Este constitui o segundo de uma série de artigos sobre jardins urbanos, uma série que se deseja longa, embora, naturalmente, não contínua, na sua sequência editorial.
Importa referir que esta série já estava há muito tempo na mente de muitos daqueles que têm cooperado nesta excelente aventura editorial, que é o Infohabitar, e que se pretende que ela seja partilhada por vários autores e por diversas perspectivas de abordagem à essencial importância dos pequenos e grandes jardins urbanos nas cidades de sempre e, especialmente, nas cidades de hoje.
Salienta-se, ainda, o grande interesse do documento da London Tree Officers Association, que se traduziu e comentou, sintética e informalmente neste artigo, e, desde já, se chama a atenção dos leitores para a consulta do excelente site desta organização, onde será possível ler o documento na sua versão original, assim como consultar outros documentos com muito interesse e oportunidade nestas temáticas.
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OS JARDINS E O HABITAR (II)
– sobre as árvores protagonistas do jardim e da cidade; inclui uma tradução comentada de um documento da London Tree Officers Association, ltoa.org.uk
António Baptista Coelho
Este segundo artigo sobre os jardins urbanos tinha, “obrigatoriamente”, de ser desenvolvido em torno do tema da árvore, da árvore urbana, protagonista, quer no seu papel urbano específico, em que ombreia, praticamente, em sentido específico, com o edificado, em termos de escala e de imagem urbana, quer no seu múltiplo papel ambiental, paisagístico e económico. Mas esta especificação da matéria dos jardins urbanos não significa que, em futuros artigos desta série, este mesmo autor, ou outros autores, aqui no Infohabitar, não volte ao fundamental tema do enquadramento da importância e do papel do jardim urbano de hoje, na cidade de hoje.
Já no primeiro artigo desta série se citou Franco Purini, num texto (Franco Purini, "La Arquitectura Didactica" p. 151) em que este autor refere que "uma casa não é uma casa se um jardim, verdadeiro ou imaginário, não a rodeia ou a penetra. Sempre a casa e a terra: a casa como terra. Na fragilidade da erva esconde-se a mesma lei que assegura a força da viga de madeira. Os mesmos elementos formam o pó e a pedra. O jardim é, então, a paisagem de qualquer casa: paisagem interior, no miolo cerrado dos tecidos urbanos, paisagem verdadeira na vastidão do campo".
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Ora, imagine-se que em vez de “casa” se escreve “cidade”, e então teríamos, uma ideia como esta: uma cidade não é uma verdadeira cidade sem jardins, verdadeiros ou imaginários, que a rodeiam e a penetrem, sempre a cidade habitada também como terra, porque “na fragilidade da erva esconde-se a mesma lei que assegura a força da viga de madeira”, porque “os mesmos elementos formam o pó e a pedra”, e, assim o jardim urbano poderá ser paisagem de qualquer cidade, uma paisagem mais interior, “no miolo cerrado dos tecidos urbanos”, como disse Purini, e/ou “paisagem verdadeira na vastidão do campo", como também ele referiu.
E visualizemos onde toda esta força do jardim urbano tem o seu principal núcleo, o seu principal protagonista, e ninguém terá qualquer dúvida que a resposta é a árvore (urbana), a “floresta” que se tornou urbana, e uma força serena que se sente mesmo, por ausência premeditada, naquelas zonas de jardins sem árvores e naqueles espaços urbanos, quase sem árvores, onde a natureza se resume em pequenas floreiras em janelas e em algumas laranjeiras, que como pequenos oásis, sempre inesperados e sempre bem-vindos.
A árvore é, não só, um verdadeiro jardim vertical e concentrado, o que corresponde a um elemento estratégico no ordenamento das cidades sempre “sem espaço” para aquilo que, realmente, é preciso, um verdadeiro jardim vertical sempre sede de biodiversidade e de amenização ambiental, mas a árvore é sempre, também, um efectivo elemento formal de “desenho” da paisagem urbana, veículo de escala humana e de suavização e de agradável contraponto com a escala e a expressão do edificado.
Mas para se jogar em duas dimensões citadinas tão importantes, como são a ambiental/microclimática e do “bom desenho” da paisagem urbana, é preciso saber-se trabalhar, realmente, com tais dimensões, não são, realmente, “coisas”, para curiosos, e entende-se isto quando vivemos, por exemplo, boas ruas arborizadas e cidades marcadas, humanizadas e ambientalmente suavizadas por excelentes parque urbanos intensa e agradavelmente arborizados, como acontece no excelente exemplo das Caldas da Rainha.
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E não é demais interiorizar a importância que têm e terão essas duas dimensões no actual e futuro movimento das megacidades, movimento este ao qual se terá, urgentemente, de associar um importante movimento de recriação dos ambientes naturais, de forma intensificada e concentrada, pontuando essas mega-malhas urbanas e proporcionando que nelas continuemos a ter um vital contacto com a nossa origem natural.
Hoje em dia, a falta de espaço bem localizado e o custo implicado pela construção e manutenção de um jardim poderá levar ao desenvolvimento de espaços que recuperam características passadas, como é o caso do sentido de encerramento exterior e de profusão de dados sensoriais naturais que tanta falta fazem a pessoas muito desenraizadas da natureza.
Realmente, trata-se de produzir o máximo efeito num espaço limitado e para isso já existem caminhos abertos e exemplos concretos, como é o caso dos jardins desenhados, no Brasil, por Burle Marx, inspirados na pintura e na botânica moderna, desenvolvidos considerando vários pontos de vista, a clarificação de planos simples e linhas sóbrias e a diluição dos limites (aparentando um espaço sem fim, numa zona restrita), sendo os usos definidos para cada reduzida porção de espaço, escultoricamente organizada.
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E em Lisboa, por exemplo, entre outros, infelizmente, poucos casos a referir positivamente, temos o excepcional exemplo dos Jardins da Gulbenkian, na sua perspectiva de oferta de pequenas viagens por bosques variados e densos, para nos dar a saborear o interesse que hoje tem, e que sempre teve, o contacto íntimo com a natureza bem dentro da cidade densa; e neste efeito de “bosque” cerrado e misterioso é, naturalmente, fundamental o papel das árvores e arbustos.
De certa forma é muito importante que as cidades de hoje ofereçam uma espécie de pequenos oásis de reconciliação ambiental, paisagística e formal com a natureza e, designadamente, com a floresta primordial, e nesta oferta os jardins urbanos, caracterizados por expressivas árvores “urbanas” são fundamentais elementos protagonistas.
Faz-se, em seguida, uma ampla citação e uma tradução informal e muito pouco comentada (cada tema é seguido de um breve comentário) sobre a multifacetada e fundamental importância das árvores, em textos retirados de um excelente folheto de divulgação disponibilizado pela London Tree Officers Association, ltoa.org.uk , cujo site vivamente se recomenda e onde é possível fazer o download de outros elementos com grande interesse como é o caso de um utilíssimo método de avaliação das árvores (Capital Asset Value for Amenity Trees, CAVAT), que integra os seguintes tipos de factores: valor básico (unitário e relativo ao tamanho); valor de localização e de usufruto (localização, população utente e acessibilidade); valor funcional; valor ajustado (factores ambientais positivos e negativos); e valor total associado a esperança de vida.
Desde já se sublinha que este Capital Asset Value for Amenity Trees é, realmente, um instrumento de trabalho de enorme valor pois equaciona numa perspectiva integrada de valor económico, social e cultural a presença das árvores, que, tantas vezes, são ainda tratadas, entre nós, como se fossem elementos que surgem instantaneamente num dado local, e como elementos que se tiram e põem com a simplicidade e a eventual leviandade que poderá caracterizar a instalação e a remoção de um painel publicitário ou de um terminal de Multibanco, e, realmente, para além de se tratar de algo vivo e único, é algo com história/tempo, que nunca se poderá, verdadeiramente, reconstituir e que para compensar exigirá, quase sempre, um muito complexo e pesado investimento.
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Quase-citando, assim, o excelente folheto da London Tree Officers Association as árvores têm os seguintes três grandes grupos de vantagens: relativas à saúde e ao de bem-estar; sociais e ambientais; e económicas.
Vantagens das árvores em termos de aspectos de saúde e de bem-estar:
“As árvores reduzem risco de cancro na pele através do sombreamento em relação à radiação ultravioleta”; e hoje em dia esta problemática está bem na ordem do dia e se queremos estimular a circulação pedonal devemos proteger os peões.
“Os níveis de stress e de doença são, frequentemente, mais baixos na presença de árvores, porque estas proporcionam descontracção psicológica e um sentido de bem-estar, suavizando o ambiente urbano”; este é um sentimento que sentimos, frequentemente, nos locais urbanos agradavelmente arborizados e que temos, por vezes, dificuldade em descrever e atenção para o grande interesse deste efeito, por exemplo, em zonas residenciais e onde se pretenda o desenvolvimento do lazer urbano.
“As árvores contribuem para níveis reduzidos de ruído e de poeiras”; ora é conhecida, por um lado, a importância que tem o sossego acústico na satisfação com o uso do espaço urbano e habitacional, assim como é também conhecida a má influência das poeiras no nosso bem-estar e saúde.
“À medida que as árvores se desenvolvem e envelhecem elas proporcionam carácter e sentido de lugar e de permanência, enquanto libertam cheiros e aromas que provocam uma resposta emocional positiva”; temos aqui, fortemente, a matéria de que se faz boa parte dos bons projectos de arquitectura urbana e residencial, portanto, fica evidenciada a importância das árvores numa concepção arquitectónica com um amplo e verdadeiro sentido exigencial.
Vantagens das árvores em termos de influência no clima (“mudança climática) e microclima (clima local):
“As árvores, para além de absorverem dióxido de carbono (o principal gás gerador do efeito de estufa), e de produzirem oxigénio, filtram, absorvem e reduzem os gases poluidores, incluindo o ozono, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e dióxido de nitrogénio”; sendo assim, a conclusão que se impõe é que a plantação de novas árvores e o cuidar bem das que existem, globalmente, mas também especialmente nas grandes zonas urbanas, deveria ser uma das principais medidas na batalha pela melhoria ambiental do nosso planeta, até porque se a nossa sociedade é cada vez mais urbana há que reforçar urgentemente um equilíbrio global com mais elementos naturais, como são as árvores, e matizando, muito mais, as próprias zonas urbanas com verde urbano, no qual as árvores têm um papel protagonista.
“As árvores trabalham todo o ano e continuamente para nós, suavizando, localmente, picos extremos de temperaturas – refrescando no Verão e aquecendo no Inverno”; trata-se, então, de um sinal de inteligência e de estratégia o utilizarmos, intensamente, um meio com tão grande capacidade de eficácia ambiental.
“Árvores com copas grandes e de grandes folhas acolhem a chuva, amortecendo a progressão da água entre o céu e o solo, ajudando a reduzir o risco de enxurradas”; trata-se, novamente, de uma vantagem com evidentes e múltiplas consequências positivas em grandes meios urbanos, associando o referido papel de moderação ambiental com um directo papel em termos de melhoria da infraestruturação.
Vantagens das árvores em termos aspectos sociais e ambientais:
“Pontos focais comunitários que incluam árvores proporcionam amenidade, valia estética e continuidade histórica”; as palavras falam por si, e todos sabemos que falam verdade, só que por vezes até parece que a história pouco vale nas nossas paisagens citadinas e rurais.
“As árvores proporcionam, nas suas zonas de integração, um apreciável acréscimo de amenidades às famílias e às comunidades”; sempre assim foi, a floresta sempre foi geradora de variados meios e sempre o homem se fixou nas suas margens, gozando-a como riqueza intrínseca e como riqueza de paisagem.
“As árvores marcam a mudança das estações do ano com alterações nas folhas e mudanças na floração”; e é fundamental que o ciclo das estações seja sentido por todos e especialmente pelos urbanitas, que por vezes tão longe estão dos ciclos naturais, e o próprio passar do tempo é também fundamental como percepção individual e social, e além de tudo isto há o espectáculo sensorial das estações e do tempo ameno ou das intempéries que tão directamente é sentido na companhia das árvores.
“As árvores oferecem habitats para um amplo leque de espécies de vida bravia – pequenas e grandes – ao longo de todo o ano”; cada árvore, para além de ser uma pequena “fábrica” química positiva, produtora de oxigénio, como acima se lembrou, é também um pequeno mundo que alberga um amplo leque de elementos da flora e da fauna, as árvores são, assim, elementos fundamentais no apoio à biodiversidade, com uma utilidade que alia aspectos intrínsecos de manutenção das espécies, com aspectos igualmente importantes de espectáculo biológico oferecido aos urbanitas.
Vantagens das árvores em termos de aspectos económicos:
“A presença de árvores pode fazer aumentar o valor de propriedades residenciais e comerciais entre 5% e 18%, enquanto o valor do terreno não infraestruturado, que integre árvores adultas, pode aumentar até cerca de 27%”; são números que fazem pensar, e talvez que nestes números esteja, espera-se, o princípio do fim de tantos crimes contra tantas velhas e excelentes árvores, e vale a pena pensarmos que estes números apenas concretizam aspectos de verdadeira valia paisagística local.
“Quando as árvores são plantadas estrategicamente podem reduzir emissões de combustível fóssil, através da redução dos custos de combustível para aquecimento e arrefecimento dos edifícios”; sem comentários, mas é provavelmente uma das medidas ambientais mais fácil de implementar, desde que o seja com eficácia técnica ampla, pois também há sempre o risco de só se ver uma parte da verdade e começarmos a plantar árvores sem as enquadrar num adequado equilíbrio ambiental e paisagístico, que está ligado a cada região, a cada local e a cada microclima.
“As árvores proporcionam a criação de emprego nos mais variados ramos de actividade (ex., jardinagem)”; trata-se de uma constatação evidente, mas podemos juntar que na jardinagem, por exemplo, é possível conciliar meios humanos muito qualificados com outros menos qualificados o que é também um excelente recurso social em termos de emprego e de ocupação.
“As árvores proporcionam uma fonte sustentada de “composto”, feito de folhas, assim como biocombustível produzido de aparas de madeira”; é também uma afirmação que não precisa de comentários, mas tal como vãos as coisas, até parece muito racional que nenhuma via de racionalidade energética e de poupança de recursos deva ser esquecida, e esta é uma via que tem também uma importante visibilidade local em termos didácticos e de boas-práticas.
Fig. 06
Para concluir regista-se que não é, com certeza, por acaso, que algumas das maiores cidades do mundo, como Tóquio e Nova Iorque, se têm privilegiado a plantação e o cuidado no tratamento das grandes árvores urbanas, com um enfoque especial nas Ginkgo biloba, consideradas das mais velhas árvores que existem, daquelas que podem atingir maior longevidade e parece que daquelas que melhor se adaptam ao meio urbano poluído e melhor podem contribuir para a sua melhoria ambiental. Não é, com certeza, caso único, e nesta matéria é naturalmente fundamental estarmos com as “nossas” árvores, aquelas mais adaptadas aos nossos climas e microclimas e aquelas que, tradicionalmente, têm contribuído para a caracterização das nossas cidades, vilas e aldeias, mas é, sem dúvida, muito importante e urgente o desenvolvimento, aprofundamento e/ou divulgação de estudos desse género sobre as nossas árvores urbanas, assim como terminar, de vez, com o desrespeito para com a árvore, que ainda caracteriza muitas situações correntes na nossa sociedade.
E já há, felizmente, alguns bons sinais nestas matérias, aqui bem ilustrados com o muito recente transplante de algumas grandes árvores, na sequência das obras, em desenvolvimento, para a construção da nova estação de Metro da Encarnação, em Lisboa, de que se juntam, em seguida, duas imagens.
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Editado por José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação – Olivais Norte
22 de Junho de 2008
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