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Infohabitar,
Ano XI, n.º 530
A cozinha: aspetos motivadores e problemas a considerar
Artigo LXXII da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Continuamos, em seguida, a Série editorial sobre
"habitar e viver melhor",
na qual temos acompanhado uma sequência espacial desde a vizinhança de
proximidade urbana e habitacional até ao edifício multifamiliar, e neste os
seus espaços comuns. Estamos agora a abordar , com algum detalhe, os espaços
que constituem os nossos “pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo
sobre as diversas facetas que os qualificam; e continuamos com alguns aspetos sobre o espaço de cozinha e sobre todo
o seu potencial.
Cozinha: aspetos motivadores e a explorar
Tal como se apontou num estudo
editado no LNEC em 1998, intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação”
(ITA 2), entre as características mais desejáveis nas cozinhas tradicionais, ou
nas zonas de cozinha, para preparação de refeições salientam-se as seguintes:
·
Estarem razoavelmente próximas das zonas de
refeições.
·
Possibilitarem vistas sobre o exterior a partir
das principais zonas de trabalho.
·
Apoiarem, o melhor possível, a sequência de: receção
e armazenagem de produtos alimentares; preparação de cozinhados; transportes
para as (e a partir das) zonas de refeições; lavagens e arrumações.
·
Facilitarem o uso funcional da "bancada"
e dos armários de cozinha, bem como de todos os equipamentos e aparelhos eletrodomésticos
de apoio e terem, preferencialmente, uma "bancada" de trabalho
comprida e sem interrupções (em U ou em L).
·
Terem relação direta com a despensa ou os armários
para arrumação de produtos alimentares.
·
Serem fáceis de limpar e duráveis, e não
provocarem ruídos, fumos e cheiros desagradáveis no resto da casa e em espaços
de circulação comuns e contíguos.
·
Terem equipamento adequado: lava-louças com
escorredouro; bancadas de trabalho espaçosas, resistentes e laváveis; espaços
preparados e equipados para o fogão, frigorífico e máquina de lavar louça; e
sítio próprio para o esquentador. As cozinhas devem ter, ainda, espaços válidos
para instalar equipamentos suplementares (por exemplo, arcas frigoríficas e pequenos
fornos).
·
Integrarem uma zona de refeições correntes.
·
E serem equipadas com mobiliário fixo que associe
facilidade de limpeza, durabilidade, atratividade e, especificamente, uma
cuidada ergonomia, seja nas valências de arrumações diversificadas, seja nas
valências de uso de planos de trabalho, equipamentos e instalações; ergonomia
esta que deverá estar intimamente associada a condições maximizadas de conforto
ambiental (designadamente no que se refere à iluminação natural e artificial e
à ventilação) .
Fig. 01: Recanto de cozinha de habitação do conjunto
urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da
exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H7, Arquitetura: Lars
Asklund, Asklund & Jansson Arkitekter.
Cozinha: problemas correntes
Pela sua “densidade” de
equipamentos a cozinha é um dos principais protagonistas de um espaço
doméstico, mas é importante ter-se bem presente, que ela existe para nos servir
e para nos proporcionar uma vida diária, agradável, estimulante e convivial; e
não para que nós a “adoremos” como se fosse um espaço quase de “culto”,
recheado de gadgets e onde o homem é, praticamente, um intruso, que se
movimenta, de certa forma, nas margens das máquinas domésticas.
E refere-se esta observação
porque é frequente encontrarem-se cozinhas com um evidente excesso de
funcionalidades e de “maquinalidade” e com um evidente deficit de humanização e
de sentido gregário, e desde sempre as cozinhas foram o centro da casa, aqui
ardia, em continuidade o fogo do lar e aqui se passava quase tudo o que se
passava em casa; evidentemente o tempo foi passando, mas está na altura de se
recuperar, plenamente, o capital de convivialidade e de atratividade das
cozinhas como sítios da família, como sítios do centro da vida doméstica, sem
discriminações de tarefas e de espaços, e até é útil esta possibilidade no
sentido em que os restantes espaços da casa ficam mais disponíveis para os
novos usos domésticos.
Tal como aponta Sven Thiberg
(1), as deficiências mais comuns detetadas em cozinhas relacionam-se muito mais
com a organização da sequência de trabalho e a disposição relativa de elementos
de mobiliário e equipamento do que com a quantidade de espaço livre disponível.
Os aspetos negativos frequentemente apontados são os seguintes: portas abrindo
para dentro da cozinha, passagens livres muito estreitas, portas de
frigoríficos abrindo na direção errada, colisões entre portas de acesso e de
armários, colisão entre portas de acesso e fogões, fornos e bacias de lavagem
e, finalmente, a falta de espaço livre em torno da mesa de cozinha são, todos, aspetos
negativos frequentemente apontados.
Tal como refere o citado
autor, chama-se aqui a atenção para um problema de projeto conhecido, mas pouco
evidenciado, é que os bons projetos de Arquitetura cuidam do desenho das
cozinhas e proporcionam espaços realmente satisfatórios e motivadores. Dá
trabalho mas os resultados são extremamente significativos e, como em tudo, nem
todos conseguem atingir um adequado nível de qualidade, designadamente, quando,
como é o caso, se estão a integrar tantos elementos e com tantos objetivos
vivenciais.
E em termos de problemas
correntes nas cozinhas há que destacar dois, que por sinal são dois dos aspetos
mais críticos no que se refere à, sempre estimulante, maior integração da
cozinha num espaço doméstico do tipo “planta livre” – por exemplo numa
espaçosas e convivial cozinha-sala de família e de estar que dê acesso a
quartos: o problema dos cheiros e vapores originados nas ações de preparação de
refeições, que poderá ser em boa parte ultrapassado através de uma cuidadosa
solução da respetiva ventilação; e o problema dos ruídos produzidos,
designadamente, por máquinas associadas, habitualmente, ao espaço de cozinha –
caso das máquinas de lavar e mesmo dos equipamentos de ventilação –, que poderá
ter solução seja pela escolha de modelos caracterizadamente silenciosos, seja
pelo desenvolvimento de um pequeno compartimento, isolado, para instalação das
máquinas, uma solução muito eficaz e que foi utilizada, em Portugal, em
soluções de habitação de interesse social, ganhando-se, assim, a cozinha como
um agradável espaço de convívio e para diversas atividades domésticas.
Fig. 02: Zona de cozinha aberta sobre sala de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 8-12, Arquitetura: Kim Dalgaard, Tue Traerup Madsen.
Cozinha: questões levantadas (dimensionais e outras)
A situação, cada vez mais
frequente, de ambos os elementos do casal trabalharem fora de casa, o
crescimento de hábitos de abastecimentos periódicos e em grandes quantidades e
a disponibilização cada vez mais alargada de equipamentos para simplificação das
tarefas culinárias obriga a cuidados extremos na sistematização funcional das
zonas de preparação de refeições e no seu relacionamento com os respetivos
espaços de arrumação; e tal como atrás se disse não é um dado adquirido que se
façam bons projetos de cozinhas, antes pelo contrário, pois esta
pormenorização, quando existe, é considerada, mais como uma oportunidade de
vender elementos vistosos.
A cozinha, mesmo sendo um espaço convivial, tem de
ser um espaço extremamente funcional no apoio á preparação de refeições.
Claude Lamure ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale",
pp. 177 e 178) considera os seguintes factores estruturantes da organização das
cozinhas:
· Os três postos principais, lava-louças, posto de
preparação de alimentos e posto de fogão, são indissociáveis. Nenhum obstáculo
deve interpor-se nos percursos entre eles, e, particularmente, nenhuma outra
circulação deve interferir com a circulação entre esses três postos.
·
Dois elementos complementares, posto de instalação
de frigorífico e posto de serviço ou "descarga", devem ser igualmente
acessíveis a partir dos três postos principais.
·
Cada equipamento necessita de um plano de
"descarga" contíguo.
·
A organização preferencial (para não canhotos)
será constituída por uma sequência, da esquerda para a direita, incluindo
lava-louças, preparação, fogão (porque se poderá usar a mão direita no fogão,
enquanto que com a esquerda se usam diversos utensílios).
·
As arrumações devem estar adequadamente
distribuídas por diversos sítios, de acordo com o princípio de se
disponibilizarem os elementos necessários no seu primeiro ou no seu último
sítio de utilização.
·
A máquina de lavar louça deve ser colocada perto
de um armário para louça ou de uma mesa de refeições.
·
O balde do lixo, (ou o acesso à conduta de lixos)
deve ser preferencialmente localizado num sítio bem ventilado, mas muito
próximo da cozinha.
·
O acesso a um forno deve ser desimpedido numa
profundidade mínima de 1.20m, medida a partir da abertura do forno.
Tal como refere Claude
Lamure (2), as pessoas tomam, muito frequentemente, as refeições na cozinha, logo
quando a área desta é superior a 9m² - o que até é uma dimensão bastante
“económica”; e continua-se a tomar aí
refeições, quando a área desce para cerca de 6m². Mas quando as cozinhas são
razoavelmente espaçosas, quando a sua área é superior a 11m², diz Lamure, que quase
toda a gente toma as refeições exclusivamente aí e começam a surgir, de forma
significativa, o recreio e o trabalho de crianças e mesmo o estar ocasional dos
adultos. E é importante que as áreas das cozinhas cresçam na proporção em que
aumente o número de quartos na habitação; condição esta que infelizmente não se
verifica como regra, pois as cozinhas são habitualmente consideradas como
tratando-se de uma espécie de grandes casas de banho, imutáveis, seja a casa
pequena ou grande.
Mas a dimensão geral não é
tudo, sendo essencial a existência de uma largura adequada, e segundo o Institut
de Tecnologia de la Construcción de Catalunya (3) , o processo de composição da
largura-tipo de uma cozinha deve considerar os seguintes elementos): largura de bancada, 0.60m;
largura da circulação e espaço de actividade, 1.10m (1,20 noutros estudos);
largura de mesa para refeições, de 0.90m a 1.10m. Teremos, assim, uma dimensão
de referência entre 2,60 a 2,90m, bem diferente da da nossa dimensão mínima
regulamentar. (4)
Ainda segundo Lamure, em
cozinhas espaçosas, são preferíveis as disposições de bancada em L e em U,
porque economizam deslocações e espaço de circulação, permitem movimentos mais
cómodos (menos bruscos, com mudanças de direção mais suaves) e definem zonas
livres de circulação e atravessamento; no caso das bancadas em L é de referir
que estas se integram bem com uma mesa suplementar (multifuncional) (5).
As
cozinhas em U são ótimas, seja em situações de grande disponibilidade espacial,
seja em situações de extrema exiguidade (zona de cozinha ligada a sala, onde
basta rodar sobre si próprio para chegar às diversas superfícies de bancada).
E ainda novamente segundo
Claude Lamure a altura da bancada de cozinha poderá variar ligeiramente com as
diversas funções a executar, ou, parecendo ser uma melhor solução, poderá ser
previsto um plano de trabalho específico ou uma mesa de cozinha que permita a
execução de certos trabalhos a partir da posição de sentado (6); condição esta
que é, também, muito rica em termos de potencial de projeto e de criatividade,
mais uma vez numa estratégica aliança entre função e forma.
References
Referências/notas
(1) Condiciones
Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les
Ordenances d'Edificació, p. 42.
(2)
A dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações
Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.
(3) Condiciones
Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les
Ordenances d'Edificació, p. 42.
(4) A
dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações
Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.
(5) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 180.
(6) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 183.
Nota importante sobre as imagens que
ilustram o artigo:
As imagens que acompanham este artigo e
que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram
recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição
habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em
2001.
Aproveita-se para lembrar o grande
interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo
“organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que
integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a
Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das
Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01
teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao
desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia
energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional
Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.
A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase
do novo bairro de Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma
das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.
Mais se refere que, sempre que seja
possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas
aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado
número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a
identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação
adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais
projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam
as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta,
quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em
relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de
referências aos respetivos projetistas de arquitetura.
Notas
editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada,
caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha
de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões
expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições
individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo
portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e
adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a
ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XI, n.º 530
Artigo
LXXII da Série habitar e viver melhor
A cozinha: aspetos
motivadores e problemas a considerar
Editor: António Baptista
Coelho
abc@lnec.pt e abc.infohabitar@gmail.com
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GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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