segunda-feira, outubro 13, 2008

217 - Arquitectura sustentável: além do ambiente - Infohabitar 217

Infohabitar 217

Arquitectura e sustentabilidade, para além dos aspectos ambientais: os outros aspectos da sustentabilidade: da qualidade arquitectónica à satisfação residencial


Arq. António Baptista Coelho (Laboratório Nacional de Engenharia Civil e Grupo Habitar)


Resumo
A ideia que se sublinha nesta intervenção é ser fundamental considerar outros aspectos, além dos ambientais, quando o objectivo é o desenvolvimento arquitectónico de partes de cidade mais humanizadas e sustentáveis.

Salienta-se, assim, ser fundamental: considerar uma noção de sustentabilidade completa e integradora; dar a devida importância à faceta urbana da sustentabilidade; privilegiar as matérias do equilíbrio ambiental, da recuperação da paisagem e da adequada naturalização do espaço urbano; e aprofundar e privilegiar, urgentemente, as facetas humanas, sociais e culturais da relação entre Arquitectura e sustentabilidade, favorecendo, sob todas as formas possíveis, cidades amigas/humanizadas, culturalmente valiosas e vivas.

Conclui-se esta matéria da relação com uma reflexão sobre a relação entre as ideias ligadas ao habitar sustentável ou durável, no sentido amplo do termo, e a perspectiva de um habitar gerador de satisfação e mesmo de felicidade.
E desde já se salienta que todas as facetas da sustentabilidade devem ser natural e adequadamente integradas e associadas a um projecto de Arquitectura, que constitua sempre um positivo elemento urbano e paisagístico, o que configura um desafio complexo, mas sempre aliciante; e, afinal, tal como referiram Leonardo Benevolo e Benno Albretch (As Origens da Arquitectura, 2002): “Os desafios a enfrentar no mundo de hoje não dizem apenas respeito às quantidades e aos números, mas também, – e sobretudo – à complexidade e à subtileza.”

Nota inicial: As figuras que ilustraram, abundantemente, a “versão falada” do presente artigo – apresentada no Congresso “Arquitectura Arquitectura Sustentável Futuro com[ ]passado”, que teve lugar em 3 e 4 de Outubro de 2008, em Aveiro, referiram-se, na sua quase totalidade, a conjuntos residenciais portugueses de Habitação a Custo Controlado (habitação apoiada pelo Estado, antes financiada pelo Instituto Nacional de Habitação, hoje Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), alguns deles realizados com a introdução de soluções de projecto e tecnológicas de aproveitamento passivo da energia solar; desta ilustração fica a ideia que fazer habitação globalmente mais sustentável/durável é algo compatível com a promoção de habitação de interesse social.



Figura 1: Vila Nova de Famalicão, Gondifelos, 32 fogos promovidos em 1996 pela C.M. de V. N. de Famalicão, com projecto coordenado pelos arquitectos José Gigante e João Álvaro Rocha. Trata-se de uma solução que se caracteriza, em termos tecnológicos e construtivos, e na organização e distribuição de cada habitação, por aspectos de aproveitamento passivo da energia solar, e que corresponde à solução que obteve o 3.º Prémio no Concurso Internacional “PLEA 88 – Passive and Low Energy Architecture – Bloco de Habitação Social,” patrocinado, entre outras instituições, pelo INH e que decorreu em Julho de 1988. A esta intervenção específica foi atribuído o Prémio INH municipal de 1997.

I - Arquitectura e sustentabilidade, para além dos aspectos ambientais – outros aspectos da sustentabilidade: da satisfação residencial à qualidade arquitectónica

A ideia que se quer deixar sublinhada nesta intervenção é ser fundamental considerar outros aspectos, além dos ambientais, quando o objectivo é o desenvolvimento de partes de cidade mais humanizadas e sustentáveis.

De certa forma encontramos um excelente paralelismo para esta ideia na definição que Claire e Michel Duplay deram de “franja do Edifício: a zona que o envolve desde o solo, à cobertura, passando pela fachada e o “lugar de expressão construtiva, de adaptação climática e de refúgio do imaginário" (1); e comenta-se que as matérias do ambiente constituem, aqui, talvez, cerca de um terço da totalidade da matéria, que se desenvolve, igualmente, pela “expressão construtiva” e pelo “refúgio do imaginário” – e sobrarão ainda outras facetas arquitectónicas nesta franja entre interior e exterior, lugar estratégico das relações que são, afinal, a própria matéria-base da Arquitectura.

A título de comentário genérico sobre este amigável confronto entre o que se consideram ser as matérias da sustentabilidade e da Arquitectura, apontam-se, em seguida, sumariamente, algumas grandes linhas temáticas que se julga deverem ser seguidas quando se trata desta matéria.

a) Há que ser prático e construtivo na abordagem da relação entre Arquitectura e sustentabilidade. E para isso importa assumir a vital importância dos exemplos de sustentabilidade e divulgá-los, comentá-los, visitá-los, reflectir sobre eles, completá-los, discuti-los e utilizá-los; há que ter a sabedoria para começar a levantar dúvidas construtivas sobre hierarquias de objectivos que devam marcar estas matérias; e importa procurar integrar o melhor possível, numa perspectiva arquitectónica, os ensinamentos especializados que estão já disponíveis.

b) É fundamental considerar uma noção de sustentabilidade completa e integradora. E neste sentido há que procurar considerar e divulgar a ideia de sustentabilidade de uma forma completa, nos seus conteúdos fundamentais e designadamente também naqueles aspectos que podem ser, até, menos evidentes, mas que são também estruturadores; e há que ter a coragem de começar a estabilizar ideias fortes e integradoras, começando a passar das listas gerais para as hierarquias estruturadas e para os “novelos” de objectivos que, caso a caso, e conforme as características das situações concretas, possam e devam ser privilegiados.

c) É essencial dar a devida importância à faceta urbana da sustentabilidade.
E, para tal, é urgente aprofundar e divulgar a faceta urbana da sustentabilidade, avançando-se numa abordagem estrategicamente integrada com a sustentabilidade no edificado; e importa aqui reflectir, especificamente, sobre as matérias da requalificação, do preenchimento e da revitalização, sintetizadas no conceito “construir no construído,” como é abordado no excelente livro de Francisco de Gracia, com o mesmo título - e julga-se ser este um aspecto que, como se verá, tem implicações fortes no próprio conteúdo global do próprio conceito de sustentabilidade.

d) Ainda nesta faceta urbana da sustentabilidade, mas de uma forma específica, há que privilegiar as matérias do equilíbrio ambiental, da recuperação da paisagem e da adequada naturalização do espaço urbano.

e) Numa faceta fortemente arquitectónica da sustentabilidade, que se liga às facetas urbanas, já referidas, mas também aos aspectos de humanização, a seguir apontados, devem apontar-se matérias arquitectonicamente tão estruturantes como o sentido de abrigo, o sentimento de conforto, os cuidados de integração paisagística e de proximidade, e, naturalmente, a construção da forma e do ambiente pela luz natural.

f) E finalmente e de forma urgente e crucial importa aprofundar e privilegiar as facetas humanas, sociais e culturais da relação entre Arquitectura e sustentabilidade, favorecendo, sob todas as formas possíveis, cidades amigas/humanizadas, culturalmente valiosas e vivas.
Em seguida, fazem-se alguns comentários breves sobre cada um destes temas.

E complementarmente a estas linhas temáticas importa reflectir um pouco sobre a relação entre as ideias de habitar sustentável e de habitar gerador de satisfação; o que se faz no final deste artigo.


Figura 2: conjunto cooperativo promovido pela Norbiceta (cooperativas Nortecoope, As Sete Bicas e Ceta), na Ponte da Pedra, Matosinhos, em 2006, projectado pelo Arq. António Carlos Coelho, financiado pelo INH no âmbito do Estatuto Fiscal Cooperativo, e integrado no Programa Europeu Sustainable Housing in Europe (SHE) – inclui diversos aspectos de sustentabilidade ambiental e urbana; esta solução foi amplamente destacada e premiada no âmbito nacional e internacional, destacando-se, aqui, o Prémio INH/IHRU de Promoção Cooperativa 2007.

I. a) Sobre a vital importância dos exemplos e da aprendizagem técnica

Nada resulta melhor em termos de apoio à concepção e à promoção do que a visita a obras feitas e do que o diálogo com os seus responsáveis e com quem lá vive para se poderem entender vantagens e desvantagens das soluções aí desenvolvidas. E sublinhe-se que o trabalhar com exemplos é também uma forma sustentada de avançar no conhecimento das matérias, pois ir pelos exemplos é mergulhar na prática, é aprofundar tudo aquilo que estabelece pontes entre o projecto e a satisfação de utentes e moradores; pontes estas que podem ser inesperadas ou até incómodas, mas que são sempre pertinentes e muito úteis em intervenções subsequentes.

E no aprofundamento técnico muitos aspectos carecem de esclarecimento, tais como, por exemplo, a eficácia real, no que se refere à permeabilidade pluvial, de diversas soluções de revestimento do espaço exterior público e os respectivos custos de execução, e, ao nível do edificado, o caminho da viabilidade da aplicação dos painéis fotovoltaicos – ainda há muito pouco tempo foi divulgada uma imagem de habitação de interesse social em Itália com grandes painéis deste tipo. Importa nestas e noutras matérias esclarecer o custo-benefício de um amplo leque de soluções, para que se possa daí partir para uma sua aplicação bem fundamentada, começando a reduzir-se, estrategicamente, o actual excesso de opiniões, tantas vezes contraditórias.


Figura 3

I. b) Sobre uma ideia completa e integradora de sustentabilidade

Em 2006, num encontro no LNEC, o Prof. Oliveira Fernandes definiu como três facetas da sustentabilidade os aspectos ambientais, económicos e sociais.

A sustentabilidade na área ambiental tem sido estudada, em termos de aspectos a desenvolver, enquanto a sustentabilidade económica da cidade e das suas diversas partes tem ainda muito a aprofundar, situação que se agrava, claramente, no que se refere à falta de aprofundamento arquitectónico e urbanístico da sustentabilidade social e urbana – por exemplo, sabe-se e têm-se provas críticas da necessidade de haver misturas sociais e funcionais em cada bairro e em cada vizinhança, mas do saber ao fazer, como regra, há ainda uma grande distância. E, depois, há ainda todo o excelente mundo da sustentabilidade cultural, uma matéria que se liga às anteriores, mas que tem naturalmente força própria, designadamente, em aspectos ligados a uma adequada e estimulante caracterização paisagística; e é importante que, desde já, se assuma a sustentabilidade com este leque amplo e completo de desenvolvimento, até também porque o património cultural é já hoje e será, cada vez mais, um dos principais recursos de Portugal e da Europa.

Na intervenção referida Oliveira Fernandes sublinhou, que a sustentabilidade implica uma visão integrada; e a ideia que se deixa é que a própria sustentabilidade urbana e do habitar corresponde a uma tendência fundamental em termos de integração: ambiental, funcional, paisagística, social e cultural.

Estamos, ainda, hoje em dia, numa fase de proliferação de grandes listagens de aspectos a considerar para a melhoria da sustentabilidade urbana e residencial, no entanto começa a ser urgente definir prioridades, objectivos e opções fundamentais, e neste processo é crucial ter em conta que cada sítio é um sítio e que a sua caracterização específica (ex., funcional e visual) constitui um elemento insubstituível da sua sustentabilidade integrada; numa opção de crucial identificação de cada sítio e de cada parte de cidade, e numa opção de negação das cidades “placebo” ou “franchising”, anónimas e uniformes, cidades estas sem futuro, portanto insustentáveis, neste século das cidades.


Figura 4: entre o “velho” e bom Alvalade, o conjunto de realojamento da CML na Tv. do Sargento Abílio. Lx., Arq. Paulo Tormenta Pinto, e o Metro do Porto.

I. c) Sobre a urgente faceta de arquitectura urbana da sustentabilidade e o “construir no construído”

Como foi, também, apontado por Oliveira Fernandes e tem sido sublinhado por outros estudiosos, as cidades não são, por natureza, sustentáveis, designadamente, em termos ambientais.

Mas se quisermos avançar nesta matéria há que tentar tudo fazer para se reduzirem as influências ambientalmente negativas das cidades e para o fazer há que privilegiar, sistematicamente, intervenções integradas e consistentes, designadamente, nos seguintes aspectos (numa listagem que designo como aberta ou dinâmica e que integra múltiplos aspectos de uma boa-arte da Arquitectura): estruturar o novo espaço urbano tendo em conta a geometria da insolação em edifícios e espaços públicos; ter em conta o conforto acústico e a protecção acústica; maximizar a permeabilidade dos espaços exteriores relativamente à água das chuvas; desenvolver o aproveitamento local maximizado do ciclo da água; considerar um verdadeiro e positivo verde urbano; fomentar os usos pedonais funcionais e recreativos; apoiar o uso de bicicletas e outros meios de acessibilidade amigos do ambiente; dinamizar o convívio vicinal; estimular o uso de transportes públicos; considerar as características de composição e de reutilização dos materiais usados nos espaços exteriores, favorecendo aqueles que sejam mais amigos do ambiente.

E num novelo tão integrado de objectivos como é o caso, há que encontrar fortes fios condutores e neste sentido é muito desejável privilegiar um verdadeiro protagonismo formal e funcional do espaço público e da imagem urbana, um protagonismo também direccionado para a dinamização do recreio, do lazer e do desporto no exterior público e para o indefectível favorecimento do convívio vicinal e urbano; convívios estes cada vez mais cruciais numa sociedade que tende a viver entre um autista isolamento doméstico e individual e um massificado e estereotipado consumo de espaços colectivos, ditos de uso “público”, como é o caso dos “centros comerciais”.

E há aqui total concordância com as opiniões de William Mitchell, que defende a harmonização de muitos dos aspectos positivos da sociedade em rede e do habitar apoiado pelas tecnologias de informação e comunicação, com o aprofundamento das relações humanas directas e da vida cívica e urbana local e caracterizada – e a ideia é que muito se tem a ganhar com uma tal aliança.

Afinal é fundamental, tal como escreveu Daniel Filpe, “ uma cidade onde acontecem coisas” (2) e numa cidade assim “de vez em quando apetece a gente tomar por uma dessas ruazinhas que não se sabe onde irão acabar, deixando correr o tempo ao sabor dos passos erradios” (3).

Ainda nesta perspectiva integradora e basicamente urbana da sustentabilidade importa sublinhar a oportunidade e importância da ideia do “construir no construído”, uma ideia lançada por Francisco de Gracia, e que é, ela própria, uma base fundamental de sustentabilidade urbana, física e social, pois trata de se privilegiar a intervenção seja na reabilitação de determinadas parcelas da cidade, tornando-as novamente úteis e atenuando-se a expansão da cidade sobre o meio natural, mas também se refere ao importante aspecto de se privilegiar o preenchimento, a colmatação e o cerzir do espaço urbano preexistente, a rentabilização de infraestruturas e uma cuidada e vitalizadora densificação urbana.

O “construir no construído” tende a anular os espaços residuais e marginais, a avançar na anulação de zonas social e por vezes ambientalmente problemáticas, e, associa-se, naturalmente, devido à sua própria natureza, que favorece intervenções com escala geral reduzida, ao privilegiar das intervenções pequenas e expressivamente humanizadas, bem integradas nas suas envolventes, bem estruturadas, que acolhem, frequentemente e de forma positiva, afirmadas referências à escala à escala e usos humanos, proporcionando-se interessantes condições de dinamização do carácter local e da convivialidade vicinal. E, afinal, o “construir no construído” é muito arquitectónico pois repousa numa pormenorização que deve responder, positivamente, àquilo que os nossos olhos querem encontrar nas sequências de vizinhanças de proximidade que constituem a cidade.


Figura 5

I. d) Sobre o privilegiar do equilíbrio paisagístico e ambiental e da cuidada naturalização do espaço urbano

Esta temática tem toda a ligação com a que acabámos de desenvolver e terá com certeza outros aprofundamentos por especialistas nas diversas matérias; no entanto, configura aspectos específicos críticos e urgentes a que importa dar a devida atenção.

Um destes aspectos, provavelmente um aspecto determinante, tem a ver com a importância do desenvolvimento do verde urbano e designadamente da plantação de árvores como factor de redução do CO2 - Al Gore, no âmbito do seu filme, recentemente exibido, “An Inconvenient Truth”, refere que uma árvore consome, em média, ao longo da sua vida, uma tonelada de CO2.

Mas além desta vantagem as árvores urbanas são excelentes aliados de uma ampla sustentabilidade pois, tal como é referido pela London Tree Officers Association (LTOA), cujo site se recomenda (ltoa.org.uk ), as árvores urbanas têm múltiplas vantagens (entre aspas citações da LTOA):

Nas áreas da saúde e do bem-estar: reduzem o risco de cancro na pele através do sombreamento; “os níveis de stress e de doença são, frequentemente, mais baixos na presença de árvores”; “as árvores contribuem para níveis reduzidos de ruído e de poeiras”; e “à medida que as árvores se desenvolvem e envelhecem elas proporcionam carácter e sentido de lugar e de permanência, enquanto libertam cheiros e aromas que provocam uma resposta emocional positiva”.

Em termos de influência no clima local: “as árvores, para além de absorverem dióxido de carbono (o principal gás gerador do efeito de estufa), e de produzirem oxigénio, filtram, absorvem e reduzem os gases poluidores, incluindo o ozono, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de nitrogénio”; “suavizam, localmente, picos extremos de temperaturas, refrescando no Verão e aquecendo no Inverno”; “árvores com copas grandes e de grandes folhas acolhem a chuva, amortecendo a progressão da água entre o céu e o solo, ajudando a reduzir o risco de enxurradas”.

E em termos aspectos sociais e ambientais: “pontos focais comunitários que incluam árvores proporcionam amenidade, valia estética e continuidade histórica”; “as árvores proporcionam … um apreciável acréscimo de amenidades às famílias e às comunidades”; “as árvores marcam a mudança das estações do ano com alterações nas folhas e mudanças na floração” – e é fundamental que o ciclo das estações seja sentido por todos e especialmente pelos urbanitas - ; “As árvores oferecem habitats para um amplo leque de espécies de vida bravia ao longo de todo o ano” – as árvores são, assim, elementos fundamentais no apoio à biodiversidade, com uma utilidade que alia aspectos intrínsecos de manutenção das espécies, com aspectos igualmente importantes de espectáculo biológico oferecido aos urbanitas.

E no que se refere a vantagens económicas: “a presença de árvores pode fazer aumentar o valor de propriedades residenciais e comerciais entre 5% e 18%, enquanto o valor do terreno não infraestruturado, que integre árvores adultas, pode aumentar até cerca de 27%”; “quando as árvores são plantadas estrategicamente podem reduzir emissões de combustível fóssil, através da redução dos custos de combustível para aquecimento e arrefecimento dos edifícios”; “as árvores proporcionam a criação de emprego nos mais variados ramos de actividade (ex., jardinagem)”; “as árvores proporcionam uma fonte sustentada de “composto”, feito de folhas, assim como biocombustível produzido de aparas de madeira”.

E como importante suplemento a todas estas vantagens regista-se que o verde urbano tem uma importância tão vital como impossível de quantificar, pois, como diz Daniel Filipe, refere-se à dimensão afectiva: o jardim “é um pequeno mundo a três dimensões sentimentais.” (4)

A pergunta que aqui se deixa é que se está provado o grande interesse da arborização urbana não se entende a razão de uma tal medida não avançar e com carácter de urgência. E, provavelmente, a melhor resposta nesta matéria estará na aplicação de espécies arbóreas muito duradouras, pouco exigentes em manutenção e que suportem bem a poluição urbana.


Figura 6: Habitação social no centro urbano, Conde Barão Lx., Arqs Castro caldas e Nuno Távora; Coop. Massarelos, Arq.s Francisco Barata e Manuel Fernandes Sá; Reabilitação e realojamento na Qt. Do Guarda Livros, V.N. De Gaia, Arq. Paulo Alzamora; Fontinha, Porto, CMP, Arqs Costa Macedo, Rui Mealha e Tresa Miranda; e Fontainhas, Porto, CMP, Arqs Helder Ribeiro e Amândio Cupido.


I. e) Abordando, agora, sumariamente, a matéria fortemente arquitectónica da sustentabilidade, que se liga às facetas urbanas, já referidas, mas também aos aspectos de humanização, a seguir apontados, deve sublinhar-se a relevância, o peso histórico e a actual oportunidade de matérias arquitectonicamente tão estruturantes como o sentido de abrigo, o sentimento de conforto, os cuidados de integração paisagística e de proximidade, e, naturalmente, a construção da forma e do ambiente pela luz natural.

É interessante comentar, aqui, aquilo que muitos dos que aqui estão sentem ao pensarem nestes temas, é que eles integram, basicamente, a própria natureza do fazer da Arquitectura, seja num sentido prático evidente em tantos grandes projectistas, seja num sentido mais teórico e basta lembrarmos partes de alguns dos títulos dos capítulos do livro de Steen Eiler Rasmussen intitulado “experiencing architecture – arquitetura vivenciada” (na tradução brasileira) (5) – por exemplo: sólidos e cavidades, efeitos contrastantes, planos de cor, e a luz do dia em arquitectura – para termos a certeza que assim acontece, e depois avançando para as matérias do abrigo, lá está o incontornável Norberg-Schulz e entre a prática e a teoria as lições de Hertzberger e as mais recentes de Simon Unwin.

É com uma dolorosa brevidade que passo por estas matérias, não só pelo que tenho estudado mas também porque fiz algum projecto e obra durante duas dezenas de anos e tenho continuado, sempre, a ver, com olhos de ver, muitas obras de Arquitectura, mas afinal há a célebre afirmação de Corbusier, que sintetiza muito de tudo isto: “A arquitectura é o jogo sábio, correcto e magnífico dos volumes dispostos sob a luz.”

Uma reflexão que tem complementaridade na ideia que marca as seguintes palavras escritas por Fernando Távora em 1962: “Portugal é dotado de belíssimos sítios naturais e os nossos antepassados deixaram-nos excelentes lições quanto ao equilíbrio sítio-edifício, mas em face dos crimes que vemos cometerem-se aqui e ali contra a nossa paisagem, não será difícil concluir que tal sentimento de equilíbrio abandonou os nossos contemporâneos pois que, de um modo quase geral, quando um edifício de hoje se instala num sítio, perdem-se um e outro por ausência de relações correctas entre ambos.” (6)

Afinal e como referiram Nuno Portas e Gonçalo Byrne, na Universidade de Aveiro, no início do seminário, “Arquitectura e sustentabilidade: futuro com [ ] passado”, em 29 de Setembro de 2008, na Universidade de Aveiro, as questões da sustentabilidade começam no território, antes da Arquitectura, o edifício tem autonomia, mas há a estratégia urbana e paisagística.

E os mesmos autores concordaram na importância da exequibilidade de uma sustentabilidade arquitectónica que não seja excessivamente ambiental, por ser também social e económica e marcada por uma urbanidade ampla, não limitada aos centros das cidades e uma sustentabilidade arquitectónica em que uma boa parte dos aspectos projectuais a ter em conta se referem aos já sublinhados factores de localização e orientação, sucedendo-se numa sequencial redução dimensional os aspectos ligados ao aproveitamento e controlo de energias passivas e, finalmente, numa escala muito mais reduzida os designados sistemas activos; e em tudo isto parece considerarem necessário um novo debate sobre a Arquitectura e um aprofundamento do discurso e da reflexão sobre a cidade, considerando, muito especificamente, a nossa cultura e as nossas regiões.


Figura 7: diversas vistas, entre Barcelona, Matosinhos e Malmö, neste caso com um conjunto realizado em colaboração com Charles Moore

I. f) Finalmente, nesta sequência de ideias, apontam-se algumas notas sobre o fundamental papel de cidades e de vizinhanças amigáveis, humanizadas e vitalizadas, como potenciais redentoras deste século das cidades; afinal, algumas notas sobre a humanização do habitar, nas suas diversas facetas, como elemento fulcral da sua sustentabilidade

Ao falar-se das grandes linhas da sustentabilidade urbana e residencial não faria qualquer sentido deixar de referir ser fundamental que tudo o que se faça para melhorar as nossas cidades “centrais” desabitadas e os nossos subúrbios descaracterizados, se integre numa linha obrigatória e exigente de contribuição para a respectiva vitalização e humanização, considerando-se que neste último aspecto tem lugar cativo uma verdadeira qualidade cultural que possa ir devolvendo a cidade a uma estima pública activa e convivial – uma ideia defendida, no LNEC, já há alguns anos, pela Arqª Valente Pereira. Afinal, pouco ganharemos em ter novas partes da cidade, por exemplo, energeticamente eficientes se elas forem culturalmente empobrecedoras e socialmente desvitalizadas; e não esqueçamos que vivemos, cada vez mais, o século das grandes cidades e nas grandes cidades tais problemas, e os associados problemas de desintegração sociocultural, tão evidenciados, entre nós, nos últimos meses, assumem uma importância determinante.

Nestas matérias e relativamente à questão sensível e complexa da insegurança urbana, uma matéria que se julga ser o sintoma mais objectivo de uma cidade doente, portanto não sustentável, defende-se que ele só poderá vir a ser relativamente solucionado com cidades e partes de cidade amigáveis, porque bem habitadas, humanizadas e socialmente diversificadas e vitalizadas.

Actuar directamente sobre a insegurança urbana ajuda, naturalmente, mas não tem eficácia adequada numa perspectiva de futuro, a não ser que numa perspectiva convivial e cívica como aquela seguida no policiamento “orientado para a comunidade”; há sim que actuar sobre a coesão física e social da cidade, sobre a respectiva gestão local de proximidade e, paralelamente, sobre uma segurança pública de comunidade. As questões ligadas à insegurança urbana serão, provavelmente, os sintomas mais agudos e graves de uma situação de insustentabilidade urbana e porventura social; naturalmente que a insegurança e as situações de banditismo e de vandalismo que a provocam não serão erradicados com a adopção de uma ampla sustentabilidade urbana, tal como foi aqui apontado, mas não tenhamos dúvidas que a influência de tais medidas no bem-estar urbano e vivencial será sempre muito forte e fundamental.

E lembremos que estamos, hoje, já bem dentro do “século das cidades”, com mais pessoas a viverem nas cidades do que no campo, num movimento migratório que continuará, e, portanto, numa perspectiva que tem, obrigatoriamente, de conciliar ambiente, cidade e bem-estar em condições de grande densificação, portanto temos um problema duplo nos braços: resgatar as condições ambientais negativas ainda predominantes; e proporcionar uma boa qualidade de vida em meios urbanos densos – e esperemos que deste conjunto complexo de problemas resultem soluções para a insustentável situação de centros urbanos sem habitantes e de periferias sem vida urbana.



Figura 8: diversas vistas e um exemplo de Habitação a Custo Controlados, a Cooperativa O Nosso Piso, em Conceição de Tavira, do Arq. Pedro Serra Alves

II. Entre a casa sustentável e a casa que satisfaz: algumas notas de enquadramento

Para concluir esta intervenção sobre as outras sustentabilidades, para além da ambiental, que tanto importam no fazer da Arquitectura, gostaria de reflectir um pouco sobre a relação entre as ideias de habitar sustentável e de habitar gerador de satisfação.

Nesta matéria devo confessar que vivo bem em casas sem quaisquer gadgets e sem quaisquer especializações nas múltiplas áreas da dita sustentabilidade habitacional, assim como estou a ser muito mais feliz com um telemóvel mais simples e com mais autonomia do que a máquina altamente sofisticada que tive até há pouco tempo atrás.

Devo dizer, também, que não tenho, evidentemente, quaisquer dúvidas sobre a urgente importância da implementação de medidas integráveis como aspectos de sustentabilidade. E não tenho quaisquer dúvidas na matéria porque, por um lado, o fundamental, é clara a influência que certos aspectos, associáveis ao tema da dita sustentabilidade, têm para a sustentabilidade ambiental global, mas também para uma maior satisfação residencial, e, cumulativamente, é cada vez mais claro o peso que tais cuidados poderão ter no orçamento de cada família (ex., os preços da electricidade e da água são exemplos claros de uma tal realidade).

Dito isto tentarei dar uma resposta à questão sobre que características de sustentabilidade poderão cooperar na configuração de um habitar potencialmente mais feliz, porque mais influenciador de uma vida mais feliz.

O que faz uma casa confortável e económica? Portanto, o que faz uma casa dita “sustentável”?

Uma casa deve ser termicamente equilibrada – fresca no Verão e cálida no Inverno – e isto é possível, há muitos anos, através de uma construção bem desenvolvida em termos de uma adequada orientação solar, de uma cuidada pormenorização, e de uma construção que isole e proporcione uma ventilação estratégica; afinal objectivos que desde há milhares de anos estão connosco, só que, muitas vezes, esquecidos, designadamente, por ignorância ou vontade de lucro fácil.

Os cuidados de boa orientação solar e de boa ventilação marcaram, desde sempre, a Arquitectura, e o desenvolvimento de uma construção adequada tem encontrado, nos últimos anos, um leque cada vez maior e mais versátil de soluções, que proporcionam máximas condições de isolamento com um mínimo de ocupação espacial e uma maximização da facilidade da construção, condições estas que também têm caracterizado, por exemplo, quer os vãos domésticos, em que, cada vez mais é possível aliar o máximo de luz a um máximo de condições de controlo da luz e de outros aspectos associáveis, quer as diversas instalações associadas a aspectos de conforto e de funcionalidade.

Mas atenção, é salutar ter presente que há milhares de anos já se praticavam estes objectivos de bem-viver a casa, sem dúvida para poucos, de uma forma mais elaborada e conseguida, mas num equilíbrio de meios e de necessidades extremamente significativo se considerarmos o que era possível fazer em cada época – e é realmente impressionante e muito útil termos a consciência do elaborado conforto de uma grande casa romana e da forma como ela tão bem dialogava com o clima, com a paisagem, com os recursos naturais – da água à argila – e, naturalmente, com a vida doméstica e o carácter que envolvia esse mesma vida.

Se avançarmos nas áreas do consumo de energia e de água as lições são idênticas, pois é igualmente salutar lembrar que desde há milhares de anos se usa a força do vento e dos cursos de água para múltiplos fins, isto apenas para dar um exemplo. É evidente que a escala das necessidades aumentou de forma quase incontrolável, mas é importante termos presente que deixámos de usar, por exemplo, moinhos eólicos para regar hortas, há poucas dezenas de anos, e na mesma altura deixámos de usar fogões a lenha, e, nas cidades, reconvertemos muitas linhas de eléctricos a autocarros, enquanto inventámos regulamentos que dão, em princípio, mais luz natural às habitações, mas tornam as ruas menos abrigadas do sol, do vento e da chuva, e hoje em dia, estamos a recuperar muitas dessas soluções, até no que se refere à densificação urbana; não de uma forma saudosista, mas por razões práticas.

Se tentarmos discriminar, sinteticamente, os principais tipos de facetas de um amplo leque de matérias ligadas a uma verdadeira sustentabilidade residencial com reflexos nas áreas da Arquitectura teremos, naturalmente, aspectos de:

. integração paisagística (urbana e rural) e, associada, harmonização microclimática;

. redução do consumo de recursos não renováveis;

equilibrada e vitalizada densificação urbana;

. disponibilização e controlo da luz natural e da insolação no interior dos edifícios (e não esqueçamos o contributo da boa luz natural para a satisfação com o habitar);

. disponibilização de uma eficaz solução de isolamento térmico e de ventilação natural, proporcionando um conforto doméstico não encasulado e, portanto, bem ligado ao exterior (uma espécie de isolamento activo);

. disponibilização de excelentes condições de isolamento acústico (e não esqueçamos o contributo da falta de isolamento acústico para as más relações entre vizinhos e até entre “vizinhos” da mesma habitação);

. e disponibilização de um leque de materiais, acabamentos e instalações amigos da saúde humana e do ambiente.

Há, ainda, que especificar, sobre estas áreas da “sustentabilidade”, dois aspectos, sendo um positivo e o outro negativo.

O primeiro é um aspecto motivador e que tem muito a ver com a natureza básica de toda esta reflexão e que se liga à fundamental fusão entre estas matérias da sustentabilidade/durabilidade e o bom desenho de Arquitectura – e afinal o bom desenho de Arquitectura sempre tratou de boa parte destas matérias.

O segundo aspecto, muito pouco motivador, mas necessário, tem a ver com um alerta para o muito “gato por lebre” que por aí se anda a vender nesta matéria da sustentabilidade, …, e era muito importante que certos aspectos fossem objecto de um máximo esclarecimento em termos dos equilíbrios ou desequilíbrios custo-benefício que certas soluções proporcionam – e nesta matéria é fundamental apontar que, muito provavelmente, um bom isolamento térmico e acústico caracterizando uma habitação bem orientada relativamente ao Sol e com muita luz natural caracteriza uma solução muito mais positiva e “sustentável” do que outra sem essas características, mas “compensada” pelos mais variados gadgets mais ou menos tecnológicos.

O que, assim, se quer salientar é, por um lado, que a sustentabilidade, além de ser ambiental, tem de ser funcional, social e cultural e tem de ter uma perspectiva de consistência e de durabilidade o mais possível completa, que vá até do espaço urbano ao vivencial, considerando os próprios processos de concepção arquitectónica; e que o ter-se de certa forma redescoberto o conceito de “sustentabilidade ambiental” não significa que boa parte do que ele implica não estivesse já a ser aplicado por uma Arquitectura bem informada e qualificada e até a ser entre nós abordada por muitos colegas desde há bastantes anos; e o que dizer daqueles que, entre nós, há cerca de 15 anos projectaram casas solares passivas, como aconteceu com o colega Fausto Simões (7).

De certa forma trata-se, também, de unificar conceitos preexistentes nas áreas da térmica, da ventilação, da luz natural e da acústica – por exemplo, no LNEC, desde há cerca de 40 anos que estas matérias foram objecto de estudos específicos e de trabalho específico numa perspectiva de diversos núcleos de investigação, núcleos estes que foram recentemente associados numa parceria estratégica no âmbito da Equipa Especial Edificação Sustentável, coordenada pelo colega Eng. Pina dos Santos. Assimilar tais conhecimentos às matérias ligadas à energia, ao aproveitamento passivo e activo da energia solar e eólica e às matérias da poupança de recursos e da reciclagem, conjugar estes temas com as matérias da domótica, que são aliás fundamentais para fazer funcionar tudo isto e que foram extremamente favorecidas pelos recentes e incríveis avanços da informática e conseguiremos fazer, hoje em dia, as melhores soluções urbanas e residenciais com todo este renovado e reforçado cocktail tecnológico.

Mas lembremos que todas as mais exigentes e inovadoras condições de sustentabilidade ambiental residencial terão um resultado final muito reduzido se não forem aplicadas num quadro urbano igualmente estruturado por tais tipos de exigências; pois, realmente, fará muito pouco sentido, por exemplo, pouparmos água tratada nas descargas sanitárias, e pagarmos as novas instalações que para isso são necessárias, enquanto na rua se continue a usar a água tratada para regar a relva e, ainda, quando na rua continue a haver incríveis perdas nas canalizações. E poderíamos realizar idênticos raciocínios para muitas outras matérias.

E reafirma-se que o fazer tudo isto não pode, de qualquer forma, substituir-se ao fazer a boa Arquitectura urbana e residencial; e atenção que, infelizmente, há sempre quem goste de substituir o que é fazer engenho e arte, apenas por uma maquinal aplicação tecnológica, até, por vezes, pouco fundamentada.
Afinal, tal como defendeu Norberg-Schulz, uma verdadeira casa não é apenas um refúgio, uma toca, um "não lugar" uniforme, mas exige um espaço distinto e uma cena que se possa imaginar (8); diz Moore que “a cena vazia de um compartimento é definida pelos seus limites, animada pela luz, organizada em torno de um «pivot» e aberta graças à vista” ("The Places of Houses", Moore, Allen e Lyndon).

E a Arquitectura é muito mais do que apenas a função, é também, como refere Kirby Lockard, um «contar» ou uma arte comunicativa (9).


Figura 9

Devo dizer que as casas onde vivo, com satisfação, pouco têm de aspectos de sustentabilidade ambiental, ou talvez esteja a ser injusto, pois em um dos casos a casa está cheia de luz natural e de vistas e integrada num grande jardim público, enquanto no outro caso trata-se de uma casa que foi evoluindo, desde um grande coração de adobe e que está totalmente rodeada por árvores e arbustos; numa e noutra tenho calor no Verão, mas se não tiver cuidado com o abrir e fechar de portas e janelas, e tenho sempre algum frio no Inverno, mas não excessivo, desde que tenha idêntico cuidado com a abertura de portas e janelas.

E qualquer destas casas tem um excelente e forte carácter arquitectónico, e talvez esta última condição deva constituir-se numa outra verdadeira faceta de uma sustentabilidade arquitectónica com âmbito geral, numa espécie de vasos comunicantes qualitativos em que certas qualidades mais efectivas acabam por equilibrar deficiências noutras facetas – e talvez seja por isso que, por exemplo, as excelentes condições de vizinhança e de integração paisagística de Olivais Norte, associadas a excelentes projectos habitacionais, acabam por suavizar as reduzidas condições espaciais nas habitações; e talvez por isso seja que num dos primeiros casos de clara eficiência energética em habitação de interesse social, em Vila do Conde, os habitantes não consideravam a habitação pouco espaçosa (e era-o, efectivamente), qualificando-a sim como “confortável”.

E não será que toda esta questão se liga, profundamente, a um outro aspecto da sustentabilidade residencial que tem a ver, directamente, com a própria qualidade arquitectónica do habitar, uma qualidade que para ser da matéria da Arquitectura se preocupará, sempre, activamente, com aspectos de integração paisagística, de orientação solar, de iluminação natural abundante e eficaz e de conforto diário, matérias estas que acabámos de lembrar; e além disso há o desenho, há a qualidade do desenho, o segredo que provavelmente é o fio condutor ou a matéria aglutinadora de todas essas preocupações, mas que vai para além dessa função, criando sítios de vida que nos marcam positivamente, em cada dia.

É que as casas nos fazem, ou ajudam muito ao que somos ou podemos ser, e se as casas são agradáveis, caracterizadas e positivamente misteriosas ou curiosas, elas ajudam-nos a ter vidas igualmente agradáveis, caracterizadas e, pelo menos, curiosas, o que será já sem dúvida muito preferível a vidas monótonas e semelhantes umas ás outras.

E nestas matérias os aspectos que se ligam, realmente, ao jargão da “sustentabilidade” marcam uma presença significativa, designadamente, no que se refere à integração paisagística e urbana, à insolação, à luz natural, ao conforto térmico, ao sossego acústico, à higiene e saúde no habitar (os bons cheiros da cera), à segurança no uso normal e, naturalmente, à economia no uso dos recursos naturais.

É, no entanto, importante que tenhamos a noção de que todas estas matérias tinham sido já aprofundadas, ainda que parcelar ou especializadamente, antes da invenção do referido termo, isso numa altura em que andávamos levianamente a viver e a habitar como se não houvesse pegada ecológica; e é importante ter a noção de que todas estas matérias faziam já parte de um projecto de Arquitectura ecológica e eticamente desenvolvido, e talvez por isso tantos bons projectos de Arquitectura do habitar continuam hoje em dia, passados dezenas e, mesmo por vezes, centenas de anos a serem excelentes sítios de vida.

Talvez a diferença esteja em que, hoje em dia, a regra tem de ser fazer Arquitectura com um tal leque de preocupações de bem-viver, e, além disso, nunca esquecendo que há ainda o desenho, o “verdadeiro” desenho (verdadeiro entre aspas) ou há complementarmente uma matéria de concepção arquitectónica que é aquela verdadeiramente responsável pela coesão dessas preocupações específicas e ainda, suplementarmente (o tal e um verdadeiro suplemento de alma), por uma caracterização que faz de cada obra uma obra agradavelmente única.

A sustentabilidade residencial tem de ser considerada numa perspectiva completa, em que a sustentabilidade ambiental é uma das diversas facetas da verdadeira sustentabilidade, que é também paisagística, urbana, social, funcional e, naturalmente, cultural, sendo que em todas estas facetas há um evidente e determinante peso da qualidade da concepção de Arquitectura.

Devo, por fim, sublinhar que julgo que os aspectos arquitectónicos ligados directa e indirectamente às questões de implantação, orientação e estruturação e pormenorização do conforto ambiental do habitar, interior e exterior, deveriam merecer da parte do projecto de Arquitectura uma renovada, profunda e criteriosa exigência em termos de concepção e execução; trata-se, afinal, da matéria própria da história da Arquitectura e naturalmente da razão primeira do abrigo, que fez nascer de certa forma a própria ideia da Arquitectura.

Quero, também, realçar que há assuntos sociais da Arquitectura do habitar, assuntos estes hoje em dia críticos por se ligarem a aspectos de integração ou desintegração que têm igualmente de merecer uma redobrada atenção de todos aqueles que projectam e decidem sobre o habitar; e a ideia que aqui quero deixar sublinhada, é que esta é, hoje em dia, em Portugal, uma matéria fulcral, urgente e vital para a sustentabilidade urbana.

Num idêntico registo de urgência e de importância devo ainda salientar a grande exigência de que deveríamos revestir todas as iniciativas ligadas à construção e reconstrução de uma paisagem urbana e natural, ambiental e culturalmente mais equilibrada, trata-se, igualmente, de uma essencial matéria de sustentabilidade, uma sustentabilidade que vai do bem-estar amplo de que podemos rodear o nosso dia-a-dia ao acervo cultural que assim poderemos salvaguardar e reabilitar e que afinal é e será, também, um dos nossos principais meios económicos. E numa relação total com todos estes aspectos ligados à boa integração natural, física e social e ao equilíbrio paisagístico temos, naturalmente, a questão da própria qualidade do desenho do habitar, um tema que também aqui nos une neste Congresso e um tema que, afinal, sempre motivou os técnicos que, nestas áreas, sempre consideraram que a “pedra e cal” não faz qualquer sentido sem uma ligação forte com quem a habita e com a cidade onde se integra.

Notas:

(1) Claire e Michel Duplay, "Methode Ilustrée de Création Architecturale", pp. 138, 139 e 143.
(2) Daniel Filipe, “Discurso sobre a cidade”, Lisboa, Editorial Presença, Colecção Forma n.º 8, 1977 (1ªed. 1956, p.51 e 52, refere-se ao Porto)
(3) Id. Ibid., “uma rua qualquer”, p.70.
(4) Id. Ibid., p.77
(5) Steen Eiler Rasmussen, “Arquitetura vivenciada”, Martins Fontes, São Paulo, 1998 (1986).
(6) Fernando Távora, “Da organização do espaço”, p.59.
(7) O Arq. Fausto Simões, além de estudioso e projectista traduziu o fundamental documento “A Green Vitruvius – Princípios e Práticas de Projecto para uma Arquitectura Sustentável”, Ordem dos Arquitectos, 2001.
(8) Christian Norberg-Schulz, "Habiter", p. 105.
(9) William Kirby Lockard, "Drawing as a Means to Architecture", p. 95.


Nota final: este artigo foi a base da intervenção do autor no Congresso “Arquitectura Arquitectura Sustentável Futuro com[ ]passado”, que teve lugar em 3 e 4 de Outubro de 2008, em Aveiro, e foram discutidas as fundamentais e tão actuais relações entre a Arquitectura e as matérias da sustentabilidade.

O Congresso, que reuniu mais de 300 pessoas na Reitoria da Universidade de Aveiro, será objecto de um artigo no Infohabitar – a editar em princípio já na próxima semana.

O Congresso foi realizado na sequência de um workshop sobre a mesma temática, que teve lugar com grande participação entre 29 de Setembro e 2 de Outubro.

A organização do Congresso foi conjunta do NAAV - Núcleo de Arquitectos de Aveiro da Ordem dos Arquitectos e do GH - Grupo Habitar, Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional, com o apoio institucional da Universidade de Aveiro, com o patrocínio da CIN, e outros importantes apoios, que foram devidamente divulgados.

Lisboa, Encarnação – Olivais Norte, 11 de Outubro de 2008-10-12
Editado no Infohabitar, por José Baptista Coelho, em 12 de Outubro de 2008

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