segunda-feira, novembro 11, 2013

460 - Escadas comuns e elevadores residenciais - Infohabitar 460



Infohabitar, Ano IX, n.º 460


Artigo XL da Série habitar e viver melhor


Escadas comuns e elevadores residenciais


António Baptista Coelho


Aprofundando-se o percurso comentado por uma adequada programação do edifício habitacional e visando-se, por regra, a solução multifamiliar mais, ou menos, "coletiva" abordam-se, sinteticamente, neste artigo, (i) as escadas comuns, (ii)  e os elevadores habitacionais.


Não se pretende, de forma alguma, esgotar a abordagem destes elementos constituintes de um habitar em comum, mas sim contribuir para uma discussão renovada sobre matérias que, infelizmente, parecem ser, por vezes, pouco alteráveis e previamente definidas, como se as tipologias mais correntes fossem uma espécie de fatalidade.

 

Escadas comuns


Todos sabemos que as escadas podem ser elementos extremamente atraentes numa solução residencial, seja em termos de uso, seja na sua visibilidade exterior e interior. E esta afirmação é verdadeira, seja para edifícios baixos, seja no caso de edifícios com altura elevada; e o mesmo se aplica a determinadas soluções de integração em que as escadas se integram com os elevadores.

Mas, voltando à escada, todos conhecemos casos de soluções cheias de luz se converteram em verdadeiros jardins verticais – é verdade, levantando problemas de acessibilidade, mas havendo mais espaço talvez tais problemas já não se levantassem; e também conhecemos casos em que mesmo quase sem luz os habitantes tentaram converter a escada comum de um edifício residencial em algo mais do que "um instrumento funcional para vencer desníveis", condição à qual, frequentee infelizmente, se reduzem as escadas comuns.

E há um outro aspecto, além da luz natural, que pode caracterizar uma excelente escada comum, que é a sequência de vistas que é possível da escada.

Mas além de espaço de jardim vertical e de percurso de vistas sobre a envolvente, a escada pode ainda conter, nos seus patins, pequenos espaços de acolhimento do convívio informal; pode não ser frequente, pode não ter resultados muito garantidos, mas sem haver condições adequadas e estimulantes de apropriações como estas, de certeza que nada acontecerá, mas se elas existirem pode ser que aí se passe alguma coisa.

Para se reforçar estas considerações lembra-se um estudo de Ekambi-Schmidt  (1), que salienta, num conjunto de oito qualificações espontâneas, dadas por moradores, relativamente às escadas comuns habitacionais, as três primeiras seguintes qualificações, em ordem decrescente de importância: escada ampla, grande e espaçosa; escada clara e iluminada; escada não excessivamente inclinada.

O que acima se destacou na caraterização da escada comum residencial são as suas condições de desafogo espacial, luz natural e conforto no uso. E, afinal, o que se defende é que a escada habitacional seja plenamente recuperada como espaço ativo e nesta perspectiva lembra-se que Alexander considera que a escada deve ser qualificada como etapa, pois ela não é apenas um simples elemento funcional de comunicação vertical, mas também um verdadeiro espaço que integra o edifício residencial, e se não se lhe proporcionar que nela surja vida "será um espaço morto que fará deslizar entre si os diversos pisos do edifício". (2)



E, tal como aponta Charles Moore, e bem sabemos, pela experiência de ver e usar excelentes escadas, elas "têm conotações básicas de coreografia e de cerimónia, tanto quando as usamos, como quando as observamos ou observamos desde elas”, e Moore aponta mesmo que na concepção das as escadas é possível a escolha “entre um movimento vertical amplo e atraente ou tecido na substância dos compartimentos, ou, até, oculto para ser quase secreto..." (3)



Fig. 01: as excelentes escadas comuns do edifício habitacional em Olivais Norte - Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)


Naturalmente que há aspetos funcionais vitais a considerar e que nas escadas comuns assumem especial importância, entre os quais se destacam, designadamente, os seguintes - numa listagem não exaustiva, sublinha-se:

·         os posicionamentos e dimensionamentos adequados em termos de apoio à acessibilidade e à evacuação de emergência no âmbito da segurança contra risco de incêndio;

·         a adequada proteção relativamente ao risco de incêndio, possibilitando-se a proteção relativamente ao incêndio e a ausência de fumos durante o tempo necessário à evacuação do edifício;

·         a distribuição de patins, a boa geometria dos degraus e a sua adequada pormenorização em termos de "espelho" e "cobertor" adequadamente dimensionados, proporcionando excelente conforto no uso;

·         degraus e patins com superfícies não derrapantes ou mesmo anti-derrapantes;

·         corrimãos com continuidade ao longo de todo o percurso e a alturas convenientes para todos os tipos de utentes;

·         grande cuidado com a proximidade e a posição em relação a vãos exteriores;

·         e condições adequadas de visibilidade de modo a proporcionar o uso em agradáveis condições de segurança contra eventuais problemas de segurança relativamente a terceiros.



Fig. 02: as excelentes escadas comuns do edifício habitacional em Olivais Norte - Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



E há que salientar que uma escada com degraus e lanços verdadeiramente confortáveis e bem cheia de luz natural é um verdadeiro convite para o uso do edifício e certos autores e projetistas, como Hertzberger, avançam ainda mais neste convite e alargam patins intermédios transformando-os em pequenos e apetecíveis espaços de convívio informal.

E conclui-se esta reflexão, de certa forma preliminar; sobre as escadas comuns referindo que a sua evidente importância funcional não pode de forma alguma fazer esbater a sua vital importância formal e no que se refere à múltipla apropriação e à identidades das soluções.

Elevadores


Se o elevador é necessário ou recomendável parece ser de boa prática que a sua instalação se caraterize por um conjunto de critérios que visem a sua transformação em espaços atraentes e estimulantes e não claustrofóbicos e formalmente muito pouco integrados na intervenção.

Quando são regulamentarmente exigidos ou quando são considerados como desejáveis em termos de melhoria de condições de conforto parece ser possível um trabalho de escolha dos elevadores a instalar que respeite alguns aspectos de que se destacam os seguintes:

·       Levar em conta a demora no acesso ao exterior, que depende da velocidade, número e caraterísticas do automatismo dos elevadores, bem como da sua proximidade aos fogos, em cada nível do edifício. (4)

·      Adequação maximizada entre tipo de condomínio social servido, tipos de elevadores aplicados e cuidados de manutenção regular e de emergência; certos casos deverão exigir elevadores com excecionais características de resistência ao vandalismo e de visibilidade relativamente aos seus patins de acesso (devido a aspectos de visibilidade de segurança).

·      Considerar que um pouco mais de espaço por pessoa, no interior do elevador, será um investimento que se reflecte, diretamente, em melhores condições de satisfação no uso, fazendo muito pouco sentido, até por razões de segurança e bem-estar, certas situações de verdadeira acumulação humana num espaço fechado muito limitado; afinal, se usamos o elevador diariamente, várias vezes, não será que este equipamento não deve ser mais exigente em termos de conforto real e de uma aparência mais cuidada e associada à restante Arquitectura, não surgindo como uma espécie de elemento mecânico mínimo e descaraterizado ou, por vezes, totalmente desintegrado do respectivo conjunto de espaços e acabamentos?

·      Considerar que o átrio dos elevadores não tem de ser, obrigatoriamente, um espaço fechado, sem luz natural, sem plantas e sem vistas exteriores. Afinal, quando entramos em casa, ou quando saímos de casa, seria natural e muito agradável que pudéssemos dar uma olhadela sobre o exterior, isto enquanto esperamos pelo elevador, e, assim, teríamos algum prazer suplementar no uso dessa máquina, que, funcionalmente, não tem de estar relegada para o miolo do edifício; sabe-se que é uma questão de escolher o que se aplica longe da fachada, mas não será que há alguns equívocos sobre a importância que tem, para um habitar mais agradável, a possibilidade de se ter uma relação com o exterior mais efectiva e frequente? E, neste caso, uma relação que pode antecipar, agradavelmente, o contacto com o exterior que iremos ter no átrio de entrada.



Fig. 03: a excelente integração dos elevadores em um dos edifícios em Olivais Norte - Lisboa, projeto dos arquitetos Artur Pires Martins e Palma de Melo (1959)



Finalmente, aflora-se, aqui, apenas um pouco, a questão da previsão de elevadores, no sentido de julgar que não fará muito sentido a tendência atual de uma previsão quase generalizada destas instalações. Nesta perspectiva afirma-se que um edifício de pouca altura poderá ser muito bem servido, em termos de conforto, por uma escada com boa luz natural e com degraus construídos com uma boa relação entre o respectivo “cobertor” e “espelho”; uma relação dimensional/funcional e ergonómica que - está provado - proporcionará excelentes condições de acessibiliodade a muitas pessoas, incluindo idosos.

Vale a pena sublinhar, aqui, que uma escada bem desenhada – e basta ir ao “velho” Neufert para tirar a fórmula (5) – é um meio de subir desníveis mais adequado do que uma rampa, porque o movimento do corpo se harmoniza melhor com a subida do degrau do que com a subida do mesmo desnível em rampa.

Naturalmente que se pensa, aqui, em edifícios baixos e onde, eventualmente, possa ser previsto um elevador como recurso possível de ser usado em condições de mobilidade reduzidas; e uma outra opção é mesmo a previsão de espaço para a futura instalação de um elevador – situação esta que não se recomenda porque, posteriormente, será muito difícil conseguir um consenso financeiro entre os condóminos que suporte uma tal decisão. No entanto não devemos deixar de ter em conta o “obstáculo” que uma escada constitui em termos de acessibilidade no uso corrente e, especificamente, para pessoas condicionadas na sua mobilidade, sendo interessante ter presente a equivalência que Alexander fez: entre subir um piso e percorrer 30m ao mesmo níve; e entre subir dois pisos e percorrer 90m ao mesmo nível. (6) Mas sialienta-se que se defende também a existência de edifícios multifamiliares baixos, servidos apenas por escadas muito agradáveis.

O que se visou e visará, aqui, nesta série de artigos, é uma defesa do elevador e da escada como elementos muito positivos e protagonistas de uma solução residencial que verdadeiramente nos agrade. Basta de soluções, que parecem de recurso, onde os elevadores são mínimos e dão para átrios doentiamente interiorizados e mal pormenorizados – muito seguros, parece, mas ambientale visualmente muito negativos (parecem entradas de serviço) – e onde as escadas estão escondidas, mal pormenorizadas e remetidas a uma função de reserva em termos de uma acessibilidade de recurso ou de emergência. Afinal, nada disto faz, realmente, sentido numa solução residencial que faça “viver” elevadores e escadas comuns como elementos adequadamente protagonistas da solução residencial geral onde se integram; escadas e elevedores comuns não podem ser elementos negativos que contribuem para o encerramento dos vizinhos nas suas células habitacionais individuais, antes pelo contrário devem ser elementos que apoiem no convívio natural entre quem vive próximo e por isso merecem adequado e pormenorizado projeto.



Notas:

(1) Ekambi-Schmidt, "La Percepción del Habitat".

(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 567 e 568.

(3) Charles Moore; Gerald Allen; Donlyn Lyndon, "La Casa: Forma y Diseño", p. 108.

(4) P. Jephcott, "Homes in High Flats", p. 134.

(5) Neufert refere algumas características fundamentais para o desenho dos degraus das escadas (Ernest Neufert, "Arte de Projetar em Arquitetura", pp. 120, 121 e 123): os degraus mais cómodos têm 0.17m de espelho por 0.29m de cobertor (dois espelhos mais um cobertor=0.63m, que corresponde ao comprimento do passo normal, permitindo-nos subir os degraus "dois a dois" quando estamos apressados); cada centímetro de aumento da altura do espelho deve implicar a diminuição da profundidade do cobertor em dois centímetros.

(6)  Considera-se que uma escada entre dois pisos equivale a cerca de 30.00m de distância num percurso ao mesmo nível, passando este valor para uma dimensão estimada de cerca de 90.00m, quando a equivalência se faz com duas escadas vencendo dois pisos de desnível - Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 372.



Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº460
Artigo XL da Série habitar e viver melhor

Escadas comuns e elevadores residenciais

Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

e  Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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