terça-feira, maio 08, 2018

640 - Lugares secretos, sítios-lareira e sítios-TV - Pequenos sítios domésticos II – Infohabitar 640

Infohabitar, Ano XIV, n.º 640

Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CXIII


por António Baptista Coelho (texto e imagens)

Lugares secretos, sítios-lareira e sítios-TV - - Pequenos sítios domésticos II – Infohabitar 640

Introdução sobre os pequenos sítios domésticos

(Nota prévia: por uma questão de autonomia de leitura a introdução será repetida nos vários artigos sobre esta temática dos pequenos sítios domésticos)
Para além dos habituais espaços domésticos globalmente associados a compartimentos mais de estar ou mais de circulação e/ou recepção e que bem conhecemos, uma boa habitação, que nos “diga” realmente algo, para além de, simplesmente, nos abrigar, deve integrar, de forma muito natural, diversos tipos de sítios domésticos, entre os quais se contam os “lugares janela”, já desenvolvidos, mas cuja variedade dependerá da capacidade de quem bem projecta e de quem bem habita esse espaço doméstico.
Mas não tenhamos quaisquer dúvidas de que essa capacidade de adequada e estimulante integração de múltiplos pequenos sítios domésticos, propícios a variadas conjugações de microfunções e microapropriações depende em boa parte de um adequado, pormenorizado e rico/imaginativo projecto de Arquitectura, que facilitará e até incentivará tais condições, enquanto, se não existir esse projecto bem qualificado, quando o mundo doméstico é “manejado” de forma “maquinal” e rigidamente “unificada”, os resultados no uso e apropriação da habitação tenderão a ser muito “áridos” e funcional e formalmente muito pobres.
De certa forma aquilo que se aplica/acontece ao nível urbano e relativo aos aspectos de localização/integração, que têm enorme importância na satisfação dos habitantes – resumindo-se, por vezes, na ideia de que o que interesse primeiro é o sítio, depois o sítio e ainda depois o sítio … -  é algo que acontecerá, depois, ao nível do edifício, quando ele integra habitações com a riqueza da conjugação de variados sítios domésticos, e, depois, ao próprio nível doméstico, considerado, e bem, como a conjugação de variados e ricos pequenos sítios que nos servem, marcam e que apropriamos.
Em seguida iremos comentar diversos “pequenos sítios domésticos”, sem a ambição de os esgotarmos a todos, naturalmente; pois a sua diversidade está apenas dependente da sensibilidade e da imaginação de quem os projecta e de quem os habita – mas mesmo a este último nível é de grande importância o desenvolvimento da reflexão dos projectistas sobre estas matérias, reflexões estas que naturalmente, sendo feitas de forma clara/acessível, irão municiar/influenciar uma grande e adequada riqueza nessa apropriação pelos habitantes.



Lugares secretos e acessos domésticos alternativos

Designam-se, aqui, como "lugares secretos", mas poderiam ser também referidos como aqueles lugares que nas nossas casas não são, directamente, visíveis, e/ou estão sempre em reserva e disponíveis para uma "retirada estratégica", e bem oportuna em termos de podermos ter um período de descanso, de lazer ou de trabalho, em expressivas condições de sossego “funcional” (concentração) e de estratégico afastamento relativamente à entrada na habitação e à restante vida doméstica.
Importa referir que esta possibilidade tem apenas a ver com o propiciar de alternativas de convívio e relativo isolamento funcional na habitação, alternativas estas que, na prática, irão viabilizar esse mesmo convívio “familiar” e o leque de actividades que são realizadas individualmente; e cumulativamente tais condições propiciam também excelentes condições de apropriação colectiva e individual da habitação, dos seus espaços principais e dos seus “cantos” e “recantos” ou “lugares secretos”.    
Pode-se, ainda, referir que há habitações avessas a quaisquer "lugares secretos", situação que tem a ver, naturalmente, com condições de exiguidade ou de abundância espacial, mas que não se fica por aí, pois há espaços domésticos muito amplos e que se desenvolvem, praticamente, como um único espaço sem regulação de privacidades e de potencialidades de apropriação específica e bem localizada, e sem quaisquer jogos de visibilidade, responsáveis pelo sentido lúdico e estimulante que caracteriza os ambientes domésticos onde há sempre mais um pequeno espaço de forte apropriação e estrategicamente reservado dos olhares de quem entra na habitação e mesmo de quem entra no compartimento onde se integra o respectivo "lugar secreto".
A utilidade dos "lugares secretos" nos compartimentos pode ser muito grande desde que o espaço assim o permita e as justificações (ambientais, funcionais, vistas, etc.) estejam claramente evidenciadas; o caso limite é o compartimento ser, todo ele, ou em grande parte, configurado como um "lugar secreto", situação que pode e deve levar a formas específicas de acesso e da sua visualização (por exemplo, porta do compartimento integrada e bem camuflada numa continuidade de portas de roupeiro).
Pode, também, ser o próprio “mobiliário” a criar o "lugar secreto", um pouco como sendo um outro compartimento dentro do "compartimento-mãe".
E apenas a título de aprofundamento do tema e segundo Alexander(1), um "lugar secreto" deve caracterizar-se por ter, ou simular, paredes grossas e um tecto baixo; mas com todo o respeito pelo autor, a quem se deve boa parte da ideia de base relativa a este “lugar secreto”, poderemos aqui apontar que um “lugar secreto” poderá ser bem embebido no miolo da habitação, pouco evidente aos estranhos, mas sendo configurado, por exemplo, com um duplo pé-direito parcial (por exemplo, as galerias de acesso aos livros de uma pequena biblioteca doméstica).
Salienta-se, ainda, que a estratégia de criação de alguns "lugares secretos", em cada habitação, pode passar pela disponibilização de acessos alternativos na circulação doméstica, uma possibilidade que constitui uma forma de se proporcionar um "uso secreto" da referida habitação, que assim se poderá ela própria assumir, na sua totalidade, também como um grande "lugar secreto", pois só os seus habitantes sabem dessa possibilidade alternativa de circulação, condição esta muito estimulante no uso diário do espaço doméstico, e que será, muito provavelmente, motivo de brincadeira para as crianças que usem essa habitação; condição esta que, cada vez mais, parece ao autor ser igualmente condição para a criação de uma habitação que nos motive e alegre na vida diária e ao longo dos anos.

Sítios com lareiras ou fogões de sala

Os sítios com lareiras ou fogões de sala são locais tradicionais de reunião, convívio, repouso, lazer e leitura, marcados por um sentido focal em torno do fogo, que deve ser aproveitado na organização do espaço do respectivo compartimento.
É também muito interessante o efeito gregário destes sítios no que se refere à conjugação de diversas formas de sentar e ao acesso a aparelhagens de som; e neste sentido importa ter cuidada atenção no que se refere ao dimensionamento das respectivas zonas funcionais e “ambientais”, designadamente, quando se deseja que a lareira ou o fogão tenham reais objectivos de aquecimento para além dos objectivos de convívio, lazer e estar, pois há uma zona contígua ao “fogo” que se torna pouco agradável quando há esse objectivo funcional de aquecimento, que naturalmente se recomenda.
Outro aspecto a ter em conta, quando a lareira ou o fogão tiverem os referidos objectivos funcionais em termos de aquecimento, refere-se à relativa posição no respectivo compartimento e mesmo na habitação, sendo, naturalmente, recomendadas as posições mais centrais e estratégicas.
Ainda outro aspecto funcional a considerar é a exigência de espaço contíguo ou bem próximo para acumular um mínimo de lenha de abastecimento, a respectiva acessibilidade para aprovisionamento de lenha a partir do respectivo depósito e, finalmente, as condições de limpeza da lareira ou do fogão e da sua zona contígua, que devem ser facilitadas e expressivamente apoiadas.
O tema da integração da lareira ou do fogão a lenha na habitação é de tal forma “estrutural” nas reflexões sobre o habitar que, em Portugal,  chamamos “fogos” às habitações, sendo, portanto, matéria que por si só impulsiona extensas e diversificadas reflexões, que aqui não serão desenvolvidas; no entanto, há desde já que registar o grande interesse que marca diversas associações domésticas funcionais, ambientais e mesmo simbólicas, entre as quais e a título de exemplo se apontam as combinações entre espaços domésticos de lareira ou fogão e: escadas; pequenas bibliotecas; conjuntos variados de lugares de sentar, panos de alvenaria de pedra e de tijolo maciço, lambris de madeira; etc.
Um “problema” a resolver é o da eventual relação entre o "foco" da atenção na lareira/fogão e/ou na televisão, sempre que não seja possível separar radicalmente estes dois "focos" em subzonas domésticas distintas, ou então arrumar/esconder o "foco" televisão, tornando-o visível apenas quando desejado. 

Sítios-TV

Com a evolução da televisão doméstica para ecrãs muito grandes (à escala do espaço doméstico) e potencialmente espectaculares em termos da respectiva qualidade de imagem e som, a televisão torna-se realmente "cinema em casa", e assim e tal como acima já se sugeriu, será aconselhável que lhe seja dedicado, sempre que possível, um espaço com condições específicas, designadamente, em termos de controlo da luz natural e de reduzido impacto na vivência da restante habitação; para que ela possa ser fruída plenamente e para que a vida doméstica possa decorrer agradável e habitualmente sem a sua “concorrência”.
À medida que os ecrãs crescem em tamanho e impacto visual, embora tornando-se mais fáceis de integrar numa sala, por exemplo, pendurados de paredes e funcionando até eventualmente como janelas virtuais ou quadros virtuais, torna-se mais importante que quem não queira assistir aos respectivos programas e filmes, possa exercer esse seu direito, sem ter que se enclausurar no seu quarto; de certa forma estamos a chegar à situação de termos em casa um “cinema” e de haver, naturalmente, pessoas que não querem assistir às respectivas “sessões” (e imagine-se a impossibilidade de estarmos no cinema e não desejarmos ver cinema): teríamos assim de sair da sala onde está a TV, e numa habitação pode não haver outro espaço disponível, imaginando-se, por exemplo, uma cozinha e quartos  mínimos; e então se juntarmos a esta situação a necessidade/vontade de trabalhar em casa a situação ainda se complica; e vai complicar-se, ainda, mais se o exterior residencial não existir, em termos de proporcionar adequadas condições de vizinhança.
Naturalmente que os habitantes são livres de instalarem grandes televisões em espaços que lhes sejam pouco adequados, mas o projectista deve ter sempre em conta esta “nova” realidade, bem diferente dos relativamente pequenos ecrãs que existiram até há pouco tempo.


Notas:
(1) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 815 e 816.
Lugares secretos, sítios-lareira e sítios-TV - - Pequenos sítios domésticos II – Infohabitar 640
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(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XIV, n.º 640

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Editor: António Baptista Coelho
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Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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