sexta-feira, agosto 01, 2008

208 - Arquitectura e Habitação: velhos aliado - Infohabitar 208

 - Infohabitar 208
Nota da edição: por motivo de férias a regularidade editorial do Infohabitar será um pouco afectada, optando-se, no entanto, e sempre que possível, pela antecipação da edição dos artigos, relativamente à habitual periodicidade (noite de Domingo) como é o caso actual.

Salienta-se que o último artigo do arquitecto Nuno Teotónio Pereira será objecto, em Setembro, de uma nova edição, reformulada e completada; pois à edição que foi realizada faltava uma parte substancial e de grande interesse: pelo facto a edição do Infohabitar apresenta as devidas desculpas ao autor e aos leitores.




Arquitectura e Habitação: velhos aliados – a Arquitectura e o Problema Português da Habitação, 1948-2008


Artigo de António Baptista Coelho (*)


Este artigo foi publicado originalmente no boletim “Arquitectos”, n.º 185, de Junho de 2008 (p. 04), da Ordem dos Arquitectos







Fig. 01: Um excelente exemplo, entre tantos possíveis, da promoção das Habitações Económicas Federação das Caixas de Previdência (HE-FCP): uma das “células sociais” de Alvalade, projecto urbano de Faria da Costa e edifícios de Miguel Jacobetty, cerca de 1948.



Disse Nuno Teotónio Pereira (“Escritos”, 1996) que “a investigação sobre a casa e o bairro” foi “o tema mais constante dos anos 50 aos 90 … formando uma riquíssima e consciente experimentação sobre a tipologia, a construção e os traçados urbanos.” Ele referia-se a uma investigação feita, na prática, na promoção de “habitação social”, e, a propósito, façamos um pequeno exercício mental e imaginemos a Arquitectura habitacional do nosso século XX sem os muitos bons exemplos de “habitação social”! O que teria sobrado, com qualidade arquitectónica, seria muito pouco; e, assim, há que reconhecer “a relevância da habitação social na origem da arquitectura contemporânea” (tema, aliás, de um excelente artigo de Jesus López Díaz).


Pensar a Arquitectura e pensar o habitar, do bairro à casa, foram preocupações que marcaram, há 60 anos, o 1.º Congresso Nacional de Arquitectura e que pontuam o actual Plano Estratégico de Habitação (PEH), em desenvolvimento e disponível no site do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana/IHRU, o anterior Instituto Nacional de Habitação/INH.


Em 1948 o 1.º Congresso centrou-se em dois temas: “A Arquitectura no Plano Nacional”, onde foi defendida a criação do que seria, sem dúvida, um utilíssimo Instituto Superior do Urbanismo e da Habitação, multidisciplinar e para estudo das amplas matérias do habitar; e o “Problema Português da Habitação”. Neste último tema chegou-se, entre outras, às seguintes conclusões: “que o Estado encare o problema da habitação económica, pondo de parte a preocupação de recuperar directamente o capital nele investido”; que “se não confundam «casas baratas» com «habitações económicas»; “que se não construam bairros exclusivamente destinados a uma determinada classe, o isolados, e que nunca se desprezem as considerações de distância … assegurados meios eficientes de transporte colectivo …”; “que sejam demolidos os grupos ou zonas de habitações insalubres, criando-se espaços verdes em sua substituição ou aproveitando-se o terreno resultante para fins de manifesta utilidade pública”; “impedimento de toda e qualquer especulação com terrenos”; e, para rematar esta síntese, e pedindo-se uma leitura ampla desta recomendação (pensando-se nos grupos sociais mais sensíveis e menos reivindicativos), “que no estudo da habitação se considere o desenvolvimento moral e físico da criança”.


As actas do 1.º Congresso encerram com a apresentação pormenorizada, feita por Miguel Jacobetty, das novas habitações económicas em Alvalade, Lisboa, já então um caso de referência em termos de inovação bem fundamentada, e provavelmente o único plano urbano português verdadeiramente integrado em termos físicos e sociais, e uma apresentação que é ainda hoje fundamental para todos aqueles que estudam o habitar – são, por exemplo, bem significativas as referências a Alexander Klein.


Estávamos em Junho de 1948, mas passados 60 anos o “Problema Português da Habitação” é, ainda, grave quantitativa e qualitativamente. Lembra-se o estudo de Raul da Silva Pereira que referia, antes de 1970, um deficit habitacional de cerca de 500.000 fogos, e faz-se a comparação com as carências de 2008, já referidas no PEH: mais de 500.000 fogos sobrelotados, 190.000 fogos muito degradados, 69.000 famílias em alojamentos partilhados, 50.000 famílias inscritas para habitação social, 27.300 famílias em barracas ou similares, 11.000 imigrantes mal alojados, 5.000 sem-abrigo, e 250.000 pessoas portadoras de deficiência e em habitações não adequadas.


As referidas conclusões do 1.º Congresso são retomadas, por outras palavras, no PEH, que integra cinco eixos fundamentais: três mais activos e ligados à dinamização do arrendamento, ao aumento da oferta de Habitação a Custos Controlados (HCC) e à reabilitação habitacional; e dois eixos mais de enquadramento, sendo um de análise continuada das acções a empreender e outro de incentivo a uma inovação fundamentada que considera, especificamente, a adequação e diversificação de soluções, caminho este no qual se conta com a participação do LNEC (uma cooperação iniciada, há cerca de 50 anos, entre o LNEC e as Habitações Económicas Federação das Caixas de Previdência, HE-FCP) e se sublinha o trabalho que está ser desenvolvido pelas cooperativas da FENACHE, no âmbito da Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa (2005), por vezes em parcerias com municípios, em intervenções habitacionais com soluções de sustentabilidade ambiental (ex., casos em Matosinhos, Porto, V. Nova de Gaia e Salvaterra de Magos, e com a C. M. de Odivelas), e em outros soluções inovadoras como está a ser o caso da proposta de um leque de novas soluções habitacionais para jovens em zonas urbanas centrais, numa parceria entre a FENACHE e a C. M. de Cascais.


Em termos de uma cultura arquitectónica residencial, o PEH defende, e bem: o habitar a cidade, a diversidade de usos, os valores de proximidade e de sociabilidade, o protagonismo dos espaços intermédios, a importância da experimentação e do retomar de protótipos, a associação entre investigação e projecto, o aprofundamento da reflexão sobre os parâmetros de habitabilidade na reabilitação, o privilegiar do conforto ambiental e o desenvolvimento da adaptabilidade doméstica. E nesta matéria refere-se que muitas soluções de “habitação social” realizadas nos últimos 20 anos em Portugal estão já nestes caminhos qualitativos em termos de integração urbana, dimensão humanizada, equipamento, escala geral, diversificação e desconcentração de soluções, qualidade do desenho de Arquitectura e aproximação aos modos de vida e à satisfação do habitante – e tal é constatável num recente livro, que regista e apresenta cerca de 250 conjuntos meritórios financiados pelo INH, editado pelo Instituto, hoje IHRU (Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana), em 2006.


Para o futuro, em toda a habitação de interesse social feita de novo ou reabilitada, há que erradicar, totalmente, os erros passados, quer em termos de excessos de repetição e/ou de dimensão, quer em termos de reduzida qualidade arquitectónica e, para tal, é útil aprender com o que de melhor se fez nos, globalmente, excelentes 23 anos de promoção habitacional do INH, nos excelentes 25 anos das HE-FCP (lembremos Alvalade de Faria da Costa e Ramalde de Távora), na excelente escola do GTH, em Lisboa (lembremos Olivais Norte), e com o leque tipológico dos primeiros bairros sociais portugueses, do FFH e do SAAL (lembremos a Bouça de Siza Vieira, recentemente acabada e reabilitada pela iniciativa cooperativa); e aprender com estes exemplos é entender a sua vivência própria e a sua importância urbana, pois, hoje em dia, promover a habitação de interesse social tem de ser proporcionar habitação com qualidade a quem não a tem e, simultaneamente, dar mais coesão, mais vida e mais qualidade arquitectónica aos sítios urbanos apurados para tais intervenções, (re)constituindo-se vizinhanças amigáveis e tipologicamente criativas e coerentes.


A cidade bem habitada, vitalizada, solidária e estimulante é hoje um tema central, pois estamos no limiar de uma sociedade maioritariamente urbana, marcada pelas redes de comunicação e pelo reequacionar da concentração, da densificação e da (re)estruturação por serviços comuns (lembre-se a subida dos preços dos combustíveis), caracterizada por importantes carências habitacionais quantitativas, ligada a um conceito de habitar considerado como um serviço amplo e diversificado, e potencialmente servida por uma qualidade arquitectónica do habitar com facetas muito ricas e não apenas mensuráveis, e tudo isto poderá ter reflexos muito positivos e amplos, seja na satisfação e na alegria de quem habita, seja na melhoria das nossas condições económicas globais, pois há aqui, claramente, um ampliar estratégico da conhecida importância do sector de promoção habitacional.


Seguem-se três excelentes exemplos, entre tantos possíveis, sendo um exemplo de cada um dos três tipos de promoção de Habitação a Custos Controlados que foi financiada pelo INH – cooperativa, municipal e por empresas.





Fig. 02: a cooperativa de Habitação de Massarelos, Porto, 1994, de Francisco Barata e Manuel Fernandes de Sá.





Fig. 03: o pequeno bairro do Telheiro em S. Mamede de Infesta, C. Municipal de Matosinhos, 2001, de Manuel Correia Fernandes.





Fig.04: o conjunto no Amparo, Funchal, empresa Imopro, 2006, de Carla Baptista e Freddy Ferreira César.



(*) Arquitecto, doutor em Arquitectura, investigador e chefe do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo (NAU) do LNEC, presidente da Direcção do Grupo Habitar Editado por José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte
1 de Agosto de 2008

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