Infohabitar, Ano IX, n.º 461
Artigo XLI da Série habitar e viver melhor
Galerias comuns e patins residenciais
António
Baptista Coelho
Aprofundando-se o percurso
comentado por uma adequada programação do edifício habitacional e visando-se,
por regra, a solução multifamiliar mais, ou menos, "coletiva"
abordam-se, sinteticamente, neste artigo, (i) as galerias comuns exteriores e
(ii) interiores e (iii) os patins habitacionais.
Não se pretende, de forma alguma,
esgotar a abordagem destes elementos constituintes de um habitar em comum, mas
sim contribuir para uma discussão renovada sobre matérias que, infelizmente,
parecem ser, por vezes, pouco alteráveis e previamente definidas, como se as
tipologias mais correntes fossem uma espécie de fatalidade, o que evidentemente
não é verdade.
Galerias exteriores habitacionais ( acessos habitacionais )
Sobre as
galerias exteriores muito se escreveu e muito se poderá e deverá escrever, e o
que se pode considerar ser, provavelmente, uma última tendência, não trata nada
bem este tipo de soluções de acesso às habitações, mas julga-se que esta
tendência não considera as verdadeiras vantagens que as galerias comuns
exteriores podem trazer a um habitar mais satisfatório, mais estimulante e mais
flexível e adaptável a diversos modos e gostos de habitar.
De certa
forma trata-se de poder ter “a rua”, logo ali, mesmo, junto à nossa soleira, o
que pode ter aspetos muito interessantes, por exemplo, em vistas diversificadas
sobre o exterior e sobre a aproximação à porta de entrada e no sentido de uma
aliança intensa com a vegetação, uma condição que, ela própria, poderá
caraterizar a solução como se de uma moradia se tratasse, situação esta que
pode ser, ainda, acentuada caso se trate de habitações em dois níveis
("duplex").
Fig. 01:
- um ótimo exemplo de galerias
exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires
Martins e Palma de Melo (1959)
Considerando
os potenciais aspectos negativos desta solução estes concentram-se em soluções
com galerias estreitas e com um elevado número de vizinhos com acesso por cada
galeria, não havendo alternativa de acesso, condições estas que levarão a uma
convivência demasiado próxima, demasiado intensa e “obrigatória”, e que será
agravada caso aconteçam, ou seja provável que venham a acontecer, diferenças significativas
de hábitos de vida diária que posam ter reflexos diretos no uso das galerias e
que não sejam consensualmente aceites por todos os residentes.
Caso não
seja possível ter uma ideia aproximada das características socioculturais e
modos de habitar, mais correntes, dos futuros residentes e haja possibilidade
de poder haver uma significativa diversidade de modos de habitar, não será,
provavelmente, recomendável a aplicação desta solução em galerias comuns
exteriores.
Considerando
a realidade da história habitacional e designadamente a história da nossa
habitação de interesse social (portuguesa) é possível identificar e visitar
casos com galerias exteriores que continuam extremamente bem qualificadas
várias dezenas de anos após a sua ocupação original, assim como, infelizmente,
também encontramos outros casos exatamente com um sinal contrário. Julga-se, no
entanto, que estas situações negativas no uso de galerias exteriores marcaram
os respectivos casos também logo desde a sua utilização original - decorrendo
mais de uma inadequação básica entre a solução e os modos de vida dos seus
habitantes, do que de uma "deficiência estrutural" da solução.
De certa
forma haverá aqui a constatação de que a solução de galeria pode ser bem ou mal
aceite, e as diferenças nos tipos sociais dos respectivos habitantes não
parecem ser razões únicas e suficientes para uma tal discrepância na satisfação
no uso, pois conhecem-se casos que permitem esta última afirmação, por exemplo:
·
o caso de galerias comuns exteriores muito bem apropriadas
por famílias de professores;
·
o caso de galerias comuns (muito alongadas), que não
foram especialmente bem aceites por populações oriundas de barracas, portanto,
de uma relação directa com o espaço exterior – mas atente-se que era a rua e
não uma “rua” muito estreita e elevada;
·
e o caso de galerias dimensionalmente reduzidas em
largura, mas relativamente longas e habitadas por grupos sociais muito
carenciados, e marcadas por aquilo que parece ser uma excelente vivência que se
mantém há dezenas de anos - neste caso numa solução de quarteirão socialmente
diversificado e bem integrado.
Fig. 02:
- um ótimo exemplo de galerias
exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires
Martins e Palma de Melo (1959)
Provavelmente,
para além de outros aspectos entre os quais os que foram atrás referidos,
certas possibilidades ligadas à especificidade de cada local, à diversidade
social, à boa qualidade urbana local e relacional, à qualidade das vistas
paisagísticas longínquas que são possíveis e ao interesse e qualidade dos
espaços exteriores contíguos, que podem ser verdadeiros e atraentes
protagonistas muito bem revelados a partir das galerias exteriores, serão,
talvez, importantes fatores do seu maior êxito.
E não há
que contornar a questão de as galerias comuns mais agradáveis serem aquelas
mais desafogadas e, para tal, nelas se terá de gastar uma quantidade
significativa de metros quadrados de construção; mas aqui também importará a pormenorização das mesmas e a sua estimulante abertura à paisagem de
proximidade.
Do que
se sabe, através de estudos e da observação direta, algumas reflexões,
preliminares, são, no entanto, possíveis:
- Uma
refere-se à solução de galerias largas, quase convertendo-se em ruas elevadas,
que produz resultados interessantes, simulando uma povoação vertical em que os
apartamentos continuam a ligar-se a “ruas”, embora estas se situem muito acima
do solo.
- Outra
aponta que galerias pouco longas podem ter uma apropriação que se aproxima
daquela possível em longas varandas, desde que, como se apontou, as galerias
não sirvam um número excessivo de vizinhos.
- Outra
refere-se à excelente “convivência” entre soluções alternativas de acesso por
elevadores e patins ou por galerias, servindo estas, diretamente, entradas de
serviço; uma solução que estará naturalmente mais ligada a habitações com maior
dimensão, mas que poderá ser aplicada noutros casos, proporcionando-se uma boa
adequação no serviço dos elevadores a um amplo número de habitações.
- Outra
tem a ver com a atraente vibração da fachada, em volumes e contrastes de
claro/escuro que são proporcionadas pelas galerias exteriores comuns, em
efeitos que podem ser atraentemente reforçados através de uma adequada escolha
de materiais, texturas e cores. E aqui é interessante refletir que esta opção
tanto pode servir um efeito final de grande purismo, racionalidade e leveza
formal, como um efeito bem distinto, rústico ou mesmo vernáculo, e com
conotações ligadas ao abrigo primitivo.
- Outra
tem a ver com a diferença ambiental e de caráter que diferencia, de forma tão
distinta, as soluções edificadas fortemente interiorizadas, em que de imediato
associamos os espaços comuns a sítios quase claustrofóbicos (e para isso
contribuem alguns regulamentos), sem luz natural e muitas vezes com problemas
de ventilação aparentes nos cheiros que neles se infiltram a partir das
habitações, das soluções edificadas onde para lá da porta está, quase, a rua, o
sol, o vento, as copas das árvores e os bandos de pássaros. São, realmente situações
bem diferentes no respectivo potencial de agradabilidade e de satisfação que
possibilitam aos seus habitantes.
- Outra
reflexão põe em relevo que a caracterização dos aspectos de intimidade nos
circuitos comuns que levam à porta do fogo pode viabilizar uma boa solução de
galerias exteriores, acentuando, por outro lado, uma estimulante aproximação a
uma “imagem” de agregação de “moradias”.
- Ainda
outra reflexão aponta que os acessos em galerias exteriores podem ser os mais
adequados a soluções que privilegiem a acessibilidade a uma grande diversidade
de utentes, tais como crianças, idosos e pessoas carregadas ou empurrando
carrinhos; isto desde que não havendo desníveis entre as galerias e as
habitações – a privacidade tem de estar solucionada de outra forma. Mas nesta
matéria e referindo John Noble e Barbara Adams (1), há pessoas que valorizam a privacidade e a sensação
de abrigo que são características dos acessos por escada e patim.
- Voltando
a referir o estudo de John Noble e Barbara Adams (3), importa considerar que galerias de acesso comum
muito elevadas podem ser ambientalmente pouco confortáveis, porque muito
expostas aos excessos climáticos; uma condição que poderá, no entanto, ser
levada em conta no respectivo projeto.
- E não
podemos descurar o potencial de inovação habitacional associado ao
desenvolvimento de galerias exteriores comuns ou até quem sabe de uso público;
matéria que terá de ficar para desenvolvimentos posteriores.
Patins de distribuição das habitações ( habitação acessos )
Os patins de distribuição para habitações
podem ser, tal como as entradas comuns dos edifícios, extremamente contidos em
termos de reduzido desafogo espacial e de acabamentos muito económicos, ou,
pelo contrário, desenvolverem-se em espaços desafogados e caracterizados, por
exemplo, por elementos de arte.
Há patins habitacionais mínimos
em que, praticamente, não há espaço para mais nada, a não ser as portas, e que
são sentidos como adequados, como íntimos e bem agradáveis; e habitualmente
esta situação liga-se a patins bem cheios de luz natural e que, assim, ganham
uma outra ampla dimensão, mas podem estar associados, apenas, a uma racional,
sóbria e muito digna pormenorização, em que fica aparente a intenção de
associar o máximo de espaço construído às próprias unidades habitacionais privativas.
Será que a função essencial
destes espaços é o apoio à entrada nas habitações, devendo, essencialmente,
enquadrar essa entrada em termos de dignidade e equilibrada capacidade de
apropriação? Ou será possível atribuir aos patins outras finalidades?
Fig. 03:
- um dos agradáveis patins
comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e
Palma de Melo (1959)
É, provavelmente, difícil
atribuir aos patins residenciais outras funções que não as do acesso aos fogos,
da equilibrada separação entre as vistas que são possíveis entre as portas
privadas de cada patim e de identificação e apropriação, equilibradas, de cada
porta e dos espaços mais próximos de cada porta.
E será possível exercer estas
funções em tristes espaços interiores, sem luz natural? Parece que não, e,
assim, acabamos de colocar fora do conjunto de espaços residenciais
potencialmente geradores de satisfação um grande grupo de edifícios.
E é interessante refletir que a
questão de se tratar de um patim interior, mas com boa luz natural, ou
exterior, não é algo que influencia, de forma significativa, a satisfação
possível; mas se for interior e não receber luz natural, então o resultado é um
espaço, habitualmente, claustrofóbico do qual temos vontade de sair rapidamente,
seja para os outros espaços comuns, seja para a “salvação”, que marca a
abertura da porta de uma habitação, uma “salvação” que está muito ligada à
entrada de luz natural, no patim, quando exista essa luz natural no interior da
habitação, o que, infelizmente, nem sempre acontece.
Galerias interiores ( corredores comuns habitacionais )
Aproveitando estarmos a falar de
patins interiores, passemos, agora, às galerias interiores, uma espécie de
grandes patins interiores muito alongados.
E o que se disse sobre os patins
interiores é reforçado para as galerias interiores, cujo “grau de potencial de
satisfação” está inteiramente dependente da existência de boas condições de
iluminação natural; de certa forma, podemos dizer que a única possibilidade de
se viverem galerias interiores é estas serem caracterizadas por excelentes
condições de luz e ventilação naturais, que, no caso das galerias que correm no
interior dos edifícios, são habitualmente condições de luz e ventilação a
partir da cobertura.
E vale a pena reafirmar que a
existência de galerias interiores sem luz natural configura uma daquelas
soluções residenciais com um maior potencial de influências negativas no uso
diário do respectivo edifício. Realmente, aqui, o espaço comum criado é, quase
sempre e fortemente, claustrofóbico e se a uma condição como esta associarmos
habitações cujos vestíbulos também não recebam luz natural, então, o resultado
é fortemente negativo.
Fig. 04: as galerias interiores comuns residenciais
podem ser excelentes, tal como é aqui ilustrado com o exemplo da Cooperatiova
Caselcoop no bairro de Caselas, lisboa, projeto do aqruiteto Justino de Morais
(na imagem á direita).
Evidentemente que condições de espaciosidade
desafogadas e um cuidadoso acabamento formal (ex., texturas, cores, sinalética,
luz artificial) podem suavizar o resultado vivido de tais galerias interiores,
mas se, pelo contrário, não houver tais cuidados e se as restantes condições de
conforto não forem eficazes – designadamente, em termos de ventilação e de
isolamento sonoro – , então, teremos uma mistura extremamente negativa de
claustrofobia, proximidade física excessiva e intrusão obrigatória por parte de
ruídos e cheiros originados nas habitações vizinhas. Teremos, assim, de certo
modo, um ambiente fechado onde se concentrarão todas as queixas de falta de
qualidade dos respectivos vizinhos; queixas estas que, provavelmente, irão
também refletir a insatisfação com habitações com uma única fachada exterior,
uma solução que está, habitualmente, associada a estas galerias interiores,
numa negativa "rentabilização" de edifícios muito espessos.
E esta é uma daquelas exceções à regra da “grande
nau, grande a tormenta”, pois, apesar de tudo, a existência de um número mais
elevado de habitações implicará dimensões de galerias interiores mais folgadas
e respectivas condições ambientais (luz e ventilação), que resultarão em condições de habitabilidade
eventualmente menos críticas; a outra opção será o mínimo desenvolvimento
destas galerias interiores comuns, dando acesso a reduzidos números de
habitações em cada nível.
O que se visou e visará, aqui, nesta série de
artigos, é uma defesa das galerias e dos patins comuns como elementos muito positivos
e protagonistas de uma solução residencial que verdadeiramente nos agrade.
Basta de soluções, que parecem de recurso, onde as galerias e os patins são
mínimos, doentiamente interiorizados e mal pormenorizados.
Afinal, nada disto faz, realmente, sentido
numa solução residencial que faça “viver” galerias de acesso e patins comuns
como elementos adequadamente protagonistas da solução residencial geral onde se
integram; galerias e patins comuns não podem ser elementos negativos que
contribuem para o encerramento dos vizinhos nas suas células habitacionais
individuais, antes pelo contrário devem ser elementos que apoiem no convívio
natural entre quem vive próximo e por isso merecem adequado e pormenorizado
projeto.
Notas:
(1) John
Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.
(2) John
Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor:
António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº461
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Galerias exteriores e
interiores e patins residenciais
Grupo Habitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do
LNEC
Edição: José
Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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