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Infohabitar,
Ano XI, n.º 534
Arrumação domésticas: aspetos gerais
António Baptista Coelho
Artigo
LXXX da Série habitar e viver melhor
Continuamos, em seguida, a Série editorial sobre
"habitar e viver melhor",
na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de
proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar.
Estamos agora a abordar , com algum detalhe, os
espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos,
refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam; e desenvolvemos hoje uma reflexão sobre os espaços de arrumação
domésticos.
O relevo a dar à arrumação doméstica
Pequena introdução
sobre uma função cuja importância tem sido descurada
A arrumação doméstica é, provavelmente, a função cuja
importância tem sido menos evidenciada no conjunto das funções habitacionais, e
é aquela cujo evidente teor “funcional”, dimensional e quantitativo, sendo
muito claro e crítico, não pode fazer diminuir os respetivos aspetos
qualitativos e de opções residenciais ambientais e de vivência.
Uma habitação marcada por excelente e adaptável capacidade e arrumação
De certa forma é até possível considerar a própria
compartimentação doméstica como uma meta-arrumação, que numa situação-limite
poderá resumir-se a uma planta livre na qual se poderão distribuir,
diversificada e mutacionalmente, alguns elementos de mobiliário com carácter
extremamente móvel – lembrando, por exemplo, os velhos modos de viver medievais
– que garantam um mínimo necessário de arrumações (sendo a restante arrumação
garantida, por exemplo, de forma concentrada, em elementos/espaços
específicos), podendo ser a própria compartimentação assegurada por tabiques
móveis e também com evidente carácter mutacional e adaptável.
Lembramos, aqui estas possibilidades pois, como se entende,
elas marcam, profundamente, determinadas opções de estruturação doméstica, não
apenas tradicionais – o caso da habitação japonesa, por exemplo –, mas também
“inovadoras” e atuais; referimo-nos aquelas soluções de quase planta livre, com
instalações (elementos com águas e esgotos) bem concentradas e com soluções de
arrumação igualmente concentradas, e associadas a soluções de compartimentação
dinâmicas, porque potencialmente geradoras de diversos ambientes domésticos –
escondendo ou mostrando, por exemplo, diversos espaços funcionais.
Arrumação como base de funcionalidade geral
A arrumação doméstica constitui uma verdadeira retaguarda logística
da funcionalidade e do desafogo no interior privativo de uma habitação,
possibilitando que as outras atividades se desenvolvam com eficácia, satisfação
e “à vontade”, proporcionando, mesmo, margens ou reservas de “vivência”,
evidenciadas, por exemplo, quer em situações em que é possível encerrar,
facilmente, determinados espaços, que podem estar mais desarrumados ou que não
gostemos de revelar, quer em situações de ocupação provisória e eventual de
determinados espaços com camas ou outras pequenas zonas funcionais facilmente
escamoteáveis, quando é, por exemplo, necessário acolher um hóspede ou
disponibilizar mais uma pequena zona de trabalho ou de estar.
Fig. 01: Imagem de cozinha/sala de família com excelente capacidade de arrumação, de habitação do conjunto urbano "Bo01 City
of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö
em 2001 (ver nota final) - H 4, Arquitetura: Jan Christer Ahlbäck.
Arrumação e apropriação
E a arrumação doméstica tem uma fundamental dimensão de
apropriação, pois é pela capacidade de arrumar, dispor, evidenciar, tapar, e
criar associações de mobiliário e outros elementos de arquitetura de
interiores, que podemos apropriar a nossa casa, evidenciar a sua e a nossa
identidade e expressar a quem nos visita aquilo que mais desejamos comunicar na
forma como vivemos e, consequentemente, em muito daquilo em que acreditamos e
que nos motiva.
Várias "dimensões" da arrumação doméstica
As várias dimensões da arrumação doméstica ficam bem
evidentes na capacidade de uma dada sala poder acolher, com desafogo, e com
alternativas de disposição, elementos de mobiliário patrimonial que gostemos de
evidenciar e que, cumulativamente, ofereçam excelentes capacidades de
arrumação; e parece ficar, assim, bem evidenciada a falta de cuidado que muitos
projectos de habitação dedicam a esta matéria, obrigando, tantas vezes, a
soluções de mobiliário estereotipadas e, além disso, atravancadas (por exemplo,
com enormes sofás em espaços com dimensões acanhadas) e até funcionalmente
deficientes.
Finalmente, nesta abordagem a uma redescoberta importância da
arrumação, há que sublinhar alguns aspetos:
- A arrumação pode ultrapassar os aspetos específicos que a
ela estão habitualmente associados para abarcar a capacidade de proporcionar,
com eficácia, alterações radicais de ambientes domésticos – por exemplo
transformar um pequeno quarto em saleta, através da elevação ou rebatimento da
cama. Esta virtualidade da arrumação, em termos de conversão rápida e radical
de espaços domésticos, associa os aspectos referidos de arrumação geral e de
arrumação de mobiliário com aspectos de curiosidade, diversidade e surpresa no
recheio dos espaços domésticos, aspecto este que merece um desenvolvimento
específico.
- Aspectos de curiosidade, diversidade e surpresa no recheio
dos espaços domésticos: as passagens “embebidas” em grandes roupeiros, as
continuidades de portas de arrumações e de quartos, as paredes de arrumação, as
paredes-biblioteca, etc.
- A arrumação numa habitação pode ser altamente
diversificada, versátil, disseminada e com elevada capacidade global.
- A arrumação, as portas, rodapés, e outros aspetos de pormenorização interior podem/devem integrar
uma “solução” de arranjo/aspecto única, marcada pela sobriedade e diversidade
de relações de integração.
O arrumar do mobiliário e do resto
Em primeiro lugar, há que sublinhar que a ação de arrumar o
mobiliário se refere ao principal aspeto de apropriação da habitação pelos seus
habitantes, sendo que esta apropriação se centra, na prática, na, frequente,
apropriação do espaço doméstico pelo casal que habita, ou neste pelo elemento
do casal que assume preponderância nesta ação; e aponta-se este aspeto porque,
frequentemente, crianças, jovens e mesmo idosos têm os seus espaços mais
"pessoais" marcados pelo "mobilador" de serviço, um agente
que, até, em certos grupos sociais tem uma intervenção profissional específica,
ao nível da arquitetura de interiores, dita frequentemente "decoração",
e neste caso a maior ou menor adequação a necessidades e gostos específicos
fica a depender da respetiva qualidade profissional da intervenção, que no
entanto se pauta, com infeliz frequência, por um desenrolar de modismos e
"mestrias" pessoais, que pouco aou nada ligam a esses aspetos de
adequação.
Fig. 02: Sala-comum com boa capacidade de integração de mobiliário de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow",
desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota
final) - H 5, Arquitetura: Bengt Hidemark.
Vantagens de uma casa bem mobilável
Naturalmente que a existência de boas extensões de paredes bem
usáveis, de cima a baixo e sem grandes "zonas mortas" devido ao
funcionamento de portas e janelas, associada a um versátil e razoavelmente folgado
dimensionamento geral dos compartimentos e espaços de circulação, neste caso
com especial enfoque nas respetivas dimensões menores ("de largura"),
é uma condição básica para uma boa "mobilaridade".
"Mobilaridade" e adaptabilidade
E podemos ir um pouco
mais longe, considerando que se o "hábito faz o monge", então o
mobilar fará a natureza do compartimento, e assim habitações em que todas as
suas assoalhadas tenham dimensões folgadas e boa mobilaridade - o que não
implica serem "super-espaçosas" - são óptimas pois, cada um dos seus
espaços poderá tornar-se: quarto, sala, saleta, escritório, sala de jantar,
atelier, pequena galeria de arte, oficina, quarto de vestir, e, até quem sabe,
grande sala de banhos, etc., etc. Numa versatilidade que tudo tem a ver com o
desenvolvimento de casas apreciadas por muitos e onde muitos podem habitar,
marcar e alterar em termos de usos, ao longo de extensos períodos temporais, e
aqui há matérias associadas a conceitos de durabilidade do parque habitacional
e ligadas a aspectos essenciais de adaptabilidade doméstica e de "casa
para a vida" ou de "casa para muitas vidas".
E nestas matérias é
importante considerar que muito poderá depender de opções básicas entre as
quais se destacam aquelas em que se prefere ter um menor número de
compartimentos, favorecendo-se uma maior espaciosidade e mobilaridade dos
mesmos.
Importa considerar a
arrumação doméstica numa dupla e estruturante perspetiva: uma expressiva
capacidade de arrumação de diversos tipos e famílias de mobiliário que sejam os
mais habituais em cada tipo de compartimento (por exemplo quartos, salas,
etc.); e uma capacidade de arrumação dos inúmeros pequenos objetos e elementos,
dos tipos mais diversos, que estão ligados à nossa vida diária em casa.
O primeiro tipo de
capacidade de arrumação está “embebido” em cada compartimento e em cada espaço
doméstico e, basicamente, é apreciável pela quantidade de mobiliário que é
possível “arrumar” em cada espaço da nossa casa, mas naturalmente arrumado de
forma a que tenha um máximo de utilidade e a que proporcione espaço livre agradável
e desafogado à sua volta.
Esta capacidade deve
poder encontrar-se seja num corredor e num espaço de entrada, que se possam
mobilar, para serem mais úteis e também mais acolhedores e domesticamente
caracterizados, além de servirem como espaços de passagem, seja numa casa de
banho ou numa cozinha, que se possam mobilar, pelo menos minimamente, para
serem mais úteis e também mais acolhedoras, mais “domésticos”, seja num quarto,
para que este possa ser, assim, mais apropriado e individualizado, e naturalmente
mais útil, seja numa sala-comum, para que esta possa cumprir, realmente, a sua
função-base de integração de várias actividades domésticas, deixando espaço
livre para o bom uso das diversas zonas e não se resumir, como é infelizmente
frequente, a uma espécie de mostruário de peças de mobiliário entre as quais é,
até, muitas vezes, difícil passar.
A importância da capacidade de integração de mobiliário
É importante
sublinhar que a capacidade de arrumação de mobiliário oferecida por uma dada
habitação deveria ser um elemento considerado com tanto cuidado como o cuidado
investido, por exemplo, na boa iluminação natural doméstica, pois trata-se aqui
de disponibilizar a um dado agregado familiar a mais importante condição de
apropriação do seu espaço de vida diária, uma apropriação que tem ligações
directas com a fundamental adaptabilidade de cada habitação às necessidades,
modos de vida e sonhos de habitar de cada um de nós, mas que também se liga,
directamente, à capacidade de identificação e de marcação de cada casa em
relação com quem a habita, proporcionando-se, de certa forma, uma extensão da
identidade de cada um de nós e de cada grupo familiar ao seu espaço de habitar
privado, o que tem também uma enorme importância – e que faz sobressair, mais
uma vez, o tanto que no habitar está para além dos “simples” aspectos
funcionais.
References/Referências/notas
Nota importante sobre as imagens que
ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e
que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram
recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição
habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em
2001.
Aproveita-se para lembrar o grande
interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo
“organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que
integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a
Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das
Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01
teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase
do novo bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma
das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja
possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos
respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado
número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a
identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação
adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais
projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam
as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta,
quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em
relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de
referências aos respetivos projetistas de arquitetura.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada,
caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha
de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões
expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições
individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo
portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e
adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a
ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XI, n.º 534
Artigo
LXXX da Série habitar e viver melhor
Arrumação domésticas: aspetos gerais - Infohabitar n.º
534
Editor: António Baptista
Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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