- Infohabitar 47
O meu bairro é uma cidade dentro da cidade
- sobre o crescimento da cidade –
Artigo de Maria Celeste Ramos e António Baptista Coelho, com imagens de Maria João Eloy
Todas as cidades têm um "coração", núcleo criador e reparador da vida que irá nascer e desenvolver-se e que é a cidade em si mesma, que cresce como um ser vivo, desenvolvendo-se um processo urbano gerador de bairros, que têm de ser pequenas cidades dentro da cidade-mãe. Naturalmente, deseja-se, que esse crescimento seja saudável e que, assim, marque dignamente o novo tempo, marque também com a fundamental dignidade, os velhos tempos e harmonize as novas necessidades funcionais da cidade dentro de um corpo que mantenha e valorize valores de cidadania e de identidade.
Com o crescimento a cidade, tal como uma árvore, vai envelhecendo, mas também se vai renovando, transportando a seiva e desmultiplicando-se em bairros e ramos cada vez mais distantes do centro genético, que são por vezes, quase depreciativamente, denominados periféricos e que não possuem, frequentemente, o equipamento colectivo necessário e adequado ao viver de uma verdadeira cidade, plena de vidas e de actividades.
Mas a cidade, sendo, como deve ser, apropriada pelos habitantes que se deparam com esse jardim urbano de "pedras-ajustadas-umas-às-outras", é e tem de ser, dia-a-dia e em cada geração, acrescentada nas suas formas de a vivenciar, completada, animada e enriquecida, se quem a desenhou o fez de forma conveniente, dotando-a dos espaços e equipamentos para que se satisfaçam as necessidades fundamentais de ensino e de saúde, de cultura e de lazer, e religião, para além de comércio e pequenos serviços, "ao-pé-da-porta".
E tal como os habitantes vão aprofundando as suas histórias de vida, assim vai a cidade habitada, gradualmente, sedimentar-se e caracterizar-se nos seus bairros, que são verdadeiras pequenas e diversificadas cidades com memórias e linhas de vida distintas, mas integradas na cidade-mãe.
Com o crescimento a cidade, tal como uma árvore, vai envelhecendo, mas também se vai renovando, transportando a seiva e desmultiplicando-se em bairros e ramos cada vez mais distantes do centro genético, que são por vezes, quase depreciativamente, denominados periféricos e que não possuem, frequentemente, o equipamento colectivo necessário e adequado ao viver de uma verdadeira cidade, plena de vidas e de actividades.
Mas a cidade, sendo, como deve ser, apropriada pelos habitantes que se deparam com esse jardim urbano de "pedras-ajustadas-umas-às-outras", é e tem de ser, dia-a-dia e em cada geração, acrescentada nas suas formas de a vivenciar, completada, animada e enriquecida, se quem a desenhou o fez de forma conveniente, dotando-a dos espaços e equipamentos para que se satisfaçam as necessidades fundamentais de ensino e de saúde, de cultura e de lazer, e religião, para além de comércio e pequenos serviços, "ao-pé-da-porta".
E tal como os habitantes vão aprofundando as suas histórias de vida, assim vai a cidade habitada, gradualmente, sedimentar-se e caracterizar-se nos seus bairros, que são verdadeiras pequenas e diversificadas cidades com memórias e linhas de vida distintas, mas integradas na cidade-mãe.
A pequena cidade-bairro, que se quer equilibrada e feliz, foca-se num ecossistema humano que contém todos os grupos socioculturais e económicos, etários e mesmo raciais, contribuindo para a paz social e saudável interdependência como se fora um pequeno organismo auto-sustentável, dentro do organismo maior que é a grande cidade.
Mas a pequena cidade-bairro, que se quer equilibrada e feliz, não pode ceder à tentação de se "partidarizar" em “guetos” para pobres e “guetos” para ricos, numa atitude “planeada” de aparente protecção, que zonifica e divide, que serve prioritariamente a entidade abstracta da grande cidade, esquecendo, tantas vezes, que há que servir também a vida das pequenas cidades-bairros, tendendo-se, assim, para a gradual desintegração de um tecido duplamente físico e social, que deveria ser coeso e múltiplo e que retira dessa coesão, vitalidade e multiplicidade de pequenas cidades de vizinhança, o verdadeiro carácter e a verdadeira felicidade do viver da grande cidade.
Falou-se, até aqui, da cidade/árvore que cresce, para servir os seus humanos, naturalmente, não para servir uma qualquer função ligada ao seu próprio processo de crescimento. Falou-se da cidade dos bairros, bairros esses que têm de ser cenários coerentes das suas épocas de crescimento e cenários bem qualificados na sua arquitectura física e cívica. Mas esta cidade dos bairros cresce num sítio natural e sempre foi em sítios naturalmente privilegiados pelo clima, pelo relevo, pela riqueza do solo agrícola, pela proximidade das margens de superfícies de água e de florestas e, afinal, por tudo aquilo que leva ao desenvolvimento do homem cidadão.
Mas a pequena cidade-bairro, que se quer equilibrada e feliz, não pode ceder à tentação de se "partidarizar" em “guetos” para pobres e “guetos” para ricos, numa atitude “planeada” de aparente protecção, que zonifica e divide, que serve prioritariamente a entidade abstracta da grande cidade, esquecendo, tantas vezes, que há que servir também a vida das pequenas cidades-bairros, tendendo-se, assim, para a gradual desintegração de um tecido duplamente físico e social, que deveria ser coeso e múltiplo e que retira dessa coesão, vitalidade e multiplicidade de pequenas cidades de vizinhança, o verdadeiro carácter e a verdadeira felicidade do viver da grande cidade.
Falou-se, até aqui, da cidade/árvore que cresce, para servir os seus humanos, naturalmente, não para servir uma qualquer função ligada ao seu próprio processo de crescimento. Falou-se da cidade dos bairros, bairros esses que têm de ser cenários coerentes das suas épocas de crescimento e cenários bem qualificados na sua arquitectura física e cívica. Mas esta cidade dos bairros cresce num sítio natural e sempre foi em sítios naturalmente privilegiados pelo clima, pelo relevo, pela riqueza do solo agrícola, pela proximidade das margens de superfícies de água e de florestas e, afinal, por tudo aquilo que leva ao desenvolvimento do homem cidadão.
E se Lisboa e Porto, e as mais importantes cidades do litoral, colhem a sua razão de fundação na sua quase fusão com o rio e com o mar, e colinas defensivas, as do interior derivam da existência da montanha e do vale, que só por si determinam duas atitudes culturais específicas, ou as das grandes planuras, sendo que com "expressão" diferente oferecem igual qualidade de habitar, porque implantadas com inspiração na sua primeira força natural, a dimensão atlântica e montanhosa a norte que colhe a força da Meseta e dos Montes Cantábricos, e a dimensão mediterrânica no "plateau ibérico" determinando por fim três formas de diferença radical de viver, o litoral, a montanha e o vale, e três expressões culturais identitárias das paisagens e das gentes.
Os mais antigos e históricos bairros de Lisboa após as mais variadas tansformações são hoje o melhor exemplo do que se escreve, Alfama, Lapa ou Estrela, ou Campo de Ourique, ou Santo Amaro, aos quais se foi acrescentando o que faltava para responder à modernidade e nos quais se vai igualmente processando uma "migração interna" da população que procura que o bairro seja uma cidade dentro da cidade.
E aqui há que referir que, por um lado, o da cidade física, os casos mais positivos de sobrevivência de carácter e de vida de bairro estão associados aos conjuntos urbanos fisicamente mais coesos e urbanisticamente mais unificados, e que, por outro lado, o da cidade cívica, se assiste a uma defesa tendencial do viver nessas pequenas cidades-bairros; mas uma defesa que é muito, muito difícil quando o ataque quase só visa o lucro e não tem qualquer perspectiva de futuro em termos de cidade cultural, diversificada e viva.
As grandes metrópoles, quando perdem a qualidade de cidades feitas de bairros bem caracterizados vivos, são, elas próprias, o princípio do fim da cidade: a cidade que se desorganiza e perde escala humana, a cidade que se desagrega, física e funcionalmente, tornando-se autofágica, a cidade que, tal como uma árvore não cuidada, faz surgir ramos de subúrbios sem qualquer qualidade formal e urbana, que atingem dimensões incontroláveis, que geram, eles próprios enormes problemas e que foram e são responsáveis pelo devorar dos espaços do "campo" que davam sentido e qualidade à cidade, desfragmentando grandes unidades de paisagem de valor ecológico, cultural e patrimonial. E, além de tudo isto, tal como nessa árvore não cuidada, é este crescimento súbito e selvagem o principal responsável pelo crítico definhar do centro da cidade, que se despovoa, desvitaliza e pode até morrer.
Os mais antigos e históricos bairros de Lisboa após as mais variadas tansformações são hoje o melhor exemplo do que se escreve, Alfama, Lapa ou Estrela, ou Campo de Ourique, ou Santo Amaro, aos quais se foi acrescentando o que faltava para responder à modernidade e nos quais se vai igualmente processando uma "migração interna" da população que procura que o bairro seja uma cidade dentro da cidade.
E aqui há que referir que, por um lado, o da cidade física, os casos mais positivos de sobrevivência de carácter e de vida de bairro estão associados aos conjuntos urbanos fisicamente mais coesos e urbanisticamente mais unificados, e que, por outro lado, o da cidade cívica, se assiste a uma defesa tendencial do viver nessas pequenas cidades-bairros; mas uma defesa que é muito, muito difícil quando o ataque quase só visa o lucro e não tem qualquer perspectiva de futuro em termos de cidade cultural, diversificada e viva.
As grandes metrópoles, quando perdem a qualidade de cidades feitas de bairros bem caracterizados vivos, são, elas próprias, o princípio do fim da cidade: a cidade que se desorganiza e perde escala humana, a cidade que se desagrega, física e funcionalmente, tornando-se autofágica, a cidade que, tal como uma árvore não cuidada, faz surgir ramos de subúrbios sem qualquer qualidade formal e urbana, que atingem dimensões incontroláveis, que geram, eles próprios enormes problemas e que foram e são responsáveis pelo devorar dos espaços do "campo" que davam sentido e qualidade à cidade, desfragmentando grandes unidades de paisagem de valor ecológico, cultural e patrimonial. E, além de tudo isto, tal como nessa árvore não cuidada, é este crescimento súbito e selvagem o principal responsável pelo crítico definhar do centro da cidade, que se despovoa, desvitaliza e pode até morrer.
O caminho urgente tem de passar, obrigatória e simultaneamente, quer pelo ordenamento dessa grande cidade desfragmentadora da paisagem e do território – um ordenamento pautado por objectivos de qualidade de vida urbana, natural e cultural -, quer pela salvaguarda e pela revitalização dos bairros citadinos mais coesos e geradores de vida urbana na rua e na vizinhança, marcantes em imagens urbanas e em riqueza de actividades.
As nossas casas e as ruas onde moramos são manifestações culturais das paisagens da nossa cidade, mas também dos nossos mundos pessoais.
E nestes mundos pessoais cala fundo a importância do carácter, das vidas e das presenças dos nossos bairros, tornados há muito as nossas cidades tão diferentes, mas sendo sempre também a nossa cidade una; e lembremos como o grande filósofo Kant desenvolveu o pensamento que deu ao mundo, sem sair da sua rua - os homens fazem as casas e as ruas, mas as casas e as ruas fazem o Homem.
Nota final: com as imagens intercaladas pretende-se apenas ilustrar muito informalmente estas palavras; outras leituras ficarão para outros textos e oportunidades. Numa sequência temporal juntaram-se algumas fotografias de partes de três bairros de uma Lisboa que foi crescendo: Santo Amaro; Encarnação/Olivais-Norte; e Laranjeiras.
As nossas casas e as ruas onde moramos são manifestações culturais das paisagens da nossa cidade, mas também dos nossos mundos pessoais.
E nestes mundos pessoais cala fundo a importância do carácter, das vidas e das presenças dos nossos bairros, tornados há muito as nossas cidades tão diferentes, mas sendo sempre também a nossa cidade una; e lembremos como o grande filósofo Kant desenvolveu o pensamento que deu ao mundo, sem sair da sua rua - os homens fazem as casas e as ruas, mas as casas e as ruas fazem o Homem.
Nota final: com as imagens intercaladas pretende-se apenas ilustrar muito informalmente estas palavras; outras leituras ficarão para outros textos e oportunidades. Numa sequência temporal juntaram-se algumas fotografias de partes de três bairros de uma Lisboa que foi crescendo: Santo Amaro; Encarnação/Olivais-Norte; e Laranjeiras.
(feito a duas mãos com a ajuda de uma terceira, de 8 a 18 de Outubro de 2005)
Lisboa - Santo Amaro, Laranjeiras e Encarnação
Maria Celeste d'Oliveira Ramos, arquitecta paisagista (texto inicial)
Maria João Eloy, arquitecta (imagens e sugestões no texto)
António Baptista Coelho, arquitecto (texto e imagens)
1 comentário :
Ora nem mais...um blogue que faz(ia) falta no panorama do ambientalismo, ecossolidariedade e do Desenvolvimento Sutentável em Portugal.Parabens.
Um abraço a todos
Joao Soares
BioTerra
http://bioterra.blogspot.com
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