segunda-feira, março 17, 2014

476 - Viver ao nível térreo - II - Infohabitar 476



Infohabitar, Ano X, n.º 476
Artigo L da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho

Viver ao nível térreo - II

Apontar vol 2 do Dieter Prinz e estudos do TT

Espaço urbano vitalizado pela habitação térrea

A existência de residências térreas, dispondo de espaços exteriores privativos, liga-se a uma oferta, directa, de condições de vida diária potencialmente muito semelhantes ao viver em edifícios unifamiliares e pode, até, ser conveniente para potenciar a continuidade da presença humana e a animação urbana, acima referidas, e por outro lado para as garantir, de modo mais generalizado, "a toda a volta dos edifícios" e, até, de um modo mais alargado, a toda a volta de zonas exteriores privadas dos fogos do rés-do-chão, enquanto também se potencia a qualificação basicamente residencial da zona em causa (caracterizando-a como uma verdadeira "área residencial").


Fig. 01

Adequação da habitação a modos de vida e gostos habitacionais

Por outro lado, ainda, sabendo-se que os fogos térreos podem ter problemas de segurança (relativamente a intrusões) e de reduzido desafogo de vistas (de modo a proteger-se a intimidade doméstica), para não falar já das suas mais fracas condições de conforto ambiental (mais sombra, mais ruído), também parece justo que lhes sejam atribuídas algumas vantagens quanto à autonomia no contacto com o solo; e deste modo conseguem-se substanciais poupanças na manutenção pública do exterior residencial, enquanto se proporciona a um significativo grupo social, o das famílias com filhos pequenos, um meio residencial que é o ideal para o crescimento saudável destas crianças (jogos no exterior em segurança, contacto directo com a terra, etc.).
E para além de tudo isto é essencial a oferta de tipologias habitacionais adequadas, seja a uma ampla diversidade de modos de vida (ex., mais ligados a prática rurais), seja a uma ampla variedade de gostos/desejos de habitar (ex., ligação mais forte ao exterior e ao solo, contato com animais domésticos, etc.).

Cuidados com as habitações térreas



Convém, no entanto, considerar alguns cuidados básicos no desenvolvimento de fogos térreos:
  • Cotas de soleira e de peitoril a alturas adequadas, relativamente aos espaços exteriores públicos, comuns e privados contíguos.
  • Vistas a partir dos espaços pedonais envolventes do edifício, por um lado não devassando os espaços térreos privados e por outro aproveitando, pelo menos em parte, visual e ambientalmente, os "verdes" privados.
  • Relações estimulantes com os espaços exteriores privados e bem aproveitadas em todas as suas potencialidades, com relevo para a forte caracterização da imagem urbana do local (área ou conjunto residencial).
  •  Adequadas (máximas) condições de segurança, tanto por recurso a muros, gradeamentos e vedações previamente projectados e uniformizados, "cobrindo"/protegendo todos os vãos exteriores térreos e quintais privados, como pelo desenvolvimento cuidadoso (não ferindo privacidades domésticas) de uma estratégia generalizada de visibilidades de segurança e de contiguidades de observações naturais e contínuas (ex., contiguidade ou grande proximidade entre as traseiras de certos edifícios e as entradas de outros). 
  • Total controlo do desenvolvimento de anexos nos quintais privados, segundo projectos-tipo e apenas para usos, previamente, bem definidos.

Semelhança entre habitações térreas e moradias

John Noble e Barbara Adams consideram que algumas características das moradias podem ser conseguidas nos pisos térreos de edifícios multifamiliares, tais como acessibilidade a diversos tipos de espaços exteriores, terraços e jardins privados económicos, zonas de serviço exteriores e vistas agradáveis de espaços verdes ou de zonas animadas; no entanto, há que cuidar, atentamente, das relações visuais e acústicas que determinam a privacidade doméstica (essencialmente interior, mas também em parte do exterior privado). (1)

É ainda de considerar a extensão parcial deste tipo de solução às habitações em 1º andar, através de terraços e escadas exteriores funcionais e, por vezes, aproveitando a topografia do terreno.



Fig. 02

Pátios e quintais privados

Uma previsão de pátios ou pequenos quintais privados é um aspecto fundamental neste nível físico da Vizinhança Próxima, que parece não ter sido, ainda, convenientemente considerado na arquitectura urbana residencial mais recente.

Afinal os espaços exteriores privativos e térreos constituem zonas de transição interior doméstico/exterior público ou semi-público com enorme capacidade de apropriação, são elementos de forte compensação face a uma situação habitacional térrea ou pouco elevada (menos privatizada, segura e visualmente desafogada), asseguram boa capacidade de adequação a determinados modos de vida, desejos habitacionais e composições familiares (famílias com crianças) e podem também assegurar um verde privado com forte fruição pública mas sem gastos públicos de manutenção (ao longo de caminhos e passeios pedonais) contíguas, mas assegurando forte demarcação e relativa ou total privacidade. 

Variedade de espaços exteriores privativos

De certo modo a integração de quintais/pátios tem grande versatilidade de aplicação, podendo variar, por exemplo, entre um grande pátio/terraço comum envolvendo uma torre habitacional e um interior de quarteirão associando zonas de recreio semi-públicas centralizadas e uma margem quase contínua de quintais/pátios contíguos a fogos térreos, ligados a fogos em 1º andar (com acesso por escadas) e contíguos a salas de condomínio.

Vantagens dos quintais e pátios privativos

Resumindo as vantagens do desenvolvimento de quintais/pátios, refere-se a sua muito provável influência decisiva na obtenção de condições de intensa utilização e apropriação de grande parte do exterior de proximidade e os consequentes ganhos em boas condições de vigilância natural, bastante contínua e bem disseminada, de todo o território da Vizinhança Próxima.

Não é excessivo reafirmar que estas condições só terão viabilidade se o sistema de quintais/pátios estiver perfeitamente conjugado com o sistema de acessibilidade local (ex., percursos de uso frequente ao logo de bandas de quintais), caso contrário o resultado final até pode agravar situações de insegurança e incomodidade.

Notas:
(1) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 525.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Editor: António Baptista Coelho
INFOHABITAR Ano X, nº476
Artigo L da Série habitar e viver melhor
Viver ao nível térreo - II
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.


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