domingo, abril 26, 2015

530 - Cozinha: aspetos motivadores e problemas a considerar - Infohabitar 530


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Últimas notícias: o 3.º CIHEL recebeu 118 propostas de artigos, estamos portanto todos de parabéns, designadamente os organizadores diretos.

Infohabitar, Ano XI, n.º 530

A cozinha: aspetos motivadores e problemas a considerar

Artigo LXXII da Série habitar e viver melhor

António Baptista Coelho



Continuamos, em seguida, a Série editorial sobre "habitar e viver melhor", na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar, e neste os seus espaços comuns. Estamos agora a abordar , com algum detalhe, os espaços que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os qualificam; e continuamos com alguns aspetos sobre o espaço de cozinha e sobre todo o seu potencial.

Cozinha: aspetos motivadores e a explorar


Tal como se apontou num estudo editado no LNEC em 1998, intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação” (ITA 2), entre as características mais desejáveis nas cozinhas tradicionais, ou nas zonas de cozinha, para preparação de refeições salientam-se as seguintes:

·        Estarem razoavelmente próximas das zonas de refeições.
·        Possibilitarem vistas sobre o exterior a partir das principais zonas de trabalho.
·        Apoiarem, o melhor possível, a sequência de: receção e armazenagem de produtos alimentares; preparação de cozinhados; transportes para as (e a partir das) zonas de refeições; lavagens e arrumações.
·        Facilitarem o uso funcional da "bancada" e dos armários de cozinha, bem como de todos os equipamentos e aparelhos eletrodomésticos de apoio e terem, preferencialmente, uma "bancada" de trabalho comprida e sem interrupções (em U ou em L).
·        Terem relação direta com a despensa ou os armários para arrumação de produtos alimentares.
·        Serem fáceis de limpar e duráveis, e não provocarem ruídos, fumos e cheiros desagradáveis no resto da casa e em espaços de circulação comuns e contíguos.
·        Terem equipamento adequado: lava-louças com escorredouro; bancadas de trabalho espaçosas, resistentes e laváveis; espaços preparados e equipados para o fogão, frigorífico e máquina de lavar louça; e sítio próprio para o esquentador. As cozinhas devem ter, ainda, espaços válidos para instalar equipamentos suplementares (por exemplo, arcas frigoríficas e pequenos fornos).
·        Integrarem uma zona de refeições correntes.
·        E serem equipadas com mobiliário fixo que associe facilidade de limpeza, durabilidade, atratividade e, especificamente, uma cuidada ergonomia, seja nas valências de arrumações diversificadas, seja nas valências de uso de planos de trabalho, equipamentos e instalações; ergonomia esta que deverá estar intimamente associada a condições maximizadas de conforto ambiental (designadamente no que se refere à iluminação natural e artificial e à ventilação) .


Fig. 01: Recanto de cozinha de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H7, Arquitetura: Lars Asklund, Asklund & Jansson Arkitekter.

Cozinha: problemas correntes

Pela sua “densidade” de equipamentos a cozinha é um dos principais protagonistas de um espaço doméstico, mas é importante ter-se bem presente, que ela existe para nos servir e para nos proporcionar uma vida diária, agradável, estimulante e convivial; e não para que nós a “adoremos” como se fosse um espaço quase de “culto”, recheado de gadgets e onde o homem é, praticamente, um intruso, que se movimenta, de certa forma, nas margens das máquinas domésticas.

E refere-se esta observação porque é frequente encontrarem-se cozinhas com um evidente excesso de funcionalidades e de “maquinalidade” e com um evidente deficit de humanização e de sentido gregário, e desde sempre as cozinhas foram o centro da casa, aqui ardia, em continuidade o fogo do lar e aqui se passava quase tudo o que se passava em casa; evidentemente o tempo foi passando, mas está na altura de se recuperar, plenamente, o capital de convivialidade e de atratividade das cozinhas como sítios da família, como sítios do centro da vida doméstica, sem discriminações de tarefas e de espaços, e até é útil esta possibilidade no sentido em que os restantes espaços da casa ficam mais disponíveis para os novos usos domésticos.

Tal como aponta Sven Thiberg (1), as deficiências mais comuns detetadas em cozinhas relacionam-se muito mais com a organização da sequência de trabalho e a disposição relativa de elementos de mobiliário e equipamento do que com a quantidade de espaço livre disponível. Os aspetos negativos frequentemente apontados são os seguintes: portas abrindo para dentro da cozinha, passagens livres muito estreitas, portas de frigoríficos abrindo na direção errada, colisões entre portas de acesso e de armários, colisão entre portas de acesso e fogões, fornos e bacias de lavagem e, finalmente, a falta de espaço livre em torno da mesa de cozinha são, todos, aspetos negativos frequentemente apontados.

Tal como refere o citado autor, chama-se aqui a atenção para um problema de projeto conhecido, mas pouco evidenciado, é que os bons projetos de Arquitetura cuidam do desenho das cozinhas e proporcionam espaços realmente satisfatórios e motivadores. Dá trabalho mas os resultados são extremamente significativos e, como em tudo, nem todos conseguem atingir um adequado nível de qualidade, designadamente, quando, como é o caso, se estão a integrar tantos elementos e com tantos objetivos vivenciais.

E em termos de problemas correntes nas cozinhas há que destacar dois, que por sinal são dois dos aspetos mais críticos no que se refere à, sempre estimulante, maior integração da cozinha num espaço doméstico do tipo “planta livre” – por exemplo numa espaçosas e convivial cozinha-sala de família e de estar que dê acesso a quartos: o problema dos cheiros e vapores originados nas ações de preparação de refeições, que poderá ser em boa parte ultrapassado através de uma cuidadosa solução da respetiva ventilação; e o problema dos ruídos produzidos, designadamente, por máquinas associadas, habitualmente, ao espaço de cozinha – caso das máquinas de lavar e mesmo dos equipamentos de ventilação –, que poderá ter solução seja pela escolha de modelos caracterizadamente silenciosos, seja pelo desenvolvimento de um pequeno compartimento, isolado, para instalação das máquinas, uma solução muito eficaz e que foi utilizada, em Portugal, em soluções de habitação de interesse social, ganhando-se, assim, a cozinha como um agradável espaço de convívio e para diversas atividades domésticas.


Fig. 02: Zona de cozinha aberta sobre sala de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 8-12, Arquitetura: Kim Dalgaard, Tue Traerup Madsen.

Cozinha: questões levantadas (dimensionais e outras)

A situação, cada vez mais frequente, de ambos os elementos do casal trabalharem fora de casa, o crescimento de hábitos de abastecimentos periódicos e em grandes quantidades e a disponibilização cada vez mais alargada de equipamentos para simplificação das tarefas culinárias obriga a cuidados extremos na sistematização funcional das zonas de preparação de refeições e no seu relacionamento com os respetivos espaços de arrumação; e tal como atrás se disse não é um dado adquirido que se façam bons projetos de cozinhas, antes pelo contrário, pois esta pormenorização, quando existe, é considerada, mais como uma oportunidade de vender elementos vistosos.

A cozinha, mesmo sendo um espaço convivial, tem de ser um espaço extremamente funcional no apoio á preparação de refeições.

Claude Lamure ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 177 e 178) considera os seguintes factores estruturantes da organização das cozinhas:

·       Os três postos principais, lava-louças, posto de preparação de alimentos e posto de fogão, são indissociáveis. Nenhum obstáculo deve interpor-se nos percursos entre eles, e, particularmente, nenhuma outra circulação deve interferir com a circulação entre esses três postos.
·         Dois elementos complementares, posto de instalação de frigorífico e posto de serviço ou "descarga", devem ser igualmente acessíveis a partir dos três postos principais.
·         Cada equipamento necessita de um plano de "descarga" contíguo.
·         A organização preferencial (para não canhotos) será constituída por uma sequência, da esquerda para a direita, incluindo lava-louças, preparação, fogão (porque se poderá usar a mão direita no fogão, enquanto que com a esquerda se usam diversos utensílios).
·         As arrumações devem estar adequadamente distribuídas por diversos sítios, de acordo com o princípio de se disponibilizarem os elementos necessários no seu primeiro ou no seu último sítio de utilização.
·         A máquina de lavar louça deve ser colocada perto de um armário para louça ou de uma mesa de refeições.
·         O balde do lixo, (ou o acesso à conduta de lixos) deve ser preferencialmente localizado num sítio bem ventilado, mas muito próximo da cozinha.
·         O acesso a um forno deve ser desimpedido numa profundidade mínima de 1.20m, medida a partir da abertura do forno.

Tal como refere Claude Lamure (2), as pessoas tomam, muito frequentemente, as refeições na cozinha, logo quando a área desta é superior a 9m² - o que até é uma dimensão bastante “económica”;  e continua-se a tomar aí refeições, quando a área desce para cerca de 6m². Mas quando as cozinhas são razoavelmente espaçosas, quando a sua área é superior a 11m², diz Lamure, que quase toda a gente toma as refeições exclusivamente aí e começam a surgir, de forma significativa, o recreio e o trabalho de crianças e mesmo o estar ocasional dos adultos. E é importante que as áreas das cozinhas cresçam na proporção em que aumente o número de quartos na habitação; condição esta que infelizmente não se verifica como regra, pois as cozinhas são habitualmente consideradas como tratando-se de uma espécie de grandes casas de banho, imutáveis, seja a casa pequena ou grande.

Mas a dimensão geral não é tudo, sendo essencial a existência de uma largura adequada, e segundo o Institut de Tecnologia de la Construcción de Catalunya (3) , o processo de composição da largura-tipo de uma cozinha deve considerar os seguintes elementos): largura de bancada, 0.60m; largura da circulação e espaço de actividade, 1.10m (1,20 noutros estudos); largura de mesa para refeições, de 0.90m a 1.10m. Teremos, assim, uma dimensão de referência entre 2,60 a 2,90m, bem diferente da da nossa dimensão mínima regulamentar. (4)

Ainda segundo Lamure, em cozinhas espaçosas, são preferíveis as disposições de bancada em L e em U, porque economizam deslocações e espaço de circulação, permitem movimentos mais cómodos (menos bruscos, com mudanças de direção mais suaves) e definem zonas livres de circulação e atravessamento; no caso das bancadas em L é de referir que estas se integram bem com uma mesa suplementar (multifuncional) (5).

As cozinhas em U são ótimas, seja em situações de grande disponibilidade espacial, seja em situações de extrema exiguidade (zona de cozinha ligada a sala, onde basta rodar sobre si próprio para chegar às diversas superfícies de bancada).

E ainda novamente segundo Claude Lamure a altura da bancada de cozinha poderá variar ligeiramente com as diversas funções a executar, ou, parecendo ser uma melhor solução, poderá ser previsto um plano de trabalho específico ou uma mesa de cozinha que permita a execução de certos trabalhos a partir da posição de sentado (6); condição esta que é, também, muito rica em termos de potencial de projeto e de criatividade, mais uma vez numa estratégica aliança entre função e forma.

References


Referências/notas

(1) Condiciones Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les Ordenances d'Edificació, p. 42.
(2) A dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.
(3) Condiciones Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les Ordenances d'Edificació, p. 42.
(4) A dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.
(5) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 180.
(6) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 183.

Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XI, n.º 530
Artigo LXXII da Série habitar e viver melhor

A cozinha: aspetos motivadores e problemas a considerar

Editor: António Baptista Coelho 
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GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.



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