quinta-feira, dezembro 06, 2007

173 - As cidades em crise são as cidades desejáveis - Infohabitar 173

 - Infohabitar 173

As cidades em crise são as cidades desejáveis

A propósito dos desafios citadinos de Adrian M. Joyce fala-se um pouco dos urgentes caminhos de uma ampla e fundamentada sustentabilidade urbana: Fazer pequeno, aprender com as realidades urbanas, dar carácter e vida à cidade

Artigo de António Baptista Coelho a partir de textos de Adrian M. Joyce


Ambientes mixed use que proporcionam repensar a cidade, revitalizar partes de uma cidade que se deseja viva, atraente, funcional e com valia cultural, formas de transformar cidades descaracterizadas e mortas em cidades feitas de grandes lugares humanizados e vitalizados, recuperar a biodiversidade na própria cidade, fazendo disso motivo de interesse geral e, por que não dizê-lo, procurar ir recuperando a (diver)cidade da cidade, uma diversidade no respeito de um uso humano globalmente positivo, marcado por ritmos e sequências com a escala/tempo do homem que além de circular, pára e está no espaço, e só assim pode entender, usar e amar esse espaço, reconquistar uma cidade estruturalmente convivial – uma convivialidade cuja importância um dia será reconhecida –, reconquistar uma cidade amiga da natureza e sede de um ambiente tendencialmente (re)equilibrado, agradável e estimulante.

Tudo isto mais a urgência da (re)humanização da forma de viver a cidade numa perspectiva coerente e eficaz, tudo isto é hoje urgente num mundo que é, cada vez mais, um mundo de cidades. Cidades que, embora cheias de problemas, continuam a ter um enorme potencial como sítios apetecíveis para viver, trabalhar e crescer humanística, cultural e economicamente.



Fig. 01

Sobre tudo isto e sobre muito do que a isto está ligado, é urgente reflectir e por isso houve a lembrança de voltar a revisitar e desenvolver, aqui, alguns comentários, que resultaram, numa primeira linha, de um conjunto de excelentes textos/desafios, que foram desenvolvidos, no início de 2005, por Adrian M. Joyce no âmbito de um grupo de trabalho do ARCHITECT’S Council of Europe, Conseil des Architectes d’Europe, da European Construction Technology Platform (ECTP).

Foi então editado no Infohabitar um artigo em que se fez a síntese de cada um dos desafios então apontados por Adrian M. Joyce, através da tradução de pequenas partes, consideradas estratégicas, do texto original daquele autor, que se considerou que resumiam razoavelmente a respectiva ideia, juntando-se, caso a caso, um comentário.

O que se faz, em seguida, é voltar à ponderação das referidas ideias, agora de uma forma bastante mais solta daquele texto-base, e, quem sabe, talvez um pouco mais aprofundada e relacionada com o subtítulo deste artigo – uma verdadeira e ampla sustentabilidade urbana e ambiental: Fazer pequeno, aprender com as realidades urbanas, dar carácter e vida à cidade –, mas também de uma forma mais imbricada, seja com os aspectos de misturas sociais e de actividades, que têm vindo a ser abordados em alguns artigos na imprensa diária, seja com os importantes aspectos associáveis à qualidade arquitectónica igualmente considerada de uma forma ampla e fundamentada.

Passemos então à sequência de temas/ideias de Adrian M. Joyce – referidas em pequenas citações entre aspas –, como forma de iniciar uma sincopada reflexão sobre o presente e o futuro das nossas cidades, considerados como sítios em crise, mas também como sítios muito, muito desejáveis; e chama-se a atenção, seja para o conteúdo naturalmente pessoal das reflexões realizadas sobre os textos de Joyce, sejaja para a informalidade da ilustração que foi escolhida.

(I) Sobre as cidades dinâmicas e as dinâmicas das cidades


A questão das “cidades dinâmicas” e do novo desafio das mega-cidades refere-se à consideração de ser a grande cidade um fenómeno recente como realidade muito disseminada. Durante alguns milénios a grande cidade foi uma realidade excepcional e se falarmos de mega-cidades então estamos a considerar um fenómeno com pouco mais do que 50 anos.

Desta forma e sublinhando-se também a questão da “constante mutação” é essencial que sejam privilegiadas acções que visem compreender melhor (ou ir compreendendo melhor) as tais “forças que dão forma” às cidades, como aponta Joyce, numa acção de análise que tem de ser praticamente coincidente com uma acção de enquadramento prático da mutação urbana, que tem de ter presente que há nesta matéria poucas certezas e que assim se tem de ir vivendo e que poderá provavelmente privilegiar a observação de boas práticas urbanas e residenciais, designadamente, aquelas que se liguem a partes de cidade positivamente consolidadas com algumas dezenas de anos, mas continuando bem vivas, por si próprias, e a contribuir positivamente para a vida da cidade em que se integram.



Fig. 02

(II) A importância da identidade das cidades


A questão da “identidade das cidades”, que é algo cuja importância é também cada vez mais económica é matéria que se liga ao desenvolvimento da identidade de partes coerentes e de conjuntos de partes coerentes da cidade (vizinhanças de proximidade e bairros) deveria ser natural ou, sendo difícil tal naturalidade, deveria ser um objectivo primário de qualquer intervenção.

A identidade urbana e residencial liga-se, por um lado, com o desenho da arquitectura urbana, e, por outro, com a afinidade e capacidade de apropriação que essa arquitectura urbana e residencial terá com os seus habitantes, em cada parte da cidade e em cada conjunto habitado. Um dos papéis do projectista é harmonizar essa necessidade de identidade com a qualidade do desenho de arquitectura e com a atractividade e capacidade de apropriação deste desenho relativamente a quem o irá habitar.



Fig. 03

(III) Sobre o espaço que a cidade ocupa e sobre a densidade urbana


Sobre o espaço, cada vez maior, ocupado pelas cidades num século XXI que será o século das cidades e sobre a influência ambiental destes “novos” mundos urbanos, Joyce aponta “a necessidade de estudar padrões de uso do solo e desenvolver estratégias de sustentabilidade para o futuro uso do solo.” Questões estas ligadas ao desenvolvimento de soluções de alta/média densidade e de média/baixa altura, e que exigem grande cuidado e investimento, seja pelas dificuldades projectuais levantadas, seja pelo potencial de riqueza imagética ligada a tais soluções.

Outra matéria que se liga a todos estes aspectos é o hoje crucial privilegiar do preenchimento e do cerzir do espaço urbano, em continuidades, com formas e actividades; e aqui há que lembrar o conceito do construir no construído (título de um excelente livro de Francisco de Gracia sobre o assunto).



Fig. 04

(IV) Sobre a cidade a caracterizar por uma boa arquitectura


É fundamental fazer uma arquitectura urbana muito qualificada, que conjugue bem todos os seus elementos constituintes, só assim se atinge a desejada boa caracterização da cidade e dos seus espaços urbanos. Adrian Joyce lembra que “as cidades são constituídas por edifícios, ruas, praças, jardins, e pelos espaços entre eles,” e que “as relações mútuas, ou a arquitectura, destes vários elementos dá carácter à cidade” e, consequentemente, conclui que “a qualidade da arquitectura tem um impacto fundamental no bem-estar daqueles que vivem e trabalham nas cidades.” Uma conclusão cuja crucial importância parece estar ainda, frequentemente, longe das preocupações de quem pode decidir nestas matérias.

E sobre um carácter conquistado pelo estudo e pela prática das relações ao nível da arquitectura urbana bem pormenorizada. Nesta matéria Joyce pormenoriza algo muito importante, quando refere que: “é necessário perceber melhor essas relações e as diversas formas em que os seus impactos são sentidos em situações urbanas.” E assim fica em relevo a necessidade de se desenvolver uma sistemática investigação teórico-prática na ampla temática da arquitectura urbana e acabar, de vez, seja com as ideias, sempre um pouco peregrinas, que a forma e o ambiente pouco ou nada influenciam o habitar, ou então que a forma vale por si e poucas contas tem a prestar a quem a habita.

E não se resiste a dizer que provavelmente tais recorrentes ideias têm a ver com a vontade de não desenvolver tais estudos, vontade que decorre de diversas causas, provavelmente afectadas por um excesso de especialização ou, quem sabe, até por algum autismo disciplinar, e sempre por algum fechar de olhos relativamente à realidade e aos seus casos de estudo práticos, que aí estão disponíveis.

Este desafio pode ser considerado “inteiro” no conceito que põe em relevo, trata-se da importância que é fulcral atribuir, hoje, nas nossas cidades, à arquitectura urbana ou, caso se queira, ao urbanismo de pormenor; é daqui que irá resultar o carácter identitário, a força de atractividade, o interesse da paisagem urbana; e é essencial sublinhar que isto só se faz com um verdadeiro saber fazer da relação entre edificado e espaço livre numa perspectiva que privilegie a continuidade urbana e uma dupla intenção de funcionalidade e visualidade do desenho (uma qualidade de desenho coerente com o local e com o habitante).

E toda esta importante matéria também se liga à crucial questão da variabilidade das situações e das soluções, uma qualidade sempre estratégica e da qual decorre, directamente, o interesse funcional e patrimonial dos recantos de vizinhança, das sequências urbanas, dos bairros e conjuntos e, finalmente, das próprias cidades assim compostas. E a propósito desta ideia Joyce foca a importante questão do como verter a síntese de tudo isto em instrumentos aplicáveis à regulação do urbano, regulação esta que é essencial, mas que não pode nunca cercear a tal variabilidade e a tal qualidade, mas que deveria, também, garanti-las, a bem da cidade e dos cidadãos.



Fig. 05

(V) Sobre uma vida citadina oxigenada por um sistema de acessibilidades


Diz Joyce que “O sangue vital das cidades é a mobilidade e os transportes e é a natureza e o desenho do ambiente construído que determina as necessidades de mobilidade e de infraestruturas de transporte,” e que a mobilidade citadina se deve caracterizar “por facilidade, confiança, segurança, rapidez razoável e acessibilidade por todas as pessoas e partes da sociedade.”

Neste texto, também muito claro, sublinha-se, por um lado, a importância que tem, hoje em dia, a boa acessibilidade urbana numa perspectiva de articulação entre vários tipos de tráfego – é muito provável que, até, meios existentes, desde que melhor coordenados possam produzir muito melhor serviço público – e, por outro, salienta-se a importância da atenção para com grupos sociais específicos nestas matérias da mobilidade urbana; mas considerando, quer a possível globalidade dos grupos socioculturais (ex., crianças, jovens, idosos) e não, apenas, alguns grupos específicos (ex., etnia cigana), quer uma perspectiva de mobilidade que considere, integradamente, o estar e os mecanismos de atracção e de relação que dinamizam essa mobilidade e que têm núcleos fundamentais nas vizinhanças residenciais, que devem ser, simultaneamente, pontos de lançamento de percursos e “santuários” de protecção e de apoio ao habitar.

Avançando um pouco mais há que considerar que a aliança entre os vários tipos de tráfego deve incluir e privilegiar a programação pormenorizada do tráfego pedonal (entre destinos/portas de edifícios), tem de considerar, objectivamente, a existência de tráfego pedonal funcional ou residencial e de lazer – são ambos fundamentais para a vida e para fruição da cidade – e tem de considerar, também objectivamente, a existência de grandes grupos sociais que têm exigências acrescidas, designadamente, idosos, crianças e mesmo mulheres (ex., circulando sós no período nocturno), grupos estes que são, hoje em dia, essenciais para a vitalidade urbana.



Fig. 06

(VI) Sobre a importância do desenhar a cidade


“O desenho/design da cidade tem um impacto crucial na concretização de uma sociedade equitativa. De forma a proporcionar-se aos cidadãos uma vivência autonomizada e, consequentemente, o desenvolvimento de vidas sociais e económicas activas, a concepção das cidades deve garantir segurança, acessibilidade e adaptabilidade. O desafio será encontrar caminhos para tornar as novas e as existentes áreas urbanas acessíveis e usáveis por todos os cidadãos, quaisquer que sejam as suas capacidades, o seu grupo social e a sua idade.”

O texto acima transcrito clarifica bem o respectivo desafio, trata-se de fazer e refazer cidades realmente inclusivas em termos sociais, cidades que, nas suas partes constituintes e naquilo que elas oferecem, sejam suportes para as mais variadas características e capacidades positivas do homem como ser individual, mas também como ser gregário; e fazer tudo isto de forma natural, sem imposições funcionais e num meio envolvente que favoreça esta perspectiva.

Passam por este desafio aspectos urbanos e humanos tão importantes como a integração social positiva, que apoie a individualidade e que não imponha presenças pouco desejadas, e como o adequado incentivo a variados níveis de convívio, desde a célula residencial, ao edifício e sua vizinhança próxima, ao bairro e finalmente a partes mais centrais/polarizadoras da cidade. Outro aspecto fundamental que há que considerar, especificamente, é a anulação de todos os aspectos de guetização, sejam ligados à concentração excessiva de grupos sociais pouco favorecidos, seja na sua marginalização física e funcional (afastamento de zonas urbanas vivas e ausência de equipamentos).

(VII) Sobre cidades desejadas


Diz Joyce que “as cidades e as áreas urbanas exercem uma forte atracção sobre as pessoas. Como centros de vida económica, social e educacional” e que “na União Europeia este fenómeno tornar-se-á ainda mais significativo nas décadas futuras.”

Como lidar com tais situações seja nos centros das cidades, seja nas suas periferias tantas vezes pouco vitalizadas e pouco acessíveis? Como lidar com uma cidade feita de cidades/culturas distintas e feita de muitas cidades sem uma verdadeira cultura urbana?

O que fazer para servir uma tal realidade sem com isso agredir a identidade da cidade, seja por actos seja pela sua ausência? E que caminhos trilhar para tentar transformar este potencial e grave problema numa potencial vantagem seja em imagens urbanas diversificadas, seja em apetecíveis leques de funcionalidades bem adequados, quer a uma cidade mais global, quer a cada um dos seus espaços constituintes em particular.

Sem dúvida há aqui muito trabalho a fazer em termos de uma arquitectura urbana pormenorizada e qualificada, e um trabalho que tem de ter uma efectiva componente cívica e, pelo menos, minimamente participada.



Fig. 07

(VIII) Sobre as cidades conhecidas e desejadas e sobre como melhor as conhecer para mais as desejar

Diz Joyce que “as cidades são melhor conhecidas por aqueles que as usam,” mas que “nem todas as secções da sociedade são capazes de exprimir os seus pontos de vista àcerca do lugar onde vivem.” E o autor comenta que “o desafio é inventar novos modelos de governância/…gestão…com o objectivo fundamental de criar os mais desejáveis locais para viver e para trabalhar.”

Trata-se aqui, entre outros aspectos talvez menos objectivos mas igualmente importantes e que terão de ficar para outras reflexões, trata-se aqui, dizia-se, de salientar os novos, necessários e potencialmente muito ricos e eficazes modelos de gestão e participação urbana; modelos estes que, provavelmente, irão funcionar num extenso mosaico de soluções encontradas à escala micro urbana. Modelos estes que privilegiam a gestão de proximidade, continuada e realizada numa perspectiva de grande fusão entre responsabilidades e delimitação de espaços – delimitação esta que não pode ser uma via para a transformação do mundo público num mundo de retalhos condominiais.

Soluções essas que poderão ser elas próprias indutoras de uma interessante diversidade de oferta de eventos mais ou menos correntes, bem como de cenários variantes e estimulantes; e que serão sem dúvida um meio privilegiado de incentivo ao trabalho local. Em tudo isto há que sublinhar a enorme importância que cada vez mais terá a gestão local e de proximidade, afinal a única que poderá ser garante da responsabilização do cidadão relativamente aos seus espaços urbanos e é fundamental esta afirmação de pertença, pois sem ela não há verdadeiro desejo urbano.
E, já agora, é bem interessante apontar a relação natural que tal tipo de gestão pode e deve ter com as novas soluções de segurança pública assentes também numa acção de proximidade responsabilizada e personalizada.

(IX) Sobre as cidades como grandes consumidoras


Sublinha Adrian Joyce, relativamente a este aspecto de uma cidade grande consumidora de recursos, que “o desafio é encontrar formas de as cidades e áreas urbanas poderem implantar-se de forma ligeira na terra, mantendo a sua vitalidade e viabilidade sem esgotamento de recursos de que dependam e sem acumulação de efeitos negativos no ambiente.”

Este desafio tem, sem dúvida, muito a ver com escolhas fundamentais que há que fazer urgentemente no que se refere a uma afirmada e privilegiada integração na cidade de zonas e elementos naturais (ex., parques, jardins, árvores de arruamento, sebes, cobertura verde de solo, planos de água, hortas e jardins privados e comuns, etc.), sendo todas estas zonas e elementos desenvolvidos numa perspectiva de máxima viabilidade – continuidades estruturantes, implantação e manutenção adequadas, etc.

Mas também no que se refere a uma sistemática adopção de soluções amigas do ambiente em todas as intervenções urbanas – ex., aplicação sistemática de pavimentos permeáveis, adequada gestão da água, uso de materiais recicláveis, etc.

E este desafio ganha-se só se for considerado como realmente é. Fundamental, e, portanto, necessariamente aplicado em todos os aspectos possíveis e mesmo com eventuais e ponderados sacrifícios em outros aspectos associados; pois de outra forma a influência destas acções reduz-se drasticamente, acabando por não ter expressão real – e o exemplo é dado por uma rua adequada e densamente arborizada e por uma outra apenas pretensamente arborizada, a primeira pode ser um verdadeiro jardim urbano, enquanto a segunda quase nada é, nem em funções ambientais, nem em imagem.



Fig. 08

(X) Sobre as cidades do amanhã, que já aí estão


“As cidades do amanhã estão já connosco em cerca de 80% dos seus edifícios e estruturas,” refere Joyce. Esta constatação aponta um desafio fundamental, que tem de ser equacionado numa perspectiva de um espaço citadino do futuro, que embora exista já em grande parte, tem de ser percebido como pleno de zonas residuais, de espaços vazios e inúteis e de elementos e espaços degradados.

E assim trata-se aqui de desenvolver com eficácia o conceito de construir no construído, aproveitando esta ideia, pela positiva, para melhorar o meio urbano existente, cerzindo-o, reconstruindo-o com qualidade, dinamizando-lhe as suas cruciais continuidades, preenchendo-o e desdensificando-o onde seja necessário e equipando-o estrategicamente.

E há que fazer isto ao mesmo tempo que também se ataca o problema da falta de integração social, seja no realojamento, seja nas zonas envelhecidas e periféricas da cidade, através de pequenos preenchimentos habitacionais que sejam, simultaneamente, pequenas acções de melhoria urbana local (ex., equipamentos, acessibilidades) e micro acções de (re)alojamento cuidadosamente acompanhadas.

(XI) Sobre as cidades como pólos de uma inovação motivadora


Adrian Joyce aponta que “as cidades do amanhã serão cidades com um grande grupo populacional criador e fortes funções de incubação de inovação, de novas pequenas empresas e de novas oportunidades de emprego.”
E defende que “o desafio será desenvolver uma concepção urbana que apoie esta nova situação em termos de densidade, mistura de funções e diversidade.”

Cá está a mistura funcional reforçada e intensificada, de certo modo rematando-se muitos dos inúmeros aspectos que foram dedicados à riqueza funcional e de imagens, ao micro urbanismo, à gestão local disseminada e personalizada e à própria identidade de vizinhanças e de bairros.

De certo modo pode também dizer-se que estará na massa do sangue da cidade tradicional esta sua faceta de centro de oportunidades e de pólo difusor e mesmo inovador de actividades. E para tal há que combater todos os aspectos que tenham a ver com soluções citadinas e residenciais monofuncionais e com conteúdos socioculturais e etários pouco diversificados e massificados.



Fig. 09

(XII) Sobre como sensibilizar os citadinos para as suas cidades


Defende Joyce que há que implementar todos estes objectivos/desafios na prática de trabalho, intervenção e projecto das diversas profissões ligadas à concepção da cidade, seja em perspectivas conceptuais específicas (ex., arquitectura), seja em perspectivas que privilegiem uma prática multidisciplinar (ex., arquitectura + paisagismo + engenharias).

Joyce defende algo de essencial nesta matéria que é a necessidade de se desenvolverem cursos de formação nestas áreas em currículos inovadores que desenvolvam e fundamentem uma verdadeira e aberta perspectiva multidisciplinar, sem fundamentalismos, digo eu, e sem perspectivas de dominação e de preponderância, atribuindo-se as matérias disciplinares específicas aos respectivos campos disciplinares, mas não se desistindo dos objectivos essenciais de como sensibilizar os citadinos para viverem as suas cidades e de como as qualificar para poderem ser plenamente vividas pelos seus habitantes, que, pelo seu lado, têm de ser objectivamente sensibilizados e informados sobre benefícios, direitos e deveres de uma cidadania mais efectiva e afectiva.

(XIII) Sobre as cidades como centros de excelência


“As cidades são os centros de excelência da nossa sociedade nas quais as universidades, as escolas e os centros de investigação, geralmente, estão sediados... O desafio será assegurar que isto assim se mantém … durante o período de grande mudança que se prevê.” Este é um objectivo/desafio, apontado por Joyce, talvez apenas aparentemente simples e que, sem dúvida, é de grande importância. De certa forma a cidade nasceu também devido a uma forte necessidade de formação e de troca de ideias (o que é/deveria ser a escola) e é importante que o papel da escola na sociedade possa ser reinventado e fortemente reforçado no (re)tecer das malhas da cidade.

Não é com certeza com o retirar de velhas universidades dos centros históricos que se desenvolve uma tal acção, nem se garante tal objectivo com a continuidade de standards que geram equipamentos com uma dimensão e falta de articulação urbana que resultam em situações de grave descontinuidade urbana; e sendo assim os elementos/pólos de equipamento, que deveriam gerar agregação, dinamização social e uma correspondente geração de novas actividades, acabam por ser elementos marginais da malha urbana, quando não elementos que provocam verdadeiras descontinuidades nessa mesma malha.



Fig. 10

(XIV) Sobre as cidades como pólos vitalizadores e estruturadores da sociedade


Defende Joyce que, por um lado, as cidades, através do uso optimizado de recursos e da maximização da qualidade de vida, podem funcionar como centros estruturadores de desenvolvimento de novos modelos de preservação, regeneração e gestão integrada, e que, por outro lado, e através de redes urbanas, as cidades podem estimular o desenvolvimento territorial sustentável numa crescente coesão territorial, dinamizada pela competitividade regional.
O desafio é o desenvolvimento de cidades que sejam pólos económicos, e de integração e sustentabilidade sociocultural.

E sobre esta matéria fazem-se, para já, apenas duas referências, um pouco paralelas, entre si, e relativamente ao referido desafio: a primeira sobre o importante papel ligado ao lazer que pode e deve ser cumprido pela cidade, na sua total amplitude física e de oferta muito diversificada, aspecto este que novamente nos leva para a importância das redes de acessibilidade e nestas para o papel fundamental da circulação pedonal, naturalmente em estreita relação com os outros tráfegos; e a segunda relativa à importância que tem/terá o renascer do tráfego ferroviário como meio privilegiado de ligação entre centros de cidades, afinal, entre centros de pólos de animação urbana.

Apontam-se, em seguida, algumas notas de remate a propósito da importância da diversidade e da riqueza de usos citadinos.

Ainda bem a propósito desta matéria da cidade em crise e da cidade desejável, lembra-se um artigo que saiu na imprensa diária, assinado por Inês Vilhena da Cunha e Catarina Selada (com colaboração INTELI – Inteligência em Inovação), que se intitula “repensar o ordenamento num ambiente mixed use,” e que apresenta num esquema sintético, com forma geral de “casa”, uma base ou fundação, que as autoras designam com os “pilares da cidade do conhecimento,” onde surge a qualidade de vida, a acessibilidade, a diversidade urbana, a escala urbana e a equidade social, confluindo para uma dupla base de conhecimento e económica, enquanto, mais acima, sobre uma tal fundação e no interior dessa grande casa/cidade do conhecimento, são registadas as “actividades da cidade do conhecimento,” e aqui se referem, em torno da “capacidade de organização”: a ”aplicação de conhecimento, a atracção de talentos, a criação de conhecimento e o desenvolvimento de novos clusters.”

E defendem finalmente “facilitar e estimular o desenvolvimento de uma cultura mixed use, ultrapassando a lógica monofuncional de distribuição disjunta de usos territoriais e passando a coordenar as dimensões horizontal, vertical e temporal no zonamento das funções urbanas.”

Pode-se afirmar que após o reconhecimento da importância que tem a mistura sociocultural no fazer de uma cidade eficaz, amigável e convivial, um reconhecimento, que é preciso dizê-lo não foi ainda nem de longe plenamente assumido, na sua fundamental importância, temos agora o reconhecimento da mistura ou combinação de usos diversificados no espaço e no tempo como elemento fulcral desse fazer uma cidade que vale a pena.

E nem é preciso ir muito longe para constatarmos a verdade de tais conclusões, podemos passear, por exemplo, nas diversificadas vizinhanças do Bairro de Alvalade, em Lisboa, e lembramos as respectivas misturas sociais tão bem feitas no final dos anos 40 do século passado, bem como as também tão bem feitas simultaneidades de obras e as ainda hoje bem evidentes e eficazes misturas de actividades, com grandes equipamentos culturais e escolares na continuidade urbana e com zonas de pequena indústria e de comércio claramente diversificado.



Fig. 11

Conclui-se este texto com uma ideia que tem vindo a ganhar importância, felizmente, ultimamente, que é alertar para o que parece ser uma confusão básica entre fazer cidade que, funcionalmente, aceite muitos, muitos milhares de veículos privados e uma cidade verdadeiramente amiga e motivadora das pessoas que a habitam, a fazem viver e nela encontram diversidade, interesse, vivacidade, conforto, segurança, dignidade e cultura.

E ninguém imagine que o autor destas últimas linhas é fundamentalista contra o tráfego de veículos privados na cidade intensa e central; nada disso! É sim um defensor, como tantos, de todas essas excelentes qualidades citadinas, qualidades que têm de ser servidas por uma rede funcional de acessibilidades, na qual se deverá integrar o transporte privado.

E também importa sublinhar que há muito mais no fazer uma cidade qualificada do que, “apenas”, estruturar as respectivas acessibilidades, pois ninguém quer ir a um sítio onde nada se passa, que não atrai, que não surpreende, que não agrada, que não dignifica.

Mas, infelizmente, deve-se sublinhar que, em muitos aspectos, seja em capacidade de atracção citadina verdadeiramente consistente, seja em apoios em termos de acessibilidades múltiplas, complementares e alternativas, aos – e entre os – mais diversos espaços citadinos estamos, hoje, em Portugal, frequentemente, a um nível ainda muito negativo; e sobre o que de bem feito cá, felizmente, se vai fazendo nestas matérias do habitar e da cidade continuamos a um nível incrivelmente negativo, devido à inexplicável ausência de uma adequada e intensa divulgação, uma divulgação que terá de ser muito mais ampla e profunda do que aquela que atinge meia dúzia de pessoas que, por acaso ou por motivos profissionais sabem que algo está a acontecer e que decidem pagar uma entrada, aliás, por vezes, não barata.

Dá vontade de dizer e aqui acabo estas reflexões informais, que uma tal perspectiva, julga-se que limitada, de divulgação do como fazer cidade habitada e culta tem sempre lugar, evidentemente, assim como as exposições de arte terão sempre lugar; mas o que mais precisamos, hoje, em termos do fazer melhor cidade e cidade habitada, e, complementarmente, em termos do como harmonizar cidade e campo, é de um verdadeiro desígnio nacional e um tal desígnio tanto passa pelos profissionais, como tem de passar, obrigatoriamente, por toda a gente, pelo menos temos de tentar que passe por toda a gente e não é como se tem feito que tal matéria pode vir a passar por toda a gente.

E não nos esqueçamos que o fundamental é ir fazendo pequeno, ir aprendendo com as realidades urbanas e assim ir dando carácter e vida à cidade, passo a passo, mas sem parar e sempre numa perspectiva de um conhecimento aditivo e cada vez mais divulgado e sentido como de toda a gente.

António Baptista Coelho
1ª Versão: Encarnação, Lisboa, 17/18 de Maio de 2005.
2ª Versão, reformulada e complementada, Encarnação, Lisboa, 6 de Dezembro de 2007.

Editado por José Romana Baptista Coelho em 6 de Dezembro de 2007.

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