Infohabitar, Ano X, n.º 475
Viver ao nível térreo - I
Habitações térreas e opções domésticas e urbanas
Artigo XLIX da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Habitação ligada ao espaço público
Uma das grandes opções de viver o
habitar – habitação e vizinhança e vice-versa – joga-se, sempre que tal é
possível (e assim foi, frequentemente, ao longo de milénios), na escolha de
habitações que tenham relação direta com o espaço público ou de uso público, ou
indireta através de espaços exteriores de uso privado (quintais e pátios
privativos); uma opção que se sintetiza com a ideia de poder “viver ao nível térreo”,
ou bem perto dele e um viver ao nível térreo que é, também, viver mais
intensamente a natureza e o exterior de vizinhança.
Uma
tal opção é determinante da adaptabilidade do habitar assim escolhido e vivido,
seja numa perspetiva de adequação prévia a determinados modos de vida,
eventualmente, mais ruralizados, seja na
perspetiva de resposta a determinados desejos habitacionais e de vivência da
respetiva vizinhança de proximidade e do seu eventual potencial de convívio e de
contato mais “livre” com o exterior, o “ar-livre”, a natureza e o espaço urbano
localmente disponíveis.
Trata-se,
afinal, de um importante fator de adequação e de “liberdade” nas soluções de
habitar que se escolhem, e um fator que, infelizmente, tem sido muito
desprezado em favor das, tantas vezes “estafadas”, soluções-tipo de edifícios "tipo esquerdo-direito."
Fig. 01
Fig. 01
Imagem urbana estimulante
E sublinha-se o também muito importante papel que estas soluções
cumprem na modelação pormenorizada de uma imagem urbana estimulante, porque
diversificada e por vezes orgânica e até lúdica, no acompanhamento visual e
físico que proporciona aos percursos pedonais contíguos, fazendo, de certo
modo, sentir, mais fortemente, nesses percursos o ambiente residencial envolvente
e caraterizador, seja pela quase-contiguidade dos vãos domésticos, seja pela
presença evidenciada de zonas de limiar e de proteção ou enquadramento da
essencial privacidade doméstica - ex., sebes naturais, muros bem
promenorizados, diferenças de nível estratégicas, sequências de vistas bem
estruturadas e marcadas pelo verde urbano, que nesta solução de evidenciação de
um nível térreo residencial e com exteriores privados, pode ser um verde privado,
mas com fruição pública, aspeto este de grande importância na gestão do
exterior.
Ligação habitação-rua
Sobre
a ligação habitação-rua importa aprofundar as possibilidades vivenciais e
arquitetónicas que uma diversidade de relacionamento entre esses dois mundos de
privacidade e convivialidade pode e deve proporcionar com o duplo objectivo de
uma cidade mais variada, atraente e mesmo equilibradamente surpreendente, e de
uma habitação marcada pela identidade – das características formais da solução
(exemplo: volumes, cores e desníveis dos acessos privados, e diferentes
agregações dos mesmos).
Fig. 02
Fig. 02
Tipologias com acessos diretos ao exterior
E a
ideia que se quer aqui deixar é ser plenamente possível e social e
economicamente bem sustentável apostar em soluções deste tipo, que aplicam
média/alta densidade habitacional com edifícios de baixa altura (até
eventualmente sem elevadores), em que boa parte das respetivas habitações têm
acessos diretos a exteriores privados (exemplo: três pisos em que as habitações
térreas têm acesso direto ao exterior e as em 1.º andar também têm acessos por
escada a pequenos talhões privativos).
Ligação entre edifício e rua
Sobre
a ligação edifício-rua já desenvolvemos, em outros artigos desta série, um
conjunto de ideias que se considera básico, mas falta talvez imaginar o que poderia ser uma entrada comum, provavelmente de um
conjunto de habitações não excessivamente dimensionado em termos sociais e físicos,
e onde nos sentíssemos tão individualizados e identificados com a proximidade
“imediata” da nossa “concha” doméstica, como verdadeiramente estimulados, tanto
pela proximidade e uso intensos: (i) dos nossos pequenos espaços exteriores
privados, (ii) do espaço público que os contorna e serve, (iii) e da própria vizinhança
marcada por um sentido agradável e protegido de um conjunto de vizinhos em que
o convívio é claramente apoiado, mas sempre de forma “não imposta”, havendo
alternativas de acesso que o garantam.
Identidade e habitação
Sobre
a ligação habitação-edifício e igualmente numa perspectiva do que poderia ser
uma tal relação, julga-se que são importantes os aspectos de marcação da
identidade da habitação, de segurança maximizada na aproximação à porta da
habitação e de vigilância, a partir do interior, quando se acede à habitação, de
privacidade dos espaços domésticos relativamente a vistas das vizinhanças
envolventes e com uso público (e naturalmente a partir de vãos domésticos
alheios), e mesmo de uma equilibrada antecipação dos ambientes exteriores e interiores
domésticos, em aspectos que não podem fazer arriscar a dignidade do ambiente
comum do edifício e da sua presença na respetiva vizinhança urbana.
Fig. 03
Fig. 03
Vantagens do viver ao nível térreo
Esta
matéria do “viver ao nível térreo” e, consequentemente, do habitar de uma forma
que, potencialmente, pode estar intimamente ligada ao “exterior”, ao “ar-livre”,
“à rua” e, portanto à natureza, à cidade e mesmo à paisagem de proximidade, é
matéria que merece aprofundamento e desenvolvimento posteriores e cuidadosos,
que serão, apenas minimamente explorados em próximo artigo desta série, mas
desde já se sublinham algumas relações a privilegiar no desenvolvimento deste “filão”
de reflexão projetual (sobre o “viver ao nível térreo”):
(i) com a diversificação e adequação tipológica
habitacional;
(ii) com os importantes aspetos de harmonização a
necessidades específicas de acessibilidade;
(iii) com as “novas” preocupações de densificação urbana;
(iv) com a sustentabilidade ambiental e social urbanas;
(v) com um urbanismo renovado e mais humano;
(vi) e com uma oferta habitacional mais caraterizada e
potencialmente apropriável pelos seus
habitantes (fisicamente e em termos de identidade).
Editor: António
Baptista Coelho
INFOHABITAR Ano X,
nº475
Artigo XLIX da
Série habitar e viver melhor
Viver ao nível térreo - I
Grupo Habitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos
Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição:
José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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