terça-feira, outubro 04, 2005

44 - O habitar é técnica e poesia I - Infohabitar 44

 - Infohabitar 44

Porque o habitar também é e tem de ser poesia, além de técnica. E porque é na poesia e na ficção que encontramos pistas, exemplos e provas da importância do papel qualitativo e das emoções na qualidade do habitar numa cidade e num campo vivos e com perspectivas de futuro.

Junta-se de seguida um poema de António Ramos Rosa, retirado da colectânea Voz Inicial (1960).

Casa de sol onde os animais pensam

Erguida nos ares com raízes na terra
ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para se renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura

António Ramos Rosa (Voz Inicial, 1960)


Uma casa em Faro (2004)

Todos nós temos provavelmente memórias mais ou menos vivas de uma casa como esta, “ampla e pequena”, “casa de andorinhas e gatos nos sótãos”, “onde se dorme para se renascer” e “onde a liberdade ri segura”.

Esta é a outra dimensão da qualidade do habitar, uma qualidade que não se mede em metros, pois é tantas vezes dimensionalmente ambígua, casa que não é apenas dos homens, casa que é sítio de renascimento em cada dia e porto seguro e feliz.

Quem já sentiu tal qualidade, e quase todos já a sentimos com certeza, ainda que em sítios visitados ou em casa de amigos, sabe que, não sendo objectiva, esta qualidade é tão real como aquela que é mensurável e, em certos aspectos, é muito mais ampla e agradavelmente rica e misteriosa.

Lisboa, Encarnação, 4 de Outubro de 2005

António Baptista Coelho

1 comentário :

Anónimo disse...

"A grande cidade possui a sua própria metafísica e a sua particular poesia,
não é só prosa e tecnicismo"

Ledrut, Raymond - Sociologia urbana