quinta-feira, julho 27, 2006

96 - Lisboa palco de beleza; ... cidade, no rio… a caminho do mar: artigo duplo, sobre a Tall Ships’ Races 2006, Celeste Ramos e M. João Eloy - Infohabitar 96

 - Infohabitar 96


LISBOA CIDADE - PALCO DE BELEZA

Maria Celeste d'Oliveira Ramos - arqtª-paisagista
Como é bela a velha cidade que parece mais feliz quando algo de novo e grandioso nela se manifesta e faz com que todos os seus habitantes desçam colina a colina quais regatos que desaguam no grande rio a ver o que nele acontece de fantástico e do rio, mais uma vez, se enamorem.
Feliz é a cidade que se situa à beira de estuário de Rio, matéria-primordial de Civilização, como foi a do Nilo que deu origem a uma das mais inteligentes e perturbadoras das civilizações antigas, dela perdurando até nós fábulas, não apenas de Cleópatra, mas essencialmente das suas pedras transtornadas-arte-religião-cultura-história-saberes-mistério, hoje continuando a ser, não apenas local mítico, mas permitindo, ainda agora, desenterrar do mar esfinges após esfinges, quais "MonaLisa" do passado, pedras sagradas da sabedoria da beira-do-deserto e tal que a sua grandeza nunca se apagou, sendo hoje local de peregrinação-turística na demanda de saberes antigos e de mistério nunca desvendado.



Fig.1



Fig. 2

Feliz Lisboa do lendário rei de Ítaca que a baptizou e onde, para além do número sagrado - o sete - o número das suas colinas, mora gente que ama a sua cidade e o seu rio e o veneram tão só para, inocentemente e alheados da história, pescarem o mais humilde peixinho ou assistirem ao grandioso espectáculo dado pelos mais belos e gigantescos veleiros – nas Tall Ships’ Races 2006 - engalanando o Rio e a Cidade que forneceu, para agradecer a sua visita, o clima mais esplendoroso e até o vento necessário e a Luz, sempre a luz desta "Lusitânia" para que pudessem brilhar mais neste estuário maior da Europa, de água sempre corrente e sem gêlo e de imensa biodiversidade, parte da Rede Natura do continente e património do mundo, porque este mundo moderno que somos "partiu daqui."




Figg. 3, 4
Bela a cidade com o rio como paisagem, com escala para ser detectado pelas lentes inquisidoras dos satélites mundiais, paisagem única e mítica de onde partem e onde aportam constantemente todos os navios do mundo.
Feliz o habitante que pode olhar o rio da janela de sua casa ou da rua do seu bairro ou que, em dia de descanso, desce até à beira rio e, sem saber, procura "as Tágides minhas" que o poeta desencantou dando ao país memória eterna e eternizada porque, também ele, um dia daí partiu para longe e regressou com palavras-escritas da sua epopeia que se confunde com a epopeia do país de marinheiros e é raíz, na sua forma-renascentista-original, que continua a ser essência lusitana.
Feliz a Cidade-palco de beleza e de história de toda a humanidade, para sempre a capital do primeiro gesto que tornou o mundo global e redondo ao desbravá-lo, correndo mares fora e dando identidade a continentes até aí desconhecidos.

Como que reavivando essas memórias, mais uma vez, pelas águas foi agora materializado esse passado comum com o esplendor exibido pelos Veleiros mais belos do mundo lembrando aos homens que é a PAZ entre eles que é preciso anunciar a todas as gerações para serem mais humanos e felizes, porque já todos os mares foram desbravados e conquistados como que anunciando que falta apenas conquistar o Homem-Global.

Feliz o Rio que tal "mensagem" transporta hoje, como transportou nas brancas velas pandas com a Cruz de Cristo, Ele, que veio à Terra anunciar o Amor e a Paz.





Fig. 5




Fig. 6

E assim se fez e continua a fazer cidade-cidadania-global, nas águas do rio que corre doce e tranquilo para o mar.
Mítica Cidade de mítico Rio e de gente que um dia sonhou abrir as estradas do mar para homens e continentes e semear aquilo em que acreditava.

PS – Um lisboeta entrevistado hoje, à beira rio, para o noticiário televisivo das 20:00, disse que estava, por um lado, maravilhado com o que via mas que, por outro, lamentava olhar os Veleiros e nada saber deles e muito menos da história do país do tempo dos descobridores.
Fica aqui esta "nota triste" de uma cidade que esteve "feliz" por alguns dias de emaravilhamento pela beleza dos "visitantes" do seu Rio.
Maria Celeste d'Oliveira Ramos
Lisboa, bairro de Santo Amaro, 23 julho 2006

Fotos 1 a 6 - M.J.Eloy – Tall Ships’ Races 2006, Tejo – Lisboa
1. Doca de Alcântara e Navio Escola ‘Sagres’, 2006.07.21
2. ‘Sagres’ , Tejo, Lisboa
3. ‘Europa’ - detalhe
4. ‘Amerigo Vespucci’ - detalhe e Ponte 25 de Abril
5. ‘J. S. De Elcano’, Tejo, Lisboa
6. ‘Stravos S Niarchos’, Tejo, Lisboa


TAMBÉM ASSIM SE FAZ CIDADE, NO RIO… A CAMINHO DO MAR

Maria João Eloy - arquitecta



Fig. 7




Fig. 8




Fig. 9




Fig. 10




Fig. 11




Fig. 12

Uma doca de acessos controlados,
de seguranças discretamente armados,
pede cartões na suspeita de identidades.
O festival transborda o rio para o cais,
num deslumbre de objectos pesados,
etereamente flutuantes.
A água plena de utilidade.
O Sol explicando-se melhor.
A escala ignorada todo o ano.
Nós sufucando de crise e inanição.
Eles inchados de soberba e precisão.
Governados humilde e habilmente.
Emprestados ao bulício citadino.
Ignorantes da sua administração.
Tradições de antanho, perícias tamanhas.
Azuis, brancos, pretos e amarelos.
Solidariedade intergeracional.
Proposta para prémio da paz.
108 metros, 100, 50, 10 e tais.
Velas, mastros, cordames.
Um arrepio ao desfilar da Sagres.
Um não sei quê de brio.
Que bem vão em formatura.
Da proa à popa que longe fomos.
Hoje deslumbrados restamos.
A guerra já aqui tão perto.
Eles afinados, emproados.
Nós preocupados com o chaço velho.
A cidade engalanada, mascarada.
Bem usada e abusada.
Vida, cultura, desporto.
Foguetório, homenagens.
Faça turismo por cá.
Dividendos vários.
Dentro de dois anos, mais haverá.

Também assim se faz cidade,
no rio… a caminho do mar.
Trata-se do 50º aniversário
da Regata dos Grandes Veleiros.
Prontos a zarpar, que se faz tarde.


Maria João Eloy
Lisboa, 23 Julho 2006

Fotos 7 a 12 - M.J.Eloy – Tall Ships’ Races 2006, Tejo – Lisboa
7. Largada no Tejo da Regata dos Grandes Veleiros, 2006.07.23
8. ‘Amerigo Vespucci’, Lisboa e Ponte 25 de Abril
9. ‘Christian Radich’, Tejo, Lisboa
10. ‘Europa’ – detalhe
11. ‘Dar Mlodziezy’, Tejo, Lisboa
12. Acesso ao cais da Tall Ships’ Races na Doca de Alcântara e ‘Sagres’

4 comentários :

Anónimo disse...

Texto belo, sem dúvida, talvez sob a preocupação demasiada do belo, de uma beleza que, assim, (a)parece forçada. Texto apologético sobre uma cidade que não é, afinal, um rio (ou uma margem, havendo outras cidades e, naturalmente, outra margem, uma outra história por contar por dentro do ofício da dominação lisboeta). Já Pessoa se confessava maravilhado com o rio (não sei se com mais ou menos biodiversidade da que, também com este texto, é empolgada (?)), mas apartando a circunstância de haver um rio à imposição de uma outra realidade chamada Lisboa (aquém de tudo o mais, pois é real tudo o que se sente e vê): 'Outra vez te revejo - Lisboa, e Tejo e tudo' (Álvaro de Campos, engenheiro. Desempregado). Lisboa é, igualmente, um lugar de oportunidades perdidas, dos grandiosos eventos de cultura (e uma comitiva de navios é um brinde feliz para a capacidade de sonhar) que apenas Lisboa promove, esquecendo, ou mesmo desprezando, a 'outra margem' (foi, também, assim com a Expo98... como com a expo(sição) dos anos 40, dois regimes políticos, a mesma centralidade absurda, o mesmo namoro de uma inspiração do Tejo que não vai além de alguns metros... pelo menos, nunca chega até à 'outra margem'). Porventura, entre os transeuntes, observadores dos navios, do belo e do vento (e vale a pena ter nascido só para ouvir o vento, já avisava Fernando Pessoa), estavam muitos daqueles que diariamente cruzam o Tejo, como eu. Espectadores anónimos desta ocasião, agora com veleiros, da quebra ilusória de uma rotina, vencedores frugais sobre a banalidade do mundo e do espectáculo: cidadãos sem acesso às grandes viagens que, dizem, marcaram a globalização ou a descompactação do mundo. Mas já as Rotas da Seda...). O rio não é uma ode às 'descobertas'. Nem sequer uma referência identitária. Perdeu, das margens, o testemunho dos veraneantes (do povo e da realeza) e dos pescadores. E nunca conquistou valores de solidariedade (a não ser pelo 'buzinão' contra o aumento das portagens). A expansão urbana aliena a possibilidade do encontro, por mais 'ordenada' que seja e cumpridora dos grandes projectos como a Expo98. Prédios e famílias encavalitadas. Escritórios de grandes empresas (grandes em dinheiro, que não na humanização dos espaços). Em Almada, como foi? (Com a 'antiga' ponte). No Montijo, em Alcochete, como é? A actual expansão urbana em redor de Lisboa faz-se através dos eixos rodoviários. Lisboa perde população. E as suas grandes Praças, junto ao rio, continuam de costas voltadas. O Rossio imperial, antigo lugar de expiação, marca inquisitorial de um domínio dos corpos, e das almas, Rossio virado para dentro, e os Restauradores, antiga Praça para feirantes, e lugar de 'festa' (onde até Romero toureou para gáudio da populaça), virado para o Tejo - memória de viagens, de exilados e da guerra. Praças que se ignoram. E um rio que separa. Arquitecturas fragmentadas, comunidades isoladas. Mas, obviamente, que o Tejo é belo! Pode o Tejo ser belo, mas «não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia». (João Craveiro, Lnec).

Anónimo disse...

"da quebra ilusória de uma rotina"
e
"Pode o Tejo ser belo, mas «não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia»".

É lúcido e pertinente tudo o que refere, caro comentador, e acrescenta novas visões ao(s) acontecimento(s)

Anónimo disse...

Lisboa já não é isboa, mas apenas o que, depois de uma vintena de anos de fervorosa mutilação, resta dela, e desse belo que sempre me maravilhou, mais do que outras cidades que visitei e que são consideradas das mais belas do mundo
Lisboa já não é a Lisboa do passado e do meu encantamento, mas pode ainda ser futuro
O Rio, já não é o rio que conheci com golfinhos encantatórios frente ao Cais das Colunas e com margens que deram trabalho a gerações e alimentaram outras tantas, nem também o grande "nursery" dos peixes que demandavam o estuário para desovar e, quando alevim (1ª fase de peixe), seguiam para o mar e davam trabalho e pão a tanta gente, mas é apenas o que resta dele
E se a Ética está ainda aquém da Estética, falei no belo sim, com a memória pessoal (e colectiva) que é cada espaço natural e/ou construído, para cada geração que da anterior colhe a herança e à que se segue se preocupa em legar
Falo do belo, sim, porque do que resta de Lisboa e do Rio, é tão grande a força da beleza antiga e dos saberes recolhidos só de olhar, “que ainda o que resta dá para ser cidade-palco-de-beleza” pretendendo eu reavivar memórias de há tão pouco tempo atrás, as minhas e dos que ainda as têm, na esperança de que, hoje, se pare a destruição de “ambas as margens” para que as memórias permaneçam e continuem a marcar gerações e memórias, não saudosisticamente as “imperiais”, mas as reais e actuais, sem ódio à árvore; um riscar “o passado-raiz”, porque, privado da sua história, o Homem entra em degradação e, como árvore sem raiz, só lhe resta o tempo de apodrecer

M. Celeste d’Oliveira Ramos

Anónimo disse...

Lisboa já não é Lisboa, mas apenas o que, depois de uma vintena de anos de ferverosa mutilação, resta dela, e desse belo que sempre me emaravilhou, mais do que outras cidades que visitei e que são consideradas das mais belas do mundo
Lisboa já não é a Lisboa do passado e do meu encantamento, mas pode ainda ser futuro
O Rio, já não é o rio que conheci com golfinhos encantatórios frente ao Cais das Colunas e com margens que deram trabalho a gerações e alimentaram outras tantas, nem também o grande "nursery" dos peixes que demandavam o estuário para desovar e quando alevim, seguirem para o mar e dar trabalho e pão a tanta gente, mas é apenas o que resta dele
E se a Ética está ainda àquem da Estética, falei no belo sim, com a memória pessoal (e colectiva) que é cada espaço natural e/ou construído, para cada geração que da anterior colhe a herança e à que se segue se preocupa em legar
Falo do belo, sim, porque do que resta de Lisboa e do Rio, é tão grande a força da beleza antiga e dos saberes recolhidos só de olhar, que ainda o que resta dá para ser cidade-palco-de-beleza pretendendo eu, reavivar memórias de há tão poco tempo atrás, as minhas e dos que as ainda as têm, na esperança de que, hoje, se páre a destruição de "ambas as margens" para que as memórias permaneçam e continuem a marcar gerações e memórias, não saudosisticamente as "imperiais" mas as reais e actuais sem ódio à árvore um riscar "o passado-raíz", porque, privados da sua história o Homem entra em degradação e, como árvore sem raíz, só lhe resta o tempo de apodrecer
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