos melhor, a apreciar melhor os cenários que usamos, mas, não haja dúvida, que é algo de essencial para quem quer ser arquiteto, para quem quer entender bem e atuar bem no quadro construído e natural do nosso habitat.

Fig. 5

Desenhar por gosto e por necessidade de melhor projetar

É, portanto, essencial, que quem deseja seguir um caminho adequado no projeto de arquitetura, considere o desenho livre, naturalmente, seja como algo a apreciar com gosto  e periodicamente, um gosto que existe ou que acabae por se sedimentar e desenvolver, ao longo do tempo, favorecido por e favorecendo bases culturais mais ricas e uma experiência de vida mais estimulante, seja numa relação instrumental com a prática do projeto de arquitetura, aprofundando-se e melhorando-se, pela prática, um processo de desenho, que se irá associar, gradual e naturalmente, a outras práticas - como, por exemplo, a fotografia e os diversos meios informáticos de desenho e pintura - como meio de tradução de ideias projetadas/imaginadas e de arquiteturas já realizadas, numa relação com lugar cativo e sempre enriquecedor na associação com as existentes e inovadoras práticas digitais de projeto de arquitetura.
  
Notas editoriais:
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SOBRE O DESENHO À MÃO LIVRE, NOTAS GERAIS
Infohabitar, Ano X, n.º 502
Editor: António Baptista Coelho – abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.



 

1 comentário :

Juliano Oliveira disse...

Prof. Coelho, foi um grande prazer ler o seu texto e ver reforçado em suas linhas ideias que venho trabalhando há algum tempo com meus alunos - de Projeto de Arquitetura e de Desenho de Arquitetura - aqui em Uberlândia, no Brasil. Certamente, será mais uma referência de leitura para os alunos. Muito obrigado!