sábado, março 26, 2011

339 - A rua metropolitana transitória - Infohabitar 339

Infohabitar, Ano VII, n.º 339
Artigo de Gustavo de Casimiro Silveirinha

Notas iniciais:
É sempre com uma satisfação muito especial que o Infohabitar acolhe e edita um artigo de um novo participante activo na nossa revista semanal, neste caso o Arq.º Gustavo de Casimiro Silveirinha, que nos oferece um artigo sobre a rua de hoje na cidade de hoje, aquele feita de áreas urbana e suburbanas e um artigo que vem na linha directa dos vários textos ultimamente aqui editados, seja sobre as questões da segurança/insegurança urbana, seja das matérias ligadas ao convívio nas nossas cidades e vizinhanças, e tudo isto numa perspectiva global que nunca esquece a vontade actual da reconquista da rua para ser bem habitada e vivida por todos nós.

Com este artigo também se assinala mais um ano "oficial" de actividade do Grupo Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do LNEC, que tem contado com apoios muitos diversos, por parte de muitas pessoas e instituições, e que no dia 28 de Março irá realizar a sua 10.ª Assembleia-Geral em Matosinhos (indicações disponíveis em uma das últimas edições do Infohabitar), contando mais uma vez com o apoio da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e da Cooperativa As sete Bicas, às quais se apresentam os públicos e sentidos agradecimentos.
O editor do Infohabitar
António Baptista Coelho

Breves notas sobre o autor do presente artigo:
Gustavo de Casimiro Silveirinha nasceu em Aveiro, em 1982.
Colaborou com o Prof. Doutor Walter Rossa e o Arq. Mário Celso Albuquerque, previamente ao ingresso na faculdade. Licenciou-se em Arquitectura pelo Darq/FCTUC – Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra, em 2007. Foi Bolseiro Erasmus de Arquitectura em San Sebastian, Espanha.

Desenvolveu a Tese de final de curso na área do Urbanismo e Desenho Urbano com o título “In Absentia – Limite e Carácter da cidade do Porto”, tendo como orientador o Prof. Doutor Paulo Providência, procurando continuar a investigar nessa mesma área.

É actualmente Doutorando do programa Doutoral em Arquitectura do Instituto Superior Técnico/UTL; um programa apoiado e participado pelo NAU do LNEC.


A rua metropolitana transitória Gustavo de Casimiro Silveirinha (*),
(*) Arquitecto, Doutorando IST,
gustavosilveirinha@gmail.com

“A dicotomia entre aparência e realidade assumiu grande relevância na concepção do mundo material. A noção de que a função da ciência é dizer o que a humanidade pode dizer sobre a natureza e não o que ela realmente é, levanta questões acerca da relação entre a forma como se dá um fenómeno determinado e as limitações para o observar e entender com o máximo de precisão.” (1)

O modo como a cidade tem sido observada reflecte uma noção pouco estruturada, que se torna óbvia se se focar a atenção na envolvente das áreas metropolitanas nomeadamente a AML – Área Metropolitana de Lisboa.

Observar a cidade através do traçado e não do tecido edificado permitirá alguma abstracção, necessária num processo de análise de tensões e fenómenos urbanos ou metropolitanos, capaz de abarcar uma escala e conjunto.

Os ritmos económicos, culturais e sociais não permitem hoje uma unidade de desenho das cidades. Apesar de ligadas por infra-estruturas, dizemos que lhes falta um traçado unificador.

As cidades contemporâneas metropolitanas estão a dotar-se de centros de passagem de grandes infra-estruturas e cruzamentos de vias, onde se localizam recorrentemente interfaces que dispensam a necessidade de circulação até ao seu centro para se usufruir do serviço motivador da deslocação.

O que impede a cidade de se desintegrar morfologicamente podem ser elementos de transição: capilares metropolitanos, ruas e vias que permitem a circulação entre infra-estruturas metropolitanas que conferem à cidade escala humana, constituindo a cidade vivencial. É neste conjunto de elementos que se encontra a rua metropolitana transitória, com o sentido simultaneamente temporal e espacial.

Surgem espacialmente entre as vias viárias infra-estruturais e os aglomerados urbanos adjacentes, sendo por isso elementos de transição, mas o seu carácter e perfil não se encontra ainda definido, sendo por isso o actualmente transitório.

A passagem de escala entre infra-estrutura e traçado urbano deve ser assim assumida pelos capilares metropolitanos transitórios, complementados com espaços de descompressão como parques e praças, com identidade de desenho, com capacidade para se concretizarem como espaço público.

As grandes Infra-estruturas de distribuição
Por simplificação referimo-nos neste artigo como infraestrutura, os grandes “canais de distribuição dos fluxos viários à escala metropolitana e “ruas metropolitanas transitórias às vias rápidas e com capacidade elevada intermédias com os traçados urbanos de escala local.

O processo de urbanização aumentou a necessidade de aumento de tráfego entre as diversas partes da cidade. Este processo gradual culminou com o aumento do perfil das infra-estruturas, em função da distância e do tráfego. A infra-estrutura viária, que une partes da cidade cada vez mais dispersas mas também mais especializadas, foi a que maior crescimento aparente teve, se tivermos em conta a influência que esta teve em todo a tecido urbano, quer na malha de mobilidade quer na malha construída.

Perante a impossibilidade de individualizar as infra-estruturas por serviço ou função, estas servem todos as necessidades de deslocação sejam industriais sejam de lazer. Esta sobreposição transforma a infra-estrutura, principalmente a viária num elemento fundamental de ligação entre as diversas partes da cidade, concentrando assim muito do volume de tráfego de pessoas e bens em deslocação.

As necessidades que as áreas anteriormente chamadas subúrbanas apresentavam, no que se refere a actividades económico-sociais e de serviços, ainda se mantêm actualmente nas sub-cidades ou alvéolos urbanos. Esta situação recorrente não só impede uma necessária independência da cidade central, como sobrecarrega as infra-estruturas e não permite o desenvolvimento sustentável do processo de expansão da cidade. A esta falta de coesão há que somar o papel de ligação mas também de fronteira da infra-estrutura. O que a sua escala e existência permitem a nível de acesso à cidade central, retrai a verdadeira criação de equipamentos e serviços nos alvéolos metropolitanos, logo uma menor identificação com o espaço urbano.

Fragmentação do Tecido Urbano
Com o avanço constante ou contínuo do processo de urbanização do território, assiste-se a uma aparente perda de controlo do desenho da cidade. O processo evolutivo, nem sempre constante e dependente de mais variáveis, levou ao aparecimento de franjas de território construído.

Alvéolos de tecido urbano isolado e aglomerados de elevada densidade e diversidade apresentam-se desconexos do tecido do core da cidade adjacente.

Com diferentes visões e definições tanto Ascher (2) como Sassen (3) coincidem que esta fragmentação resulta da especialização de partes do tecido metropolitano.

O espaço metropolitano tende a construir algo diferente da cidade, pequenos aglomerados, praticamente auto-suficientes, com uma estruturação espacial questionável, tendendo a expandir-se num sentido desconhecido. Deste modo assiste-se a um afastamento do carácter anterior da cidade quando esta era uma discreta unidade geográfica, política e social, facilmente identificada e delimitada. (4)

As cidades devem ter um planeamento que lhes confira identidade própria pelo simples facto de estas rapidamente se estarem a tornar desconexas, divididas em partes.

Diferenciação
Os novos centros metropolitanos carecem de identidade devido em muito à fraca estruturação do traçado.

A diferenciação pode conferir ao traçado da malha urbana características de âmbito social, para que nestas áreas outrora de periferia possa surgir um maior sentido de pertença.

"Ao longo de quase um século, a rua tem estado sob ataque persistente de diversos sentidos: os projectistas de Siedlungen e Cidades-jardim, os mestres modernos do CIAM, e do governo local e arquitectos dos países Anglo-saxónicos e Escandinavos terem tentado postular formas de assentamento urbano em que a rua foi sendo destituída da sua função passada ou analisada fora da existência. Houve um ataque correlativo por partes dos seguidores de Haussmann que subordinaram todas as funções de assentamento urbano à rua em si, particularmente para a rua como um transportador do tráfego. "Mas, por outro lado para atacar a rua significa atacar"o mais importante componente do padrão urbano: um padrão que só é consumido, aprendeu, e reconhecido pelo seu uso ““. (5)

Assim os capilares metropolitanos, vias de menor escala, mais urbanas voltam a ter o papel de caracterizar e conceder aos novos centros metropolitanos ou alvéolos urbanos identidade e qualidade. Estes capilares metropolitanos através da sua caracterização poderão atingir este objectivo.

A rua – Espaço público
A definição da palavra “Praça” como “Lugar largo e espaçoso, ordinariamente rodeado de edifícios”, que propicie a convivência ou a sua apropriação para recriação, complementada com a definição de Jane Jacobs dos quatro elementos necessários para que um parque ou praça funcione – complexidade, centralidade, insolação e delimitação espacial – concretiza o exemplo da Praça Cosme Damião. (ver Figuras 1 e 2)

No entanto a sua complexidade, não se refere ao sentido do uso mas no sentido da sua configuração, e delimitação espacial, mas deve-se às vias que simultaneamente a atravessam e delimitam.

Este surge como um dos exemplos de espaço público descaracterizado como consequência da influência da 2ªCircular, em Lisboa. Esta situação remete para a rua o papel de espaço público, uma vez que está patente uma clara sobreposição da mobilidade, e da acessibilidade à infra-estrutura em relação à verdadeira acepção do espaço “Praça”.





Fig. 01





Fig. 02

Figuras 01 e 02 - Praça Cosme Damião
Fonte: GoogleMaps, 2010

Assim para a concretização do planeamento que venha a conceder à rua o carácter de espaço público, as ruas dever-se-ão demonstrar atractivas com um perfil cuidado e com qualidade de desenho, nomeadamente a nível de mobiliário urbano mas principalmente a nível de espaços criados e de qualidade de vivência.

No que se refere à continuidade do tecido, Jane Jacobs refere que este deverá possuir uma escala tal de modo a que forme uma malha contínua que possibilite a constituição de uma sub-cidade em potencial. Assim, e perante a sub-cidade já constituída pelos alvéolos metropolitanos, resulta neste momento reflectir sobre o processo em curso.

Dado que a continuidade deve ser considerada chave, no sentido da mobilidade, torna-se imperioso a constituição de conjuntos de capilares urbanos, cujo carácter permita essa continuidade quer de tráfego, quer de leitura, o que conferirá à sub-cidade uma maior segurança e identidade.

Neste sentido de segurança e qualidade de vivência do espaço urbano, concretamente a rua, a contribuição do traçado que precederá a constituição da malha de rua, permitirá a qualificação das ruas, com a intensificação da constituição de elementos como parques e praças, como forma de descompressão da malha. A esta descompressão somar-se-á a complexidade de usos do tecido urbano, criando interacções adaptáveis entre o hardware urbano e o constantemente mutante software urbano. (6)

Deste modo o zoneamento (zoning) da cidade é facilitado, havendo uma malha definida e a alteração do uso dos solos acompanha as mutações do tecido urbano.
“Uma grande cidade não é uma colecção de cidades pequenas, justapostas: uma grande cidade é um local onde a grande maioria das pessoas com as quais nos relacionamos, fazemos trocas e compartilhamos os espaços públicos nos são predominantemente desconhecidos”. (7)

Fragmentando o tecido urbano edificado o urbanismo modernista contribuiu para a desarticulação da morfologia das cidades, destruindo ruas.

A escala intermédia de transição de escala no tecido urbano é a chave para o planeamento quer de edifícios, quer de infra-estruturas e espaço público.

A rua metropolitana transitória
A cidade é um sistema aberto, um organismo que necessita de energia e bens da envolvente.

Como sistema que é funciona como um conjunto de elementos interligados, interdependentes.

O grande objectivo das circulares e infra-estruturas viárias de localização exterior ao tecido consolidado era escoar a maior quantidade de tráfego do centro da cidade. A este objectivo soma-se o de evitar a necessidade de entrada na malha viária mais estreita para atravessar a cidade, congestionando-a. Ambos os objectivos aparentemente são cumpridos, por exemplo na 2.ª Circular, mesmo sendo que se denuncia a contradição e eminente esgotamento, estando muitas vezes congestionada.

A premissa inicial de serem infra-estruturas exteriores em relação ao tecido urbano consolidado actual já não se confirma, pelo que estas se tornaram parte desse mesmo tecido. Elas próprias criaram tecido, catalisaram o seu crescimento, mas também o condicionaram. Neste ponto surge a questão fundamental que se impõe no que se refere a tensões no tecido metropolitano actual, que se prende com a mudança de escala.

Adaptando a situações urbanas concretas padrões de sistemas simples, que possam ser replicados ainda que adaptativamente, será possível que a cidade se constitua como um sistema complexo organizado. Actualmente como esses padrões são desconexos e não relacionáveis formalmente, temos um sistema complexo desorganizado. (8)

É neste contexto que surge o conceito de rua metropolitana transitória, uma vez que o carácter evolutivo não permite uma classificação final, e estes elementos surgem na sequência espacial imediata das grandes vias, assumindo-se como ramificações que os ligam às vias das massas urbanas construídas criadas por si.

Na regeneração do tecido urbano, a rua metropolitana transitória apresenta-se em processo transitório, num sentido de maior urbanidade, menos de acesso à infra-estrutura ou sobrante da malha do traçado, mas mais acessíveis e urbanos, no sentido de proximidade.

Os principais factores dinamizadores do aparecimento desta nova tipologia de rua, que no seu conjunto constituem uma rede de capilares metropolitanos são:
- a infra-estrutura
- o consequente desenvolvimento de novos tecidos e aglomerados urbanos
- a localização de novos equipamentos e tipologias de mobilidade (exemplo Interfaces de transportes, estações multi-modais)
- a alteração do uso dos solos.

Assim, no que se refere a rua metropolitana transitória o sentido de transição assume uma perspectiva dual, pelo sentido temporal relacionado com o carácter efémero do perfil actual da rua, como pelo sentido espacial relacionado com a localização espacial da rua relativamente entre a infra-estrutura e o tecido urbano adjacente. Apresentamos seguidamente alguns exemplos.

Casos
Rua Quinta de Santa Maria, Santa Maria dos Olivais




Fig. 03




Fig. 04

Figuras 03 e 04 – Rua de Quinta de Santa Maria
Fonte: GoogleMaps, Gustavo Silveirinha 2011
Legenda:
Pontos/Círculos vermelhos maiores: Infra-estrutura de elevado tráfego
Pontos/Círculos vermelhos pequenos: Rua Metropolitana Transitória avaliada

A rua Quinta de Santa Maria situada na freguesia de Santa Maria dos Olivais, apresenta-se como um exemplo mais completo de rua metropolitana transitória dada a sua situação em relação a uma infra-estrutura viária de elevada escala, a 2.ªCircular.

- Usos do solo envolvente
O uso do solo envolvente é quase exclusivamente habitacional, não havendo nenhum equipamento a destacar, nem acessível através desta rua.

- Sensibilidade/Adaptação ao Local
Apesar de o seu perfil não ser o final esta apresenta um elevado grau de consolidação, já que se aconselhava mais espaço de tráfego intermédio principalmente junto à entrada na 2.ªCircular, apresenta uma solução que resulta numa passagem de escala suave.




Figura 05 – Rua de Quinta de Santa Maria
Fonte: GoogleMaps, 2011

- Contribuição para o Local
O seu papel transitório está patente na forma como o tráfego viário é conduzido através de diversas fases de descompressão pelo facto de possuir placas centrais que permitam a distribuição gradual dos veículos em circulação. O estacionamento encontra-se previsto e devidamente projectado. Também o seu perfil a nível de interacção peão–automóvel demonstra desenho cuidado e funciona, bem como seguro para ambos.

- Futuro
É previsível que o seu perfil se altere ligeiramente pela alteração do uso quer de espaços desocupados nas imediações quer pela adaptação de pequenos edifícios não habitacionais na envolvente. Como consequência deverá haver um aumento de tráfego viário, que não deverá alterar a qualidade da rua, nem do espaço público que esta rua constitui.




Figura 06 – Rua de Quinta de Santa Maria
Fonte: Gustavo Silveirinha, 2011

Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto, Alameda da Encarnação, Santa Maria dos Olivais
A Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto situada na freguesia de Santa Maria dos Olivais, apresenta-se com uma função e perfil indefinido.

- Usos do solo envolvente
Acessível através desta rua encontra-se o Quartel dos Bombeiros da Encarnação, e a Alameda da Encarnação. Existem bastantes terrenos desocupados na envolvente da rua e acessíveis traves desta, presume-se com cariz habitacional. O troço inicial da Alameda da Encarnação apresenta também ainda um perfil pouco claro o que dificulta uma leitura da Alameda como um todo.




Fig. 07



Fig. 08

Figuras 07 e 08 – Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto
Fonte: GoogleMaps, Gustavo Silveirinha 2011
Legenda:
Pontos/Círculos vermelhos maiores: Infra-estrutura de elevado tráfego
Pontos/Círculos vermelhos pequenos: Rua Metropolitana Transitória avaliada

- Contribuição para o Local
A sua contribuição é negativa para o local, e está patente na forma como o tráfego viário é conduzido, bem como pelo modo como se processa o estacionamento nesta mesma via. Também o seu perfil a nível de interacção peão–automóvel demonstra falta de desenho, bem como de segurança para ambos. A inexistência de passeios em parte da rua, bem como o seu dimensionamento reduzido não permite uma utilização fácil do espaço da rua.




Figura 09 – Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto
Fonte: Gustavo Silveirinha, 2011

- Sensibilidade/Adaptação ao Local
Dada a sua situação em relação a uma infra-estrutura viária de elevada escala, ou seja de ligação ao acesso pela Avenida cidade do Porto à 2.ªCircular, apresenta um perfil desadequado á que alem do seu perfil ser indefinido, não possui actualmente escala de modo a funcionar como mediador de tráfego.




Figura 10 – Ligação Avenida de Berlim – Avenida Cidade do Porto
Fonte: GoogleMaps, 2011

- Futuro
É previsível que o seu perfil se altere pela alteração do uso quer de espaços desocupados nas imediações quer pelas intervenções a serem realizadas pela ligação do Metro entre a Estação do Oriente e o Aeroporto da Portela. Como consequência deverá haver um aumento de tráfego viário, o que deverá potenciar a melhoria de qualidade da rua, bem como do espaço público que esta rua constitui.

Deste modo poder-se-á antever o aparecimento de serviços ou comércio, nos terrenos envolventes a estas vias também o que catalisará uma maior vivência das mesmas e o seu carácter mais urbano.

Rua Doutor João Couto, Benfica




Fig. 11



Fig. 12

Figuras 11 e 12 – Rua Doutor João Couto
Fonte: GoogleMaps, Gustavo Silveirinha 2011
Legenda: Pontos/Círculos vermelhos maiores: Infra-estrutura de elevado tráfego
Pontos/Círculos vermelhos pequenos: Rua Metropolitana Transitória avaliada

- Usos do solo envolvente
A rua Doutor João Couto situa-se na freguesia de Benfica, e o uso do solo da sua envolvente é maioritariamente habitacional excepção feita a pequeno comércio pontual e uma bomba de gasolina acessível pedonalmente também através desta rua. Não existem terrenos desocupados na envolvente próxima.

- Contribuição para o Local
A sua contribuição é para o local não é observável a não ser pelo serviço de circulação, uma vez que o seu perfil não inclui nem circulação para peões nem é definido, que não facilita nem a sua leitura, nem a segurança na interacção peão–automóvel nem de vivência. De referir que esta rua permite o acesso a uma passagem superior para atravessamento da 2ªCircular.

- Sensibilidade/Adaptação ao Local
Dada a sua situação em relação a uma infra-estrutura viária de elevada escala, ou seja extrema proximidade em relação à 2.ªCircular, apresenta um perfil desajustado uma vez que não possui actualmente escala de modo a funcionar como mediador de tráfego, numa eventual ligação.



Figura 13 – Rua Doutor João Couto
Fonte: Gustavo Silveirinha, 2011

Torna-se óbvia, no entanto, a influência simultaneamente negativa e positiva da envolvente na rua. A localização de um parque de estacionamento com alguma qualidade de desenho influência de forma positiva a leitura da rua. Negativa é também a proximidade da 2ªCircular que prejudica a qualidade do perfil da rua e da sua utilização.



Figura 14 – Rua Doutor João Couto
Fonte: GoogleMaps, 2011

- Futuro
A tendência de as ruas metropolitanas transitórias se tornarem mais urbanas, previsivelmente também se reflectirá aqui, com a colocação de passeios e a qualificação da ligação ao parque urbano já existente no inicio da rua.


Avenida Marechal Craveiro Lopes, Campo Grande




Fig. 15



Fig. 16

Figuras 15 e 16 – Avenida Marechal Craveiro Lopes
Fonte: GoogleMaps, Gustavo Silveirinha 2011
Legenda: Pontos/Círculos vermelhos maiores: Infra-estrutura de elevado tráfego
Pontos/Círculos vermelhos pequenos: Rua Metropolitana Transitória avaliada

- Usos do solo envolvente
Os usos do solo envolvente a esta rua são, maioritariamente, pequeno comércio e habitação, com alguma concentração de escritórios de serviços.




Figura 17 – Avenida Marechal Craveiro Lopes
Fonte: Gustavo Silveirinha, 2011

- Contribuição para o Local
A contribuição quase exclusiva desta rua para o local em que se encontra, é a de servir de local de estacionamento para o comércio e habitação da envolvente da envolvente. A nível de organização da circulação a contribuição actualmente é praticamente nula, bem como a nível do desenho de espaço público. Possui circulações para peões apenas junto aos edifícios do lado sul.

- Sensibilidade/Adaptação ao Local
Esta rua é paralela ao acesso à 2ªCircular pelo que não se relaciona directamente com a infra-estrutura de tráfego elevado próxima. No entanto a inexistência deste contacto não se reflecte na qualidade do espaço, funcionando apenas como cul-de-sac para inversão de marcha e alguma circulação pedonal residual de passagem dada a complexidade do espaço e de atravessamento do mesmo.

- Futuro
A inexistência de espaços desocupados não faria prever uma grande alteração no desenho e perfil da rua a curto prazo. No entanto, dado o seu carácter complexo, esta apresenta-se como uma solução viável para as tensões de circulação e ruas próximas (Figura 17), bem como apresenta espaço suficiente para permitir espaço de estadia, por oposição ao ser carácter confuso e de passagem para o tráfego pedonal.

Conclusão
A classificação de rua metropolitana transitória pode ser considerada temporária em relação às vias existentes, com a expansão da cidade, na medida em que elas poderão progressivamente “urbanizar-se”, ao transformar-se em “ruas urbanas”, avenidas ou até “mainstreets” de bairro, enquanto outras surgirão como novas ruas metropolitanas, com escala adequada a nova ligações supra-municipais.

Também no que se refere ao papel espacial transitório da rua em relação a uma infra-estrutura de elevado tráfego, o carácter desta é simultaneamente transitório espacial e temporalmente, uma vez que o seu posicionamento, dada expansão da cidade se foi alterando. Mas a médio prazo é previsível que o seu perfil se altere também e se torna também mais urbana e a sua escala adaptada à realidade envolvente, pelo que a ocorrer será uma alteração de escala em diversos graus da hierarquia viária.

Estes exemplos demonstram que a cidade funciona, mas poderia ser optimizada enquanto sistema, e enquanto elemento de vivência humana, pela qualidade de circulação, mobilidade, espaço público e identificação com o espaço urbano.

A concretização da cidade como um sistema funcional permitirá evitar o congestionamento das vias, facilitando a mobilidade e potenciando o funcionamento da cidade. A mobilidade cria qualidade de vivência e riqueza, factores que potenciam a expansão da cidade. Deste modo o sistema condicionar-se-á e controlar-se-á a si próprio.

O reconhecimento da cidade através da sua identidade não se deve à replicação pura e simples de soluções que funcionem em determinado momento e espaço, mas na qualificação de soluções parciais, na medida em que funcionem em conjunto de modo a transmitir essa identidade. A concretização do conceito de rua como espaço público e, permite a minimização dos custos a nível de desenho e espaço urbano pela implantação e influência das infra-estruturas, seja de que naturezas for. (ex. viária, ferroviária).

Assim a tendência da rua metropolitana transitória é a de se urbanizar, e ser um “condutor de urbanização”, de se adaptar à evolução da cidade, da alteração dos usos do solo, da localização de novos equipamentos.

Haverá no entanto que considerar um regresso progressivo a um centro das cidades cujo crescimento potenciou a sua desocupação. Esta reocupação implicará também reavaliar a relação das infra-estruturas viárias com o tecido urbano pré-existente através de ruas transitórias.

Deste modo será possível aproveitar as mudanças de paradigma urbano para concretizar novas soluções de desenho urbano e traçado que permitam a consolidação da cidade como sistema integrado de sistemas urbanos de menor escala.

Os novos territórios e tecidos urbanos criados por novas infra-estruturas deve-se referir que estes têm o potencial de adaptação que o tecido consolidado pode já não ter, de adaptação prévia e qualificação quer do espaço público, quer especificamente da das relações entre tecido urbano e infra-estrutura, com especial atenção às ruas transitórias e à cidade transitória que as engloba.

Nota do autor
Neste artigo e seguindo a etimologia da palavra, do latim transitorius, o uso feito do adjectivo transitório refere-se a elementos cujas características que os constituem se focam especificamente na mobilidade e passagem que estes proporcionam e permitem.

Simultaneamente este adjectivo foi utilizado na sua acepção com sentido de algo cuja duração é passageira ou pouco duradoura, o que concretamente neste caso se refere ao carácter indefinido mas em mutação do perfil das ruas.

Num contexto menos lato poder-se-ia talvez considerar a rua como um elemento transitário, no entanto poderia levar a uma consideração redutora quer do papel da rua no desenho da cidade.
Assim como seria redutora pelo do carácter social, espacial e complexo da rua no que se refere também a ser espaço público apropriável e de estada e relação pessoal. Deste modo o conceito de transitário está implícito daí a sua não consideração.

transitório (9) - (latim transitorius, -a, -um, que serve de passagem, por onde se passa)
adj.
1. Que dura pouco.
2. Passageiro, breve.

transitário (10) - (trânsito + -ário)
adj.
1. Relativo ao trânsito.
2. Atravessado gradualmente pelo trânsito ou por mercadorias em trânsito.
adj. s. m.
adj. s. m.

Notas:
(1) Kosso, P. – Appearence and reality, An Introduction to the Philosophy of Physics, New York: Oxford university Press, 1998

(2) Ascher, François – Métapolis ou l’avenir des villes, Paris: Editions Odile Jacob, 1995.

(3) Sassen, Saskia – The Global City: New York, London, Tokyo: Princeton University Press, 1991

(4) Chambers, Iain -: Migrancy, Culture, Identity, London and New York: Routledge, 1994

(5) Rykwert J. The Street: the Use of its History. In: Anderson S, editor. On streets. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1978.Rykwert J. The Street: the Use of its History. In: Anderson S, editor. On streets. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1978.Rykwert, J. – The Street: the Use of its History. In: Anderson S, editor. On streets. Cambridge, Mass.: M.I.T. Press, 1978.

(6) Brandão, P. – Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um Plano de Mobilidade Sustentável

(7) Jacobs, Jane – The death and life of great American cities, Londres, Pimlico, 2001

(8) Weaver, Warren, “Science and Complexity”, American Scientist 36: 536, 1948, (Recolhido em 19-01-2011);
http://www.ceptualinstitute.com/genre/weaver/weaver-1947b.htm
“Warren Weaver sugeriu que a complexidade de um determinado sistema é o grau de dificuldade em prever as propriedades do sistema, se as propriedades de partes do sistema são dadas.“

(9) in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=transit%C3%B3rio,
[consultado em 2011-03-06]

(10) in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,
http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=transit%C3%A1rio,
[consultado em 2011-03-06

Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.

Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
Infohabitar, Ano VII, n.º 339, 26 de Março de 2011

O Grupo Habitar - APPQH, é uma associação técnica e científica sem fins lucrativos, que tem sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU), do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC)

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