Infohabitar, Ano IX, n.º 465
Notas prévias da edição da Infohabitar:
Na proximidade da Festa do Natal, do final
do ano e do início de um novo ano, que será o 10.º ano de edições da
Infohabitar, o que é para nós motivo de grande alegria, referimos aos caros
leitores que as nossas edições de Natal e Ano Novo serão especificamente
caraterizadas por esses períodos do ano, que aliás são por muitos aproveitados
para alguns dias de merecidas férias.
A Infohabitar continuará a marcar a sua presença
semanal nas semanas do Natal e do Ano Novo, mas com intervenções mais ligadas a
essa datas.
Anuncia-se, desde já, que a
primeira edição com conteúdos tecnicos e científicos de 2014 acontecerá no dia 6 de JANEIRO de 2014,
com um artigo do economista e sociólogo catalão Jordi Estivill Pascual
intitulado "Pontes entre a periferia: de Barcelona a Lisboa. Notas ao
redor da gentrificação", para o qual chamamos desde já a vossa atenção,
pelo grande interesse de que se reveste considerando as urgentes e sensíveis
ações de reabilitação social e física dos nosos centros históricos.
A edição da Infohabitar deseja um Santo
Natal a todos os colaboradores e leitores desta revista,
António Baptista Coelho
editor da Infohabitar
Sobre o edifício comum, quase a entrar nos mundos domésticos
Artigo XLII da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Este é um artigo atípico,
por vezes assim acaba por acontecer, designadamente, quando estamos a seguir
uma dada disciplina editorial e não queremos “queimar etapas” temáticas.
A Série “Habitar e Viver
Melhor” está prestes a atravessar a porta dos mundos domésticos (a discutir e
aprofundar ao longo de 2014), mas ainda havia alguns temas a considerar no que
se refere ao edifício multifamiliar.
Sendo assim optou-se por
editar, já de seguida, um pequeno comentário de referência à renovada importância
do habitar nos nossos novos (ou renovados) quadros urbanos, marcando-se assim a
referida passagem de nível físico habitacional – dos espaços comuns do edifício
habitacional para os espaços privados dos mundos domésticos –, seguindo-se,
depois as últimas abordagens a espaços e elementos desse edifício e tratando-se
neste caso, sinteticamente, duas matérias bem distintas: as garagens dos
moradores e a integração da natureza no edifício multifamiliar.
Não queríamos, no entanto, “afastarmo-nos” do edifício
e das suas diversificadas e viáveis soluções multifamiliares, mais ou menos
"coletivas", mais ou menos multifuncionais, mais ou menos
urbanisticamente “embebidas” na continuidade das funcionalidades e das imagens
urbanas locais, mais ou menos “familiares” nas suas escalas e serviços
disponibilizados, etc., etc., sem esta pequena, mas dinâmica, referência às potencialidades
do edifício multifamiliar em termos de um verdadeiro programa habitacional, que
não se limite às funções, mas que integre a outra parte da moeda do habitar,
que vai da humanização à apropriação, levando
de certa forma o sentido doméstico, mais ou menos filtrado, à própria vivência
do edifício; e que pode avançar e já avançou em soluções edificadas
multifamiliares estimulantemente inovadoras, designadamente, nas relações que
evidenciam seja com o meio em que se integram, seja com a "dimensão"
e a importância do rspetivo espaço comum/coletivo, seja com o evidenciar da
contiguidade dos mundos domésticos privativos e familiares.
Aproveita-se assim esta “passagem de nível físico”
do edifício à habitação para sublinhar que iremos tratar esta matéria também
desta forma menos funcional, mas talvez “mais livre e verdadeira” em artigos
individualizados e autonomizados desta série editorial e que a continuidade
desta mesma série não pretende, de forma alguma, e naturalmente, esgotar a
abordagem dos elementos constituintes de um habitar em comum, mas sim
contribuir para uma discussão renovada sobre matérias que, infelizmente,
parecem ser, por vezes, pouco alteráveis e previamente definidas, como se as
tipologias mais correntes fossem uma espécie de fatalidade, o que evidentemente
não é verdade.
Parte 1 – Algumas reflexões sobre “Habitar e Viver Melhor”, num artigo de charneira e de passagem entre as matérias comuns do edifício habitacional e as dos mundos domésticos privados.
O mundo doméstico retoma, hoje em dia, uma
importância que talvez só tenha tido no mundo antigo, quando habitar e
trabalhar profissionalmente se conjugavam, com frequência, nos mesmos espaços
de habitar, condição que, entre outros aspetos, tinha exigências específicas de
integração urbana.
Por outro lado e lembrando-nos que a cidade surgiu
por necessidade civilizacional e humana, porque os homens precisaram dos outros
homens para melhor viverem e prosperarem, também em termos culturais amplos, e
que esta função da cidade se perdeu, em boa parte, nos desvarios dos zonamentos
e da (mono)funcionalidades, geradores de periferias, pseudo-vizinhanças e
também de edifícios e habitações sem vida e sem caráter/”alma”; talvez que por
um amplo e diverso leque de razões, até económicas, nos seja dada, hoje em dia,
uma nova oportunidade de re-habitar a cidade com vitalidade, diversidade e
natural multifuncionalidade.
E é interessante ter em conta que, por outro lado, um
cada vez mais amplo grupo de habitantes que vivem autonomamente, sem ser num
quadro de família corrente ou alargada – até eventualmente por vontade própria
-, e estamos a referir situações de pessoas que vivem sozinhas ou em casais, poderão
encontrar neste renovado quadro urbano e habitacional o sentido gregário e de
companhia, ou o sentido de vida urbana de vizinhança e/ou central que desejam
como elemento complementar da sua autonomia doméstica.
Tudo isto implica renovados quadros de vizinhança e
integração urbana, de equipamentos coletivos, de tipologias edificadas e de
soluções domésticas e de serviços, que urge aprofundar e propor num quadro de
essencial diversidade de ofertas e importa ter em conta que estes caminhos estão
já aí a serem seguidos em casos concretos que podemos experimentar e discutir.
A Série “Habitar e Viver Melhor”, que tem vindo a ser
editada na Infohabitar, desde há mais de uma ano, intercalada por outros
artigos, pretende contribuir para essa discussão, ainda que seguindo uma
perspetiva que está ainda muito alinhada com uma abordagem técnica e científica
das áreas do habitar que, autocriticamente, pode ser considerada talvez
excessivamente funcionalista e sistemática, avançando-se desde as vizinhanças
urbanas, aos espaços comuns dos edifícios e, em breve, pelos espaços domésticos.
No entanto procurou-se desenvolver uma abordagem orgânica
e diversificada desta matérias de como se pode habitar melhor, e pretende-se
que noutros artigos se possa aprofundar um sentido de “programa habitacional mais
livre e multifuncional”, que se julga ter hoje em dia grande interesse nas
cidades que temos de re-habitar e re-vitalizar com as pessoas e as atividades
de hoje.
Fig01: imagem da diversidade tipológica residencial e do verde urbano do bairro realizado em Malmö, quando da exposição BO01 em 2001.
Parte 2 - Das garagens habitacionais à integração da natureza no edifício multifamiliar
São, realmente, assuntos diversos e que exigem
tratamento específico e a desenvolver em futuras oportunidades, mas quis-se
aqui fachar o ciclo do edifício multifamiliar a que dedicámos numerosos artigos
em 2013, de modo a iniciar 2014 e o 10.º ano de edições da Infohabitar com abordagem
aos mundos domésticos.
E chama-se a atenção para o sentido muito sintético,
“de comentário” e apenas exploratório dos dois textos temáticos que se seguem.
Garagens comuns
Sobre as garagens comuns pode muito a dizer,
considerando-se, essencialmente, quatro perspectivas que devem estar na mente
de quem concebe uma garagem comum que se deseje verdadeiramente satisfatória
numa sua utilização frequente.
(i) Um primeiro aspeto está evidentemente ligado às condições de segurança diversificadas que têm de existir numa garagem
habitacional e que aqui não serão desenvolvidas, apontando-se
apenas as críticas temáticas associadas à segurança contra risco de incêndio, à
adequada ventilação e qualidade do ar - com natural destaque para os aspetos associados
à saúde e bem-estar dos habitantes utentes -, e a condições de boa segurança no
“convívio” entre veículos e peões; e em tudo isto não devemos esquecer que
estamos num quadro habitacional de contiguidade com espaços comuns e
indiretamente com habitações.
(ii) O segundo aspeto tem a ver com a existência de
verdadeiras condições de funcionalidade
e manobralidade no arrumar dos veículos e nas suas manobras de entrada e saída e no
interior da garagem.
Não se tem na mente qualquer objectivo de elevada
velocidade e de espaciosidade tão desafogada que até motive a arrumação
desordenada dos mais diversos “trastes” pertença dos habitantes, mas apenas que
se possa entrar, arrumar e sair com verdadeira facilidade; e esta solução casa
bem com aspectos pontuais de intervenção cuidada em termos de integração de
equipamentos de segurança, pintura de faixas de acessibilidade e restante
lettering e outros elementos relativos ao design de comunicação – que são
matérias que não têm de ser “obrigatoriamente” enfadonhas, ou friamente
funcionais, transformando-se a garagem comum residencial numa espécie de espaço
que sobrou, quase inacabado e para o qual se encontrou uma utilidade residual –
o que, evidentemente, não deveria ser o caso.
(iii) O terceiro aspeto é um pouco mais ambicioso,
talvez só aparentemente, e refere-se a uma caraterização da garagem comum como espaço de uso humano e residencial, pelo menos, minimamente
agradável e atraente; condições estas que muito têm a ver com a possibilidade
de existir alguma penetração de luz natural, de poder existir, eventualmente,
alguma presença de vegetação, e com um arranjo formal cuidado, baseado numa
lógica funcional, naturalmente, mas que não “esqueça” que se está a criar uma
garagem residencial e não um simples depósito de veículos.
Neste caso há soluções razoavelmente correntes de
luz natural rasante, de portões gradeados (ou em rede) e que portanto deixam
entrar a luz e, naturalmente, haverá uma escolha ponderada dos acabamentos,
aliando funcionalidade a um eventual sentido super-racionalizado ou caraterizadamente
vernáculo, isto só para apontar soluções mais frequentes. Naturalmente que,
aqui, se manterão os cuidados de segurança, de funcionalidade e de uma
expressiva qualidade do design de comunicação.
(iv) O quarto aspeto é, claramente, mais ambicioso e
tem a ver com a criação de um espaço de garagem dos veículos dos residentes que seja caraterizado por formas e
por um ambiente específico, constituindo-se num elemento funcional e formal
complementar aos espaços residenciais, propriamente ditos, mas gozando de uma
presença própria e marcada por aspetos específico e positivamente
caraterizadores da solução urbana e residencial global, nos quais se
destacarão, muito provavelmente, as ligações entre interior e exterior, os
espaços de transição, a vegetação, os muros, as passagens bem marcadas, as
transparências e os filtros, num jogo de formas, volumes que dê presença a uma
parte edificada e construída que funcione, na prática, como um espaço ou mesmo
um volume aliado do edifício principal, melhorando-lhe a escala geral, a
relação com a escala humana e a transição e eventualmente a fusão com os
edifícios e os espaços livres envolventes.
Como se entende nesta pequena descrição de uma das
inúmeras soluções possíveis, tem-se em mente, neste caso, um espaço edificado
realizado em parte, ou totalmente, à superfície (não subterrâneo portanto), e
um espaço que poderá ocupar, por exemplo, zonas pouco favoráveis para usos
habitacionais, desníveis de terreno, espaços cuja utilização obrigue a
edifícios térreos ou muito baixos. A ideia fundamental que aqui fica é, neste
caso, dar uma forma especial e bem caraterizada a uma espécie de remate de
percursos urbanos, que seja simultaneamente, uma “frente avançada” dos espaços
especificamente habitacionais e é possível jogar com estes espaços criando, por
exemplo, outros espaços de transição (ex., pátios alongados), entremeados entre
a habitação e estas soluções de estacionamento em boa parte à superfície.
Naturalmente que também aqui se manterão os cuidados
funcionais e uma expressiva qualidade do design de comunicação, imaginando-se
que esta opção poderá, ainda, fundir outras atividades neste corpo edificado
com alguma presença própria, e pensa-se, por exemplo, em outros espaços do
condomínio, mas também em pequenos equipamentos que sirvam a vizinhança.
Fig02: imagem do verde urbano "protagonista" no bairro realizado em Malmö, quando da exposição BO01 em 2001.
Elementos “verdes”
Apontarem-se, aqui, os elementos “verdes”, além da
reflexão que foi sendo feita em diversos artigos desta série editorial, a
propósito da sua importância no âmbito dos aspectos qualitativos a privilegiar
nos espaços comuns residenciais, corresponde a uma contínua reafirmação da
importância da integração da natureza nos espaços habitacionais pormenorizados.
Pode ser uma árvore preexistente que marque uma dada
ocupação, pode ser um espaço exterior permeável onde as plantas entremeiam a
calçada, pode ser um pátio ajardinado que funcione como rótula ou como presença
suavizadora entre volumes edificados, pode ser uma opção por coberturas
ajardinadas ou soluções com terraços ajardinados, pode ser, até apenas, o
privilegiar de simples soluções com pequenos quintais térreos naturalizados ou,
ainda, simples varandas adequadamente desenhadas para receberem bem grandes e
fundas floreiras, ou até apenas grandes vasos com plantas.
Pode ser tudo isto e outras soluções imaginadas por
quem projeta, mas não pode haver mais ausência de consideração de uma
integração, verdadeiramente protagonista, dos elementos naturais nos edifícios
residenciais; um protagonismo marcado, seja em soluções mais estruturantes,
seja em pormenores naturalmente evidenciados. Não se trata apenas de ajudar a
uma renaturalização do mundo, trata-se de agir em termos didáticos nesse
sentido e trata-se, acima de tudo, de dar aos espaços residenciais mais naturalidade,
mais afetividade, mas “suavidade”, e mais apropriação.
E é importante assumirmos a grande relação que
existe entre habitar e natureza, seja numa perspetiva histórica de
complementaridade e de equilíbrio que tem, provavelmente, a ver, por exemplo,
com a relação entre orlas de bosques e povoados, mas também, por exemplo, com a
própria noção simbólica da árvore protectora e da árvore geradora de vida.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho
- abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº465
Artigo XLII da Série habitar e viver melhor
INFOHABITAR Ano IX, nº465
Artigo XLII da Série habitar e viver melhor
Sobre o edifício comum, quase a entrar nos mundos domésticos
Grupo Habitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
do LNEC
Edição: José Baptista
Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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