Problemas,
apropriação e caraterização do exteriores privado – Infohabitar n.º 573
António Baptista Coelho
Artigo
XC da Série habitar e viver melhor
Problemas correntes no exterior privado
Os problemas mais correntes em espaços exteriores privados
ligam-se a aspectos de desconforto ambiental, insegurança no uso por crianças,
apropriação indevida desses espaços com marquises envidraçadas e criação de
problemas de falta de privacidade relativamente a vizinhos.
Sobre os aspectos de desconforto por negativa exposição solar
e reduzida protecção relativamente aos ventos dominantes já se falou acima.
Relativamente à insegurança no uso por crianças e tal como se
apontou no estudo do LNEC que tem sido citado, frequentemente (ITA 2), nunca é
demais chamar a atenção para o espaço livre mínimo que deve ser previsto nos
orifícios ou faixas livres nas guardas dos espaços exteriores privados e
elevados (varandas, "loggias" e terraços), para a altura do seus
parapeitos, para a inexistência de elementos horizontais nas guardas
(facilitando a subida) e para o perigo que representam as guardas opacas,
excitando a natural curiosidade das crianças; para não falar já do absurdo
obstáculo que constituem às vistas exteriores a partir de posições sentadas,
tanto nestes espaços como nos espaços interiores contíguos. E também nunca é
demais salientar que tais condições devem ser igualmente cumpridas em todos os
vãos exteriores e elevados das habitações.
Nestes aspectos associados ao conforto ambiental e à
segurança no uso Dreyfuss e Tribel referem que há que ter em conta que as
varandas/balcões (1): diminuem a iluminação natural dos
compartimentos contíguos, o que implica a previsão de amplos vãos envidraçados;
e podem provocar sensações de vertigem muito negativas, a compensar não só pela
altura dos parapeitos e pelo desenho das guardas, mas também por espessuras,
recuos e elementos intermédios (ex., floreiras largas). Portanto prever
baterias verticais de varandas/balcões implica um cuidado acrescido no desenho
dos compartimentos que lhes são contíguos.
É extremamente importante a questão das quedas de altura (ex., de crianças, idosos) devido ao deficiente desenho de guardas de varandas e outros espaços exteriores privados elevados, deve ser devidamente considerado, evitando-se, designadamente, guardas baixas e que as crianças possam usar estas guardas e outros elementos construídos (ex., foreiras) para subir (escalar), ou possam passar entre elementos das mesmas guardas; não faz qualquer sentido que o desenho destes elementos não seja devidamente considerado tendo em conta estes aspetos.
Fig. 01: é essencial que o exterior privado seja tão agradável como seguro, estimulando-se, assim um seu uso intenso e prolongado como verdadeira extensão do interior doméstico - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Kim Dalgaard, Tue Traerup Madsen.
Questões de apropriação e de uso do exterior privado
No que se refere à apropriação
indevida destes espaços com marquises envidraçadas, considera-se que ou esta
ocupação está devidamente programada e prevista em projecto, ou deve ter
“tolerância zero”, e há aliás regulamentação específica, pois não faz qualquer
sentido o verdadeiro assassínio que se faz de excelentes fachadas com o caos
inestético da intervenção livre de cada um nas suas varandas e outros espaços
exteriores privativos.
No que toca aos potenciais problemas de privacidade estes são, naturalmente, essenciais para o uso intenso do exterior privado, assim como a matéria associada à regulação e clarificação do seu uso, por exemplo para diversas atividades, como criação de animais e outras atividades com caráter mais rural.
Considera-se que há pormenorizações que tornam mais difíceis
tais encerramentos caóticos de varandas e balcões com marquises envidraçadas,
assim como há soluções que os facilitam e sublinha-se que com esta tomada de
posição não se está a negar o interesse das marquises envidraçadas, mas apenas
a sublinhar que elas devem ter uma previsão específica, seja através de uma
execução prévia, como elementos activos nos diversos espaços da habitação e,
por exemplo, com papel positivo no aproveitamento passivo da energia solar,
seja através de um projecto-tipo, obrigatoriamente respeitado por todos aqueles
que pretendam encerrar um dos balcões ou varandas do edifício, e sempre que o
efeito final de uma tal acção esteja devidamente acautelado.
Naturalmente que esta forma de actuar tem de ter aplicação em
todos os tipos de espaços exteriores privativos, não se limitando aqueles mais
evidentes a partir dos espaços públicos; tem de haver sempre projectos-tipo que
harmonizem as intervenções de ocupação parcial e de apropriação desses espaços
exteriores e tem de haver uma estratégia de contínua visibilidade mútua e de
vigilância “oficial” periódica mas activa capaz de garantir ordem e civismo na
ocupação destes espaços; e frequentemente a razão para não se desenvolverem
espaços deste tipo é que eles depois são anarquicamente ocupados, mas, também
frequentemente, pouco se faz para garantir ordenamento nessa ocupação.
Fig. 02: a "velha" e extremamente crítica questão da "marquisação" deveria ter respostas perfeitamente claras e "obrigatórias" de modo a salvaguardar-se a dignidade e a qualidade da imagem urbana dos edifícios, por exemplo, através de soluções perfeitamente definidas (pré-definidas) e bem harmonizadas com os respetivos projetos (realizadas pelos projetistas dos edifícios) - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of
Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em
2001 (ver nota final) - Arquitetura: Johan Nyrén.
Opções essenciais no exterior urbano privado
E ainda sobre esta matéria há que sublinhar que entre rodear
edifícios de verdadeiras “manchas de óleo” de espaços públicos quase
impermeáveis e desvitalizados – pois é impossível trabalhar para uma
vitalização global de uma tal quantidade de espaços públicos – e optar-se por
uma ocupação térrea significativamente marcada por quintais e pátios
privativos, que concentra o espaço público em continuidades muito mais
reduzidas, controláveis, equipáveis e vitalizáveis ( e portanto com um arranjo
e uma manutenção mais económicos) e que atribui às habitações do rés-do-chão
uma outra dimensão vivencial e de leque de actividades possíveis – desde a
horticultura e floricultura ao convívio com animais domésticos.
Esta escolha
parece lógica e há formas de controlar e harmonizar a intervenção apropriadora
dos habitantes, seja tapando parte da vista pública e privatizando,
agradavelmente, tais espaços de pátio ou quintal, seja obrigando à referida
disciplina dos projectos-tipo de quaisquer equipamentos e anexos a introduzir,
seja dinamizando o arranjo de tais espaços que tenham vista pública, por
exemplo, através da participação pública nesse arranjo, e mediante concursos
que dinamizem a estima privada e pública de cada rua, de cada praceta e de cada
quintal. E sublinha-se o interesse que todas estas medidas acrescentam ao
motivo principal desta série que é fazer uma habitação mais apropriável, mais
satisfatória e mais estimulante.
Fig. 03: os espaços exteriores privados não podem caracterizar-se por quaisquer características de “residualidade”, têm de ser verdadeiros elementos protagonistas do conjunto integrado dos respectivos espaços domésticos e das suas influências públicas, em termos de uma adequada e rica caraterização da imagem urbana local - exterior de habitações do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - Arquitetura: Henrik Haremst.
Caraterização do exterior urbano privado
Segundo Alexander, os terraços, pátios e jardins contíguos e
privativos dos pisos térreos habitacionais devem caracterizar-se sem
ambiguidades, por uma clara abertura ao exterior público ou por um forte
bloqueio da comunicação visual com esse exterior (2) (mas respeitando a comunicabilidade do interior privado sobre o
exterior).
Mas é perfeitamente possível associar uma tal abertura, em zonas
frontais, a um recato mais marcado em zonas de traseiras, uma variação que só
enriquecerá as respectivas imagens urbanas.
A permanência no exterior privativo pode ser motivada ou pode
ser desmotivada e tudo tem a ver com a localização, o dimensionamento e
pormenorização de cada espaço exterior privativo. Preverem-se espaços
exteriores privativos apenas porque “ficam bem” numa determinada fachada de um
dado edifício, não faz qualquer sentido, sendo, provavelmente, muito preferível
a opção por janelas de sacada ou mesmo por mínimas varandas de assomar,
soluções estas que irão permitir aquela liberdade “mínima” de se poder “sair”,
facilmente, do espaço privado doméstico, por exemplo, para fumar um cigarro ou
simplesmente para se apreciar o ar exterior, o que é sem dúvida importante como
liberdade fundamental no uso de um espaço doméstico.
Mas ao optar-se por se fazer um espaço exterior privativo
elevado ou térreo, então há que o projectar com um máximo de atenção e de
cuidado, considerando os aspectos que foram aqui apontados e tendo presente que
estes espaços não podem caracterizar-se por quaisquer características de
“residualidade”, têm de ser verdadeiros elementos protagonistas do conjunto
integrado dos respectivos espaços domésticos e das eventuais influências
públicas que estes espaços tenham; e acredite-se que havendo aspectos de
residualidade e de menor atenção a estes espaços o resultado será a sua
transformação em verdadeiros espaços residuais, mal usados e abandonados.
Notas
(1) D.
Dreyfuss; J. Tribel, "La Cellule-Logement", p. 29.
(2) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein;
et al, "A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 590 e 591.
·
Nota importante sobre as
imagens que ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e que irão,
também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas
pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional
"Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.
Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta
exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de
exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho
Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca
das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades
Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio
financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo
bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das
principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja possível, as
imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos
projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de
imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos
respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os
respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de
arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas
desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as
frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação
aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências
aos respetivos projetistas de arquitetura.
·
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o
mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XII, n.º 573
Artigo
XC da Série habitar e viver melhor
Problemas,
apropriação e caraterização do exteriores privado – Infohabitar n.º 573
Editor: António Baptista
Coelho
– abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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