Infohabitar, Ano XIV, n.º 639
Artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CXII
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Introdução sobre os pequenos sítios domésticos
(Nota prévia: por uma questão de autonomia de
leitura a introdução será repetida nos vários artigos sobre esta temática dos
pequenos sítios domésticos)
Para
além dos habituais espaços domésticos globalmente associados a compartimentos
mais de estar ou mais de circulação e/ou recepção e que bem conhecemos, uma boa
habitação, que nos “diga” realmente algo, para além de, simplesmente, nos
abrigar, deve integrar, de forma muito natural, diversos tipos de sítios
domésticos, entre os quais se contam os “lugares janela”, já desenvolvidos, mas
cuja variedade dependerá da capacidade de quem bem projecta e de quem bem habita
esse espaço doméstico.
Mas
não tenhamos quaisquer dúvidas de que essa capacidade de adequada e estimulante
integração de múltiplos pequenos sítios domésticos, propícios a variadas
conjugações de microfunções e microapropriações depende em boa parte de um
adequado, pormenorizado e rico/imaginativo projecto de Arquitectura, que
facilitará e até incentivará tais condições, enquanto, se não existir esse
projecto bem qualificado, quando o mundo doméstico é “manejado” de forma “maquinal”
e rigidamente “unificada”, os resultados no uso e apropriação da habitação tenderão
a ser muito “áridos” e funcional e formalmente muito pobres.
De
certa forma aquilo que se aplica/acontece ao nível urbano e relativo aos
aspectos de localização/integração, que têm enorme importância na satisfação
dos habitantes – resumindo-se, por vezes,
na ideia de que o que interesse primeiro é o sítio, depois o sítio e ainda
depois o sítio … - é algo que
acontecerá, depois, ao nível do edifício, quando ele integra habitações com a
riqueza da conjugação de variados sítios domésticos, e, depois, ao próprio
nível doméstico, considerado, e bem, como a conjugação de variados e ricos
pequenos sítios que nos servem, marcam e que apropriamos.
Em
seguida iremos comentar diversos “pequenos sítios domésticos”, sem a ambição de
os esgotarmos a todos, naturalmente; pois a sua diversidade está apenas
dependente da sensibilidade e da imaginação de quem os projecta e de quem os
habita – mas mesmo a este último nível é de grande importância o desenvolvimento
da reflexão dos projectistas sobre estas matérias, reflexões estas que
naturalmente, sendo feitas de forma clara/acessível, irão municiar/influenciar uma
grande e adequada riqueza nessa apropriação pelos habitantes.
Lugares de sentar suplementares e agradáveis
Praticamente
tão importante como criar determinadas quantidades de espaço interior doméstico
é criar espaços que integrem naturalmente sítios onde, depois de se
introduzirem os elementos de mobiliário correntes se possam colocar lugares de
sentar suplementares e agradáveis, porque, por exemplo, perto de uma janela ou
de uma mesa, ou bem orientados relativamente à televisão.
A
suplementaridade destes lugares de sentar deve ser considerada em relação com o
programa funcional corrente numa dada habitação, pois considera-se que deve
haver uma disponibilização constante destes lugares de sentar e, inclusivamente,
um seu cuidadoso tratamento, que os torne aliciantes.
Uma
outra possibilidade bastante versátil é proporcionada por cadeiras dobráveis,
que sejam usadas apenas quando necessárias, mas para tal é importante haver
espaço para as arrumar de forma a que estejam sempre "à mão".
Lugares-mesa
Tal
como referiu o arquitecto Hermann Hertzberger, numa palestra no LNEC em Maio de
2010, na concepção arquitectónica interior é fundamental proporcionar os mais
diversos tipos de condições de integração de mesas dos mais diversos tipos.
Afinal, as mesas são parceiras essenciais na dinamização e apoio ao
desenvolvimento das mais diversas actividades, desde as refeições, às lides
domésticas, ao trabalho profissional, ao lazer e à leitura.
De
certa forma as mesas nunca serão de mais numa habitação, mas há que as integrar
de forma adequada e elas consomem realmente espaço, mesmo quando escamoteáveis.
E
os lugares-mesa obrigam naturalmente a cadeiras ou bancos de apoio, que
eventualmente se poderão recolher debaixo das respectivas mesas.
Os
conjuntos mesa/cadeiras escamoteáveis são, provavelmente, dos mais antigos
elementos de mobiliário criados no apoio a uma vida doméstica que era marcada
pelo nomadismo.
(Re)cantos "activos"
Por
(re)cantos activos pretende-se definir um conceito de subespaços domésticos, que se integram
noutros espaços ou compartimentos de maior dimensão, e cujas dimensões,
configuração e proximidades específicas, designadamente, a determinadas zonas
de actividades e a vãos de janela, lhes confere excelentes potencialidades para
o exercício de variados usos funcionais ou de lazer, produzindo-se, em
consequência, um evidente enriquecimentos do conjunto de actividades realizado
nesse espaço ou compartimento em que o (re)canto se integra.
Salienta-se
que estas condições não obrigam, nem a uma subdivisão do espaço principal, nem
à demarcação física do (re)canto, que deverá ser marcado, essencialmente, pelo
conjunto de elementos de mobiliário que o integram e por um determinado sentido
de "cenário" funcional e/ou ambiental mais adequado à sua
caracterização.
Assim se aplica,
naturalmente, o referido fazer “de cada casa ... uma porção de lugares",
objectivo que, aqui, será fazer de cada compartimento e espaço doméstico uma porção
de lugares, bem conjugados, mas individualmente caracterizados e sempre
carregados de sentido doméstico. E
não tenhamos dúvida de que uma habitação constituída por espaços, cada um
deles, integrados por uma "porção de lugares", será uma verdadeira
habitação/cidade, adequada a cada um dos elementos do agregado, mas também à
sua totalidade e às suas ampliações periódicas, com outros familiares e amigos.
A
existência de (re)cantos em espaços e compartimentos, pode ser adequadamente
fundamentada, nomeadamente, por critérios: funcionais (ex., desenvolvimento de
actividades de apoio a usos estruturantes, como é o caso da instalação de uma
pequena mesa de apoio a uma biblioteca) ; ambientais (ex., condições
específicas de ventilação, insolação e iluminação natural, extremamente
adequadas para determinados tipos de actividades); formais
(ex., poder integrar mobiliário de família ou antiguidades); e paisagísticos
(ex., proporcionar determinadas vistas, muito "dirigidas" e/ou
"enquadradas" sobre o exterior próximo ou longínquo).
A
adequada fundamentação, aqui considerada, para os (re)cantos domésticos, pode e
deve ser reforçada por acumulações/concentrações desses critérios, acumulações
estas que muito reforçam a imagem e o carácter de certos elementos/(re)cantos,
o exemplo disto é dado pelas "bay-windows" que são justificáveis
"à luz" de todos os tipos de critérios, que foram acima referidos.
Segundo
Alexander conseguem-se ambientes atraentes e espaços muito íntimos, quando se
faz variar a alturas do tecto, proporcionando-se arrumações sob zonas elevadas
e sobre zonas rebaixadas (ex., criação de recantos de estar com um tecto falso
bem rebaixado, aproveitando-se o desvão assim criado para arrumações e
prateleiras - a altura útil conseguida nesses desvãos, para um pé-direito
corrente, é de cerca de 0.60m - e previsão de zonas com pés-direitos muito
altos, onde seja possível desenvolver zonas em galeria).
E
não devemos esquecer que, tal como apontam Claire e Michel Duplay, o próprio
mobiliário, quando atingindo grandes dimensões, pode criar "nichos"
bem interessantes; uma possibilidade que é, actualmente, mais usada na
concepção de espaços para crianças. ...
Finalmente
sublinha-se que o emprego do termo (re)canto não significa que tais espaços tenham de ser desenvolvidos em zonas reentrantes dos compartimentos,
referindo-se, assim, esse termo a uma sub-zona dimensionalmente reduzida e que
não tem existência doméstica autonomizada do funcionamento do compartimento ou
espaço principal em que se integra.
Notas:
(1)
Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A
Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 770 a 772.
(2) Claire e Michel Duplay,
"Methode Ilustrée de Création Architecturale", p. 136.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XIV, n.º 639
Pequenos sítios domésticos I: dos lugares de sentar e mesa aos (re)cantos “activos” – Infohabitar 639
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
abc@lnec.pt
Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC.
Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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