quinta-feira, agosto 24, 2006

100 - Cidades à beira-rio e o rio como paisagem, artigo de Maria Celeste Ramos - Infohabitar 100

 - Infohabitar 100



Cidades à beira-rio e o rio como paisagem – a civilização que nasceu da água


Maria Celeste d’Oliveira Ramos
Colaboração e ilustração de António Baptista Coelho
A água é a maior e cada vez mais rara riqueza da Terra representando 2/3 do planeta assim como são 2/3 a água do total do corpo humano, sendo que a água potável é finita e o bem mais precioso do planeta, mais do que o ouro ou diamantes ou qualquer outro recurso natural. E como a água, o ar na sua dimensão de oxigénio é o segundo elemento sem o qual não existe qualquer forma de vida, incluindo a própria água de que todos nos lembramos como fórmula química, H2O, esse infinitamente pequeno molecular de que é feita a vida da Terra até à calote da estratosfera.

Já ouvi algures dizer que "Deus passou por aqui", deixou sol (3 mil horas de sol/ano) e praias de areia doirada ao longo de mais de 800 km para além de clima doce todo o ano, deixou um Jardim (como afirmou Unamuno), e os habitantes construíram as paisagens "domesticando" a matéria prima de que dispunham e construíram paisagens diversificadas em todo o território delimitado por fronteiras quase todas naturais, desde 1143, algumas que mereceram ser classificadas UNESCO e REDE NATURA, bem como a Baía de Setúbal foi classificada a mais bela da Europa, fronteiras que talvez tenham ajudado e inspirado o primeiro rei a fazer separar por esse limite físico este "rectângulo de oiro" da terra-mãe peninsular, também denominado por Vitorino Nemésio - esse pedaço de terra debruado de mar, como se de uma ilha se tratasse.

As grandes cidades que fizeram a história do mundo instalaram-se principalmente à beira-mar ou beira-rio, ou na meia encosta de grandes planícies que são os seus leitos de cheia ou de recepção das águas dos pontos altos, ou situam-se, finalmente, nos estuários, onde aflui a maior riqueza do rio que ao erosionar muito devagar leitos e margens ao longo de quilómetros, se bem ocupadas de vegetação ribeirinha que dissipa a energia da corrente servindo de almofada, e os sedimentos transportados vão-se depositando ao longo do percurso do rio, até se entregarem definitivamente na foz dos rios e no mar.




Fig. 1: “esse pedaço de terra debruado de mar” … “estuários, onde aflui a maior riqueza do rio.”

Todas as grandes Capitais do mundo estão nessas condições, e os rios fizeram também florescer as grandes civilizações sendo a do Egipto a primeira que virá à memória de todos nós, da mesma forma que podemos pensar na mais antiga e grande civilização entre o Tigre e Eufrates, onde se diz ter sido situado o Éden Bíblico e que é hoje o Iraque, ou o Estado de Nova Iorque à beira do Potomac.

Mas também a mítica Lisboa de Ulisses tem a privilegiada situação de ficar, duplamente, à beira-rio e beira-mar, com a particularidade de ter o denominado Mar da Palha que parece um pequeno "mediterrâneo" à disposição da cidade e que é um viveiro permanente das mais variadas espécies piscícolas que aí desovam na primavera para mais tarde alcançarem o alto mar já que a influência das marés se faz sentir até Vila Franca de Xira, com grande riqueza piscícola, e depois a juzante com águas "misturadas" rio-mar, o sapal que nenhuma autarquia tem relutância em aterrar para construir sem controlo, espaço que é grande viveiro da mais variada fauna piscícola que vem do mar ali desovar na Primavera, e logo regressar ao mar.

Não passaram muitos anos mas será que há quem se lembre da grande produção de ostras do estuário do Tejo? Arrisco afirmar que é curta a memória e pergunto, de seguida, a que preço está um prato de salmão do rio Minho ou de lampreia ou, ainda, de sável do rio Tejo.

Num artigo saído na revista Visão (3 Novembro 1994), poderá ler-se "«Povo que matas o Rio» - centrais nucleares espanholas, contaminação com metais pesados, morte de peixes, pesca ilegal, que mais irá acontecer ao Tejo ?'' – e o LNEC afirmou, quando do estudo do Plano Hidrológico espanhol, que o Tejo perdeu 25% do seu caudal. Pode ler-se no mesmo artigo que o Tejo é o maior pólo de desenvolvimento do país, alimenta as mais importantes áreas agrícolas do Ribatejo, é um centro de comunicação fundamental e ainda uma gigantesca maternidade de peixes (e eu acrescento que já não é) e, entretanto, na sua bacia hidrográfica de 24 869 km2, a maior do país, que vai de Estremoz à Guarda, vivem cerca de 3 milhões e 700 mil pessoas, mais de 1/3 da população portuguesa e, desta, mais de metade vive na Grande Lisboa e, assim, a pressão humana, urbana e industrial torna o rio Tejo um gigantesco espaço poluído; é que a água, como vento, são os elementos de transporte, por excelência, de vida (sem poluição) ou de morte (poluídos).

E daí resulta que o empobrecimento dos valores da natureza só pode conduzir ao empobrecimento das populações e do país irreversivelmente porque a natureza não se inventa.




Fig. 2: pescadores no Norte do Brasil.

A ausência de políticas de envolvimento de verdade na conservação dos valores de natureza inalienáveis, leva à morte da natureza e ao consequente empobrecimento dos homens, que da exploração sustentável dos bens da natureza dependem, invocando-se contudo e quotidianamente, razões "de desenvolvimento económico", como se água e o que contém de seres vivos e qualidade climática e ambiental, não fossem riqueza verdadeira.
Recuperando a sua frequente situação à beira da água, as grandes capitais actuais do mundo, os grandes centros urbanos e culturais e de maior procura turística ao longo de todo o ano, como Londres, Paris, Salzburg, Buda+Peste, Nova Iorque ou Florença, tiram partido da sua arquitectura tradicional intacta e restaurada, afinal, o "primeiro bem de raiz" para habitantes e visitantes e um constante ponto de partida de desenvolvimento de riqueza que assenta na história e cultura, e artes, de que o turismo é ávido e de que é desmultiplicador, inventando novos factores económicos ou recuperando tradições, não sendo necessária muita inteligência para não deitar fora, como Portugal tem feito, a sua herança de memória e a identidade dos lugares em que assenta a civilização, e que representa riqueza nacional mas também património do mundo.
E se o País dificilmente se porá a par do desenvolvimento industrial-de-2ª.vaga, só lhe restará não destruir mais os sectores primários, a terra e as zonas húmidas, o mar, e a sua grandeza de património histórico, edificado e imaterial.

Olhemos para a cartografia do País onde nascemos e vejam-se as cidades mais sólidas mais antigas bem como vilas e aldeias de beira-rio, e como as suas economias, e cultura, se desenvolveram e dependem de cada afluente de cada grande e pequeno rio; e ao olhar desse modo, interiorizemos que inutilizar com nova habitação ou estrada, cada ribeira que é o primeiro caudal de não importa que grande rio, é destruir tudo o que se passar a jusante, implacavelmente, é destruir vida e cultura e economias, é fazer deserto ecológico e humano, e por fim deserto físico, o que é apenas uma questão de tempo – tendo os decisores conseguido destruir, em apenas umas muito escassas dezenas de anos o que levou séculos a humanizar, tornar fértil.



Fig 3: Amarante e o Tâmega.

Portugal tem (tinha) uma extraordinário sistema hidrográfico homogeneamente distribuído, de que ressaltam os estuários do Douro (origem ancestral do comércio nacional com todo o mundo nos séculos XVIII e XIX), os vales do Mondego, do Tejo e do Sado, tendo estes últimos merecido pertencer à rede de Zonas Húmidas mais importantes da Europa, e em que a baía de Setúbal mereceu recentemente ser classificada "a mais bela da Europa", e o Tejo, pela sua riqueza física e biótica fazer parte da área protegida do Tejo internacional.

A importância dos rios em Portugal vem de longe, dos tempos da pré-história, de que é exemplo Foz Côa, com as gravuras rupestres datadas de há mais de 20 mil anos deixando testemunho das formas humanas mais remotas de viver, e sendo que o Guadiana é não só uma lição da convulsão morfo-geológica da Península Ibérica, como já foi o em tempos o último porto de mar do Mediterrâneo, pois que era navegável até Mértola, tendo ainda sido ponto de passagem de outras civilizações que invadiram o país de que restam vestígios, alguns dos quais hoje acessíveis no museu local; no registar da história do rio e dos homens, que é de uma riqueza inestimável.
Com a extraordinária distribuição das mais pequenas às maiores ribeiras em cada bacia hidrográfica, e com o clima ameno, não podia o País deixar de ser agrícola ao longo de milénios, situação esta que se alterou radicalmente, já que até 1986 o país produzia 75% das necessidades alimentares passando hoje apenas para apenas 25%, e sem se assistir à dignificação do solo agrícola e da sua produção, bem como dos homens rurais que tiveram a coragem de se dedicar às coisas da terra que produz alimentos; terra esta também ameaçada pela recente invasão de eucalipto, que é esgotador da terra em apenas 40 anos.
Com tal riqueza natural selvagem e construída pelos rurais, imaginemos então que classificação mundial poderiam ter as nossas grandes zonas húmidas (que incluem o litoral marítimo até 6 metros de fundo na baixa mar), se não tivessem sido tão destruídas, poluídas e continuamente discutidas “parlamentarmente” com tanta superficialidade e ignorância, e que economias podiam ter continuado a gerar se se compreendesse, de facto, o valor que têm, nem que fosse “só” pela sua "beleza", esse valor maior de todas as coisas da Terra e do Homem, e que, afinal, hoje e no futuro também vende/rá, porque a indústria do turismo é e será a mais poderosa do mundo e tem um crescimento imparável, excepto nos locais em guerra.
Afinal, as paisagens oferecem ao homem o que lhes é pedido de recursos naturais ou de culturas, e ainda podem oferecer "beleza" e recursos de recreio, lazer e dinamização da expressão artística.



Fig 4: “As paisagens oferecem … recursos naturais ou de culturas, e ainda podem oferecer «beleza».”

E é interessante atentar que do caminhar a pé pela estrada romana ou em liteiras, de há muitas centenas de anos, o turismo, de hoje, entre tantas das suas opções, voltou também ao caminhar a pé, por exemplo, ao longo dos vestígios dessa mesma estrada romana, mas para tal, para se poder contar com tão grande riqueza de possibilidades, muito há a fazer e a não deixar fazer, terminando-se de vez com o desprezo pelo nosso riquíssimo património.

O nosso País não tem de facto nem ouro nem diamantes, mas tem séculos de história feito em PEDRA e em PAISAGENS, a sua riqueza maior, e todas as artes delas derivadas e tornadas indústrias seculares, que já ninguém da cidade faz ou dá importância, porque as cidades tornaram-se tão extensas que se divorciaram da paisagem natural.

Na ausência dessas matérias-primas, que são as mais valiosas para os mercados actuais, não se encontrou, em Portugal, compensação no valor do mosaico paisagístico, nem na existência dos monumentos que contém desde a pré-história, e na situação geográfica que permite ser plataforma giratória de ir e vir entre este e o outro lado do mar.

Mas falemos de água e de rios e pergunte-se, o que é que em Portugal terá agora valor para se poder justificar que se encanem continuamente ribeiras sem a menor hesitação, só porque se atravessam no caminho da "expansão urbana em contínuo de laje de betão" (19% do território nacional é impermeável), quando em qualquer país europeu, nascido depois deste que habitamos, o "rio faz parte do tecido urbano" e é espaço de recreio por excelência, sendo mesmo, como em Inglaterra, núcleo “genético” gerador de aglomerado urbano.
É urgente que Portugal volte a amar os seus rios e as serras e as árvores e as cidades e os monumentos e as paisagens, que são todos património da origem de toda a vida natural e dos gestos de humanização, e são B.I. e ponto de partida do verdadeiro desenvolvimento, sem ser necessário ter de imitar nada, e, assim, sem correr o risco do "passar de moda."
É urgente voltar a amar e honrar o património paisagístico ancestral e multifacetado, natural e construído, acima e abaixo da linha de terra, e fazer dele património sociocultural e económico, nacional e mundial.
E há que salientar que o RIO é por si só uma paisagem desde a nascente à foz, com ou sem conjuntos urbanos nas suas margens, e é corredor ecológico por excelência, não importa de que dimensão.
As mais importantes cidades do nosso País fizeram-se com o mar e com os rios, numa linha quase contínua paralela à costa marítima, sendo as arquitecturas e as economias resultado directo da comunhão com a ÁGUA, e não esqueçamos Nemésio, ao referir-se a "este pedaço de terra bordejado de mar" que fez "civilização."
Já foi afirmado muitas vezes pela ONU que a partir de 2025, a água potável total do mundo, não chegará para os seus habitantes, já que o ciclo da água é um ciclo fechado e água é também civilização e saúde sendo o consumo per capita um dos mais actualizados índices de aferição do grau de desenvolvimento.
Sendo certo que a água doce total do planeta equivale exclusivamente a 4500 mil km3 para a água doce de superfície e 100 mil km3 para a água doce subterrânea, 25 milhões de km3 para o gelo dos pólos contra 1330 milhões de km3 para a água dos oceanos, sendo que se pode considerar ainda a água atmosférica como sendo apenas de 13 mil km3 e são tão só 400 mil km3 a evaporação e precipitação que se equilibra por ano. E porque a infiltração da água no solo é principal nas áreas florestadas (montanhas), a sua erradicação impede a água de abastecer toalhas freáticas bem como não produz o oxigénio da sua responsabilidade em que a sua produção por hectare ronda o valor necessário para uma população de 50 mil habitantes.
Paralelamente o homem "civilizado" utiliza por dia 100 litros de água e respira 60 litros de oxigénio, e ainda raramente na cidade se separam as águas negras das águas residuais industriais, para que as primeiras possam ser reutilizadas na lavagem das ruas e rega dos jardins e mesmo agricultura, desperdiçando-se, assim, a água que se tem disponível e, pior, desflorestando-se e impermeabilizando-se em excesso, designadamente, nas cada vez maiores, grandes cidades, e originando-se que cada vez mais água da chuva, para a mesma queda pluviométrica, vá dar ao rio e ao mar em vez de ficar nos continentes.




Fig. 5: E o século xxi é/será o século das grandes cidades.

Talvez porque ar e água não tenham fronteiras, estes sejam os dois elementos sagrados da China – o feng-shui – considerados, por vezes, em projectos, mas apenas ligados à orientação da habitação, continuando-se, mesmo depois de se conhecer, como hoje em dia, o valor da água e a sua finitude, com um quase desprezo, nos planos de ordenamento urbano, pelo valor da terra e da água, e mesmo do clima, que são tratados como se fossem "substituíveis."

E que felicidade é, e poderia ser, poder viver na proximidade da maior riqueza electro-magnética, biótica e de bens naturais do planeta que é a fronteira/margem terra-mar onde muitos e grandes rios se vêem "oferecer" ao mar, mas oferecendo o que transportam resultando na grande fertilidade dos estuários.

Que cidade e habitantes felizes os que podem usufruir dos valores estéticos das paisagens marinhas e fluviais, sempre especiais com a presença da água, a sua cor e luz, e movimento e deles retirar paz e consolo e contemplação, para além da manutenção da sua presença como fonte de alimento – Paris cidade interior atravessada pelo Sena, sem o rio talvez não fosse nem capital, nem teria aquele clima nem luz filtrada pelo nevoeiro, que só a presença da água permite, quando se evapora, dando a todo o ambiente encantamento e misticismo.





Fig. 6: Aquele clima, aquela luz filtrada, que só a presença da água permite, dando a todo o ambiente encantamento e misticismo – a margem de Lisboa e os veleiros.

A água é, como diz no Alcorão, "a fonte de toda a vida", não apenas no sentido físico mas também espiritual, e por isso na Índia há 7 rios considerados sagrados, da mesma forma que é sagrada, para os cristãos, a água benta, ou a água do Baptismo, a água do Rio Jordão onde Jesus foi baptizado, porque há homens que conseguem perceber que há sítios e lugares sagrados, e florestas sagradas, locais onde sentem o Divino na Terra, e em todos os tempos sempre a água esteve ligada ao DIVINO, como no Ganges que para tudo serve, e, mesmo imundo, não deixa de ser "sagrado."
Os rios foram e continuam a ser, em Portugal, meras "linhas de água" de captação de recursos e onde se rejeitam efluentes, os mais poluídos e devastadores da qualidade da água a ponto de matar a fauna piscícola e mamíferos das margens e até a mata e a vegetação das margens e as terras em que se vão infiltrando ao longo do seu percurso.
Mas o vento e água, sagrados para os chineses, devê-lo-iam ser para o mundo inteiro, já que são, por excelência, os dois veículos naturais de transporte: transportam a vida (o ar transporta o polén), ou transportam a morte (a poluição do ar e da água).
Com as alterações climáticas mundiais, de que já chegaram ao país as consequências, como nunca é necessário reaprender a desenhar com a natureza dando prioridade à água e aos seus locais naturais de infiltração e de drenagem que são os vales e retomar com a maior seriedade a legislação de ordenamento e de protecção dos locais que guardam a vida natural/cultural do nosso País; todos os erros humanos com o ar e água se podem evitar, basta deixá-los PASSAR pelos lugares naturais que lhes pertencem percebendo, para além de razões científicas e técnicas e estéticas, o espírito de cada lugar. E lembremos os monges agrónomos, os Beneditinos, que construíram o Convento de Alcobaça deixando o Côa passar, livremente, pela cozinha e não haverá no mundo muitos "monumentos" construídos em cima de um rio, deixando-o ser rio.
Meter uma linha de água não importa de que dimensão, num CANEIRO não é possível em nenhum país do mundo e, onde se fizer, a natureza mais tarde ou mais cedo reclamará o que lhe pertence como aconteceu no fim do ano de 2005 em New Orleans e Houston, situações bem paradigmáticas da invencibilidade da natureza por mais avançadas que sejam as tecnologias e as máquinas para a dominar porque até os factores de imponderabilidade são bem mais prováveis do que o domínio humano por mais que o homem desafie a natureza, como lhe compete e é humano fazer.
Sabe-se como é inútil construir paredões de betão senão acidentalmente, nem sequer espigões de pedras feias e colocadas ad hoc, porque um litoral não é uma área portuária contínua.
Espigões e paredões fazem parte de uma atitude que prolifera por esses litorais fora, fazendo-se desmoronar falésias sobretudo desde o boom turístico dos anos 60 que tudo constrói no limite das falésias ou mesmo em pleno areal. É sabido que o mar está actualmente a tornar a avançar (progressões e regressões) naturalmente, no seu cósmico movimento dinâmico super-milenar, senão não haveria altas falésias cobertas de fósseis marinhos ao longo da costa portuguesa como as da Costa da Caparica e do Algarve, de arenito e com alternância de camadas de argila porosa, porque o mar "recuou", sendo complicado não haver "conhecimento" nas disciplinas de planeamento e ordenamento bio-físico suficiente, e de geologia, para que se minimizem as catástrofes naturais anunciadas.
O Homem já sabe que não vence nunca a natureza pelo que só lhe resta colaborar com ela, ganhando em eficiência e perenidade do construído, ganhando em qualidade da natureza e do ambiente e de beleza das paisagens e por fim ganhando em termos económicos já que tem de dispor de muitos milhões de unidades monetárias para constantemente refazer os enganos de planeamento e projecto, gasto que em vez de ser revertido para desenvolvimento sustentável e restauro do património, é gasto em "reparações" que serão cada vez mais difíceis de efectuar, à beira-rio e à beira-mar.




Fig 7: “O Homem já sabe que não vence nunca a natureza pelo que só lhe resta colaborar com ela.”

Impermeabilizar leitos de rio, tornou-se normal em Portugal sendo curioso o caso de Ponte de Lima em cujo leito em anos de pouco caudal se fazem feiras, e que foi "cimentado" nos anos 90 após anos de areal a descoberto – mas que em 1991 provocou uma das piores cheias de sempre da região, e, da mesma forma, se construiu Miraflores no leito de uma das duas maiores ribeiras de Lisboa – a de Algés –, a par da segunda maior ribeira sobre a qual se construiu a avenida de Ceuta, porque foi esquecido que em 1983 houve enxurradas catastróficas na zona de Lisboa e Oeiras até Cascais, por haver construção indevida em leito de ribeiras.
A natureza é previsível e imprevisível e a única forma de minimizar as consequências está em saber decidir controlar a decisão de impermeabilização e de "parcelamento" de espaços físicos férteis e de funções múltiplas, conhecendo e respeitando as características de cada local e a sua função primordial, e podendo-se até dizer que "o que está certo está belo."

E como já se disse, cada "linha de água" é por si só uma paisagem e uma "entidade" a considerar no quadro de "ordenamento do território (urbano e rural) - é um Corredor Ecológico por excelência.
Basta pensar em como a cidade trata a água nas sua forma mais elementar e que tem a ver com a quantidade de queda pluviométrica urbana que, como é sabido, pode ser superior à da envolvente rural, já que, na cidade, a temperatura média diária pode ser superior em 6 a 7ºC devido a ser um contínuo de materiais inertes e com muito baixa relação percentual de área permeável, representada por parques e jardins, públicos e privados, que são áreas de beleza e de memória das "estações do ano", áreas de infiltração da água da chuva e regularizadores climáticos, são "natureza viva dentro da cidade", são vida.
E quando a cidade entra em crise ambiental, entra em crise, igualmente, a cultura dos seus habitantes, que mais e mais se distanciam da realidade da natureza e do que dela provém para que a cidade exista.
Creio eu bem que hoje tudo o que se passa não apenas no campo, mas também relativamente ao valor das componentes ambientais – e sobretudo à água – é, cada vez mais, um problema de cultura urbana porque os rurais já não habitam o campo e a cidade não é educada para esses valores, e talvez nem mesmo para os valores de urbanidade.




Fig. 8: Cidade e urbanidade.

Por mim, sempre me extasiei com a Terra e o que contém tanto de natureza, como feito pelos homens num diálogo de arte, que só pode ser diálogo de amor. E, por que não dizer também que, como os "antigos", vejo o Divino no rio, na árvore suporte do mundo, e na inspiração humana que faz catedrais.
Ou então dizer, como São Francisco de Assis, “a minha Irmã Terra, a minha irmã Lua, os meus irmãos peixes!” Não será tudo manifestação do mesmo? Que o homem vai descodificando?



Fig. 9: “A minha Irmã Terra, a minha irmã Lua …”

E porque os homens se divorciaram das coisas da natureza e da origem das Cidades-Civilização, agora fazem desmoronar também as cidades onde moram, sem darem conta de que já não há mais nada para destruir a não ser o próprio homem.



Maria Celeste d’Oliveira Ramos, em Outubro 2005
Colaboração e imagens de António Baptista Coelho, em Agosto de 2006

1 comentário :

Anónimo disse...

Ola!!!

Gostaria de saber como faço para incluir um link no seu site? Como faço?

Aguardo.

Jéssica Amaral - Planeta Imovel
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