Infohabitar, Ano IX, n.º 460
Artigo XL da Série habitar e viver melhor
Escadas comuns e elevadores residenciais
António Baptista Coelho
Aprofundando-se o percurso comentado por uma adequada programação do edifício habitacional e visando-se, por regra, a solução multifamiliar mais, ou menos, "coletiva" abordam-se, sinteticamente, neste artigo, (i) as escadas comuns, (ii) e os elevadores habitacionais.
Não se pretende, de forma alguma, esgotar a abordagem destes elementos
constituintes de um habitar em comum, mas sim contribuir para uma discussão
renovada sobre matérias que, infelizmente, parecem ser, por vezes, pouco
alteráveis e previamente definidas, como se as tipologias mais correntes fossem
uma espécie de fatalidade.
Escadas comuns
Todos sabemos que as escadas podem ser elementos extremamente atraentes
numa solução residencial, seja em termos de uso, seja na sua visibilidade
exterior e interior. E esta afirmação é verdadeira, seja para edifícios baixos,
seja no caso de edifícios com altura elevada; e o mesmo se aplica a
determinadas soluções de integração em que as escadas se integram com os
elevadores.
Mas, voltando à escada, todos conhecemos casos de soluções cheias de luz
se converteram em verdadeiros jardins verticais – é verdade, levantando problemas
de acessibilidade, mas havendo mais espaço talvez tais problemas já não se
levantassem; e também conhecemos casos em que mesmo quase sem luz os habitantes
tentaram converter a escada comum de um edifício residencial em algo mais do
que "um instrumento funcional para vencer desníveis", condição à
qual, frequentee infelizmente, se reduzem as escadas comuns.
E há um outro aspecto, além da luz natural, que pode caracterizar uma
excelente escada comum, que é a sequência de vistas que é possível da escada.
Mas além de espaço de jardim vertical e de percurso de vistas sobre a
envolvente, a escada pode ainda conter, nos seus patins, pequenos espaços de
acolhimento do convívio informal; pode não ser frequente, pode não ter
resultados muito garantidos, mas sem haver condições adequadas e estimulantes
de apropriações como estas, de certeza que nada acontecerá, mas se elas
existirem pode ser que aí se passe alguma coisa.
Para se reforçar estas considerações lembra-se um estudo de
Ekambi-Schmidt (1), que salienta, num conjunto de oito
qualificações espontâneas, dadas por moradores, relativamente às escadas comuns
habitacionais, as três primeiras seguintes qualificações, em ordem decrescente
de importância: escada ampla, grande e espaçosa; escada clara e
iluminada; escada não excessivamente inclinada.
O que acima se destacou na caraterização da escada comum residencial são
as suas condições de desafogo espacial, luz natural e conforto no uso. E,
afinal, o que se defende é que a escada habitacional seja plenamente recuperada
como espaço ativo e nesta perspectiva lembra-se que Alexander considera que a
escada deve ser qualificada como etapa, pois ela não é apenas um simples
elemento funcional de comunicação vertical, mas também um verdadeiro espaço que
integra o edifício residencial, e se não se lhe proporcionar que nela surja
vida "será um espaço morto que fará deslizar entre si os diversos pisos do
edifício". (2)
E, tal como aponta Charles Moore, e bem sabemos, pela experiência de ver
e usar excelentes escadas, elas "têm conotações básicas de coreografia e
de cerimónia, tanto quando as usamos, como quando as observamos ou observamos
desde elas”, e Moore aponta mesmo que na concepção das as escadas é possível a
escolha “entre um movimento vertical amplo e atraente ou tecido na substância
dos compartimentos, ou, até, oculto para ser quase secreto..." (3)
Fig. 01: as excelentes escadas comuns do edifício habitacional em Olivais
Norte - Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo
(1959)
Naturalmente que há aspetos funcionais vitais a considerar e que nas
escadas comuns assumem especial importância, entre os quais se destacam,
designadamente, os seguintes - numa listagem não exaustiva, sublinha-se:
·
os posicionamentos e dimensionamentos adequados em termos de apoio à
acessibilidade e à evacuação de emergência no âmbito da segurança contra risco
de incêndio;
·
a adequada proteção relativamente ao risco de incêndio, possibilitando-se
a proteção relativamente ao incêndio e a ausência de fumos durante o tempo
necessário à evacuação do edifício;
·
a distribuição de patins, a boa geometria dos degraus e a sua adequada
pormenorização em termos de "espelho" e "cobertor"
adequadamente dimensionados, proporcionando excelente conforto no uso;
·
degraus e patins com superfícies não derrapantes ou mesmo
anti-derrapantes;
·
corrimãos com continuidade ao longo de todo o percurso e a alturas
convenientes para todos os tipos de utentes;
·
grande cuidado com a proximidade e a posição em relação a vãos
exteriores;
·
e condições adequadas de visibilidade de modo a proporcionar o uso em
agradáveis condições de segurança contra eventuais problemas de segurança
relativamente a terceiros.
Fig. 02: as excelentes escadas comuns do edifício habitacional em Olivais
Norte - Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo
(1959)
E há que salientar que uma escada com degraus e lanços verdadeiramente
confortáveis e bem cheia de luz natural é um verdadeiro convite para o uso do
edifício e certos autores e projetistas, como Hertzberger, avançam ainda mais
neste convite e alargam patins intermédios transformando-os em pequenos e
apetecíveis espaços de convívio informal.
E conclui-se esta reflexão, de certa forma preliminar; sobre as escadas
comuns referindo que a sua evidente importância funcional não pode de forma
alguma fazer esbater a sua vital importância formal e no que se refere à
múltipla apropriação e à identidades das soluções.
Elevadores
Se o elevador é necessário ou recomendável parece ser de boa prática que
a sua instalação se caraterize por um conjunto de critérios que visem a sua
transformação em espaços atraentes e estimulantes e não claustrofóbicos e
formalmente muito pouco integrados na intervenção.
Quando são regulamentarmente exigidos ou quando são considerados como
desejáveis em termos de melhoria de condições de conforto parece ser possível
um trabalho de escolha dos elevadores a instalar que respeite alguns aspectos
de que se destacam os seguintes:
·
Levar em conta a demora no acesso ao exterior,
que depende da velocidade, número e caraterísticas do automatismo dos
elevadores, bem como da sua proximidade aos fogos, em cada nível do edifício. (4)
·
Adequação maximizada entre tipo de condomínio
social servido, tipos de elevadores aplicados e cuidados de manutenção regular
e de emergência; certos casos deverão exigir elevadores com excecionais
características de resistência ao vandalismo e de visibilidade relativamente
aos seus patins de acesso (devido a aspectos de visibilidade de segurança).
·
Considerar que um pouco mais de espaço por
pessoa, no interior do elevador, será um investimento que se reflecte,
diretamente, em melhores condições de satisfação no uso, fazendo muito pouco
sentido, até por razões de segurança e bem-estar, certas situações de
verdadeira acumulação humana num espaço fechado muito limitado; afinal, se
usamos o elevador diariamente, várias vezes, não será que este equipamento não
deve ser mais exigente em termos de conforto real e de uma aparência mais
cuidada e associada à restante Arquitectura, não surgindo como uma espécie de
elemento mecânico mínimo e descaraterizado ou, por vezes, totalmente
desintegrado do respectivo conjunto de espaços e acabamentos?
·
Considerar que o átrio dos elevadores não tem
de ser, obrigatoriamente, um espaço fechado, sem luz natural, sem plantas e sem
vistas exteriores. Afinal, quando entramos em casa, ou quando saímos de casa,
seria natural e muito agradável que pudéssemos dar uma olhadela sobre o
exterior, isto enquanto esperamos pelo elevador, e, assim, teríamos algum
prazer suplementar no uso dessa máquina, que, funcionalmente, não tem de estar
relegada para o miolo do edifício; sabe-se que é uma questão de escolher o que
se aplica longe da fachada, mas não será que há alguns equívocos sobre a
importância que tem, para um habitar mais agradável, a possibilidade de se ter
uma relação com o exterior mais efectiva e frequente? E, neste caso, uma
relação que pode antecipar, agradavelmente, o contacto com o exterior que
iremos ter no átrio de entrada.
Fig.
03: a excelente integração dos elevadores em um dos edifícios em Olivais Norte - Lisboa, projeto dos
arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)
Finalmente, aflora-se, aqui, apenas um pouco,
a questão da previsão de elevadores, no sentido de julgar que não fará muito
sentido a tendência atual de uma previsão quase generalizada destas
instalações. Nesta perspectiva afirma-se que um edifício de pouca altura poderá
ser muito bem servido, em termos de conforto, por uma escada com boa luz
natural e com degraus construídos com uma boa relação entre o respectivo
“cobertor” e “espelho”; uma relação dimensional/funcional e ergonómica que -
está provado - proporcionará excelentes condições de acessibiliodade a muitas
pessoas, incluindo idosos.
Vale a pena sublinhar, aqui, que uma escada
bem desenhada – e basta ir ao “velho” Neufert para tirar a fórmula (5) –
é um meio de subir desníveis mais adequado do que uma rampa, porque o movimento
do corpo se harmoniza melhor com a subida do degrau do que com a subida do
mesmo desnível em rampa.
Naturalmente que se pensa, aqui, em edifícios
baixos e onde, eventualmente, possa ser previsto um elevador como recurso
possível de ser usado em condições de mobilidade reduzidas; e uma outra opção é
mesmo a previsão de espaço para a futura instalação de um elevador – situação
esta que não se recomenda porque, posteriormente, será muito difícil conseguir
um consenso financeiro entre os condóminos que suporte uma tal decisão. No
entanto não devemos deixar de ter em conta o “obstáculo” que uma escada
constitui em termos de acessibilidade no uso corrente e, especificamente, para
pessoas condicionadas na sua mobilidade, sendo interessante ter presente a
equivalência que Alexander fez: entre subir um piso e percorrer 30m ao mesmo
níve; e entre subir dois pisos e percorrer 90m ao mesmo nível. (6) Mas
sialienta-se que se defende também a existência de edifícios multifamiliares
baixos, servidos apenas por escadas muito agradáveis.
O que se visou e visará, aqui, nesta série de
artigos, é uma defesa do elevador e da escada como elementos muito positivos e
protagonistas de uma solução residencial que verdadeiramente nos agrade. Basta
de soluções, que parecem de recurso, onde os elevadores são mínimos e dão para
átrios doentiamente interiorizados e mal pormenorizados – muito seguros,
parece, mas ambientale visualmente muito negativos (parecem entradas de
serviço) – e onde as escadas estão escondidas, mal pormenorizadas e remetidas a
uma função de reserva em termos de uma acessibilidade de recurso ou de
emergência. Afinal, nada disto faz, realmente, sentido numa solução residencial
que faça “viver” elevadores e escadas comuns como elementos adequadamente protagonistas
da solução residencial geral onde se integram; escadas e elevedores comuns não
podem ser elementos negativos que contribuem para o encerramento dos vizinhos
nas suas células habitacionais individuais, antes pelo contrário devem ser
elementos que apoiem no convívio natural entre quem vive próximo e por isso
merecem adequado e pormenorizado projeto.
Notas:
(1)
Ekambi-Schmidt, "La Percepción del Habitat".
(2)
Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A
Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 567 e 568.
(3)
Charles Moore; Gerald Allen; Donlyn Lyndon, "La Casa: Forma y
Diseño", p. 108.
(4)
P. Jephcott, "Homes in High Flats", p. 134.
(5) Neufert refere algumas características
fundamentais para o desenho dos degraus das escadas (Ernest Neufert, "Arte
de Projetar em Arquitetura", pp. 120, 121 e 123): os degraus mais cómodos
têm 0.17m de espelho por 0.29m de cobertor (dois espelhos mais um
cobertor=0.63m, que corresponde ao comprimento do passo normal, permitindo-nos
subir os degraus "dois a dois" quando estamos apressados); cada
centímetro de aumento da altura do espelho deve implicar a diminuição da
profundidade do cobertor em dois centímetros.
(6)
Considera-se que uma escada entre dois pisos equivale a cerca de 30.00m
de distância num percurso ao mesmo nível, passando este valor para uma dimensão
estimada de cerca de 90.00m, quando a equivalência se faz com duas escadas
vencendo dois pisos de desnível - Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p.
372.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho
- abc@lnec.pt
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e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do
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Edição: José Baptista
Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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