segunda-feira, novembro 18, 2013

461 - Galerias comuns e patins residenciais - Infohabitar 461



Infohabitar, Ano IX, n.º 461


Artigo XLI da Série habitar e viver melhor


Galerias comuns e patins residenciais


António Baptista Coelho


Aprofundando-se o percurso comentado por uma adequada programação do edifício habitacional e visando-se, por regra, a solução multifamiliar mais, ou menos, "coletiva" abordam-se, sinteticamente, neste artigo, (i) as galerias comuns exteriores e (ii) interiores e (iii) os patins habitacionais.

Não se pretende, de forma alguma, esgotar a abordagem destes elementos constituintes de um habitar em comum, mas sim contribuir para uma discussão renovada sobre matérias que, infelizmente, parecem ser, por vezes, pouco alteráveis e previamente definidas, como se as tipologias mais correntes fossem uma espécie de fatalidade, o que evidentemente não é verdade.

Galerias exteriores habitacionais ( acessos habitacionais )


Sobre as galerias exteriores muito se escreveu e muito se poderá e deverá escrever, e o que se pode considerar ser, provavelmente, uma última tendência, não trata nada bem este tipo de soluções de acesso às habitações, mas julga-se que esta tendência não considera as verdadeiras vantagens que as galerias comuns exteriores podem trazer a um habitar mais satisfatório, mais estimulante e mais flexível e adaptável a diversos modos e gostos de habitar.

De certa forma trata-se de poder ter “a rua”, logo ali, mesmo, junto à nossa soleira, o que pode ter aspetos muito interessantes, por exemplo, em vistas diversificadas sobre o exterior e sobre a aproximação à porta de entrada e no sentido de uma aliança intensa com a vegetação, uma condição que, ela própria, poderá caraterizar a solução como se de uma moradia se tratasse, situação esta que pode ser, ainda, acentuada caso se trate de habitações em dois níveis ("duplex").




Fig. 01: - um ótimo exemplo de galerias exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



Considerando os potenciais aspectos negativos desta solução estes concentram-se em soluções com galerias estreitas e com um elevado número de vizinhos com acesso por cada galeria, não havendo alternativa de acesso, condições estas que levarão a uma convivência demasiado próxima, demasiado intensa e “obrigatória”, e que será agravada caso aconteçam, ou seja provável que venham a acontecer, diferenças significativas de hábitos de vida diária que posam ter reflexos diretos no uso das galerias e que não sejam consensualmente aceites por todos os residentes.

Caso não seja possível ter uma ideia aproximada das características socioculturais e modos de habitar, mais correntes, dos futuros residentes e haja possibilidade de poder haver uma significativa diversidade de modos de habitar, não será, provavelmente, recomendável a aplicação desta solução em galerias comuns exteriores.

Considerando a realidade da história habitacional e designadamente a história da nossa habitação de interesse social (portuguesa) é possível identificar e visitar casos com galerias exteriores que continuam extremamente bem qualificadas várias dezenas de anos após a sua ocupação original, assim como, infelizmente, também encontramos outros casos exatamente com um sinal contrário. Julga-se, no entanto, que estas situações negativas no uso de galerias exteriores marcaram os respectivos casos também logo desde a sua utilização original - decorrendo mais de uma inadequação básica entre a solução e os modos de vida dos seus habitantes, do que de uma "deficiência estrutural" da solução.

De certa forma haverá aqui a constatação de que a solução de galeria pode ser bem ou mal aceite, e as diferenças nos tipos sociais dos respectivos habitantes não parecem ser razões únicas e suficientes para uma tal discrepância na satisfação no uso, pois conhecem-se casos que permitem esta última afirmação, por exemplo:

·         o caso de galerias comuns exteriores muito bem apropriadas por famílias de professores;

·         o caso de galerias comuns (muito alongadas), que não foram especialmente bem aceites por populações oriundas de barracas, portanto, de uma relação directa com o espaço exterior – mas atente-se que era a rua e não uma “rua” muito estreita e elevada;

·         e o caso de galerias dimensionalmente reduzidas em largura, mas relativamente longas e habitadas por grupos sociais muito carenciados, e marcadas por aquilo que parece ser uma excelente vivência que se mantém há dezenas de anos - neste caso numa solução de quarteirão socialmente diversificado e bem integrado.




Fig. 02: - um ótimo exemplo de galerias exteriores comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



Provavelmente, para além de outros aspectos entre os quais os que foram atrás referidos, certas possibilidades ligadas à especificidade de cada local, à diversidade social, à boa qualidade urbana local e relacional, à qualidade das vistas paisagísticas longínquas que são possíveis e ao interesse e qualidade dos espaços exteriores contíguos, que podem ser verdadeiros e atraentes protagonistas muito bem revelados a partir das galerias exteriores, serão, talvez, importantes fatores do seu maior êxito.

E não há que contornar a questão de as galerias comuns mais agradáveis serem aquelas mais desafogadas e, para tal, nelas se terá de gastar uma quantidade significativa de metros quadrados de construção; mas aqui também importará a pormenorização das mesmas e a sua estimulante abertura à paisagem de proximidade.

Do que se sabe, através de estudos e da observação direta, algumas reflexões, preliminares, são, no entanto, possíveis:

-     Uma refere-se à solução de galerias largas, quase convertendo-se em ruas elevadas, que produz resultados interessantes, simulando uma povoação vertical em que os apartamentos continuam a ligar-se a “ruas”, embora estas se situem muito acima do solo.

-     Outra aponta que galerias pouco longas podem ter uma apropriação que se aproxima daquela possível em longas varandas, desde que, como se apontou, as galerias não sirvam um número excessivo de vizinhos.

-     Outra refere-se à excelente “convivência” entre soluções alternativas de acesso por elevadores e patins ou por galerias, servindo estas, diretamente, entradas de serviço; uma solução que estará naturalmente mais ligada a habitações com maior dimensão, mas que poderá ser aplicada noutros casos, proporcionando-se uma boa adequação no serviço dos elevadores a um amplo número de habitações.

-     Outra tem a ver com a atraente vibração da fachada, em volumes e contrastes de claro/escuro que são proporcionadas pelas galerias exteriores comuns, em efeitos que podem ser atraentemente reforçados através de uma adequada escolha de materiais, texturas e cores. E aqui é interessante refletir que esta opção tanto pode servir um efeito final de grande purismo, racionalidade e leveza formal, como um efeito bem distinto, rústico ou mesmo vernáculo, e com conotações ligadas ao abrigo primitivo.

-     Outra tem a ver com a diferença ambiental e de caráter que diferencia, de forma tão distinta, as soluções edificadas fortemente interiorizadas, em que de imediato associamos os espaços comuns a sítios quase claustrofóbicos (e para isso contribuem alguns regulamentos), sem luz natural e muitas vezes com problemas de ventilação aparentes nos cheiros que neles se infiltram a partir das habitações, das soluções edificadas onde para lá da porta está, quase, a rua, o sol, o vento, as copas das árvores e os bandos de pássaros. São, realmente situações bem diferentes no respectivo potencial de agradabilidade e de satisfação que possibilitam aos seus habitantes.

-     Outra reflexão põe em relevo que a caracterização dos aspectos de intimidade nos circuitos comuns que levam à porta do fogo pode viabilizar uma boa solução de galerias exteriores, acentuando, por outro lado, uma estimulante aproximação a uma “imagem” de agregação de “moradias”.

-     Ainda outra reflexão aponta que os acessos em galerias exteriores podem ser os mais adequados a soluções que privilegiem a acessibilidade a uma grande diversidade de utentes, tais como crianças, idosos e pessoas carregadas ou empurrando carrinhos; isto desde que não havendo desníveis entre as galerias e as habitações – a privacidade tem de estar solucionada de outra forma. Mas nesta matéria e referindo John Noble e Barbara Adams (1), há pessoas que valorizam a privacidade e a sensação de abrigo que são características dos acessos por escada e patim.

-     Voltando a referir o estudo de John Noble e Barbara Adams (3), importa considerar que galerias de acesso comum muito elevadas podem ser ambientalmente pouco confortáveis, porque muito expostas aos excessos climáticos; uma condição que poderá, no entanto, ser levada em conta no respectivo projeto.

-      E não podemos descurar o potencial de inovação habitacional associado ao desenvolvimento de galerias exteriores comuns ou até quem sabe de uso público; matéria que terá de ficar para desenvolvimentos posteriores.

 

Patins de distribuição das habitações ( habitação acessos )


Os patins de distribuição para habitações podem ser, tal como as entradas comuns dos edifícios, extremamente contidos em termos de reduzido desafogo espacial e de acabamentos muito económicos, ou, pelo contrário, desenvolverem-se em espaços desafogados e caracterizados, por exemplo, por elementos de arte.

Há patins habitacionais mínimos em que, praticamente, não há espaço para mais nada, a não ser as portas, e que são sentidos como adequados, como íntimos e bem agradáveis; e habitualmente esta situação liga-se a patins bem cheios de luz natural e que, assim, ganham uma outra ampla dimensão, mas podem estar associados, apenas, a uma racional, sóbria e muito digna pormenorização, em que fica aparente a intenção de associar o máximo de espaço construído às próprias unidades habitacionais privativas.

Será que a função essencial destes espaços é o apoio à entrada nas habitações, devendo, essencialmente, enquadrar essa entrada em termos de dignidade e equilibrada capacidade de apropriação? Ou será possível atribuir aos patins outras finalidades?



Fig. 03: - um dos agradáveis patins comuns, em Olivais Norte Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



É, provavelmente, difícil atribuir aos patins residenciais outras funções que não as do acesso aos fogos, da equilibrada separação entre as vistas que são possíveis entre as portas privadas de cada patim e de identificação e apropriação, equilibradas, de cada porta e dos espaços mais próximos de cada porta.

E será possível exercer estas funções em tristes espaços interiores, sem luz natural? Parece que não, e, assim, acabamos de colocar fora do conjunto de espaços residenciais potencialmente geradores de satisfação um grande grupo de edifícios.

E é interessante refletir que a questão de se tratar de um patim interior, mas com boa luz natural, ou exterior, não é algo que influencia, de forma significativa, a satisfação possível; mas se for interior e não receber luz natural, então o resultado é um espaço, habitualmente, claustrofóbico do qual temos vontade de sair rapidamente, seja para os outros espaços comuns, seja para a “salvação”, que marca a abertura da porta de uma habitação, uma “salvação” que está muito ligada à entrada de luz natural, no patim, quando exista essa luz natural no interior da habitação, o que, infelizmente, nem sempre acontece.



Galerias interiores ( corredores comuns habitacionais )


Aproveitando estarmos a falar de patins interiores, passemos, agora, às galerias interiores, uma espécie de grandes patins interiores muito alongados.

E o que se disse sobre os patins interiores é reforçado para as galerias interiores, cujo “grau de potencial de satisfação” está inteiramente dependente da existência de boas condições de iluminação natural; de certa forma, podemos dizer que a única possibilidade de se viverem galerias interiores é estas serem caracterizadas por excelentes condições de luz e ventilação naturais, que, no caso das galerias que correm no interior dos edifícios, são habitualmente condições de luz e ventilação a partir da cobertura.

E vale a pena reafirmar que a existência de galerias interiores sem luz natural configura uma daquelas soluções residenciais com um maior potencial de influências negativas no uso diário do respectivo edifício. Realmente, aqui, o espaço comum criado é, quase sempre e fortemente, claustrofóbico e se a uma condição como esta associarmos habitações cujos vestíbulos também não recebam luz natural, então, o resultado é fortemente negativo.



Fig. 04: as galerias interiores comuns residenciais podem ser excelentes, tal como é aqui ilustrado com o exemplo da Cooperatiova Caselcoop no bairro de Caselas, lisboa, projeto do aqruiteto Justino de Morais (na imagem á direita).



Evidentemente que condições de espaciosidade desafogadas e um cuidadoso acabamento formal (ex., texturas, cores, sinalética, luz artificial) podem suavizar o resultado vivido de tais galerias interiores, mas se, pelo contrário, não houver tais cuidados e se as restantes condições de conforto não forem eficazes – designadamente, em termos de ventilação e de isolamento sonoro – , então, teremos uma mistura extremamente negativa de claustrofobia, proximidade física excessiva e intrusão obrigatória por parte de ruídos e cheiros originados nas habitações vizinhas. Teremos, assim, de certo modo, um ambiente fechado onde se concentrarão todas as queixas de falta de qualidade dos respectivos vizinhos; queixas estas que, provavelmente, irão também refletir a insatisfação com habitações com uma única fachada exterior, uma solução que está, habitualmente, associada a estas galerias interiores, numa negativa "rentabilização" de edifícios muito espessos.

E esta é uma daquelas exceções à regra da “grande nau, grande a tormenta”, pois, apesar de tudo, a existência de um número mais elevado de habitações implicará dimensões de galerias interiores mais folgadas e respectivas condições ambientais (luz e ventilação),  que resultarão em condições de habitabilidade eventualmente menos críticas; a outra opção será o mínimo desenvolvimento destas galerias interiores comuns, dando acesso a reduzidos números de habitações em cada nível.

O que se visou e visará, aqui, nesta série de artigos, é uma defesa das galerias e dos patins comuns como elementos muito positivos e protagonistas de uma solução residencial que verdadeiramente nos agrade. Basta de soluções, que parecem de recurso, onde as galerias e os patins são mínimos, doentiamente interiorizados e mal pormenorizados.

Afinal, nada disto faz, realmente, sentido numa solução residencial que faça “viver” galerias de acesso e patins comuns como elementos adequadamente protagonistas da solução residencial geral onde se integram; galerias e patins comuns não podem ser elementos negativos que contribuem para o encerramento dos vizinhos nas suas células habitacionais individuais, antes pelo contrário devem ser elementos que apoiem no convívio natural entre quem vive próximo e por isso merecem adequado e pormenorizado projeto.



Notas:

 (1)           John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.
 (2)           John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.


        Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



      Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº461
Artigo XLI da Série habitar e viver melhor

     Galerias exteriores e interiores e patins residenciais

     Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

     e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

     Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.









[1]     John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.


[2]     John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 526.

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