Infohabitar, Ano XVII, n.º 761
Edição:
terça-feira, 19 de janeiro de 2021
A viagem pelos espaços do habitar e designadamente
pelos espaços domésticos continua e continuará a ser feita na Infohabitar,
integrando uma série editorial já com assinalável extensão na nossa revista.
Avisam-se, no entanto, os leitores que a edição
desta série irá, provavelmente, ser interrompida durante algumas semanas, pois está,
atualmente, em preparação uma nova série editorial muito focada nos aspetos
mais desejáveis a desenvolver, especificamente, na promoção de habitação de
interesse social .
Lembra-se,
novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre
os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com
, ao meu cuidado).
Considerando a atual e muito crítica evolução da
pandemia, sublinha-se a vital importância do máximo confinamento e do
distanciamento social, conseguidos, designadamente, através do teletrabalho,
bem como do respeito por todas as medidas de higiene e proteção amplamente
divulgadas.
Não tenhamos dúvida de que boa parte do combate ao
vírus passa pelos nossos esforços sistemáticos, pessoais e familiares, que
terão de se enraizar nos nossos hábitos diários, mesmo quando temos já entre
nós as vacinas, mas quando simultaneamente a pandemia está numa fase muito dura.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores e seus
familiares,
Lisboa, Encarnação, em 18 de janeiro de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Sobre a oferta de
diversas propostas organizativas para as zonas domésticas – Infohabitar # 761
António Baptista Coelho
(texto e imagem)
Resumo
No artigo
desenvolve-se uma reflexão, de certa forma, introdutória sobre o interesse da
exploração e do subsequente aprofundamento de uma razoável variedade de
propostas organizativas para as zonas e subzonas da habitação, numa perspetiva que encara
criticamente uma, ainda preponderante, preocupação essencialmente funcional, e
que visa a melhor adequação a necessidades e desejos habitacionais específicos
num quadro de expressiva qualidade arquitectónica.
Sobre a oferta de diversas propostas organizativas para as zonas domésticas – Infohabitar # 761
1. Para lá das principais propostas domésticas organizativas
e funcionalistas
Provavelmente,
há alguns anos, esta temática, associada globalmente aos aspetos de organização
funcional doméstica, seria das mais importantes em termos de um apoio prático
ao desenvolvimento de melhores soluções habitacionais.
Tratava-se,
então, afinal, de um relativo culminar de toda uma tradição de uma aplicação
prática e afinada ao longo de decénios, de zonamentos funcionais ou funcionalistas,
zonamentos estes que, infelizmente, ajudaram a destruir bairros de cidades e a
uniformizar a globalidade dos “novos” espaços domésticos no sentido do serviço
a uma pessoa “média” e a uma família “média”; provavelmente a tal que deseja a
habitação do “Tipo 3” (com 3 quratos “de dormir”, o conhecido T3), mas que
acaba por se contentar com uma habitação do Tipo 2, incluindo uma pequena
cozinha, quartos dimensionados para “mobílias completas”, mas mínimas, e uma “sala-comum”
– teoricamente integrando funções de estar e de refeições formais – mas onde,
freqientemente, quase nem há espaço para encaixar um catálogo mínimo de
mobiliário, quanto mais para aceitar toda uma vida doméstica que aí se deveria
poder concentrar de uma forma, pelo menos, minimamente adequada a todos os
respetivos intervenientes.
A culpa não
foi apenas de quem promoveu estes espaços, mas também do encarar ,
frequentemente, a regulamentação mínima como regulamentação básica e corrente, e
de um frequente manejar de tais mínimos regulamentares espaciais e funcionais
por projetistas com reduzida capacidade para ultrapassar tais condições mínimas
através de excelentes projetos de Arquitetura habitacional.
2. Notas sobre a importância de uma “regulamentação”
essencial
Em primeiro
lugar há que justificar o apontar, no título deste item, de regulamentação
entre aspas, pois com esta designaçãoo pretende-se incluir não só a clássica
prática regulamentar, mas também práticas recomendativas e de projeto e
apreciação habitacional, privilegiando-se, aqui, naturalmente, a habitação de
interesse social, por ser a mais condicionada e obrigar à aplicação de
financiamentos públicos.
Nas áreas
habitacionais, tal como em muitas outras áreas temáticas, há, evidentemente, matérias
que têm de ser rigorosamente regulamentadas, destacando-se, evidentemente, os
aspetos ligados à segurança e nestes, sublinhando-se, os associados à segurança
no uso corrente da habitação, e tendo-se em conta, especificamente, o uso por
pessoas com diversos condicionamentos – etários, de mobilidade, de perceção, em
termos de hábitos socioculturais, etc.
E estes
aspetos de segurança no uso normal deverão abranger cuidados de segurança em
termos de saúde e bem-estar físico e psicológico; matérias estas de elevada
exigência, complexidade e diversidade temática – integrando, designadamente,
desde as conhecidas mas ainda pouco respeitadas exigências de múltiplo conforto
ambiental, às matérias vitais da qualidade do ar, da ausência de produtos
nocivos para a saúde, de redução de acidentes domésticos, e da vital ligação
com as exigências de sustentabilidade ambiental.
Mas as
preocupações regulamentares ainda atualmente mais praticadas são as
“simplesmente dimensionais”, ainda por cima mal associadas a áreas mínimas
consideradas como áreas a aplicar (tal como acima se referiu), pouco ou nada
articuladas com as essenciais dimensões mais versáteis em termos de
habitabilidade, que não são, evidentemente, as “mínimas regulamentares” e,
muitas vezes, criticamente associadas a organizações funcionais domésticas
rigidamente “monofuncionalistas”, criticamente hierarquizadas e, portanto,
muito pouco adaptáveis a diversas necessidades domésticas e muito menos a
diversos modos e desejo de habitar a casa de cada um e de cada agregado
familiar.
Acresce,
ainda, a esta situação a realidade de quanto menores as áreas disponíveis maior
a complexidade projetual, evidentemente, no sentido de se obter uma
adequadamente versátil solução doméstica; uma situação que deveria obrigar a
elevadas exigências na escolha dos projetistas de habitação de interesse
social, e que deveria passar por um exigente e amplo crivo de apreciação dos
respetivos projetos, numa análise muito mais elaborada e qualificada do que a
que é simplesmente baseada nos referidos critérios de áreas mínimas/razoáveis e
de mais alguns aspetos já constantes de alguns corpos recomendativos, como é o
caso das Recomendações Técnicas para Habitação Social (RTHS), que marcaram a
sua época e tiveram excelente influência na melhoria da qualidade da Habitação
de Interesse Social.
Parece haver,
portanto, aqui uma quádrupla frente de intervenção:
·
na melhoria
regulamentar do que é essencial, designadamente, em termos de ampla segurança
no uso corrente;
·
de melhoria
recomendativa em termos de um habitar mais versátil, mais adaptável e mais
apropriável;
·
de um privilegiar de
projetos com assinalável qualidade arquitectónica – incluindo variadas facetas,
entre as quais a da racionalidade construtiva e económica e a da adequada e
valorizadora integração local –, designadamente, quando estejam “em jogo”
fundos públicos e assinaláveis condicionalismos projetuais;
·
e do desenvolvimento
de uma melhorada capacidade de apreciação e validação da referida adequação e
qualidade arquitetónica residencial, designadamente, quando estejam “em jogo”
fundos públicos e assinaláveis condicionalismos projetuais.
3. Do funcional ao pessoal e familiar na habitação
O título
deste item também poderia ser: “há mais habitação para lá do espaço e da função!”,
sempre houve, designadamente, naquelas habitações onde dá realmente gosto
habitar
Se
considerarmos que os amplos aspetos de segurança e de adequação em termos de
versatilidade e adaptabilidade estão
garantidos, então parece que à matéria
da qualidade arquitectónica, nas suas variadas facetas, poderia/deveria ser
dada ampla liberdade criativa,
designadamente, numa sensível conformação dos espaços interiores habitacionais.
Afinal a
função tem de se harmonizar com a forma e vice-versa, mas a “forma” pode
inovar, pode variar e deve induzir interesse e atratividade, mas também
apropriação e afinidade; e por isso acima se referiu o desenvolvimento de uma
“sensível” conformação dos espaços interiores habitacionais; sensibilidade esta
que, evidentemente, depende da qualidade arquitectónica do respetivo projeto,
necessariamente validada pela sua respetiva apreciação (pois “de boas intençoes
...”)
Tudo isto tem
a ver com estarmos, agora, em pleno “mundo” privado, um mundo onde o que há a
regulamentar pode/deve estar “automaticamente” embebido na respetiva pormenorização
de divisórias, instalações, vãos, equipamentos e acabamentos,
proporcionando-se, para lá de todo esse pequeno/grande mundo do detalhe,
variadas espacialidades formais, diversas relações entre variados
espaços/ambientes e uma afirmada potencialidade evolutiva e/ou natural
versatilidade dos espaços e seus mútuos relacionamentos.
E, assim, a
ideia que se perfilha, aqui, no interior doméstico é a de um muito amplo leque
de soluções espaciais, funcionais e formais, verdadeiramente versáteis e
positivamente caraterizadoras de cada solução, para lá de todo um necessário
conjunto de soluções “embebidas”, ligadas a aspectos essenciais de
funcionalidade, acessibilidade, segurança, saúde e higiene, aspectos estes
muito concentrados em “zonas de água” (bancadas de cozinha, espaços de
tratamento de roupa e casas de banho) e nas zonas de relação entre diversos
ambientes (ex., interior/exterior, comum/privado, etc.).
Quanto aos
“velhos” aspectos de organização dita “funcional” da casa, tal como ainda são
considerados, designadamente, no “mercado habitacional”, como por exemplo as
“clássicas” “zonas íntimas” e outras zonas mais ou menos funcionais, julga-se
que a estruturação doméstica será tanto mais negativa, no que se refere à sua
assimilação por diversas famílias, quanto mais “hierarquizada”,
"rígida" e “em árvore” for a respectiva organização.
O resto, e o
resto que é quase tudo no espaço doméstico, deveria ser deixado a uma ampla
liberdade de concepção, embora tal liberdade seja, como sabemos, uma condição
gémea de uma muito apertada exigência de qualidade de Arquitectura.
Fig. 1: entre preocupações de funcionalidade, segurança, versatilidade,
apropriação e até alguma domesticidade se vão construindo os ambientes
habitacionais positivamente mais
marcantes.
4. Ideias de organização da habitação
Dito isto,
que será um tema geral orientador desta reflexão sobre habitações que possam
influenciar, realmente, uma vida doméstica mais feliz, apontam-se e
comentam-se, brevemente, em seguida, algumas ideias de organização da habitação
que podem informar as diversas soluções de organização domésticas, mesmo quando
consideradas apenas a título de quadros organizativos genéricos – e regista-se
que boa parte destas referências estão apontadas no meu estudo intitulado “Do
bairro e da vizinhança à habitação”, editado pelo LNEC (ITA 2), e foram
baseadas, frequentemente, nas opiniões de de um amplo leque de autores.
·
Espaços tipologicamente distintos em termos de socialização, privacidade
e funcionalidade geral.
Matéria que,
interessantemente ,conjuga aspetos que por vezes são considerados de forma
desagregada, provocando “organizações” domésticas muito discutíveis ou mesmo
muito negativas; de certa forma há que tê-los em conta, mas, subsequentemente,
reinterpretá-los, fundi-los, quase apagar (aparentemente) um ou outro, recriar
“novos” espaços a partir de elementos bem conhecidos, reinterpretar velhas
tipologias, etc., etc.
·
Habitações “divididas” pela barreira entre usos essencialmente noturnos
ou diurnos.
Matéria que parece
que não deve ser considerada “à letra”, em termos da referida “divisão”, mas
sim numa aproximação a estruturações domésticas que salvaguardem aspetos
essenciais de conforto e de privacidade, assim como alguma estimulante
diversidade de arranjos e de ambientes gerais, que são proporcionados –
contrariamente a quadros domésticos monótonos, repetitivos e sem capacidade de
atração e de apropriação.
·
Zonas mais formais e mais informais da habitação – ou domínios das
crianças, domínios dos adultos e domínios comuns.
Esta matéria
é muito ampla e proporciona inúmeros desenvolvimentos específicos e combinações
entre eles; a questão da boa aceitação
doméstica, em termos de estruturação e pormenorização, a modos de vida mais
formais ou mais informais poderá ser essencial quando se pretende dotar a habitação
de uma boa capacidade em termos de adaptabilidade e de apropriação.
·
Habitação que se vai adaptando à evolução etária e da composição da
família e dos respetivos usos e desejos domésticos.
Uma habitação
que se possa ir razoavelmente adaptando, em termos de processos mais passivos
ou mais ativos, à evolução etária e da composição da família e dos respetivos
usos e desejos domésticos, é uma qualidade essencial, seja na máxima valia de
cada habitação relativamente a diversos grupos de utentes e de agregados
familiares que a usem ao longo de gerações, seja na sua versatilidade de
resposta ao uso pela mesma família ao longo dos anos e designadamente por
pessoas que vão envelhecendo, mas que devem poder continuar a contar com a “sua”
habitação.
·
Influência da ocupação habitacional no dimensionamento doméstico.
As questões
ligadas à ocupação tendencial específica de um dado espaço doméstico, por
exemplo, por uma família com crianças, por um jovem sozinho, ou por um casal de
idosos, pode/deve influenciar a “tipologia” do respetivo dimensionamento (ex.,
maior ou menor espaciosidade) e, naturalmente, a sua estruturação e os seus
conteúdos funcionais.
·
Hierarquização espacial e funcional.
Embora a bem
conhecida hierarquização espacial e funcional seja criticável, designadamente,
quando aplicada de forma rígida e pouco sensível a aspetos de adaptabilidade e
multifuncionalidade domésticos, ela pode continuar a ter aspetos positivos
muito associados a exigências e desejos de privacidade e/ou sossego e mesmo
algum isolamento, pelo que será sempre uma ideia de organizaç\ão habitacional a
considerar e aplicar.
·
Microzonamento doméstico.
De certa
forma numa recuperação parcial, particularizada e muito diversificada da criticada
ideia de expressivo zonamento doméstico em diversas áreas de atividade, podemos
avançar no que se poderá designar de microzonamento doméstico, numa perspetiva
que passa para espaço/compartimento a possibilidade/capacidade de integrar
umconjunto de pequenas, diversificadas, interpenetráveis e temporalmente
mutantes “micro” áreas funcionais ou de atividade(s).
·
Importância da socialização na estruturação e na espaciosidade
domésticas.
Finalmente,
nesta pequena súmula de aspetos que influenciam as propostas organizativas para
as zonas domésticas, salienta-se a importância que sempre deverá ter o apoio ao
convívio/socialização na respetiva estruturação e espaciosidade domésticas; uma
matéria, frequentemente, esquecida ou criticamente menorizada por estarmos a
tratar do designado “espaço privado”.
Nota final:
Num próximo texto
serão um pouco mais desenvolvidas estas matérias, mas desde já se aponta a sua
importância, designadamente, quando aplicadas a soluções habitacionais
espacialmente muito condicionadas, como é o caso das soluções de habitação de
interesse social.
O presente artigo corresponde a uma edição ampliada, modificada e
revista do artigo que foi editado na Infohabitar, em 21/07/2014, com o n.º 492.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento
e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários,
sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XVII, n.º 761
Sobre a oferta de diversas
propostas organizativas para as zonas domésticas – Infohabitar # 761
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação
em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar –
Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE).
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