quarta-feira, janeiro 25, 2006

66 - Por um Novo Modelo de Gestão da Habitação - IV : por João Carvalhosa - Infohabitar 66

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Por um Novo Modelo de Gestão da Habitação - IV

por João Carvalhosa

O presente artigo é a quarta e última parte de uma reflexão sobre os modelos de gestão da habitação, com especial enfoque na Habitação Social.

Esta reflexão tentou fazer uma análise transversal da concepção, construção e gestão social e financeira da Habitação como factor determinante do bem estar pessoal e social.

A finalizar esta reflexão abordamos os modelos de gestão de bairro e de gestão social e económico-financeira, apresentando-se, ainda e resumidamente, as conclusões.

Modelos de gestão

Dividiremos a atenção neste capítulo em dois tópicos: o modelo de bairro e o modelo de gestão.

Modelo de bairro

O modelo de bairro, como já foi atrás abordado deverá remeter-se para uma Mistura Social e, logo, de ocupação. A existência de grandes bairros de Habitação Social é contraproducente. O modelo a seguir deverá ser o aplicado em Helsínquia, Estocolmo ou Amsterdão. Com algumas diferenças, estes modelos seguem esse princípio e proporcionam uma mistura tal que a distinção entre social e mercado é esbatida.

É necessário que os nossos governantes (e gestores) terminem com o complexo de fazer uma viagem para aprender (ou não permitir que os seus técnicos a façam). Não custa nada. Em tempo e em valor. Aconselha-se um périplo por estas três cidades para observar a intervenção, perceber a integração (não só na habitação mas também pelo acompanhamento social que as entidades gestoras fazem) e aprender como podemos adaptar os bons exemplos à realidade nacional. Uma semana e poucos Euros bastam para fazer isto – não vai arruinar uma câmara ou instituição, pois não?...

O modelo de bairro deverá, assim ser aquele em que convivam, indistintamente, pessoas de todos os estratos sociais. Os que mais podem pagam uma renda justa. Aqueles que menos capacidade têm pagam uma renda adequada ao seu rendimento, sendo o diferencial para a renda técnica suportado pelo Estado, que deverá entregar essa diferença à entidade gestora directamente ou à família que, por sua vez a entrega à entidade gestora.

Este modelo pode ter variantes, como sejam a convivência dos vários estratos num mesmo edifício ou haver edifícios destinados a um determinado tipo de ocupação (arrendamento social, arrendamento livre, etc.). Os dois modelos são aceitáveis e adequados.

Modelo de gestão

Quanto ao modelo de gestão, ele deverá resumir-se a uma palavra: empresarial.

Sendo empresarial não quer dizer que não tenha a devida e necessária atenção aos problemas sociais. Apenas é um modelo que assegura, através da responsabilização directa dos gestores, um maior cuidado nos procedimentos mas também uma maior eficácia na gestão. Assegura também uma maior eficiência de todos os funcionários, pois sabem que o lugar deles disso depende, não permitindo acomodações e desleixos, mas antes empenho. Promove-se, assim, a meritocracia. Essencial ao sucesso.

Deverá ser uma instituição (empresa ou associação) sem fins lucrativos e que tenha dois objectivos: proporcionar habitações condignas integrando diversos estratos sociais e, através de uma política de preços, servir de regulador do mercado (que no caso português bem precisa de uma injecção de influência).

Quanto ao integrar diversos estratos (Mistura Social), estamos a atingir igualmente dois objectivos estratégicos: integrar e salvaguardar a saúde económico-financeira da instituição. A longo prazo não é possível uma instituição gerir um património enorme com poucos recursos provenientes apenas de rendas sociais. Isso percebeu a Câmara Municipal do Porto quando no início de 2004 alterou todo o seu sistema de rendas. Também uma acção deste tipo é necessária noutras instituições, o que implica um levantamento exaustivo e sério de todo o património (existências, estado de conservação, envolvente, acessibilidades, etc.), bem como um novo “recenseamento” dos moradores, de modo a que seja aferida a real situação económica de cada agregado, adaptando as rendas à sua condição actual.

Esta verificação passa, então a ser obrigatória e periódica (anualmente), de modo a aferir se se mantêm as premissas para a manutenção de uma determinada renda ou se, pelo contrário, é necessário adaptá-la (para cima ou para baixo) para atender à nova realidade do agregado. Esta verificação periódica não só é justa individualmente (para cada agregado apenas pagar aquilo que pode) mas também justa socialmente, de modo a que todos não estejamos a contribuir para um complemento de renda para pessoas que dele não necessitam.

A autorização de permanência no fogo (contrato, cedência precária, etc.) deverá ter um prazo, de modo a que a rotatividade dos fogos possa ser uma realidade, adaptando as necessidades à população, em vez de manter habitações sociais ocupadas por quem delas já não necessita. Assim, um prazo de 5 anos parece ser suficiente para a avaliação da evolução económico-social de um agregado. Findo este prazo a entidade gestora avalia a situação e poderá propor várias soluções:

A manutenção do agregado no fogo por se manterem as premissas sociais que originaram a sua atribuição. É então concedido um novo prazo (eventualmente mais curto que o primeiro, 3 anos, por exemplo);

O agregado já atingiu uma maturidade financeira que lhe permite procurar uma habitação no mercado (lembremo-nos que as habitações sociais existem para suprir uma falha no mercado que não tem oferta para baixos rendimentos). Caso seja esta a situação do agregado, poderá então optar por:

Manter-se no mesmo fogo, pagando um suplemento ao valor de mercado, por não desocupar uma habitação de cariz social. Com este suplemento estará a contribuir para o conjunto;

Abandonar o fogo e mudar-se para uma casa disponível no mercado.

A constatação de alterações nos agregados é também uma variável a tomar em conta na definição do valor da renda e na determinação da necessidade de ocupação de um determinado fogo. Com o controlo regular é possível observar com mais precisão se as premissas que levaram à atribuição de uma habitação com determinada tipologia se mantêm (assim como a fórmula de cálculo que poderá ter de ser adaptada).

Caso exista uma alteração na composição do agregado familiar, então deverá ser proposta a este uma mudança de fogo para um de tipologia mais adequado, e onde, consequentemente, a renda será igualmente mais adequada às necessidades de espaço dessa família. Caso o agregado não concorde em mudar, deverá então ser igualmente aplicado um complemento de compensação pela inadequação do fogo às suas necessidades.

A facilidade de adequação dos fogos a diferentes tipologias, como já foi referido atrás, joga aqui um papel importante, pois permite à entidade gestora adequar os espaços vagos às necessidades das famílias que requerem uma habitação.

A gestão centrada nos moradores é essencial. E um bom meio de se conseguir atingir este objectivo é através da incorporação de alguns moradores nos quadros de gestão. Isto permite que exista uma aproximação entre os moradores e os gestores e que a noção de responsabilização pessoal aumente.

Um exemplo de sucesso desta política é-nos dado pela AB Framtiden [29], uma empresa municipal de Gotemburgo, Suécia. Face à falência dos modelos de gestão até então praticados e tendo em conta a distância entre gestores e moradores, decidiu-se voltar à estaca zero e construir um modelo de gestão assente nos moradores. Assim, foram chamados para a administração da empresa alguns elementos, sendo que o Presidente foi o único que foi nomeado pelas autoridades. Todo o pessoal da anterior empresa foi dispensado, visto serem, naturalmente, uma das causas do problema (quando as coisas correm mal, ao contrário do costume português, a responsabilidade é de todos os membros da organização e não apenas dos seus gestores...). Este modelo permitiu a esta empresa municipal desenvolver vários programas que foram de encontro às necessidades dos moradores, criando novas soluções, nomeadamente através da criação de empresas subsidiárias para responder às necessidades dos bairros.

No que à regulação de preços diz respeito, a introdução deste factor é necessária num país como Portugal, onde o mercado se encontra numa fase de especulação, fazendo com que os valores de arrendamento sejam absurdos, verificando, numa breve consulta ao mercado, que os valores de prestação para aquisição são inferiores aos valores da renda.

Aqui as grandes Câmaras Municipais como Lisboa e Porto, ou mesmo Oeiras, Amadora, Sintra, Vila Nova de Gaia e outras, têm um papel muito importante a desempenhar.

Ao colocar no mercado de arrendamento uma série de fogos a preços controlados (aproveitando a Mistura Social), arrastam o mercado num decréscimo dos valores a praticar. Se as Câmaras investirem em novos empreendimentos entregando a gestão às mesmas entidades (empresas municipais) que gerem actualmente a Habitação Social, além de conseguirem este objectivo, conseguem também trazer viabilidade económica a longo prazo a estas entidades.

Com a gestão mista de fogos de diversa ocupação, poder-se-á fazer uma gestão mais equilibrada, proporcionando a todos uma maior qualidade de vida.

Este modelo, que se apresenta rentável (basta ver o caso das associações de habitação neerlandesas), permite igualmente regular o mercado e sensibilizar o Estado para a adequação dos modelos de financiamento à habitação, suportando a Administração Central os custos dos diferenciais das rendas sociais para as rendas “justas” ou técnicas. A existência de um modelo de financiamento à família em vez de ser à instituição permite que os moradores possam usufruir de uma habitação condigna, pagando por isso o preço justo e não descapitalizando as entidades gestoras.

Com os lucros obtidos por essas entidades (apenas possíveis neste modelo e nunca no actual), estas poderão investir de novo em mais habitação, apostando, inclusive, na reabilitação urbana em grande escala e assegurando o retorno à cidade das pessoas que tiveram de sair quando precisaram de uma casa (como os preços das rendas são mais baixos, permite o regresso e, assim, o repovoamento, das grandes cidades como Lisboa e Porto).

O equilíbrio é assim reposto por intermédio de uma regulação não directa mas indirecta. Ou seja, o Estado (através, por exemplo, da Administração Local) em vez de fixar um padrão, entra ele próprio no mercado, de modo a diminuir a especulação e aumentar a capacidade de acesso dos cidadãos aos bens a que, constitucionalmente, tem direito.

Este modelo permite, igualmente, a criação de uma “bolsa de habitação” por parte das entidades gestoras, aberta, transparente e de fácil gestão, onde as habitações disponíveis estão à vista de todos, podendo as pessoas candidatar-se a uma delas, escolhendo assim aquelas que mais se adequam, seja financeiramente seja em termos de localização, tipologia, etc. O processo de atribuição torna-se, igualmente, muito mais fácil e adequado ás reais necessidades da população.

Conclusão
A Habitação Social, sendo transitória e nunca uma casa para a vida, deverá ser planeada de modo a que dela pouco se veja. Isto faz-se através de uma Mistura Social assente num planeamento urbano adequado, onde vários tipos de ocupação se misturam.

Faz-se também através da utilização honesta de materiais, concepção e adequação de espaços, tendo sempre a noção que a habitação não se resume ao fogo.

A existência de apoios de várias ordens, nomeadamente, social, de serviços, de educação, etc. revela-se extremamente importante e um factor decisivo para a integração social.

A empresarialização dos modelos de gestão, assegurando patamares de eficácia e racionalidade, bem como de responsabilização é essencial.

A existência de um sistema estatal de apoio à Habitação centrado na família e não na instituição permite uma flexibilidade e uma mobilidade aos agregados, bem como um justo recebimento por parte das entidades gestoras.

Assim, a proposta que se julga pertinente neste momento é de transformação dos modelos de gestão da habitação, deixando de existir serviços, instituições e empresas de habitação social, passando a haver serviços, instituições e empresas de habitação. Onde as pessoas com necessidades sociais possam usufruir de uma habitação com apoio do Estado, apoio esse que reverte para a instituição.

Notas:
http://www.framtiden.goteborg.se/prod/framtiden/dalisengelska.nsf
(*) Assessor do Conselho de Administração da Gebalis – Gestão dos Bairros Municipais de Lisboa E.M.jcarvalhosa@gebalis.pt
Nota final: o artigo apresenta apenas a posição pessoal do autor sobre as matérias abordadas

1 comentário :

Anónimo disse...

No Brasil, existe o Programa Governamental(Fundos Públicos) Habitacional da Caixa Economica Federal, vide www.cef.gov.br que fornece milhares de residencias, a prestação mensal subsidiada de 0,5% do valor total do imóvel, e atende pessoas sem teto, com salários de 2 a 6 salários mínimos.
Talvez possa servir de subsídio à sua bem enfocada matéria.