Infohabitar, Ano XVII, n.º 762
Edição: terça-feira,
26 de janeiro de 2021
Caros
leitores da Infohabitar,
A viagem pelos espaços do habitar e designadamente
pelos espaços domésticos continua e continuará a ser feita na Infohabitar,
integrando a presente série editorial já com assinalável extensão na nossa
revista.
Avisam-se, no entanto, os leitores que a edição
desta série irá, provavelmente, ser interrompida durante algumas semanas, pois está,
atualmente, em fase final de preparação uma nova série editorial com sete
artigos muito focados nos aspetos mais desejáveis a desenvolver,
especificamente, na promoção de habitação de interesse social .
Lembra-se,
novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre
os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com
, ao meu cuidado).
Considerando a muito crítica evolução da pandemia,
sublinha-se, novamente, a vital importância do máximo confinamento e do
distanciamento social, conseguidos, designadamente, através do teletrabalho,
bem como do respeito por todas as medidas de higiene e proteção amplamente
divulgadas.
Não tenhamos dúvida de que boa parte do combate ao
vírus passa pelos nossos esforços sistemáticos, pessoais e familiares, que
terão de se enraizar nos nossos hábitos diários, mesmo quando temos já entre
nós as vacinas, mas quando simultaneamente a pandemia está numa fase muito
dura.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores e seus
familiares,
Lisboa, Encarnação, em 25 de janeiro de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Diversas opções para
os principais ambientes da habitação: propostas organizativas – Infohabitar #
762
António Baptista Coelho
(texto e imagem)
Resumo
No artigo
desenvolve-se uma reflexão sobre o interesse da exploração e do subsequente
aprofundamento de uma razoável variedade de propostas organizativas para as
zonas e subzonas da habitação, numa
perspetiva que encara criticamente uma, ainda preponderante, preocupação
essencialmente funcional, e que visa a melhor adequação a necessidades e
desejos habitacionais específicos num quadro de expressiva qualidade
arquitectónica e nunca esquecendo a aplicabilidade destas ideias a soluções de
habitação de interesse social, naturalmente condicionadas em termos de áreas e
de acabamentos.
Diversas opções para os principais ambientes da habitação: propostas organizativas – Infohabitar # 762
Introdução
Em seguida e na sequência do artigo
editado na passada semana desenvolvem-se, um pouco mais, as matérias associadas
a um leque de propostas organizativas para as zonas domésticas, sob o ponto de
vista de diversos autores especialistas nestas matérias, apontando-se, desde
já, a importância deste tipo de reflexões, designadamente, quando aplicadas a
soluções habitacionais espacialmente muito condicionadas, como é o caso das
soluções de habitação de interesse social.
1. Espaços
tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade e
funcionalidade geral
Harald
Deilmann distingue cinco tipos de espaços domésticos e, sequencialmente define
cinco zonas domésticas distintas (1):
· espaços
de socialização e comunicação;
· espaços
individuais;
· espaços
sanitários;
· espaços
de preparação de refeições;
· espaços
de circulação.
Fica, de
certa forma, a fragmentação funcional totalmente consumada; embora se sublinhe
a emerg ência de uma relativa “separação” entre espaços de “socialização e
comunicação” e espaços “individuais”, que podem não corresponder, objetiva e
respetivamente a salas-comuns e quartos de dormir.
2. Habitações
“divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos ou diurnos
Vamos agora à
“última fronteira” funcional a da barreira entre noite e dia, a bem
conhecida definição de “zona de quartos” e zona de entrada e recepção.
E nesta
matéria e na perspectiva de Claude Lamure, essa distinção “clássica” entre
espaços "de noite" e "de dia" terá perdido boa parte da sua
razão de ser, porque a falta de espaço obriga crianças e por vezes adultos a
passarem parte do dia nos seus quartos "de dormir"; e Lamure propõe
que talvez a distinção possa ter mais a ver com as diversas características de
privacidade e de convencionalidade no uso e no arranjo dos espaços, que marcam
zonas domésticas mais formais ou mais informais. (2)
Poderíamos
comentar que essa referida fata de espaço poderá, também, levar crianças,
jovens e adultos a usarem mais intensamente a sala-comum e a cozinha (se esta
for razoavelmente dimensionada).
E assim
ficamos com a velha questão de onde investir mais, espacialmente, nas zonas
mais comuns ou nas zonas mais privadas? Isto, evidentemente, quando há
consistentes limites de áreas domésticas.
3. Espaços mais
formais ou mais informais da habitação – ou domínios das crianças, domínios dos
adultos e domínios comuns
Ficamos,
então, agora com os conceitos de formalidade e informalidade, matérias que
pouco serão aplicáveis nas áreas limitadas da habitação de interesse social,
onde, provavelmente, não haveria espaço para a formalidade, mas, como ela
subsiste, então as pessoas acabam, por vezes, por se acumularem em partes da
habitação para poderem continuar a ser formais noutros espaços da mesma
habitação.
Alexander
defende que numa habitação para uma família com filhos devem existir dois
domínios próprios, especificamente, dos pais e dos filhos, relacionados entre
si através de um terceiro domínio, o domínio comum. (3)
. O
domínio dos pais implica isolamento visual e acústico, e, como as crianças
correm toda a casa, uma relação directa com uma casa de banho. (4)
. O
domínio das crianças deve considerá-las nos seus momentos de maior energia,
evitando-se, que os espaços dos adultos estejam no meio da confusão,
protegendo-se os quartos dos adultos e os locais de maior sossego ou com mais
fortes exigências de formalidade. (5)
Teremos aqui
os domínios das crianças, dos adultos e comum aos dois grupos; uma
exigência que parece obrigar a condições especiais de espaciosidade e/ou a uma
apurada estratégia de adaptabilidade/conversão espacial.
E nesta
matéria talvez que seja bem importante a consideração dos aspetos marcados por
condições espaciais, ambientais e de pormenor bastante ligadas às necessidades
diversificadas – ex., apoio ao crescimento amplo e à múltipla formação das
crianças e ao desenvolvimento de tarefas especializadas de jovens e adultos –,
gostos e formas de ação e interação mais associadas aos diversos níveis
etários; e atente-se que esta perspetiva pouco ou nada tem sido considerada na
conceçao habitacional, sendo que:
- parte dela pode ser deixada à capacidade de absorção funcional e formal pormenorizada dos variados subespaços domésticos, que depende de condições físicas e ambientais específicas (ex., paredes para encostar móveis e fixar quadros, condições de iluminação, etc.);
- enquanto outra parte depende de uma adequada capacidade organizativa, de acessibilidade e de adaptabilidade de toda a habitação.
Fig. 1: ... capacidade de
absorção funcional e formal pormenorizada dos variados subespaços domésticos,
que depende de condições físicas e ambientais específicas (ex., paredes para
encostar móveis e fixar quadros, condições de iluminação, etc.);
4. Habitação que se adapta à evolução etária e da composição da família e dos respetivos usos e desejos domésticos
Harald
Deilmann (6), que estudou um muito amplo leque de casos práticos, desenvolveu,
um pouco mais, esta perspectiva de uma organização doméstica associada a uma
evolução da idade da família e chegou às seguintes conclusões:
·
quando existam
crianças pequenas, a habitação deve caracterizar-se por um forte relacionamento
mútuo entre os seus diversos espaços;
·
quando existam
crianças e adolescentes, a habitação deve caracterizar-se por um equilíbrio
entre o referido relacionamento mútuo entre os diversos espaços e outros
espaços onde seja possível alguma privacidade e autonomia vivencial;
·
quando existam
adolescentes e jovens adultos, a habitação deve caracterizar-se por um
equilíbrio entre os referidos aspectos de relacionamento mútuo entre os
diversos espaços e de existência de outros espaços onde seja possível alguma
privacidade e autonomia vivencial e, ainda, outros espaços domésticos com
afirmada privacidade e autonomia; quando existam jovens adultos, a habitação
deve caracterizar-se pela existência de espaços com forte privacidade e
autonomia.
As notas
relativas às conclusões de Deilmann acabaram, mas é possível juntar que, quando
existam adultos talvez seja de favorecer para além dos espaços com forte
privacidade e autonomia, outros espaços com um amplo e adaptável leque de
aptidões funcionais e de forte caracterização formal; e quando existirem velhos
adultos então, talvez seja a altura de “voltar” a uma certa adaptabilidade e
indiferenciação.
Deste registo
dos estudos de Deilmann fica uma perspectiva de uma sequência evolutiva da
habitação acompanhando o envelhecimento da família, sequência esta que,
naturalmente, depende de estarmos em presença de uma habitação expressivamente
adaptável, designadamente, em termos dimensionais (referimo-nos a dimensões
particularizadas mais do que a áreas) e de versatilidade organizativa e de
acessibilidades.
5. Influência da
ocupação habitacional no dimensionamento doméstico
Segundo M.
Imbert, em habitações fortemente ocupadas e dimensionalmente limitadas não faz
sentido incentivar as crianças a permanecerem nos seus quartos, e o resultado é
que a sala-comum será por elas apropriada. (7)
As crianças
precisam de mais espaço doméstico do que os adultos para as suas diversas
actividades, devido à sua grande necessidade de movimento e à sua capacidade
limitada de concentração. Por estas razões as famílias com crianças precisam de
mais espaço, em geral e, nomeadamente, em vários espaços da casa (sala, quartos
ou quarto e casa de banho, para banho assistido).
Desta
reflexão de Imbert fica a noção que as maiores tipologias domésticas devem ter
áreas funcionais substancialmente acrescidas e que as áreas sociais da
habitação (cozinha e sala-comum) deverão oferecer alternativas para diversas
actividades de lazer e convívio.
Poderíamos
juntar a estas reflexões sobre a maior necessidade de espaço doméstico pelas
crianças uma idêntica reflexão sobre as necessidades espaciais e ambientais dos
mais idosos, que preferem espaços com algum desafogo e grande clareza de
configuração e de organização.
Portanto,
sobrando os adultos, talvez que estas condições de relativo desafogo se devam
aplicar, sempre que possível, de forma geral.
6. Importância da
socialização na estruturação e na espaciosidade domésticas
Finalmente,
regista-se a noção do Arq.º Prieur (8) no que se refere a considerar que a
principal actividade da família, toda junta, é a conversação por ocasião das
refeições, o que faria destacar a importância da localização e das
características de conforto e agradabilidade da zona de refeições. Sem se negar
a justeza do raciocínio importa comentar que, hoje em dia, talvez a par desta
espaço de refeições, que há que defender como pólo convivial doméstico, não é
possível deixar de referir a zona onde se vê televisão, igualmente, como pólo
de convívio da habitação.
Destas notas
retira-se que é fundamental que a organização e o espaço disponível na
habitação proporcione a evidenciada instalação de uma mesa de refeições
e de um espaço de estar, ambos com excelentes condições para estímulo do
convívio e do lazer em casa; se tais espaços não forem possíveis as pessoas
irão “fugir”, rapidamente, para os seus quartos ou para fora de casa.
7. Algumas notas
sobre os espaços domésticos de teletrabalho
Não se indo
desenvolver, aqui, esta matéria, que exige tratamento específico e pormenorizado,
importa fazer desde já algumas notas.
A primeira é
que qualquer tipo de trabalho realizado em ambiente doméstico deverá poder ser
considerado nos respetivos espaços mais privados, ainda que, eventualmente, com
um caráter relativamente informal.
Outra
consideração é que a reflexão sobre a introdução do teletrabalho “profissional”
e razoavelmente generalizado é relativamente revilucionária, pois anteriormente
e embora dele se tenha falado quando da “invenção” dos computadores pessoais e
da internet, tal possibilidade acabou por ser um pouco esquecida. E o que
sempre levámos em conta foram os seguintes tipos de trabalhos “não domésticos”:
trabalho de estudantes; passatempos; “restos” eventuais e pontuais de trabalho
profissional; e todos eles acabavam por ser possíveis com o tal caráter
informal em subespaços relativamente improvisados ou temporalmente convertidos
para o efeito.
Naturalmente
que para lá destas opções temos sempre que considerar o tradicional trabalho do
“profissional liberal” no seu gabinete/compartimento específico, desejavelmente
com alguma autonomia de localização/acessibilidade a partir da entrada no fogo;
o que já é condição complicada para as vulgares organizações domésticas.
Mas pondo de
lado a possibilidade de reservar um compartimento específico para o trabalho
profissional, que será sempre caso de exceção, o que o atual e global
desenvolvimento do teletrabalho profissional implica em termos domésticos é, no
mínimo, um acréscimo dimensional e espacial de determinados compartimentos e a
necessidade de tais espaços e ambientes poderem conviver nma base de
continuidade com os restantes espaços e ambientes da habitação; e o que dizer
quando são os dois elementos de um casal a estarem em teletrabalho
profissional!
Breves notas de
remate
Abordaram-se vários “temas” de
organização doméstica, mas há que ter a noção de que nesta(s) matéria(s) cada
bom projectista terá os seus “segredos”, no sentido de ir preferindo certas
soluções e experimentando outras, e em todas estas matérias tudo se ganha com o
estudo e a visita cuidadosa ao leque mais alargado possível de soluções.
Em outros artigos desta série editorial,
ao avançar pelos diversos espaços da habitação, iremos procurar aprofundar um
pouco dessa rica e importante/fundamentada diversidade que deve marcar uma
renovada e adaptável estruturação doméstica.
Notas:
(1) Harald
Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types,
Building-types", p. 39.
(2) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie
Familiale", p. 106.
(3) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 350.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 577 e 578.
(5) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 581 e 582.
(6) Harald
Deilmann; J. Kirschenmann; H. Pfeiffer, "The Dwelling / Dwelling-types,
Building-types", pp. 25 e 30.
(7) M.
Imbert, "Mission d'Études de la Ville Nouvelle du Vaudreil", p. 13.
(8) P. H.
Chombart de Lauwe, et al, "Famille et Habitation I, Sciences Humaines et
Conceptions de l'Habitation", pp. 175, 176 e 177.
O presente artigo corresponde a uma edição ampliada, modificada e
revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 27/07/2014, com o n.º 493.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
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(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade
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pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos
comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XVII, n.º 762
Diversas opções para os principais ambientes da habitação: propostas organizativas – Infohabitar # 762
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.
Revista
do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de
Cooperativas de Habitação Económica (FENAC
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