Infohabitar, Ano X, n.º 472
Artigo XLVII da Série habitar e viver melhor
Adaptabilidade e habitação
António Baptista Coelho
Continuando a apresentar e comentar reflexões de projectistas e estudiosos sobre aspetos considerados estruturantes nas opções de organização dos espaços domésticos, ficamos em seguida com Amos Rapoport e, depois, com Christopher Alexander, entre opiniões de outros autores, privilegiando-se uma perspetiva que tenta aprofundar a grande diversidade de soluções potencialmente disponibilizadas e que propiciam uma vida doméstica mais adequada, agradável e estimulante.
Habitação e modos de vida
Amos Rapoport
evidencia três factores a ter em conta naquela que ele considera dever ser uma
aproximação muito cuidadosa e funcionalmente “aberta” a uma solução doméstica
que sirva, o melhor possível, determinados modos de vida familiares: (1)
- o afastamento cultural existente e a "capacidade de comunicação" que possa ser criada entre habitante e projectista [capacidade esta que, julga-se, ser potenciada por intermédio da acção de certos promotores como é evidentemente o caso das cooperativas de habitação];
- a significativa variedade de subculturas que estão, actualmente, em mutação rápida (designadamente, por desenraizamento cultural e imigração para as grandes cidades);
- e a existência, em cada grupo sociocultural, de muitos níveis de aculturação e mesmo de mutação sociocultural.
Diversidade no habitar – diversas soluções domésticas e de vizinhança
E é ainda Rapoport
que evidencia o que considera ser a principal medida de adequação entre
habitação e família, ou entre habitação e características socioculturais, que
é, para aquele estudioso, a oferta de uma ampla capacidade de escolha ao
futuro morador, seja do tipo específico de habitação, seja do tipo geral de
solução habitacional.
Trata-se, portanto,
de uma espécie de capacidade de adaptação prévia, por possibilidade de escolha
e aqui importa comentar que o mercado, infelizmente, nem disponibiliza,
habitualmente, variedade de soluções habitacionais de vizinhança e de formas de
associação em edifícios, nem mesmo variedade de soluções domésticas, o que
seria muito mais simples. Mas, não! O mercado, por regra, oferece o mesmo “produto”
do 1º ao 7º andar. Há excepções, começa a haver excepções, mas por ora elas
pouco ultrapassam a barreira da produção dita de luxo, ou então da promoção de
interesse social, quando bem qualificada e informada.
Habitação adaptável
Há que evidenciar
aqui que as matérias da adaptabilidade doméstica são de extrema importância no
sentido de uma maior apropriação da casa pelos seus habitantes e de
favorecimento de soluções domésticas mais duráveis e adequáveis em termos de
natural conversão funcional e de ambiente doméstico geral – por exemplo, uma
casa que se transforme com facilidade de uma solução com um assinalável peso de
áreas de quartos, para uma outra marcada por uma expressiva sequência de áreas
de estar.
A adaptabilidade
doméstica foi aprofundada, ainda não há muitos anos, num livro editado pela
Livraria do LNEC, intitulado “Habitação evolutiva e adaptável” (ITA 9), e
importa aqui referir que ela é fundamental:
- quer no sentido de se proporcionar aos moradores uma expressiva capacidade de apropriação do seu espaço doméstico;
- quer no sentido de se compatibilizar a organização da habitação e dos seus aspectos específicos de ordem construtiva, funcional (relações entre espaços), dimensional, ocupacional (capacidade de acolhimento de mobiliário) e ambiental (localização, dimensão e características de abertura de vãos exteriores).
Habitação apropriável, habitação mutante
A primeira
perspectiva, acima referida, evidencia a importância que tem o potencial de
capacidade de apropriação de uma habitação por parte de quem a habita. Trata-se,
naturalmente, de um aspecto de enorme importância para o desenvolvimento da adequação
habitacional e de um sentimento de verdadeira satisfação com o habitar, e tem
expressão directa na possibilidade que a casa deve oferecer para o desenrolar
de uma importante dinâmica de mudança periódica nos arranjos domésticos:
- seja por conversões funcionais e de mobiliário, mais frequentes, simples e passivas (simples mudanças nas disposições de conjuntos de mobiliário e outros elementos de composição e decoração);
- seja por conversões funcionais e de mobiliário associadas a eventuais junções e subdivisões de compartimentos.
Um exemplo extremo deste tipo de solução é dado por Sven Thiberg (Sven Thiberg, Ed., "Housing Research and Design in Sweden", p. 139), quando se refere ao compartimento tradicional da casa japonesa, que muda, funcionalmente, através de mudanças de peças de mobiliário muito simples; e, mesmo na nossa cultura, bastará recuarmos à Idade Média para encontrarmos soluções semelhantes.
E há que sublinhar que a referida dinâmica de mudança periódica nos arranjos domésticos obriga a uma organização e a um dimensionamento muito cuidados dos espaços domésticos e a uma espaciosidade razoável porque seja ou claramente acima dos mínimos regulamentares, ou próxima de tais mínimos mas compensada por uma excelente solução de organização e configuração domésticas – um excelente projecto de Arquitectura, portanto.
Junção e subdividão de compartimentos
A segunda
perspectiva, acima referida, as conversões
funcionais e de mobiliário associadas a eventuais junções e subdivisões de
compartimentos, tem tem idênticas influências na capacidade de
apropriação e de identidade que a habitação deve oferecer e liga-se:
- quer à evolução da família que aí resida (crescimento e decrescimento);
- quer à mudança nas necessidades e nos gostos domésticos; por exemplo, à medida que a família original envelhece e cresce haverá mais necessidade de mais espaço de circulação e de desafogo funcional e, eventualmente, um maior gosto numa especialização de zonas de estar.
E esta perspectiva de
junção e subdividão de compartimentos é servida:
- quer por simples aspetos de pormenorização, extremamente fáceis de prever, como é o caso da distribuição estratégica de tomadas de telecomunicações ao longo da casa, proporcionando variadas utilizações e versáteis mudanças de usos dos mesmos compartimentos;
- quer por aspectos estruturantes na organização da habitação, mas que podem proporcionar uma sua riquíssima versatilidade de uso, como é caso de uma parte do espaço doméstico poder ser usado como espaço total ou relativamente autónomo, desde que disponha, ou possa vir a dispor, sem obras significativas, de acesso próprio e de instalações mínimas de cozinha e sanitárias.(2)
Adaptabilidade doméstica e adequação a modos de vida
A adaptabilidade da
habitação a diversos modos de vida, caracterizando diversos tipos de agregados
familiares e, até, diversas apropriações funcionais específicas, é, cada vez
mais, um aspecto fundamental a considerar na concepção dos espaços domésticos,
pois assim se podem servir melhor um leque crescente de modos de vida e de usos
da habitação, que decorre, tal como sintetizei num anterior livro editado pela
livraria do LNEC (“Do bairro e da vizinhança à habitação” – ITA 2):
- de uma diversidade de horários de trabalho;
- da ausência, frequente, dos habitantes no seu domicílio, durante os dias úteis;
- de um nível gradualmente mais elevado de acesso à cultura e à informação;
- da mobilidade dos agregados implicada por uma tendência, provavelmente crescente, de mobilidade nos postos de trabalho;
- da recuperação do uso da casa, também, como sítio de trabalho;
- do crescente uso da casa como sítio privilegiado de exercício de actividades de lazer, tendencialmente mais numerosas e temporalmente cada vez mais prolongadas;
- e da tendência fortemente crescente de existência de modos de vida e de tipos de agregados familiares socioculturalmente diferenciados, e aos quais é essencial proporcionar respostas domésticas adequadas.
Notas:
(1) Amos Rapoport,
"Housing Ecology", p. 149.
(2) Christopher
Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al, "A Pattern
Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 637.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano X, nº472
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Adaptabilidade e habitação
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Grupo Habitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da
Qualidade Habitacional
e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do
LNEC
Edição:
José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.
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