Vitalizar a cidade e oferecer novas formas de habitar (II) – desenvolvimento dos aspectos urbanos e arquitectónicos de enquadramento para pequenas unidades residenciais
Continua-se neste artigo uma proposta informal de apresentação e de desejável discussão útil sobre o as características urbanas e arquitectónicas de enquadramento para pequenas unidades residenciais para pessoas sós ou para pequenos agregados, que se defende posam ser integradas em zonas urbanas vitalizadas e “centrais”. Volta a sublinhar-se que esses grupos sociais têm, cada vez mais, uma presença significativa na nossa sociedade e continuam a não ter uma oferta adequada em termos de condições residenciais, seja na perspectiva da sua constituição funcional e do seu carácter vivencial específicos, seja relativamente às suas condições de integração na cidade e de potencialidades para a respectiva animação local.Aborda-se, assim, o tema das unidades residenciais compostas por pequenos fogos ou estúdios e por um conjunto diversificado de serviços comuns, privativos dos respectivos residentes e/ou abertos para o serviço a toda a comunidade local.
Volta a salientar-se que a ordem de abordagem desta matéria, nesta série de artigos tem e terá grande flexibilidade, podendo voltar-se, em artigos futuros, a aspectos de enquadramento julgados fundamentais e avançando-se, neste artigo, com uma reflexão sobre os tipos de pequenos fogos que se podem considerar, com destaque para as opiniões de diversos autores, pois não faz qualquer sentido estar, ciclicamente, a reinventar soluções idênticas.
E julga-se ser bem a propósito, desta inútil reinvenção de soluções, a ilustração deste artigo com algumas imagens dos pequeníssimos fogos que foram promovidos (provavelmente em meados do século XIX), em Hamburgo, por uma antiga associação de beneficência ou de ajuda mútua para dar habitação condigna a viúvas de trabalhadores – nesta matéria o autor apresenta as devidas desculpas por não poder incluir, aqui, os respectivos elementos de identificação, que não foram recolhidos na altura da visita.
Fig. 01
Vitalizar a cidade com novas formas de habitar (III): Unidades residenciais -
António Baptista Coelho
Artigo de António Baptista Coelho
Já, acima, se referiu e aqui se sublinha que o objectivo do desenvolvimento de agregados de pequenos fogos, muito limitados em termos funcionais e espaciais privativos, e compensados em termos de espaços e serviços comuns, deve ser, sempre, um objectivo duplo, que tem a ver, quer com a referida disponibilização de condições habitacionais o mais possível adequadas para pessoas sós e pequenas famílias, quer com a perspectiva de se contribuir, estrategicamente, para a vitalização da cidade com novos habitantes e, especialmente, com habitantes muito disponíveis para participar nessa vitalização, até porque serão pessoas que irão encontrar nesse meio urbano “concentrado” condições adequadas para a manutenção ou a redescoberta do interesse, da riqueza e da vitalidade e funcionalidade na vida diária citadina.
Como também já se referiu, num artigo desta série, no caso dos seniores o resultado será a contribuição para a manutenção da vitalidade individual, em termos físicos e mentais – e mesmo com excelentes efeitos na sua saúde (está provado a relação directa entre ausência de interacção social, no caso das pessoas idosas, e aumento significativo de problemas de saúde graves), enquanto no caso dos jovens o resultado centra-se na disponibilização de uma plataforma facilitada de dinamização do tão desejado convívio e de apoio à sua introdução e início de vivência autónoma nesse mundo, com excelentes facilidades em termos dos cuidados de manutenção doméstica.
Misturar, ou não, estes grupos sociais é uma decisão que se julga dever ser tomada caso a caso, consoante a dimensão, a localização e o carácter de cada intervenção, no entanto julga-se que uma mistura desse tipo é sempre socialmente positiva, desde que muito cuidada em termos de organização espacial e funcional, de isolamento acústico entre unidades residenciais e entre estas e os espaços comuns, e em termos de uma gestão local não intrusiva, mas muito rigorosa e transparente.
Vamos então passar em revista o que alguns autores nos têm a dizer sobre estas matérias do desenvolvimento de pequenas habitações ou “unidades residenciais”, quer em termos mais amplos e teóricos, quer em termos mais práticos, associados a aspectos estruturantes dessas soluções.
Claude Lamure sublinha alguns aspectos, que considera caracterizadores daquilo que ele define como uma tipologia família-habitação (1):
- Pequenos fogos, essencialmente, adequados para casais jovens, com espaços "super-funcionais" para os trabalhos domésticos, abundância de diversos tipos de arrumações, feitas de raiz, e um relacionamento geral entre espaços, que assegure a vigilância das crianças pequenas.
- Pequenos fogos para pessoas sós ou casais sem filhos em coabitação, com equipamentos domésticos menos elaborados e completos, nomeadamente, para se disponibilizarem espaços para a instalação de mobiliário patrimonial, e dispondo de um quarto de dormir bem isolado do resto da casa, que seja suficientemente espaçoso para integrar duas camas individuais e certas zonas específicas (ex., sofá perto de janela); o fogo deve ser globalmente espaçoso e ter circulações facilitadas, tanto entre cozinha e sala, como entre a sala e o quarto (pensa-se na funcionalidade do uso por idosos).
- Grandes fogos para famílias "maduras" com diversos filhos de diferentes idades, com um quarto relativamente autónomo que pode servir para um filho mais velho, para escritório ou para um parente idoso, e, ainda, com um quarto de casal acentuadamente isolado do resto da casa.
Fig. 02
John Noble e Barbara Adams referem diversos tipos de fogos, que podem ter interessados muito específicos (2):
- jovens longe de casa, em pequenos estúdios mobilados;
- casais jovens em pequenos fogos;
- famílias com crianças em fogos espaçosos com espaços exteriores privados;
- casais idosos e activos continuando nas habitações grandes onde criaram os filhos e onde, agora, têm espaços adequados às numerosas actividades a que se dedicam em casa;
- idosos pouco activos em pequenos fogos "super-funcionais" e espaçosos que lhes poupem e facilitem o trabalho doméstico e as próprias deslocações interiores.
Em seguida, apresenta-se a definição de um leque de tipos de espaços habitacionais considerados adequados para pessoas sós, conforme um estudo realizado pela Taylor University of York (3):
- "Alojamento auto-suficiente" ou unidade de alojamento, provida de porta de acesso, cozinha, casa de banho completa; uma habitação pode ser uma unidade de alojamento ou conter várias unidades desse tipo.
- "Alojamento compartilhado", unidade habitacional onde vivem várias pessoas, cada uma com um "espaço particular", mas compartilhando uma zona de estar, cozinha e casa de banho completa.
- "Espaço particular", quarto individual dentro de um alojamento compartilhado, usado essencialmente como espaço para dormir, mas também como zona de estar e para guardar bens pessoais. E junta-se, a título de comentário, que pode haver uma evolução deste "espaço particular", anexando-lhe instalações sanitárias que podem ser mínima e/ou pequena zona de estar, que pode resumir-se a um espaço para um pequeno sofá e uma mesa de trabalho
- "Quarto completo", como o "espaço particular", mas com pequena zona de estar mais desenvolvida e incluindo lavabo e pequena cozinha; há que compartilhar a retrete e o banho.
- "Espaço comum ou colectivo, compartilhado"; pode incluir casa de banho, cozinha, estar, arrumações, etc.
Nestas matérias é importante considerar que a habitação para um casal (quarto comum) é muito semelhante à habitação para uma pessoa só; conquanto se trate de um casal de adultos, nem jovens, nem idosos, porque nestes casos exigiriam, em princípio, zonas mais amplas e diferenciadas (4); e é interessante atentar, assim, nesta semelhança de condições funcionais que parece caracterizar jovens e idosos.
Fig. 03
Comenta-se, ainda, e terá de ficar para posteriores desenvolvimentos, que há dois tipos de unidade habitacional mínima, aquelas que têm um quarto e uma sala "clássicas", e as que são constituídas por dois quartos individuais, para duas pessoas que vivem juntas, mas cada uma com o seu espaço privado e independente ("LAT", "Living Apart Together") (5). Mas desde já se regista que uma solução deste tipo poderá ser muito vantajosa em variadas situações, uma vantagem que tanto é económica, pois este tipo de habitações poderão ser facilmente convertíveis a partir de fogos correntes, como é uma vantahem social e convivial pois poderá proporcionar um adequado “meio termo” entre a vida individualizada e a vida “impessoal”, servindo também a situações de ajuda mútua quer na lide da casa, quer no próprio apoio pessoal mútuo. É, assim, um tema a que voltaremos em próximos artigos até porque se considera que a agregação de, apenas, dois quartos talvez não seja a mais adequada.
A modos de conclusão parcial, que avança já em aspectos de configuração, e segundo Christopher Alexander, a habitação, em princípio, destinada a uma pessoa só deve ser um espaço com grande capacidade de individualização/apropriação, podendo caracterizar-se por um amplo espaço central e multifuncional, rodeado por recantos ou sub-espaços com diversas atribuições funcionais (6).
E tendo em conta diversas fontes considera-se que entre 30 e 40m² (específicos da unidade residencial) permitirão dimensões e configurações adequadas, designadamente, para uma pessoa só e em condições associadas, por exemplo, a estadias temporárias; embora este intervalo de 10m2 proporcione alguma flexibilidade para a instalação de um casal.
Fig. 04
Considerando-se, agora, especificamente as pessoas idosas e as suas condições físicas e psicológicas específicas e visando-se o conjunto dos espaços que integram a vizinhança de proximidade e o edifício residencial, estes espaços, segundo Claude Lamure, deverão responder positivamente no que se refere à previsão dos seguintes tipos de cuidados:
- o conforto nas deslocações e no uso dos espaços.
- e o relacionamento social e a comunicação com o meio exterior envolvente, próximo e distante, nomeadamente, por: proximidade a transportes colectivos;
proximidade a equipamentos comerciais; proximidade relativamente a amigos, familiares e conhecidos; conhecimento da envolvente urbana; existência, no edifício, de espaços de condomínio equipados e vivos.
De notar, ainda, que a Vizinhança Próxima é o espaço ideal, em termos de potencial de acessibilidade física e de segurança nas deslocações e nas estadias, para o uso diário e intenso por idosos, propiciando e motivando saídas frequentes das respectivas habitações, com evidentes vantagens, tanto ao nível da saúde física e psíquica destes habitantes (andar a pé, “flanar”, estar ao ar livre, conviver), como ao nível do aumento da animação e da convivialidade diária global das respectivas Vizinhanças Próximas e Alargadas, até porque, sendo pessoas que, frequentemente, não cumprem horários de trabalho, são elementos sempre disponíveis para essa “vivência de rua e de café”.
Muito do que se referiu para os idosos é também aplicável na Vizinhança Próxima para os restantes grupos etários, sendo verdade que boas condições de agradabilidade e segurança na vizinhança de proximidade são factores de intensificação do uso global dos exteriores e designadamente da permanência no exterior de idosos e de jovens. E uma continuidade de gerações, numa mesma vizinhança de proximidade, assegura todo um amplo leque de vantagens sociais e práticas.
Fig. 05
“Entrando” agora no que poderá ser um conjunto edificado que agregue algumas dezenas de unidades residenciais do tipo estudio e/ou T0 (com capacidade para 1 ou 2 individuos), apontam-se alguns aspectos que se consideram importantes no respectivo projecto:
- O espaço e o acabamento de cada unidade deverá proporcionar um ambiente apropriado, quer para as actividades residenciais, quer para o estudo e o trabalho profissional.
- O espaço e o acabamento de cada unidade deverá proporcionar um leque, o mais possível, amplo de possibilidades de arranjos interiores pormenorizados, quer mais estruturantes – tais como ligação e separação de espaços –, quer mais complementares – tais como disposição de mobiliário, integração de outros elementos de arquitectura de interiores (ex., sítios para quadros/cartazes, pequenos espaços apropriáveis) – de forma a privilegiar-se a capacidade de identificação e de apropriação de cada unidade, mas com uma expressiva economia de meios.
- O espaço e o acabamento de cada unidade deverá proporcionar um ambiente interior que associe a privacidade – isolamento visual e acústico – e a máxima apropriação e identificação de cada unidade residencial com condições comuns estimulantes, ambientalmente agradáveis – bem acompanhadas pela luz natural – e caracterizadamente dignas e asssociáveis a um amplo espaço residencial.
- O conjunto edificado deverá proporcionar as melhores condições de conforto ambiental, com destaque para a iluminação natural e para o conforto acústico, e de ambiente dignificado e apropriado nos respectivos espaços comuns.
- O conjunto edificado deverá proporcionar oportunidades espaciais e ambientais para a interacção social, quer no interior do edifício, quer nos espaços exteriores contíguos.
- O conjunto edificado deverá proporcionar condições maximizadas de privacidade e sossego nos espaços em que se habita em grande proximidade e nas condições de partilha de equipamentos.
- O conjunto edificado deverá proporcionar condições espaciais e de equipamento adequadas a estadias curtas.
- O conjunto edificado deverá proporcionar condições de gestão local que facilitem as funções domésticas e o uso dos equipamentos disponíveis.
- No conjunto edificado deverão ser totalmente anuladas imagens massificadas e anónimas e deverão ser privilegiados os aspectos de apropriação, identidade e partilha de objectivos residenciais e sociais comuns.
- O conjunto da intervenção deverá privilegiar os aspectos de integração local, serviço à comunidade envolvente, relação optimizada entre espaços interiores e exteriores e integração de elemento naturais com destaque para as múliplas soluções de verde urbano.
- O conjunto da intervenção deverá associar à implementação desta nova forma de habitar a experiência de uma arquitectura muito qualificada, designadamente, em termos ambientais, funcionais e formais.
Finalmente, há que destacar a eficácia a convergência de objectivos proporcionadas pelas cooperativas de habitação na programação e na gestão corrente de unidades deste tipo, associando ao apoio dos serviços do habitar, mais específicos, todo um outro conjunto facultativo de aspectos muito diversificados e ligados ao convívio natural e à dinamização de iniciativas socioculturais.
(1) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(2) John Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
(3) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 86.
(4) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 46.
(5) Direccion General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 79.
(6) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 356.
(7) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 151 a 153 e 215.
5 de Julho de 2008, Casais de Baixo – Azambuja.Editado no Infohabitar, Encarnação – Olivais Norte, Lisboa
em 6 de Julho de 2008, por José Baptista Coelho
1 comentário :
As imagens este artigo mostram a mesma tipologia de casas que possuo. Gostei imenso do seu artigo.
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