Infohabitar, Ano XIV, n.º 640
Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CXIII
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Lugares secretos, sítios-lareira e sítios-TV - - Pequenos sítios domésticos II – Infohabitar 640
Introdução sobre os pequenos sítios domésticos
(Nota prévia: por uma questão de autonomia de leitura a introdução será repetida nos vários artigos sobre esta temática dos pequenos sítios domésticos)
Para além dos habituais espaços domésticos globalmente associados a compartimentos mais de estar ou mais de circulação e/ou recepção e que bem conhecemos, uma boa habitação, que nos “diga” realmente algo, para além de, simplesmente, nos abrigar, deve integrar, de forma muito natural, diversos tipos de sítios domésticos, entre os quais se contam os “lugares janela”, já desenvolvidos, mas cuja variedade dependerá da capacidade de quem bem projecta e de quem bem habita esse espaço doméstico.
Mas não tenhamos quaisquer dúvidas de que essa capacidade de adequada e estimulante integração de múltiplos pequenos sítios domésticos, propícios a variadas conjugações de microfunções e microapropriações depende em boa parte de um adequado, pormenorizado e rico/imaginativo projecto de Arquitectura, que facilitará e até incentivará tais condições, enquanto, se não existir esse projecto bem qualificado, quando o mundo doméstico é “manejado” de forma “maquinal” e rigidamente “unificada”, os resultados no uso e apropriação da habitação tenderão a ser muito “áridos” e funcional e formalmente muito pobres.
De certa forma aquilo que se aplica/acontece ao nível urbano e relativo aos aspectos de localização/integração, que têm enorme importância na satisfação dos habitantes – resumindo-se, por vezes, na ideia de que o que interesse primeiro é o sítio, depois o sítio e ainda depois o sítio … - é algo que acontecerá, depois, ao nível do edifício, quando ele integra habitações com a riqueza da conjugação de variados sítios domésticos, e, depois, ao próprio nível doméstico, considerado, e bem, como a conjugação de variados e ricos pequenos sítios que nos servem, marcam e que apropriamos.
Em seguida iremos comentar diversos “pequenos sítios domésticos”, sem a ambição de os esgotarmos a todos, naturalmente; pois a sua diversidade está apenas dependente da sensibilidade e da imaginação de quem os projecta e de quem os habita – mas mesmo a este último nível é de grande importância o desenvolvimento da reflexão dos projectistas sobre estas matérias, reflexões estas que naturalmente, sendo feitas de forma clara/acessível, irão municiar/influenciar uma grande e adequada riqueza nessa apropriação pelos habitantes.
Lugares secretos e acessos domésticos alternativos
Designam-se, aqui, como "lugares
secretos", mas poderiam ser também referidos como aqueles lugares que nas
nossas casas não são, directamente, visíveis, e/ou estão sempre em reserva e
disponíveis para uma "retirada estratégica", e bem oportuna em termos
de podermos ter um período de descanso, de lazer ou de trabalho, em expressivas
condições de sossego “funcional” (concentração) e de estratégico afastamento
relativamente à entrada na habitação e à restante vida doméstica.
Importa referir que esta possibilidade tem apenas a
ver com o propiciar de alternativas de convívio e relativo isolamento funcional
na habitação, alternativas estas que, na prática, irão viabilizar esse mesmo
convívio “familiar” e o leque de actividades que são realizadas individualmente;
e cumulativamente tais condições propiciam também excelentes condições de
apropriação colectiva e individual da habitação, dos seus espaços principais e
dos seus “cantos” e “recantos” ou “lugares secretos”.
Pode-se, ainda, referir que há habitações avessas a
quaisquer "lugares secretos", situação que tem a ver, naturalmente,
com condições de exiguidade ou de abundância espacial, mas que não se fica por
aí, pois há espaços domésticos muito amplos e que se desenvolvem, praticamente,
como um único espaço sem regulação de privacidades e de potencialidades de
apropriação específica e bem localizada, e sem quaisquer jogos de visibilidade,
responsáveis pelo sentido lúdico e estimulante que caracteriza os ambientes
domésticos onde há sempre mais um pequeno espaço de forte apropriação e
estrategicamente reservado dos olhares de quem entra na habitação e mesmo de
quem entra no compartimento onde se integra o respectivo "lugar
secreto".
A utilidade dos "lugares secretos" nos
compartimentos pode ser muito grande desde que o espaço assim o permita e as
justificações (ambientais, funcionais, vistas, etc.) estejam claramente
evidenciadas; o caso limite é o compartimento ser, todo ele, ou em grande
parte, configurado como um "lugar secreto", situação que pode e deve
levar a formas específicas de acesso e da sua visualização (por exemplo, porta
do compartimento integrada e bem camuflada numa continuidade de portas de
roupeiro).
Pode, também, ser o próprio “mobiliário” a criar o
"lugar secreto", um pouco como sendo um outro compartimento dentro do
"compartimento-mãe".
E apenas a título de aprofundamento do tema e
segundo Alexander(1), um "lugar secreto" deve caracterizar-se por
ter, ou simular, paredes grossas e um tecto baixo; mas com todo o respeito pelo
autor, a quem se deve boa parte da ideia de base relativa a este “lugar
secreto”, poderemos aqui apontar que um “lugar secreto” poderá ser bem embebido
no miolo da habitação, pouco evidente aos estranhos, mas sendo configurado, por
exemplo, com um duplo pé-direito parcial (por exemplo, as galerias de acesso
aos livros de uma pequena biblioteca doméstica).
Salienta-se, ainda, que a estratégia de criação de
alguns "lugares secretos", em cada habitação, pode passar pela
disponibilização de acessos alternativos na circulação doméstica, uma
possibilidade que constitui uma forma de se proporcionar um "uso
secreto" da referida habitação, que assim se poderá ela própria assumir,
na sua totalidade, também como um grande "lugar secreto", pois só os
seus habitantes sabem dessa possibilidade alternativa de circulação, condição
esta muito estimulante no uso diário do espaço doméstico, e que será, muito
provavelmente, motivo de brincadeira para as crianças que usem essa habitação;
condição esta que, cada vez mais, parece ao autor ser igualmente condição para
a criação de uma habitação que nos motive e alegre na vida diária e ao longo
dos anos.
Sítios com lareiras ou fogões de sala
Os sítios com lareiras ou fogões de sala são locais
tradicionais de reunião, convívio, repouso, lazer e leitura, marcados por um
sentido focal em torno do fogo, que deve ser aproveitado na organização do
espaço do respectivo compartimento.
É também muito interessante o efeito gregário destes
sítios no que se refere à conjugação de diversas formas de sentar e ao acesso a
aparelhagens de som; e neste sentido importa ter cuidada atenção no que se
refere ao dimensionamento das respectivas zonas funcionais e “ambientais”,
designadamente, quando se deseja que a lareira ou o fogão tenham reais
objectivos de aquecimento para além dos objectivos de convívio, lazer e estar,
pois há uma zona contígua ao “fogo” que se torna pouco agradável quando há esse
objectivo funcional de aquecimento, que naturalmente se recomenda.
Outro aspecto a ter em conta, quando a lareira ou o
fogão tiverem os referidos objectivos funcionais em termos de aquecimento, refere-se
à relativa posição no respectivo compartimento e mesmo na habitação, sendo,
naturalmente, recomendadas as posições mais centrais e estratégicas.
Ainda outro aspecto funcional a considerar é a exigência
de espaço contíguo ou bem próximo para acumular um mínimo de lenha de abastecimento,
a respectiva acessibilidade para aprovisionamento de lenha a partir do
respectivo depósito e, finalmente, as condições de limpeza da lareira ou do fogão
e da sua zona contígua, que devem ser facilitadas e expressivamente apoiadas.
O tema da integração da lareira ou do fogão a lenha na
habitação é de tal forma “estrutural” nas reflexões sobre o habitar que, em
Portugal, chamamos “fogos” às habitações,
sendo, portanto, matéria que por si só impulsiona extensas e diversificadas
reflexões, que aqui não serão desenvolvidas; no entanto, há desde já que
registar o grande interesse que marca diversas associações domésticas funcionais,
ambientais e mesmo simbólicas, entre as quais e a título de exemplo se apontam
as combinações entre espaços domésticos de lareira ou fogão e: escadas;
pequenas bibliotecas; conjuntos variados de lugares de sentar, panos de
alvenaria de pedra e de tijolo maciço, lambris de madeira; etc.
Um “problema” a resolver é o da eventual relação
entre o "foco" da atenção na lareira/fogão e/ou na televisão, sempre
que não seja possível separar radicalmente estes dois "focos" em subzonas
domésticas distintas, ou então arrumar/esconder o "foco" televisão,
tornando-o visível apenas quando desejado.
Sítios-TV
Com a evolução da televisão doméstica para ecrãs
muito grandes (à escala do espaço doméstico) e potencialmente espectaculares em
termos da respectiva qualidade de imagem e som, a televisão torna-se realmente
"cinema em casa", e assim e tal como acima já se sugeriu, será
aconselhável que lhe seja dedicado, sempre que possível, um espaço com
condições específicas, designadamente, em termos de controlo da luz natural e
de reduzido impacto na vivência da restante habitação; para que ela possa ser
fruída plenamente e para que a vida doméstica possa decorrer agradável e
habitualmente sem a sua “concorrência”.
À medida que os ecrãs crescem em tamanho e impacto
visual, embora tornando-se mais fáceis de integrar numa sala, por exemplo,
pendurados de paredes e funcionando até eventualmente como janelas virtuais ou
quadros virtuais, torna-se mais importante que quem não queira assistir aos
respectivos programas e filmes, possa exercer esse seu direito, sem ter que se
enclausurar no seu quarto; de certa forma estamos a chegar à situação de termos
em casa um “cinema” e de haver, naturalmente, pessoas que não querem assistir
às respectivas “sessões” (e imagine-se a impossibilidade de estarmos no cinema
e não desejarmos ver cinema): teríamos assim de sair da sala onde está a TV, e
numa habitação pode não haver outro espaço disponível, imaginando-se, por
exemplo, uma cozinha e quartos mínimos;
e então se juntarmos a esta situação a necessidade/vontade de trabalhar em casa
a situação ainda se complica; e vai complicar-se, ainda, mais se o exterior
residencial não existir, em termos de proporcionar adequadas condições de vizinhança.
Naturalmente que os habitantes são livres de
instalarem grandes televisões em espaços que lhes sejam pouco adequados, mas o
projectista deve ter sempre em conta esta “nova” realidade, bem diferente dos relativamente
pequenos ecrãs que existiram até há pouco tempo.
Notas:
(1) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray
Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp.
815 e 816.
Lugares secretos, sítios-lareira e sítios-TV - - Pequenos sítios domésticos II – Infohabitar 640
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Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
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Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.
Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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