Ligação direta (clicar no link seguinte ou copiar para site de busca) para aceder à listagem interativa de 840 Artigos editados na Infohabitar – edição de janeiro de 2022 com links revistos em junho de 2022 (38 temas e mais de 100 autores):
As áreas de génese ilegal
– Infohabitar # 882
Artigo X da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série
editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo
Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através
de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada,
pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na
Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 882
Edição:
quarta-feira, 8 de novembro de 2023
Caros leitores da Infohabitar,
Com o presente artigo continuamos
a edição da série editorial dedicada à temática geral da “Segregação sócio-espacial
em contexto urbano”, através de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil; tal como tínhamos
planeado.
Informa-se que a matéria
editorial ligada ao estudo da habitação intergeracional participada fica agora
suspensa, numa fase de divulgação de bases editoriais e de referência, em
princípio, até ao início de 2024.
O presente conjunto de artigos
sobre “Segregação sócio-espacial em contexto
urbano”, que agora editamos, foi desenvolvido pelo Professor Anselmo Belém
Machado um dos mais assíduos articulistas da nossa Infohabitar, e que, assim, e com base na adaptação da sua tese de
doutoramento a uma sequência de artigos, nos irá acompanhar ao longo de algumas
semanas com a edição de mais um conjunto de artigos sequenciais relativos
à, hoje em dia, fundamental e sempre presente problemática da “Segregação sócio-espacial em contexto urbano”.
Saudamos, então, novamente, o
colega e amigo Anselmo Belém Machado, por mais esta excelente e substancial contribuição
editorial.
Recorda-se, como sempre, que
serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui
editados e propostas de novos artigos (a enviar, ao meu cuidado, para abc.infohabitar@gmail.com).
E desde já se refere que, em
breve, terão notícias sobre a realização de um novo Cogresso Internacional da
Habitação no Espaço Lusófono – CIHEL – que será já o nosso 5.º CIHEL; assim
como da reativação do GHabitar-APPQH.
Com as melhores saudações a todos
os caros leitores,
Lisboa, Encarnação, Olivais Norte,
em 8 de novembro de 2023
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
As áreas de génese ilegal
– Infohabitar # 882
Anselmo Belém Machado
Resumo curricular de Anselmo
Belém Machado
Doutor em geografia
Humana pela Universidade do Minho (Portugal). Com mestrado em Organização do
Espaço Rural no Mundo Subdesenvolvido, licenciado e bacharel em geografia na
Universidade Federal de Sergipe (Brasil).
O autor tem
experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas seguintes
Universidades: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professor associado no
Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
O autor tem as
seguintes áreas de interesse: Geografia Humana, Geografia Urbana e em Estudos
de Segregação Sócio Espacial (Portugal e Brasil).
Série Editorial sobre Segregação
Sócio-espacial em Contexto Urbano: Texto de apresentação
Face ao contexto actual de urbanização acelerada, são vários os desafios
que se colocam ao desenvolvimento das cidades contemporâneas, de entre os quais
aqueles que se relacionam com a urgência de novas políticas de gestão urbana,
capazes de promover um urbanismo inclusivo que contribua para o surgimento de
cidades socialmente mais coesas, integradas e justas. Assim, importa reforçar o
conhecimento existente em torno das dinâmicas urbanas de segregação sócio-
espacial. Este trabalho contribui para esta reflexão a partir de uma
investigação que se singulariza por uma abordagem comparativa desenvolvida a
dois níveis. Por um lado, trata-se de um estudo de geografia urbana que
privilegia a comparação entre duas cidades (Braga em Portugal e Aracaju no
Brasil), que embora se enquadrem em países diferentes e com culturas e
realidades sócio- econômicas específicas, enfrentam ambas processos de
segregação sócio-espacial no interior das suas malhas urbanas. Por outro lado,
trata-se de um estudo que confronta simultaneamente a análise de dinâmicas
espaciais distintas, quer a concentração de cidadãos de baixo nível sócio-
económico (segregação imposta), quer a realidade oposta onde a homogeneidade
sócio- económica de algumas bolsas territoriais se faz sentir pela presença
exclusiva de cidadãos de altos rendimentos (auto-segregação).
As áreas de génese ilegal
– Infohabitar # 882
Em certos contextos a questão da desigualdade é algo
estrutural e associada a uma pobreza extrema que inclusivamente promove a fome em
milhões de pessoas. Situação verdadeiramente alarmante, em relação à qual se
perspectiva uma tendência de continuidade ou até de agravamento. O Relatório Econômico
e Social da ONU de 2013 destaca que a situação de pobreza pode triplicar, se não
forem efetivadas medidas profundas e de alto investimento mundial imediatamente,
uma vez que o número de pessoas que vivem em condições miseráveis e em situação
de pobreza pode atingir a marca de 3 bilhões até 2050 (ONU, 2013). Este mesmo estudo
refere ainda que associada a esta situação de pobreza extrema há cerca de 1 bilhão
de pessoas morando em bairros que não têm infraestrutura mínima, que decorrem de
um planeamento urbano ineficaz no modo como orienta o uso, ocupação e transformação
do solo urbano.
Esta quantificação das pessoas que vivem abaixo
da linha de pobreza extrema, resulta de um limiar que é definido a partir do cálculo
do valor necessário para que se garanta um padrão mínimo de nutrição e de satisfação
de outras necessidades básicas.
“[…] o padrão de vida mínimo
deve ser avaliado pelo consumo, isto é, a despesa necessária para que se
adquira um padrão mínimo de nutrição e outras necessidades básicas e, ainda, uma
quantia que permita a participação da pessoa na vida cotidiana da sociedade. Assim,
trata-se de calcular um valor mínimo para cada país (ou região) e, em seguida, comparar
esse valor encontrado com a renda dos indivíduos. Aqueles que tiverem uma renda
inferior a esse valor poderão ser considerados pobres e, portanto, sem condições
de viver minimamente bem.” (UGÁ, 2004, p.58).
Outros estudos consideram no entanto que para medir
a pobreza mundial deve-se procurar usar outros indicadores que não apenas o rendimento.
Segundo o Informe sobre o Desenvolvimento Humano, publicado em 2014, o Índice de
Pobreza Humana (IPH) deve ser utilizado como parâmetro para medir a miséria da população
mundial.
“Tal como o desenvolvimento,
a pobreza é multidimensional - mas isto é habitualmente ignorado pelas medidas
principais da pobreza métrica. O Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), publicado
pela primeira vez no Relatório de 2010, complementa as medidas monetários da pobreza
através da sobreposição de privações sofridas pelas pessoas ao mesmo tempo” (ONU,
2010).
Este índice mede as dimensões mais básicas em que
se manifesta a privação, cruzando dados sobre a esperança média de vida, com os
níveis educacionais, com os recursos económicos para uma vida digna através da possibilidade
de acesso a bens e serviços públicos e privados. Segundo a avaliação destes
critérios observa-se que uma parte significativa da população mundial está inserida
uma situação de miséria e pobreza. Sendo que grande parte desta população se encontra
na África, Ásia, Oriente Médio e América Central. Segundo o PNUD, órgão
vinculado à Organização das Nações Unidas que é responsável por analisar o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos países, a evolução recente destes 3 critérios
demonstra apenas uma ligeira melhoria no acesso aos cuidados de saúde, sendo que
a desigualdade de renda vem aumentando em várias regiões do globo e as disparidades
na educação persistem (ONU, 2014).
Abordando estas análises acerca da fome e miséria
humana, é fundamental referir o estudo de Castro (2008), no qual se demonstra ser
possível eliminar a fome no mundo. No seu livro ‘Geopolítica da Fome’, o autor comprovou
que o problema da fome é político e não é verdade divulgar que existe a falta de
alimentos para a população mais pobre.
“Quanto à fome, foram
necessárias duas terríveis guerras mundiais e uma tremenda revolução social – a
revolução russa – nas quais pereceram dezassete milhões de criaturas, dos quais
doze milhões de fome, para que a civilização ocidental acordasse de seu cômodo sonho
e se apercebesse de que a fome é uma realidade demasiado gritante e extensa, para
ser tapada com uma peneira aos olhos do mundo (Castro, 2008, p.13).
Para este autor é incompreensível como as transformações
que ocorreram nas técnicas de produção, desde os séculos XVIII, foram capazes de
gerar tanto avanços para a humanidade e em múltiplos domínios, que fizeram inclusivamente
que se atingisse um novo estágio em que o planeta se tornou uma “aldeia global”
(McLuhan, citado em Lima, 2009), mas revelando-se pouco eficazes no combate à fome
e pobreza. Pois, todos esses avanços decorrentes de uma sucessão de revoluções
tecnológicas, em que a última está assente na informática e nas telecomunicações
(Gorender, 2004), não conseguiram erradicar a fome no mundo. É assim um absurdo
que ainda tantos milhões de seres humanos passem fome e morram por acção de uma
injustiça social que persiste e alcança três dimensões, que segundo Costa (2012)
são: a económica, a cultural e a política.
“No atual contexto de globalização,
a injustiça social manifesta-se, segundo Nancy Frazer (2008), em três vertentes
fundamentais: as injustiças económicas, as injustiças culturais e as injustiças
políticas...A teorização de Frazer assenta na conceção de que uma situação social
de justiça requer formas de organização da sociedade que permitam a todos participar
em paridade (como “pares”) na vida social. Combater as injustiças sociais
significa, assim, desmantelar obstáculos institucionalizados que impedem alguns
de concretizarem efetivamente, como parceiros a título pleno, essa participação
na interação social...Tais obstáculos podem consistir principalmente em desigualdades
económicas, ocasionando injustiças distributivas. Face a essas injustiças socioeconómicas
têm sido defendidas e desenvolvidas políticas de redistribuição. Boa parte dos movimentos
sindicais do último século e meio situam-se nesta vertente, tal como as políticas
do estado-providência ou estado social: impostos progressivos, legislação
laboral, segurança social, educação pública, serviços públicos de saúde.” (Costa,
2012, p.24).
Dentro desse raciocínio pode ser constatado que a
injustiça, não é só económica e política, mas também cultural, sendo que esta discriminação
ocorre tanto nos países pobres como nos países ricos. A sociedade atual exige que
as populações se adequem às novas informações, inovações e conhecimentos inerentes
ao mundo globalizado. Mas muitos países e seus governantes não fornecem condições
adequadas para que exista, efetivamente, um acesso à educação e ao conhecimento
por parte das suas populações. Existem assim milhões de analfabetos digitais a
nível mundial. Tempos modernos exigem comportamentos moderno e novos aprendizados,
a ponto de Gilberto Dimenstein criar esta nova categoria de analfabetos funcionais,
o "analfabeto digital". Hoje em dia na sociedade em rede, é fundamental
que todos tenham acesso a terminais de computadores e saibam operar com alguns sistemas
básicos que permitem, com grande velocidade e eficiência, digitar textos, fazer
cálculos, trabalhar com imagens e gráficos, elaborar planilhas de contas, etc. A
maior concentração deste grupo de analfabetos digitais está nos países ou regiões
mais pobres, com menores IDH do mundo. A injustiça cultural assim promovida vai
reforçar a exclusão social de milhões de habitantes no mundo, assim como corrobora
para o aprofundamento dos demais tipos de injustiças, também a espacial.
Mais do que aguardar pelos efeitos das revoluções
tecnológicas no combate à pobreza, é a consciencialização que só decisões políticas
e económicas e culturais voltadas para as populações mais carentes é que permitirão
erradicação da miséria crónica e do modo como esta se expressa na organização e
funcionamento do espaço urbano. Pois nos contextos territoriais em que esta
miséria é mais expressiva o planeamento urbano revela-se incapaz de garantir os
desejáveis níveis de bem-estar e conforto habitacional para uma parte significativa
das suas populações, a quem é imposto como única solução residencial a ocupação
de áreas de génese ilegal. Estes são bairros maioritariamente localizados nas periferias
e arredores das grandes e médias cidades (Silva et al., 2009). Sendo que se verifica
especialmente um aumento da habitação informal nas cidades do terceiro mundo, tema
abordado por Baltrusis (2000), que na sua pesquisa comprovou que em muitos desses
contextos se utilizam assentamentos irregulares como principal modo de residência
das populações de baixa renda ou sem renda. Essas ocupações são denominadas de subnormais
e receberam vários títulos a nível mundial, tais como: o Paquistão, elas são conhecidas
como Katchi Abadis; em Cuba como Focos Insalubres; na Índia como os Bustees; no
Peru como Barriadas; no México com o Colonias Populares; em Angola como musseques;
e no Brasil como Favelas. (Baltrusis, 2000; Silva et al., 2009).
A incapacidade do planeamento urbano em conter a
expansão destas áreas de géneses ilegal que reflectem directamente contextos de
segregação sócio-espacial, é um problema que está sobretudo presente (mas não apenas)
nas regiões localizadas no continente africano, assim como em determinadas
regiões da Ásia e da América Latina. Silva (2009) procurou desenvolver um exercício
de inventariação dos países onde existe a maior concentração de assentamentos humanos
informais do tipo dos bairros de génese ilegal. Segundo dados da ONU estima-se que
decorrente do modo como se tem processados os processos de urbanização, associados
a uma ineficácia do planeamento urbano e a graves problema de corrupção e de
gestão das finanças públicas, o número de favelados é de aproximadamente 1 bilhão
(UN-HABITAT, 2006).
São inúmeros as instituições que tentam minimizar
o número de favelados e melhorar as condições de infraestrutura urbana desses bairros.
Uma destas é a Aliança das Cidades, uma iniciativa conjunta entre ONU-HABITAT e
o Banco Mundial, que busca o melhoramento de assentamentos precários e promove políticas
e estratégias de desenvolvimento de moradia digna para estas populações. Mas
essas ações conjuntas, entre a ONU-HABITAT e o Banco Mundial, estão sendo realizadas
em um ritmo muito mais lento, se for comparado com o ritmo de crescimento destes
assentamentos humanos informais, visto que se perspectiva que 3 bilhões de pessoas
possam viver em favelas em 2050.
“O mundo terá 3 bilhões de
pessoas vivendo em favelas em 2050 caso não haja ideias para enfrentar a rápida
urbanização. Hoje, 1 bilhão de pessoas vivem em locais sem infraestrutura e serviços
básicos como saneamento, energia elétrica e saúde. (ONU/DESA, 2013)
As características destas ocupações irregulares,
chamadas de favelas ou bairro da lata, variam de país para país. Mas de forma geral
são habitações insalubres e feitas com restos de materiais de construção, como madeira,
plástico, zinco e/ou restos de latas velhas (daí o nome bairro da lata) e até parte
de sobras de tecidos. Mas também existem as favelas que são feitas de alvenaria,
tijolos e cobertas com telhas. A falta de planeamento urbano e de ordenamento da
ocupação humana do território é um fato existente em grande parte dos países onde
proliferam estes bairros, e quando existem são ineficientes no controlo destes processos
de expansão urbana. Este é um factor que aprofunda a segregação sócio-espacial que
estas populações enfrentam no seu dia-a- dia.
Sendo também importante referir que nos contextos
onde a única solução para o problema habitacional passa pela auto-construção, John
Turner (1963) através dos contactos que estabeleceu nos bairros de génese ilegal
do Perú (nas barriadas de Lima) alterou para o potencial destas práticas habitacionais
de raiz informal. Especialmente se o planeamento urbano não ignorar a sua
existência e evoluir no sentido dessa capacidade de realização popular poder beneficiar
de directrizes técnicas (através da acção do planeamento) capazes de garantir a
funcionalidade dessas parcelas urbanas, o que não é de modo algum a prática
generalizada.
Apesar destes assentamentos humanos serem muito
diferenciados de acordo com as especificidades próprias de cada região ou país,
de entre as características mais comuns está o facto de coincidirem com ocupações
em áreas de morros, com fortes declives, em áreas de mangues ou bem próximos a estes,
em terrenos baldios e próximos de lixeiras, ou nas periferias das cidades. Esta
realidade é certamente um reflexo das desigualdades sócio-económicas contemporâneas
mas resulta também em parte da ausência de um planeamento urbano eficaz, que consiga
ter uma atuação preventiva no surgimento destes bairros, ou capaz de orientar as
populações mais carentes para soluções habitacionais mais dignas e suportadas
pelas infra- estruturas urbanas consideradas essenciais. Ou no caso destas áreas
terem já surgido sem qualquer coordenação técnica, da incapacidade que o planeamento
tem revelado para a implementação de operações de regeneração urbana que
consigam promover novas soluções integradas que traduzam uma via para a inclusão
social dos seus residentes, actuando não apenas nas questão habitacional, mas também
educacional, saúde, emprego, qualificação profissional, entre outras dimensões essenciais
para a qualidade de vida. Existem algumas frentes de acção que procuram agir
nesse sentido, por exemplo ao abrigo do pograma das Nações Unidas para
assentamento humano ‘ONU-HABITAR’, que nos últimos anos têm apoiadas ações para
minimizar os problemas destas áreas urbanas de génese ilegal.
Apesar da existência dessas ações comandadas pela
ONU o número de moradores de favelas no mundo aumentou em quase 51 milhões de
pessoas, apenas na primeira década deste século. Constata-se assim que o
processo de segregação sócio espacial se intensifica por via da incapacidade de
impedir a ampliação destas áreas de génese ilegal, sobretudo nas periferias das
grandes cidades de países em via de desenvolvimento. Isto se comprova pela análise
de alguns exercícios cartográficos, como o de Davis (2006), no qual se identifica
a localização das maiores concentrações de população em assentamentos humanos
informais (Figura 2). Desde logo se observa que a localização das 30 maiores favelas/bairros
de lata do mundo não coincide com os países desenvolvidos ou com alguns países em
desenvolvimento, o que não significa que neles não existam, mas existindo agregam
quantitativos demográficos menos expressivos. Pode ser observado que as favelas
mais populosas estão localizadas na região da América Central, especialmente onde
existem problemas sérios na área económica, social, educacional e política. Apesar
de existirem muitas ações globais, comandadas pela ONU e Fundo das Nações Unidas
para o combate da pobreza mundial, este tipo de problemas continuam a
multiplicar-se preocupantemente nesta região do globo.
Segundo esta fonte os assentamentos humanos
informais concentram-se principalmente na América Central e do Sul, no continente
Africano e no sul e sudoeste da Ásia. Na cidade do México encontra-se o assentamento
humano informal mais populoso do mundo, onde se concentra uma população de
quatro milhões de pessoas. Esta aglomeração resulta da junção de três grandes
favelas e recebeu o nome de Neza-Chalco-Itza. Na América do Sul localizam-se duas
outra favelas de enormes dimensões, uma delas em Caracas (Venezuela) com uma população
de 2,2 milhões de pessoas e a outra em Bogotá (Colômbia) onde se encontra uma população
de 2 milhões de residentes. Observa-se assim alguma proximidade geográfica nas três
maiores favelas do mundo, revelando a falta de aposta na infraestrutura básica e
saneamento nestes países vizinhos. Todas elas resultam também de uma opção de política
urbana que na sua actuação não prioriza o investimento de maneira séria na infraestrutura
urbana e tão pouco nas condições de vidas de populações que habitam nas áreas periféricas
das grandes cidades.
Figura 1. Proporção da população urbana que reside
em assentamentos humanos informais, por país - Fonte: Dados do Relatório dos
Objectivos de Desenvolvimento do Milénio de 2009, Op. cit. Garcia, 2013, p.19.
Com quantitativos demográficos inferiores mas ainda
assim de grande magnitude (entre 1 e 1,5 milhões de habitantes) encontram-se outros
importantes assentamentos humanos informais na América do Sul, na África e no sul
e sudoeste da Ásia. Nomeadamente em Lima (Peru), Lagos (Nigéria), Bagdá (Iraque),
Gauteng (África do Sul), Gaza (Palestina), Karâchi (Paquistão), Le Cap (África do
Sul) e Dakar (Senegal). Abaixo do limiar de 1 milhão de habitantes destacam-se áreas
urbanas de génese ilegal em La Paz (América-Peru), Luanda (África-Angola),
Nairóbi (África- Quênia), Mumbai (Ásia-Índia) e Cairo (África-Egito), sendo que
nesta última cidade existem duas grandes favelas (Imbasa e Ezbet El-Haggana) cada
uma com 1 milhão de favelados.
Grande parte destas manifestações de segregação
sócio-espacial resultam de assentamentos irregulares que foram sendo permitidos
por planos diretores urbanos inadequados, que se revelaram incapazes de impedir
o surgimento de elevadas concentrações de pessoas vivendo em áreas sem condições
de garantir uma vida digna aos seus residentes, visto que nestas áreas não
existe coleta de lixo e quando existe não é adequada, assim como é ausente um sistema
de esgoto e drenagem de águas pluviais, os arruamentos são muitas vezes estreitos
e incapazes de garantir o socorro em caso de acidentes ou catástrofes.
As políticas urbanas e a gestão das cidades na América
Latina não têm conseguido reverter a situação de aumento de assentamentos informais.
Dentro desse contexto, Abramo (2007) alerta para “a produção e reprodução da cidade
popular informal” que tem-se ampliado na América Latina por mais de um século, e
que no Brasil segue um ritmo semelhante mais fortemente a partir da segunda metade
do século XX. A urbanização da América Latina, seguiu um modelo de crescimento e
ocupação acelerada, e ao mesmo tempo de exclusão de grande parte da população
pobre, simultaneamente favorecendo um bem-estar urbano restrito a poucos (Abramo,
2007). Assim, a construção e ampliação das cidades informais está relacionada de
maneira muito forte com “a configuração de estruturas de provisão de moradias e
de equipamentos e serviços urbanos truncados (Vetter e Massena, 1981) característicos
de um regime de acumulação fordista excludente (Coriat e Sabóia, 1989) ou periférico
(Lipietz, 1991) ” (Abramo, 2007, p.27).
A incapacidade dos governos urbanos de providenciarem
uma estrutura habitacional digna, que prevenisse o aumento populacional desregulado,
provocou sérios efeitos que se generalizaram em quase toda América Latina. Um deles
foi um incremento do ciclo de ocupação e sobretudo o seu aparecimento em alguns
países onde esse fenômeno não era muito presente (Uruguai, Paraguai). Esse ciclo
vicioso de ocupações irregulares, em países da América Latina e entre esses o Uruguai
e Paraguai, provocou a ampliação do mercado informal, do solo urbano nesse continente.
Como exemplo desse processo, pode ser citado os casos do México (sua capital) e
da cidade de Bogotá (Colômbia), que foram-se tornando duas cidades como
resultado de uma ‘urbanização pirata’ (Abramo, 2007).
As elites latino-americanas sempre impuseram empecilhos,
entre eles os institucionais, para a conquista da moradia, e o mais difícil, era
para quem recebesse abaixo de três salários mínimos. Como consequência as populações
sem renda e de baixíssima renda passaram a realizar ações irregulares na
ocupação de lotes e de ocupação dos terrenos localizados nas periferias, como
descrito por Rolnik (1999) e Maricato (2001) Op. Cit. Abramo (2007, p.28).
Assim, este autor considera que o crescimento do mercado informal na América-Latina
é uma das ações planejadas pelas políticas neoliberais, que seguiram as determinações
das elites conservadoras patriarcais que têm suas raízes no tipo de colonização
por exploração.
Na reflexão de Baltrusis (2000), os programas habitacionais
definidos para diminuir os que viviam nos assentamentos irregulares, foram manipulados
ao longo dos anos de maneiras diferentes, dependendo de cada país. Em diversos países
várias ações governamentais foram implementadas com políticas que não almejavam
resolver o problema diretamente, utilizando antes várias manobras com ações de urbanização
dessas áreas periféricas e também tentando regularizar a posse das moradias irregulares.
E nos casos em que se procurou promover o realojamento desses moradores, essas
operações urbanísticas não analisavam efetivamente a realidade das populações de
baixa renda e utilizavam espaços periféricos das cidades onde elas não se fixaram.
A aplicação dessa estratégia não conseguiu diminuir o ritmo da ocupação irregular,
que cresceu muito mais rápido do que a construção dos conjuntos habitacionais
regularizados. Decorrente desse processo e da falta de um planeamento urbano atualizado
e direcionado para a realidade dessas populações, o fenômeno da urbanização nas
periferias urbanas, continuou seguindo o mesmo ritmo, com invasões e ocupações irregulares,
ampliando mais ainda a população da cidade ilegal, em detrimento da cidade legal,
ou seja, multiplicando o número de favelas, não só no Brasil, mas em vários países,
sobretudo do Hemisfério Sul.
Notas:
Bibliografia geral (R a W)
Devido à natural extensão da bibliografía esta é,
novamente, apresentada em diversos “blocos” sequenciais.
(R a W)
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Nota: a base bibliográfica deste
conjunto de artigos, por ser muito extensa, é repartida em quatro partes,
sequencialmente editadas, ao longo dos diversos artigos que integram a série
editorial .
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos
de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos,
gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos
autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias
autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
As áreas de génese ilegal
– Infohabitar # 882
Artigo X da série
editorial da Infohabitar – “Segregação sócio-espacial em contexto urbano. Um estudo comparativo
entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”. A presente série
editorial integra uma sequência de capítulos da tese de doutorado de Anselmo
Belém Machado intitulada “Segregação sócio-espacial em contexto urbano, através
de um estudo comparativo entre Braga - Portugal e Aracaju-Brasil”, adaptada,
pelo respetivo autor, especificamente, para esta iniciativa editorial na
Infohabitar.
Infohabitar, Ano XIX,
n.º 882
Edição:
quarta-feira, 8 de novembro de 2023
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho, Investigador
Principal do LNEC
abc.infohabitar@gmail.com, abc@lnec.pt
A
Infohabitar é uma Revista do GHabitar Associação Portuguesa para a Promoção da
Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação atualmente com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) e
anteriormente com sede no Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do LNEC.
Apoio à
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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