Infohabitar, Ano IX, n.º 463
A Infohabitar continua a editar o artigo do
colega Anselmo Belém Machado, intitulado “Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial
Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e
Braga-Portugal.” Devido à sua extensão o artigo foi dividido em três partes,
que são registadas no seguinte índice/sumário (a bold/negrito os itens editados na presente semana), salientando-se
que a respetiva terceira e última parte será editada na próxima semana:
segunda-feira dia 9 de dezembro de 2013.
O editor da Infohabitar
António Baptista Coelho
Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e Braga-Portugal - Parte II
SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS NO PASSADO
Anselmo Belém Machado
SUMÁRIO:
Resumo
01 INTRODUÇÃO
02 O PLANEJAMENTO URBANO E O PLANO DIRETOR
COMO RESPONSÁVEL PELA SOLUÇÃO DO PROBLEMA DA SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL
03 SEGREGAÇÃO
SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS
NO PASSADO
04 MANIFESTAÇÕES ESPACIAIS DIFERENCIADAS
DE SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL INDUZIDAS PELO PLANEJAMENTO URBANO - O ESTUDO DE
CASO: ARACAJU-BRASIL E BRAGA-PORTUGAL
05 CONSIDERAÇÕES FINAIS
06 REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
RESUMO
Este artigo analisa
o processo de segregação sócio espacial que vem ocorrendo a nível mundial. Como
este processo tem crescido principalmente, a partir das revoluções industriais
dos séculos XVIII e XIX, período onde a indústria teve grande salto e a industrialização foi
desencadeada por todos os continentes.
Esta proliferação das indústrias
mundialmente foi reforçada pela descoberta do petróleo e da energia elétrica. A
partir do século XIX e início do século XX a segregação urbana se tornou um
problema que vem afetando indiretamente e diretamente a saúde da população de
maneira mais forte nas metrópoles e mais recentemente também nas cidades de
menor porte. Por isto a cada década se torna maior a necessidade do
planejamento urbano.
Atualmente a existência do Plano Diretor Urbano é
obrigatória não só nas cidades dos países desenvolvidos, mas principalmente nas
cidades dos países onde a economia é dependente das decisões dos países
centrais. Hoje os Planos Diretores Urbanos Municipais são considerados
responsáveis pela solução dos problemas urbanos. Mas constata-se que muitos dos
Planos Diretores Municipais existentes nos países considerados dependentes
(como o caso do Brasil) têm aprofundado o problema de segregação sócio espacial
ao invés de diminuir este problema.
Neste sentido fizemos um estudo paralelo,
entre duas cidades: Uma existente no Brasil – Aracaju e outra existente em
Portugal – Braga, para demonstrar que após mais de treze anos da existência dos
Planos Diretores de Urbanos nestas cidades o processo de segregação urbana tem
sido controlado e até diminuído na cidade portuguesa. Por outro lado, na cidade
brasileira de Aracaju, os seus problemas urbanos tem aumentado.
Para finalizar
demonstramos no estudo de caso que nas cidades onde os Planos Diretores urbanos
não foram feitos de maneira séria e democrática, com a participação popular,
têm aumentado os problemas urbanos. Nos últimos treze anos estes problemas de
segregação sócio espacial tem tido um aumento considerável. Este fato tem
interferido mais fortemente e até induzido negativamente na saúde da população
de baixa renda que reside nas áreas (bairros, distritos) onde a infraestrutura
urbana é muito precária.
3 – SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS NO PASSADO.
A cidade,
principalmente a moderna e contemporânea, é o local em que se localiza o centro
do poder da decisão sobre as diversas paisagens e diferentes índices de
ocupação urbana. Nela concentram-se as decisões dos grupos dominantes que são
representados pelos “agentes produtores do espaço urbano” que segundo SPOSITO
(2008. P.24), citando Roberto Lobato Corrêa, são representados pelos
proprietários dos meios de produção – personificados pelos donos de grandes
indústrias e empresas do comércio – que estabelecem as dimensões de ocupações
definindo os tipos, formatos e paisagens dos espaços construídos. Os
proprietários fundiários buscam mais o valor de troca do solo urbano do que o
seu valor de uso.
Segundo SPOSITO
(2008), os promotores imobiliários são responsáveis por operações que facilitam
a compra e a venda de fragmentos da cidade. Essas operações são: a)
Incorporação: escolha, divisão e qualificação dos lotes de terrenos ou dos
edifícios para moradia ou produção de mercadorias; b) Financiamento:
disponibilização de dinheiro necessário para o comprador se apropriar de um
imóvel; c) Estudo técnico: para adequar as obras conforme os parâmetros legais
e avaliar possibilidades de comércio e de lucro; d) Construção: definindo as
construtoras e as forças de trabalho necessárias para a construção dos imóveis;
e) Comercialização: transformação da mercadoria em capital-dinheiro, agora
acrescido de lucros.
Ainda se referindo
aos mesmos autores citados (Idem. p.26), outro agente produtor do espaço urbano
é a instituição do Estado, que tem atuação em diferentes frentes, e é marcado
pelos conflitos de interesses dos diferentes membros da sociedade de classes,
bem como pela aliança entre eles. Mas o que está bem claro é que os grupos
dominantes utilizam a instituição do “Estado” para legitimar as ocupações dos
espaços urbanos, mesmo que estas ocupações ocorram em área considerada de
preservação permanente. Como exemplo deste caso existente no Brasil/Aracaju,
podemos citar o conjunto habitacional do Governo Federal Sérgio Vieira de
Mello, que foi mais uma obra do Governo Federal (Programa-PAR) (9) construída em Aracaju sobre áreas
de manguezais, que está localizado na porção leste do bairro São Conrado.
Fig. 04 - Vista da entrada do
Condomínio Sérgio Vieira de Mello-Bairro São Conrado, observando-se, ao fundo,
o manguezal bem rente ao muro do condomínio - FONTE: ACERVO ANSELMO BELÉM
MACHADO-BAIRRO SÃO CONRADO-20-NOVEMBRO-2013.
Assim, podemos
evidenciar que os agentes produtores do espaço urbano estão sempre articulados
entre si, de forma que, continuam agindo para transformar a cidade, mas sempre
em busca de seus interesses. Por outro lado, em detrimento dos interesses das
populações (inclusive as mais carentes), estes agentes ocupam áreas de
preservação, burlando a legislação ambiental e fazendo o “papel” de bonzinhos,
à medida que facilitam a construção de conjuntos habitacionais nestas áreas.
Estas áreas são, muitas vezes, carentes de infraestrutura urbana básica e,
quando têm, estão localizadas dentro do mangue e/ou em áreas sujeitas à grande
possibilidade de enchentes, quer seja em épocas de chuvas ou mesmo pela cheias
das marés.
Contudo SPOSITO
descreve que existe também outro agente produtor do espaço urbano que interfere
profundamente na estrutura urbana e social da cidade:
“Os Grupos Sociais
excluídos que são aqueles que demandam, sobretudo, moradia nas cidades. Como o
acesso à moradia ocorre em um processo seletivo por causa das próprias
condições da cidade capitalista, a casa é, em grande parte, produzida pelo
sistema de autoconstrução em loteamentos periféricos em relação à cidade mais
densamente ocupada ou até mesmo em loteamentos clandestinos localizados, no
extremo, em áreas públicas ou de proteção ambiental.” (2008, p.27).
Este fato pode ser
evidenciado na porção leste do bairro São Conrado, mais precisamente nas
proximidades das ruas mangabinhas onde a construção de casas ocorre de forma
irregular e bem na margem do riacho afluente do rio poxim.
Assim, SPOSITO
(2008, pp. 27/28) esclarece que a cidade cresce, conforme as suas
características históricas próprias, comportando três tipos de crescimento: o
primeiro é o POPULACIONAL; o segundo é o componente de CRESCIMENTO HORIZONTAL,
que é definido pelo perímetro de sua planta urbana; e o terceiro é o
CRESCIMENTO VERTICAL.
Como o perímetro da cidade é limitado, então, é
estimulado, pelos supracitados agentes, o crescimento vertical, ou seja, o
aumento do número de edifícios em vários bairros da cidade, com diferentes
preços, de acordo com a sua localização, em áreas mais ou menos valorizadas da
cidade. O processo de crescimento da cidade nestes três tipos citados
(populacional, crescimento horizontal e vertical) só corrobora para o crescente
processo de segregação sócio espacial, tornando a cidade cada vez mais
mercantilizada e excludente. Então, como podemos (todos os que compomos a
cidade) conviver pacificamente em uma cidade desumanizada? Esta é a pergunta
que não quer calar.
Os políticos, que,
na esfera citadina, são os prefeitos e vereadores, agem como representantes do
Estado, de forma que legitimam a ação dos demais produtores do espaço urbano.
Os excluídos (os ocupantes de favelas, cortiços e a população dispersa em
diversas ocupações inadequadas na cidade com a citada acima) também exercem
influência e pressão social por moradia (10) no espaço da cidade.
Quanto mais a cidade cresce, mais poder de influência este grupo tem principalmente
nas regiões metropolitanas ou nas cidades em que a ocupação humana, na sua
periferia rural-urbana, chega a ultrapassar os seus limites
político-administrativos. Como exemplos, podemos citar o que já está ocorrendo
em Aracaju (Nordeste-Brasil), nas suas zonas de expansão urbana, localizadas na
região sul da cidade (mais fortemente no Mosqueiro e Aruana) e mais
recentemente também nos arredores do bairro Santa Lúcia.
Continuando a
análise sobre o Brasil temos constatado que os planejamentos urbanos estão
sendo realizados desde o final do século XIX (mais especificamente no eixo Rio
de Janeiro e São Paulo), mas o caos urbano vem, a cada dia, sendo inevitável.
Assim, após vários anos de debates e tentativa em democratizar a cidade, foi
elaborada, no Brasil, a Constituição Federal de 1988, que, a partir de então,
teve um destacado papel para tentar “assegurar o exercício dos direitos sociais
e individuais, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social” (OLIVEIRA. 2001. p. 3).
Para OLIVEIRA
(2001), a “nova” Constituição de 1988 teve grande avanço quando da “inclusão
dos artigos 182 e 183, compondo o capítulo da Política Urbana” (idem. P.3).
“Desta forma, o Estatuto da Cidade, que foi aprovado em Brasília, em 2001,
depois de inúmeros debates, proposições dos parlamentares e de vários vetos,
foi aprovado conforme a Lei nº 10.257, e publicado com o título de Estatuto da
cidade”, está organizado em diversas partes:
(i) “Na primeira,
são abordadas as diretrizes gerais do Estatuto, apresentando as metas que se
desejam ver atendidas e que envolvam todas as esferas do poder público –
municipal, estadual e federal”.
(ii) Na segunda, se
aborda a gestão democrática nas cidades, importante conquista dos movimentos
populares, hoje, gravada em lei.
(iii) A seguir, o
plano diretor é apresentado, enfatizando seu papel como instrumento básico da
política de desenvolvimento e de expansão urbana, as suas recentes
características e as possibilidades para atuação na esfera local.
(iv) Na quarta
parte, se encontram os instrumentos previstos para se alcançar os importantes
princípios de função social da propriedade, de justa “distribuição dos
benefícios e dos ônus decorrentes da urbanização e a primazia do interesse
público nas ações relativas à Política Urbana” (OLIVEIRA. 2001. p.5).
Portanto, segundo o
Estatuto da Cidade, a partir de 2001, todas as cidades acima de 20 mil
habitantes e suas regiões metropolitanas deveriam elaborar os seus planos
diretores para tentarem se adequar neste Estatuto. Assim, inúmeros planos
diretores começaram a ser criados e implantados nas cidades por todo o Brasil.
Mas a grande maioria, para não dizer quase todos, foi fruto de acordos que
foram realizados entre empresas e gestores municipais.
Estas empresas e
políticos estão atrelados aos agentes produtores do espaço urbano. Com isto,
foram elaborados planos diretores com inúmeras falhas, o que tem gerado a
continuidade e o aumento da desordem urbana em vez de tentar minimizá-la.
De tal modo, também
foi elaborado, há mais de dez anos, o plano diretor de desenvolvimento urbano
de Aracaju. Este Plano Diretor passou por uma revisão e esta revisão foi
concluída em março de 2012. Mas após várias propostas serem debatidas e
elaborados documentos por entidades de classes de profissionais e por
associações de moradores e até pela participação de grupos religiosos, o
documento original (PDDUSA) (11) não foi alterado, pois estas revisões não têm
poder de deliberação.
A questão é: por
quem foi feito o plano diretor? E qual o objetivo deste plano diretor? A
maneira como foram escritos os seus artigos só tem a favorecer os grupos
privilegiados em detrimento da grande maioria da população, que inclusive parte
considerável dela não tem saúde equilibrada e são subnutridos. O plano diretor
de desenvolvimento urbano de Aracaju segue um traçado de reprodução do status quo da cidade e, com isto, tem
favorecido a reprodução de uma classe social privilegiada e de um grande
contingente populacional de excluídos. Com a continuidade de precária
infraestrutura, com ruas sem pavimentação, esgoto a céu aberto e péssimas
condições de higiene e ainda a falta de uma educação higiênica só tem reforçado
o problema da péssima condição de saúde de sua população, que reside nas áreas
em redor da cidade ou da região denominada de periferia rural-urbana.
O Plano Diretor de
desenvolvimento urbano de Aracaju deveria estabelecer limites de ocupação do
solo urbano de maneira ordenada, respeitando a existência de boa infraestrutura
e ocupação dos terrenos. Também deveriam ser analisadas todas as condições de
redes de esgotos, de sistema de drenagem, de ocupação residencial, da gestão
dos resíduos sólidos, de maneira controlada e adequada a um projeto com
qualidade técnica reconhecida.
Aracaju, hoje, vive
um grande problema decorrente da falta de planejamento urbano mais adequado ao
seu modelo citadino (12), pois, nos últimos cinquenta anos (13) tem crescido de
maneira muito rápida particularmente após a instalação de uma sede
administrativa da Petrobrás em Aracaju na década de sessenta. Na década de
setenta vários novos conjuntos habitacionais (14) foram criados e grandes
contingentes populacionais foram deslocados para a região da grande Aracaju.
Esta estratégia foi realizada tentando minimizar a concentração populacional na
região “core” da capital, área esta
composta pelo centro antigo da cidade e os bairros localizados mais ao sul da
cidade. Mas isto não tem resolvido a questão, uma vez que a população aumenta
continuamente na região metropolitana. (15)
Nesta região se
concentra grande parte dos problemas urbanos como também de saúde, de falta de
moradia, de precário sistema de esgoto (quando existe). Estes problemas são
maximizados por vários fatores que estão ocorrendo em ritmo crescente, tais
como:
1 - criminalidade –
aumento do uso de drogas, furtos de residências e veículos, crescente
homicídios, roubos a mão armada, entre outros tipos de crimes.
2 - crescente
aumento do número de veículos, (o que tem provocado poluição sonora e de
fuligem).
3 - Também tem
aumentado a ocupação e o impacto ambiental junto às áreas de preservação
permanente, nas áreas próximas aos estuários dos rios existentes nestes
municípios.
4 - Ainda existem
inúmeros outros problemas, como a valorização imobiliária, que têm crescido com
o aumento da população nesta região, problemas estes que foram intensificados
com a construção de pontes que têm triplicado o deslocamento populacional
diário e a valorização imobiliária, visto que a presença das pontes, nestes
municípios, agregou valor de troca ao solo urbano, como é o caso do município
de Barra dos Coqueiros, localizado ao leste de Aracaju, com a construção da
ponte “João Alves” (2006) que interliga este município vizinho à capital.
Também foram construídas novas pontes no Estado de Sergipe nos últimos três
anos como as pontes construídas na divisa nos municípios de Aracaju e
Itaporanga D’ajuda e Estância e Indiaroba.
A cidade de Aracaju
necessita urgentemente de um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
Sustentável, e, para que isto ocorra, deve existir uma ordenação de ocupação do
solo de maneira adequada com um determinado coeficiente de aproveitamento (16).
Quanto maior o índice de ocupação do solo, maior será o número de pessoas
vivendo por metro quadrado.
A cidade tem que ser analisada de maneira
diferenciada, em que cada bairro ou área de zoneamento seja analisado conforme
a quantidade de sua população, o tipo de terreno, a proximidade de áreas de
preservação e que tipo de edificação exista no local. Mas, da maneira como o
Plano Diretor foi redigido hoje, ele só tende a piorar a situação do caos
urbano e a cidade não crescerá de maneira sustentável, como já está ocorrendo.
“Dessa forma, é
importante planejar a cidade em todos os seus aspectos. Com a globalização,
essa tarefa torna-se mais árdua, isto porque o tempo se acelera bem como os
fluxos que estruturam a rede também se alteram com intensa rapidez, o que
produz um ambiente extremamente mutável; essa capacidade de mutação constante
faz com que as estratégias percam o valor usual em pouco tempo, assim, é
importante planejar tendo em vista essa flexibilidade estratégica, visando
antes de tudo à importância do elemento humano e sua capacidade administrativa,
e ansiando resultados bem como flexibilidade. Enquanto se pautar o planejamento
urbano apenas em aspectos quantitativos e documentais, aviltando o potencial
estratégico humano, teremos ações pouco eficazes, uma vez que números e
documentos não revelam os anseios e necessidades da sociedade” (FARIA. 2009.
P.164).
Aracaju não foge a
esta regra, pois sabemos que a globalização está influenciando as cidades
mundialmente. Portanto, precisamos valorizar mais “o potencial humano” e levar
sempre em consideração suas reais necessidades.
Outro problema
recente que está afetando mais fortemente a cidade de Aracaju é o problema da
mobilidade urbana. A quantidade de automóveis, motocicletas e caminhões
circulando nas ruas aracajuanas só tem se intensificado. Segundo o Departamento
Estadual de Trânsito, hoje existe, em Aracaju, um total de 228.567 (17)
veículos em circulação. Segundo esta mesma fonte de dados, ocorreu um
crescimento impressionante de 183,8%, no percentual de automóveis no período de
2001 a 2011.
Existe, hoje, em
processo de discussão o PDDUS (18) de Aracaju e, entre as alterações propostas,
uma questão referente ao capítulo V, da política de transportes, tráfego e
sistema viário, Artigo 80 e em seu item I que descreve: “Desenvolver o sistema
de transporte em que o uso coletivo prevaleça sobre o uso individual.” (DIÁRIO
OFICIAL DE ARACAJU. 5-09-2011). A sociedade cível organizada (19) está tentando
incluir este item como fundamental para o início da tentativa de soluções para
minimizar o trânsito caótico de Aracaju.
Mais recentemente
(em 03-01-12), foi aprovada a Lei nº 12.587/2012 que regulamenta a política
nacional de mobilidade urbana no Brasil. Espero que, com esta Lei, as
prefeituras possam adequar mais a cidade ao cidadão, ou seja, que o caos urbano
seja mais controlado e que a cidade se torne mais humanizada, com mais
ciclovias, mais passarelas para pedestres, mais árvores para tornar a cidade
mais oxigenada, abertura de novas vias de acessos, melhores transportes
coletivos, qualificação e melhores salários dos motoristas de ônibus,
corredores para ônibus, novas ruas e avenidas mais largas e menos carros no
mesmo espaço nas horas mais críticas do trânsito (20), garagens verticais,
metrô de superfície, rodízio dos automóveis, corredores específicos para
ônibus, metrô de superfície, etc.
As avenidas e ruas
de Aracaju não têm mais espaço para esta quantidade de automóveis que aumenta
de maneira assustadora. Para tentar minimizar este problema, seria necessário
aumentar o quantitativo de vias de interligação ao redor do perímetro urbano de
Aracaju e que o transporte coletivo de massa fosse multiplicado e melhorado em
sua qualidade, além de construir novas ciclovias e estimular os cidadãos a
pedalar.
Fig. 05 – Aracaju,
Bairro Jardins – atrás da área de manguezal, bem próximo, observa-se o
crescimento vertical recente, evidenciando a grande valorização imobiliária da
área – FONTE:ACERVO ANSELMO BELÉM MACHADO-ARACAJU-BAIRRO JARDINS-20-11-2013.
O Plano Diretor de
Aracaju passou por uma série de audiências públicas até março de 2012,
inclusive com a participação da sociedade civil “organizada”. Embora não tenha
poder de deliberação, foi uma atitude louvável, mas precisamos deixar bem claro
que é o poder público municipal que tem o poder de decisão final. A sociedade
civil tem contribuído, mas os agentes produtores do espaço urbano têm
interesses próprios e que são divergentes dos da grande maioria da população
aracajuana e principalmente da população de sua região metropolitana.
Basta analisar a
segregação sócio espacial pela qual passa a cidade e observar como foram e são
construídos os edifícios e condomínios na zona sul da Aracaju (21) sem respeitar os limites e recuos
definidos na lei de uso do solo urbano. Não só Plano Diretor de Aracaju é
falho, de modo geral todos os planos diretores no Brasil são falhos. A grande
maioria da população não participou das audiências e nem poderia, pois neste
contexto não existe a possibilidade de sua participação em forma de seminários,
audiências e reuniões de profissionais. A população não entende esta
“linguagem”.
Segundo VILLAÇA os
Planos diretores foram falhos, pois não seguiram as necessidades reais das
populações mais carentes e sim os interesses dos grupos privilegiados.
Acompanhando este raciocínio afirmo que a população está à margem de embates
teóricos. A grande maioria da população é carente não só de casa, alimento e
saúde. É carente também para entender este contexto de ideias, planos, mapas,
artigos etc. Para Flávio Villaça não existe de fato a participação popular.
“A “Participação
Popular” conferiria um toque de democracia, igualdade e justiça às decisões
políticas. Ela passou a ser divulgada como uma espécie de vacina contra a
arbitrariedade, a prepotência e a injustiça. Com ela, todos se tornariam iguais
perante o poder público. É essa ilusão que a recente ênfase, em Plano Diretor
Participativo – querendo ou não – procura inculcar na opinião pública. O que
raramente aparece é que os grupos e classes sociais têm não só poderes político
e econômico muito diferentes, mas também diferentes métodos de atuação,
diferentes canais de acesso ao poder e, principalmente – algo que se procura sempre
esconder – diferentes interesses. Evidentemente num país desigual como o
Brasil, com uma abismal diferença de poder político entre as classes sociais,
conseguir uma participação popular democrática – que pressuporia um mínimo de
igualdade – é difícil. Essa é a principal razão da “ilusão da Participação
Popular”. “Assim, os debates públicos seriam apenas a ponta do iceberg, ou seja, aquilo que não aparece
é muito maior do que a parte que aparece.” (VILLAÇA. 2005.p.50).
Neste sentido esta
tese é reproduzida também em Aracaju, onde constatamos quase nenhuma
participação popular de maneira efetiva. Os Planos Diretores têm seus “donos” e
estes não são da classe popular, a de menor poder aquisitivo. Estes donos
constroem os Planos Diretores seguindo os seus interesses e desejos e não os da
grande maioria da população.
Reforçando a
existência desta problemática descrita acima, faremos uma citação radical, mas
que não deixa de ser realista diante das contradições existentes, tanto no
Plano Diretor de Aracaju como de todos realizados no Brasil e America Latina:
“Os planos diretores fracassaram não só em São Paulo, mas em todo o Brasil e a
América Latina. Fracassaram não só porque eram falhos, mas porque tomaram os
desejos pela realidade” (SINGER. 1995. p.177).
Assim, resta-nos,
como estudiosos da academia, propor ideias para minimizar os seus efeitos e,
quem sabe, reescrever mais um novo Plano diretor de Desenvolvimento Urbano
realmente sustentável.
A problemática dos
problemas urbanos existe desde os tempos remotos, mas, com o processo de
urbanização mundial, principalmente, após as revoluções industriais, só tem se
agravado. As inovações tecnológicas trouxeram inúmeras soluções para vários
problemas relacionados às questões do viver urbano, tais como descobertas nas
áreas da saúde, da engenharia, da área automobilística, da área das
telecomunicações etc., mas, com a intensidade e com o descontrole neste
processo de urbanização, os problemas urbanos foram sendo multiplicados e
irradiados mundialmente, principalmente com a globalização.
Neste sentido, o
mundo ficou mais interligado com os avanços na área tecnológica, nos meios de
transporte, na telecomunicação (principalmente com a Internet). As distâncias
também foram mais facilmente vencidas e as decisões que atingem as cidades são
tomadas rapidamente, o que tem favorecido o processo de segregação sócio
espacial, tornando as cidades menos humanizadas. Assim, a necessidade de se
tentar minimizar os problemas e ordenar a ocupação urbana são decisões que já
estão atrasadas, frente aos conflitos urbanos que estamos vivenciando em um
ritmo muito acelerado.
A proposta de
realização de um planejamento adequado à boa qualidade de vida e de proteção
contínua ao meio ambiente é fator primordial para se tentar minimizar este caos
urbano. Mas, tomando como exemplo o caso de Aracaju-Brasil, a maneira como o
seu atual plano diretor de desenvolvimento urbano sustentável foi escrito só
contribui para aprofundar a heterogeneidade econômica e a segregação sócio
espacial de seu espaço construído, contribuindo, deste modo, para tornar a
cidade cada vez mais desumana.
Este artigo continua e termina na próxima semana, no N.º 464 da Infohabitar, com a edição da sua 3.ª e última parte dedicada ao tema: MANIFESTAÇÕES ESPACIAIS DIFERENCIADAS DE SEGREGAÇÃO SÓCIOESPACIAL INDUZIDAS PELO PLANEJAMENTO URBANO – O ESTUDO DE CASO: ARACAJU-BRASIL E BRAGA-PORTUGAL, E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Notas:
(9) PAR- Programa de Arrendamento Residencial que faz
parte da política habitacional promovida pela Caixa Econômica Federal.
(10) Pressão esta que eu considero ainda
muito fraca em virtude dos grupos excluídos não serem organizados nem terem
ainda, no caso da cidade de Aracaju, ações planejadas e articuladas de
enfrentamentos mais concretas.
(11) PDDUSA - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
Sustentável de Aracaju
(12) Modelo Citadino: A prefeitura Aracaju como
cidade modelo e com a capital nordestina da qualidade de vida. Portanto este
modelo propagado não condiz com a realidade social e econômica nem com a
precária infraestrutura existente em muitos bairros, principalmente os bairros
considerados periféricos.
(13) A Petrobrás foi instalada em Sergipe em 1963
após a descoberta de petróleo na cidade de Carmópolis, logo após foi instalada
também uma sede regional na capital (Aracaju). http://www.petrobras.com.br/pt/quem-somos/nossa-historia/
(14) Entre os anos de 1968 e 2002 foram construídos
em Aracaju 45 Conjuntos Habitacionais populares, com 13.961 unidades
construídas. Dados da CEHOP, 2003 citado em ARAÚJO, 2006, pp.238/239.
(15) A Região Metropolitana de Aracaju no Sergipe é
formada por quatro municípios: Aracaju, que é o município-sede, Barra dos
Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristovão. Ocupa uma área de 860 km2
e tem população total de 835.564 habitantes. In Britannica Escola Online. Enciclopédia Escolar Britannica,
2013. Web, 2013. Disponível em: <http://escola.britannica.com.br/article/483502/regiao-metropolitana>. Acesso em: 20 de setembro de 2013.
(16) Segundo o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Aracaju em seu Artigo 189: “Para garantir a ocupação
do solo de forma adequada às características do meio físico, bem como garantir
o equilíbrio climático da cidade, serão observadas as seguintes normas
urbanísticas no Código de Parcelamento, uso e ocupação do solo: I-Taxa de
ocupação; II- taxa de permeabilidade; III - Recuos e afastamentos; IV -
coeficiente de aproveitamento; V - classificação de usos”. O Coeficiente ou
Índice de Aproveitamento: “É a relação entre a área total construída e a área
total do lote ou gleba. O índice máximo é aplicado a uma determinada zona da
cidade, que limita a área máxima edificável em um lote.” (PDDU-Aracaju, p.26,
2011).
(17) Número de carros, motocicletas,
ônibus e caminhões, segundo o Departamento Estadual de Trânsito em Sergipe
(DETRAN) - Agosto de 2011.
(18) PDDUS - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
Sustentável.
(19) Esta sociedade civil organizada é composta por
grupos, associações de bairros, partidos políticos e entidades representativas
de profissionais liberais, que estão analisaram o PDDUS de Aracaju e
participaram de várias audiências levando propostas de alteração, visando
torná-lo mais democrático. Mas estas propostas, segundo o Estatuto da Cidade,
não têm o poder de decisão, sendo apenas consultivas.
(20) Estes horários mais críticos correspondem aos
horários das 7 horas da manhã e das 18 horas, onde nas principais avenidas da
cidade o trânsito é muito lento e o congestionamento de veículos junto com ônibus,
motocicletas e às vezes também com a presença de caminhões, torna o trânsito
caótico.
(21) Como exemplo podemos citar o condomínio
localizado no bairro jardins próximo à lanchonete Burger King e em frente ao
Hiper Bompreço: Os edifícios Horto do Ipê e Horto da Mangueira que foram
construídos sem o recuo necessário para que os visitantes estacionem seus
veículos. Esta falta de recuo tem prejudicados os outros veículos quando
transitam pela frente dos condomínios descritos.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho -
abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº 463
INFOHABITAR Ano IX, nº 463
Manifestações Espaciais Diferenciadas de Segregação Sócioespacial
Induzidas pelo Planejamento Urbano: Um estudo de caso - Aracaju-Brasil e
Braga-Portugal - Parte II
SEGREGAÇÃO
SÓCIOESPACIAL COMO CONSEQUÊNCIA DOS DIVERSOS PLANEJAMENTOS URBANOS REALIZADOS
NO PASSADO
Grupo Habitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
do LNEC
Edição: José Baptista Coelho
- Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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