Infohabitar, Ano X, n.º 473
Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional
Artigo XLVIII da Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
Tipos de adaptabilidade e flexibilidade habitacional
A
adaptabilidade da habitação a diversos modos de vida e usos domésticos ou
específicos, colocada ao serviço de diversos tipos de agregados familiares e de
diversas apropriações funcionais e pormenorizadas, é cada vez mais um aspecto
fundamental a considerar na concepção dos espaços domésticos, tal como foi
apontado em artigo anterior desta revista, mediante a referência à opinião de
diversos autores, que salientaram a importância de deixarmos de privilegiar
organizações domésticas rígidas e excessivamente hierarquizadas,
favorecendo-se, sim, os caminhos marcados por espaços habitacionais mais
apropriáveis e potencialmente mutantes:
- seja pela capacidade “passiva” de adaptabilidade e conversão de espaços a diversos usos, proporcionada pela própria organização e dimensionamento gerais de uma habitação;
- seja na flexibilização oferecida aos seus respetivos conteúdos funcionais e de mobiliário/decoração (nos mesmos espaços-base);
- seja pelas condições de adaptabilidade relacional disponibilizadas, em termos de localizações e relações que proporcionem e incentivem diversos usos;
- seja pelo potencial de adaptabilidade física (“hardware”) específica que igualmente ofereçam, designadamente, através da junção e subdividão de espaços e compartimentos, já existentes;
- seja pela dinamização do equipamento evolutivo de alguns espaços e compartimentos;
- seja mesmo pela capacidade de expansão real que seja proporcionada para novos compartimentos – uma solução naturalmente mais adequada a soluões habitacionais unifamiliares.
Fig. 01: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "a".
Relação entre família e habitação
No entanto,
para além desta múltipla perspectiva da adaptabilidade e flexibilidade
habitacional, que está globalmente ligada às amplas matérias da apropriação dos
espaços domésticos, outra linha de reflexão é importante na opção por diversas
formas de organização dos mesmos espaços; trata-se da caracterização do perfil
da habitação na sua relação com as características etárias e gregárias dos seus
habitantes.
E nesta
perspectiva vários autores apontam um leque global de soluções integradas de
tipologias família-habitação, tal como em seguida se regista.
Fig. 02: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "b".
Estúdios individuais e para casais
Estúdios mínimos para jovens longe de casa e
pessoas sós, idosas ou não; estúdios estes com equipamentos domésticos muito
funcionais e completos, ou reduzidos a um mínimo razoável, que pode ser
pré-instalado, e dispondo de um quarto de dormir em zona que possa ser separada
do resto da casa, ou nela integrada de forma a criar um espaço amplo.
Segundo Alexander, a habitação para uma pessoa
só deve ser um espaço com grande capacidade de individualização/apropriação,
podendo caracterizar-se por um amplo espaço central e multifuncional, rodeado
por recantos ou subespaços com diversas atribuições funcionais (1); e um espaço
doméstico entre cerca de 30 e 40m² serve bem uma solução deste tipo.
Naturalmente que este tipo de solução pode ser
adaptada, com alguma facilidade, ao uso por casais (jovens ou idosos), que
aceitem este tipo de condições domésticas marcadas por alguma informalidade
e/ou versatilidade da organização e do recheio doméstico.
Fig. 03: adaptabilidade/flexibilidade dos espaços habitacionais - espaço "x" ocupação "c".
Soluções habitacionais para pessoas sós
Citando, julga-se, a propósito, um estudo
realizado pela Taylor University of York (2), apontam-se, então, diversos
subtipos de soluções habitacionais para pessoas sós e para casais:
- "unidade auto-suficiente", provida de porta de acesso, cozinha, casa de banho completa – uma habitação pode ser uma unidade de alojamento ou conter várias unidades desse tipo; (3)
- "unidade compartilhada", onde vivem várias pessoas, cada uma com um "espaço particular", mas compartilhando uma zona de estar, cozinha e casa de banho completa ;
- "espaço particular", quarto individual dentro de um alojamento compartilhado, usado essencialmente como espaço para dormir, mas também como zona de estar e para guardar bens pessoais;
- "quarto completo", como o "espaço particular", mas com pequena zona de estar mais desenvolvida e incluindo lavabo e pequena cozinha; há que compartilhar a retrete e o banho;
- "espaço comum ou colectivo, compartilhado", que pode incluir casa de banho, cozinha, estar, arrumações;
- e, finalmente, uma evolução do "espaço particular", anexando-lhe instalações sanitárias que podem ser mínima e/ou pequena zona de estar, que pode resumir-se a um espaço para um pequeno sofá e uma mesa de trabalho (esta opção foi desenvolvida pelo autor deste trabalho).
Pequenas habitações
Subindo, agora, um pouco na “escala” do
dimensionamento doméstico, mas mantendo-nos no âmbito de soluções especialmente
adequadas para pessoas sozinhas, casais e outros pequenos agregados familiares,
apontam-se, em seguida, as sugestões de diversos autores nesta matéria.
Desenvolvimento de pequenas habitações para
jovens longe de casa, pessoas sós, idosas ou não, ou casais sem filhos em
coabitação; estúdios estes com equipamentos domésticos que podem ser mais ou
menos elaborados e completos, nomeadamente, para se disponibilizarem espaços
para a instalação de mobiliário patrimonial ou, contrariamente, oferecendo os
espaços já mobilados.
Esta solução deverá dispor de um quarto de
dormir relativamente isolado do resto da casa, que seja suficientemente
espaçoso para integrar duas camas individuais e certas zonas específicas (ex.,
sofá perto de janela). A habitação deve ser globalmente espaçoso e ter
circulações facilitadas, tanto entre cozinha e sala, como entre a sala e o
quarto (pensa-se na funcionalidade do uso por idosos). (4)
Esta solução será muito útil a idosos pouco
activos, que assim poderão dispor de pequenos fogos
"super-funcionais" e razoavelmente espaçosos que lhes poupem e
facilitem o trabalho doméstico e as próprias deslocações interiores. (5).
Pequena habitação para um casal
Considera-se que a habitação para um casal (habitação
com quarto comum) será muito semelhante à habitação para uma pessoa só,
designadamente, no caso de um casal de adultos; pois no caso de se tratar de um
casal de jovens ou de idosos, serão recomendáveis zonas mais amplas e
diferenciadas. (6)
As pequenas habitações realizadas
especificamente para favorecerem a vida doméstica de casais, num quadro
privilegiadamente informal de uso da habitação, devem favorecer os espaços
"super-funcionais" para os trabalhos domésticos, a abundância de
diversos tipos de arrumações, feitas de raiz, a possibilidade de
desenvolvimento de recantos individuais para estudo/trabalho profissional e caracterizarem-se
por um franco relacionamento geral entre espaços, que assegure a vigilância natural
e simplificada de crianças pequenas. (7)
Grandes habitações multigeracionais e multifuncionais
Interessa também apontar aqui o interesse do
desenvolvimento de grandes habitações, razoavelmente espaçosas, para famílias
"maduras" com diversos filhos de diferentes idades, com um quarto
relativamente autónomo que pode servir para um filho mais velho, para
escritório ou para um parente idoso, e, ainda, com um quarto de casal
acentuadamente isolado do resto da casa. (8) Estas habitações poderão ligar-se
espaços exteriores privados no caso de famílias com crianças. (9)
Este tipo de solução servirá casais idosos e
activos continuando nas habitações onde criaram os filhos e onde, posteriormente,
terão espaços adequados às numerosas actividades a que se dedicam em casa. (10)
Espaços e serviços domésticos comuns
Vale a pena
salientar que se considera muito adequada a associação entre os estúdios e as
pequenas habitações e um potencial e diversificado leque de espaços e serviços
comuns; condição esta que naturalmente será menos interessante no caso das
grandes habitações.
No entanto a
ideia que se julga mais adequada é que deverá haver, cada vez mais, uma maior
possibilidade de escolha das soluções de habitar, quer em termos de carácter
tipológico geral, quer em termos de espaços domésticos e comuns disponíveis,
quer em termos de serviços domésticos, e outros, disponibilizados ou
facilitados; e depois poderemos escolher o que preferimos.
Serviços comuns e domiciliários e equipamentos coletivos de proximidade
De certa forma
até é possível considerar a possibilidade de haver um desenvolvimento de
serviços domiciliários com um amplo leque funcional e sedeados fora dos
edifícios servidos, disponibilizando o seu apoio/serviço a diversas unidades
habitacionais. E um aspeto que aqui deve ser bem considerado é a vantagem que
tem uma gestão autonomizada e bem equilibrada destes possíveis pequenos
complexos de espaços e serviços comuns e/ou de apoio domiciliári; sendo aqui
muito interessante a reflexão que há a fazer sobre a relação deste tipo de
“complexos” com algumas das velhas e com novas valências de equipamentos
coletivos com faceta residencial.
Em tudo isto
há que referir que a potencial diversidade de oferta de espaços e serviços
comuns e domiciliários pode a ajudar a diversificar e apurar o leque de opções
domésticas e residenciais disponíveis, considerando-se esta matéria de grande
interesse, face à grande diversificação dos modos de vida, e ao evidente e significativo crescimento dos
pequenos agregados familiares e das pessoas idosas vivendo sós e necessitando
de diversos serviços de apoio.
Notas:
(1)
Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A
Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 356.
(2) Direccion
General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo
(MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 86.
(3) Por
exemplo dois quartos individuais, para duas pessoas que vivem juntas, mas cada
uma com o seu espaço privado e independente ("LAT", "Living
Apart Together") - Direccion General de Arquitectura y Vivienda;
Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo (MOPU), "Individuo y
Vivienda", p. 79.
(4) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(5) John
Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
(6) Direccion
General de Arquitectura y Vivienda; Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo
(MOPU), "Individuo y Vivienda", p. 46.
(7) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(8) Claude
Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 15.
(9) John
Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
(10) John
Noble; Barbara Adams, "Housing. Home in its Setting", p. 514.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº473
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Adaptabilidade/flexibilidade e tipologia habitacional
Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da
Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do LNEC
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais
Norte.
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