ALVALADE, DE FARIA DA COSTA. UMA CIDADE NA CIDADE
António Baptista Coelho
com a cooperação de Nuno Teotónio Pereira
Edita-se esta semana, no Infohabitar, a terceira e última parte de um pequeno trabalho sobre o bairro de Alvalade, em Lisboa, originalmente realizado com o objectivo da sua apresentação numa palestra que decorreu ainda na Associação dos Arquitectos Portugueses (AAP), integrada nos ENCONTROS AAP – HABITAÇÃO: “CONSTRUIR CIDADE COM HABITAÇÃO”, na Sede da então AAP, hoje Ordem dos Arquitectos, em 8 de Maio de 1998.
Sublinha-se, no entanto, ser esta uma versão reformulada do texto então distribuído.
Sublinha-se, ainda, que a ilustração foi realizada apenas numa perspectiva de acompanhamento livre do texto; as imagens são de Alvalade, mas não há uma relação directa com o conteúdo da exposição.
Índice geral (e plano de edição):
1. O mistério de Alvalade (1.ª semana)
2. Um caso e a sua utilidade (1.ª semana)
3. Cronologia (2.ª semana)
4. Alvalade, um bairro integrado e integrador (2.ª semana)
5. Alvalade, como foi (3.ª semana)
6. Integração física, estrutura e imagem (3.ª semana)
7. Comentários finais (3.ª semana)
5. Alvalade, como foi
A Av. Alferes Malheiro/Av. do Brasil constituía o final “afastado” da cidade, estrada de ligação entre a a velha frente urbana do Campo Grande e a Estrada de Sacavém (uma das saídas da cidade); e a Estrada de Sacavém ligava-se, por sua vez e por outro lado, ao Areeiro. Entre estas saídas de Lisboa e sobre zonas rurais nasceu Alvalade.
É muito interessante considerar que em Alvalade se conciliou uma inovação urbanística forte, ao nível do desenho e ao nível da gestão, com uma clara aposta do município na exemplificação em larga escala de novos métodos construtivos, implicando redução de custos de construção sem prejuízo assinalável da respectiva qualidade arquitectónica.
A grande extensão do plano de Alvalade levou a uma diversificação da sua morfologia evitando-se monotonia pela associação de uma forte escala humana, caracterizando 8 “células” de reforçada vizinhança próxima. A tipologia “colectiva”/multifamiliar tinha vindo a ser tecnicamente validada e foi extensamente aplicada no bairro. A construção é financiada pelas Caixas de Previdência ou desenvolvida pela indústria privada – mas com projectos-tipo e controlos municipais – e destinando-se a renda económica ou condicionada. Ainda uma outra opção aplicada foi a venda de lotes com projecto livre, essencialmente na Avª de Roma, o novo grande eixo urbano proposto, e que fez também parte essencial de uma verdadeira estratégia de mistura e integração social e física numa continuidade urbana agradavelmente mitigada pelas referidas vizinhanças das células “sociais”, onde, ainda hoje em dia, se respira um fundamental sossego e uma caracterizada envolvência residencial – mas “logo ali” ficava a avenida.
O resultado parece ter sido convincente, pois datando os primeiros estudos de princípios de 1945, pouco mais de 3 anos depois, das cerca de 2.000 habitações a fazer, em 2 das 8 Células de Alvalade, pela CML com fundos da Federação das Caixas de Previdência, estavam concluídas 500, estando as restantes em andamento.(31) Simultaneamente, o n.º de imóveis particulares em construção era de cerca de 600 fogos de rendas preestabelecidas e 200 estabelecimentos comerciais; número este que é apenas considerado limitado pela velocidade de produção, pelo município, de terreno urbanizado nas diversas células.(32) E considerando os restantes equipamentos o desenvolvimento era também significativo, tendo sido iniciadas, pela CML, as Escolas Primárias que constituem os elementos centrais das células.
De 1945/6 a 1960, em cerca de 15 anos, foi concluído o essencial ou mesmo quase tudo o que integra a “nova pequena cidade” de Alvalade, o que parece um bom prazo para a dimensão da obra, constituindo, provavelmente, mais um dos mistérios do Bairro. Lembremos que em Lisboa há “bairros” iniciados bem antes do 25 de Abril e bem longe de serem concluídos.
Outro dos mistérios dos Alvalades foi a opção clara pelo desenvolvimento de verdadeiros eixos comerciais vitalizados, diversificados e articulados entre si; e é assim que podemos percorrer, hoje em dia, diferentes sequências comerciais desde uma ponta da Rio de Janeiro, passando por zonas próximas da Av. da Igreja, por esta mesma artéria, pela Av. de Roma e, depois, pelos respectivos prolongamentos que ligam a zonas mais velhas da cidade; e naturalmente vice-versa.
O comércio concentrado na Av. da Igreja e numa das ruas paralelas demorou, no entanto, anos a ser absorvido, assistindo-se a muitas lojas fechadas. Depois vingou a viabilidade e vitalidade do comércio, alastrando, de forma natural, pela Av. de Roma muito frequentemente através da reconversão de pisos térreos habitacionais, à medida da pressão das necessidades e dos fluxos de movimentação.
Em retaguarda estruturadora, a Praça do Areeiro estava já significativamente desenvolvida, enquanto o IST e a sua envolvente urbana começavam a consolidar-se. A Av. de Roma foi apontada ao Hospital Júlio de Matos, preexistente, enquanto a Rio de Janeiro articulou o seu eixo com o eixo de simetria do LNEC. Na Av. de Roma assistiu-se, provavelmente a uma aproximação de frentes de construção, relativamente simultâneas e idênticas, marcando-se uma forte escala de desenvolvimento citadino, embora bem acoitada numa relação de contiguidade com a cidade-mãe.
A continuidade da Av. de Roma, assegurada pelo viaduto da Linha de Cintura e bem marcada no Plano, foi vital para a ligação entre os dois irmãos (Areeiro e Alvalade), e foi um elemento básico logo na fase inicial de desenvolvimento dos Alvalades, tendo sido provisoriamente assegurada com uma estrutura de madeira, depois, convenientemente, substituída por uma intervenção cuidada ao nível arquitectónico. Estas preocupações afirmadas de continuidade urbana configuram, naturalmente, mais um dos mistérios dos Alvalades, seja no seu interior, seja nas suas relações, quer com a cidade-mãe, quer com a cidade futura; mais um mistério que parece ter-se perdido, em parte, nas décadas que se seguiram.
Acompanhando e dando alguma coesão “lateral” ao desenvolvimento do fundamental eixo que da Praça de Londres ligava á actual Av. do Brasil, havia penetrações, a W, de diversas pequenas avenidas preexistentes que partiam do Campo Pequeno; estas Avenidas já então habitadas pela pequena burguesia parecem ter sido elementos estratégicos de reforço dos novos Bairros “irmãos”, exactamente na zona, sempre sensível, em que Alvalade e Areeiro se encontravam. Esta é, provavelmente, outra das partes do mistério/segredo, considerando-se a força com que se faz a conjugação entre a Av. de Roma e aquelas Avenidas preexistentes, em eixos que trespassam a massa dos novos quarteirões.
E outra parte desta parte do segredo parece ser uma certa gradação da densificação urbana, que é muito intensa e rica no “irmão” Areeiro, marcado por quarteirões densos e contíguos a ruas/alamedas assinaladamente contínuas, criando um exterior urbano praticamente tão definido como a própria edificação; mas que no “irmão” Alvalade reduz escala e dá maior amplitude ao exterior, num sinal de fim de cidade, sem dúvida, mas também de outras ideias. E provavelmente, também, numa composição urbana que se pretendeu ser, no conjunto dos dois irmãos, variada no aspecto e socialmente adequada.
As primeiras Células de Alvalade que foram concluídas (Células I e II), limitadas pelo Campo Grande, situavam-se na zona norte do bairro, o que foi uma tomada de posição táctica. Desta forma, “o crescimento para Norte era contrariado e passava-se a fazer de Norte para Sul, no controlo do crescimento da cidade; por outro lado, o terreno ainda virgem nos limites da área do plano assumia mais rapidamente o estatuto de espaço urbano da cidade de Lisboa”. (33)
Alguns núcleos de quintas e edifícios preexistentes foram pontualmente demolidos, ou mantidos (ex. Palácio dos Coruchéus e Rua Gama Barros) e articulados no Plano, quer como pequenos pólos de actividade, quer como estruturadores de pequenas ruas; designadamente na zona Sul, contígua à Linha de Cintura, onde havia incursões do “subúrbio” pobre.
5.2 Estrutura geral de Alvalade
“A localização no quadro urbano e as características topográficas desta zona da Cidade, as suas reconhecidas condições de salubridade, a circunstância de estar praticamente envolvida por áreas já urbanizadas ou a caminho de definitiva urbanização (e por amplos espaços livres), conferem ao Sítio de Alvalade qualidades eminentemente favoráveis para a sua utilização imediata como zona de expansão da Cidade”. (34)
“4 Arruamentos principais subdividem a área total abrangida pelo plano em oito células, formando unidades de urbanização distintas, separadas entre si pelas vias de trânsito circundantes. Os elementos de interesse geral da zona (grandes espaços livres, mercados, zonas comerciais, instalações públicas) foram distribuídos de forma a poderem ser alcançados pelos habitantes de cada célula mediante percursos cómodos e pouco extensos, cruzando os arruamentos principais de trânsito apenas na medida indispensável. Dentro de cada uma das células os arruamentos constituem simples vias de acesso às habitações, pelo que apresentam sistematicamente perfis transversais económicos à custa da redução da largura das faixas de rodagem, sem prejuízo da largura total entre as fachadas das edificações marginais”.(35)
A unidade de urbanização/célula (são no total 8) agrega uma população média de cerca de 5.000 pessoas e tem quase sempre como elemento central a escola primária, caracterizando-se ainda por dimensões médias à escala da movimentação pedonal (máx. 500m à escola), facilitada pelo desenvolvimento de vias/”veredas” exclusivamente pedonais, que cruzam o interior dos quarteirões abertos, integrando partes privativas e partes comuns a todas as habitações de cada quarteirão, onde se previa um arranjo simplesmente arborizado e informal, económico na manutenção. Apoia-se, assim, a movimentação pedonal, mas não se anulando a funcionalidade rodoviária, através de quarteirões permeáveis, interiormente irrigados por veredas pedonais marcadas pelo verde urbano e pela escala humana; a “escala citadina” aguarda o habitante “nas avenidas”.
É muito interessante registar a aliança entre preocupações de integração social, “rejeitando uma orientação da expansão da Cidade baseada na atribuição de zonas distintas para as habitações destinadas a famílias de diferentes proventos e objectivos de viabilização económica, através de uma compensação da disponibilização de habitações de rendas económicas”, distribuídas harmónica e estrategicamente no interior das células, com a “valorização dos terrenos destinados às habitações de maior categoria, localizados “nos terrenos marginais das artérias principais".(37)
Como uma verdadeira pequena cidade e embora o carácter geral da zona fosse basicamente residencial, Alvalade integrou, em zonas mais ou menos diferenciadas, outras funções distintas da habitação: duas zonas de pequena indústria local e não poluente; zonas comerciais localizadas em condições de fácil acesso das residências e ao longo das ruas; campos de jogos e locais de recreio público.
Relativamente a equipamentos colectivos a “grelha” prevista era bastante completa, realista e urbana, correspondendo à satisfação das “complexas necessidades da vida de um agrupamento populacional tão importante como virá a ser a nova zona de expansão da Cidade” (38) – um exemplo interessante é o importante conjunto de ateliers de artistas desenvolvido em anexo à preexistência dos Coruchéus.
Os transportes colectivos terão sido bem estudados na organização do plano, sendo o bairro servido por carros eléctricos, autocarros e caminho de ferro (plano previa duas novas estações), enquanto se visava, já, o metropolitano (39); que lá chegou, não muito depois, em 1972, ao contrário do que depois aconteceu com outras zonas da cidade.
5.3 Realização de Alvalade
A construção desenvolveu-se em três modalidades: por promoção pública directa nos conjuntos financiados pela FCP; por pequenos construtores com base em projectos fornecidos pela CML e visando renda limitada (na parte nascente da Av. da Igreja e transversais, no B.º de São Miguel e na proximidade dos cruzamentos Igreja/Roma e Roma/EUA); e também por construtores com base em projectos feitos pelos próprios (na Avª Roma).
O tratamento dos interiores de quarteirão era bastante livre (espaços verdes com veredas para peões) e tiveram uma natural evolução da sua ocupação na sequência da visita à obra do Ministro Arantes e Oliveira, onde tendo-se discutido a necessidade de arranjo e equipamento de amplos espaços pedonais, então praticamente abandonados e contíguos a edifícios já habitados (que dispunham de um pequeno logradouro posterior na contiguidade rectangular dos edifícios) e tendo-se concluído, na perspectiva dos Serviços da CML, da dificuldade financeira para esse arranjo, assistiu-se, passado pouco tempo, em algumas zonas, a uma invasão e demarcação desordenada de quintais privativos.
Este tipo de ocupação, pouco regrado, ainda se mantém, caracterizando ruralmente partes importantes de Alvalade. No entanto muitos interiores de quarteirão têm ocupações perfeitamente estruturadas e estimulantes com quintais privativos e comuns razoavelmente regularizados e tratados, por vezes, acompanhados por agradáveis percursos pedonais; e as avenidas cheias de vida estão, logo ali, por trás dos edifícios e tão perto daquele ambiente tão sossegado. E esta dualidade natureza/cidade tão distinta e tão geminada é, sem dúvida, outro dos mistérios do excelente Alvalade de Faria da Costa.
As ruas têm um carácter de ruas/corredor, com distância mínima entre fachadas, provavelmente até não se invocando e aplicando a regra dos 45º, pretendia-se essencialmente a defesa da privacidade (conseguida com R/C alto); Faria da Costa estabeleceu larguras e perfis relativamente pormenorizados, mas, na obra, houve dúvidas sobre como preencher os perfis/espaço de rua; o que foi feito através do dimensionamento mínimo da faixa de rodagem e depois com a integração de passeios, por vezes duplicados, e de canteiros e jardinetas, favorecendo-se sempre o peão.
Um pouco numa perspectiva oposta, na Av. de Roma, quando da obra do metro em vala, alterou-se o respectivo perfil rodoviário, dando-se mais espaço ao automóvel; era já, no entanto, outra época.
Em Alvalade há uma diversidade controlada de projectos, mais um dos mistérios, diversificar, mas mantendo a força caracterizadora do conjunto. Julgamos que esta diversidade controlada é muito positiva e foi relativamente mantida em Olivais Norte, embora se tenha perdido, em boa parte, na escala excessiva de Olivais Sul; e está aqui, novamente, mais um dos mistérios de Alvalade e também, neste caso, de Olivais Norte, com influência determinante na respectiva e fundamental caracterização urbana e ambiental.
A questão do aspecto dos alçados foi complexa, porque era difícil distingui-los arquitectonicamente, tendo-se optado, em alguns casos, pelo recurso a “coisas postiças”, tais como cromatismo, tímpanos sobre portas, grelhagens de escadas e elaboradas serralharias nas varandas. Salienta-se, no entanto, como indica Callado, o interesse da evidente influência, no desenho dos edifícios, por parte do racionalismo germânico moderno. Uma influência patente na concentração da composição nos elementos funcionalmente activos (ex. varandas e vãos), e pelo desenvolvimento de volumes compactos e de uma composição centrada nas formas essenciais e elementos funcionais, numa “consideração cuidadosa da economia e da optimização da planta”, aspectos que se referem aos trabalhos de Alexander Klein, mas também aos anteriores trabalhos das Habitações Económicas, embora, agora, com um acentuado perfil urbano. (40)
Julga-se muito interessante esta referência a Klein, que é aliás citado, com destaque, por Miguel Jacobetty na sua comunicação ao Congresso de 1948. E salienta-se que esta lógicade optimização e projecto-tipo foi levada ao extremo absoluto, provocando cantos vazios; para os quais houve posteriormente ideias de aproveitamentos, pontualmente concretizadas.
Outro aspecto interessante é que as nove Séries habitacionais de Alvalade traduziam mais agregações variadas de grande diversidade de compartimentos (desde o roupeiro ao escritório), do que um jogo dimensional “estrangulando” Séries mais económicas, e neste aspecto há realmente uma grande diferença relativamente às Categorias aplicadas depois em Olivais; uma matéria que merece sem dúvida um cuidadoso aprofundamento, pois provavelmente foi uma opção responsável por uma grande capacidade de adaptabilidade das habitações a uma grande diversidade de modos de habitar.
5.4 Casas de rendas económicas para a Federação das Caixas de Previdência: Características globais das edificações
No que respeita à concepção arquitectónica geral o objectivo terá sido conseguir um elevado/razoável aspecto com soluções “singelas e sóbrias”, sem materiais dispendiosos e inviáveis na construção de casas de rendas económicas. A partir da “combinação dos vários tipos - todos de composições arquitectónicas diferentes”, tentou-se, e pensamos que se terá conseguido, “evitar a monotonia e formalismo que são em geral uma característica inconveniente dos grandes agrupamentos de edificações executadas em conjunto”. (41)
“As habitações são de planta rectangular de modo a assegurar ampla iluminação e ventilação naturais dos seus compartimentos, sem recantos sombrios e húmidos” (42). Foram quebradas algumas “tradições” consideradas negativas, como o uso de saguões e o não tratamento das fachadas posteriores.
Por visão do Engº Guimarães Lobato, Director dos Serviços de Obras Municipais, desenvolveram-se economias de escala, através de empreitadas parcelares e realizadas por células: caixilharias, louças sanitárias, prefabricação de soleiras e peitoris, guarnecimento de vãos e escadas, tubagens de grês. Retomam-se, assim, também na estandardização e pré-fabricação de elementos da construção, os conceitos da Baixa de Lisboa (ex. as carpintarias foram realizadas em muitas oficinas quase domésticas da zona de Paços de Ferreira).
Numa 1ª fase as paredes exteriores foram desenvolvidas em alvenaria de pedra, tendo-se optado depois por blocos de betão sem finos (gravilha, cimento e água/com vazios), isolantes térmica e hidricamente. Aperfeiçoaram-se assim os processos tradicionais de construção, reforçando-se a respectiva industrialização, tendo sido, para o efeito adquiridos pelo município, em Inglaterra, equipamentos industriais para a produção de britas e para o fabrico dos blocos de betão. (43).
Interessante é considerar que o LNEC foi, já naquela altura, chamado a apoiar e enquadrar tecnicamente as inovações construtivas, designadamente, através da intervenção do Eng.º Ruy Gomes. A intervenção do LNEC desenvolveu-se, designadamente, nas áreas do estudo do custo de paredes de betão sem areia (1948), da análise das características a exigir aos blocos de betão (1956) e do apoio ao fabrico de blocos de betão para paredes (1959). O estudo de soluções habitacionais, aqui numa área especializada, remonta, assim, a uma fase inicial de trabalho do LNEC, ainda designado (em 1948) “Laboratório de Engenharia Civil”, sendo interessante referir que outros dos primeiros “bairros sociais”, tais como o Caramão da Ajuda (de 1938), da Encarnação e de Caselas tiveram também acompanhamento técnico especializado.
Seria este outro estudo, e portanto não avançaremos mais neste caminho, mas há que anotar a evolução posterior desta linha temática no LNEC, abordando-se edifícios habitacionais já numa perspectiva mais completa, de que é exemplo a excelente apreciação crítica do “Bloco das Águas Livres”, ainda por Ruy Gomes, mas já em 1960, e dinamizando a criação no LNEC da Divisão de Construção e Habitação e, sequencialmente, do Núcleo de Arquitectura, hoje Núcleo de Arquitectura e Urbanismo, que foi fundado em 1969 e que foi, desde então, responsável pelo desenvolvimento e pela edição no LNEC, de cerca de 400 estudos na área da arquitectura e do urbanismo, concluídos entre 1969 e 2007, numa pequena história de investigação nestas áreas, cujo caminho de quase 40 anos é provavelmente muito pouco frequente em todo o mundo; uma pequena história a fazer e que cruza as intervenções de técnicos como Nuno Portas e Reis Cabrita, entre muitos outros, e que se fez numa excelente aliança com todas as entidades técnicas que em Portugal foram estudando e promovendo a habitação de interesse social: HE/FCP, FFH e INH.
Voltando a Alvalade, refere-se que nas suas primeiras células os edifícios não tinham estrutura de betão armado; apenas cintas de travamento; em betão só as varandas, lintéis e pavimentos de zonas húmidas (cozinhas e instalações sanitárias).
O principal problema aconteceu com as anomalias quase generalizadas nos pavimentos em soalho e no vigamento de madeira, pois o preço do aço era então ainda muito elevado; e esses elementos de madeira tiveram de ser, depois, substituídos num enorme esforço com as pessoas a habitarem.
Ainda com o objectivo de se obter a máxima eficácia na construção, foi desenvolvido, antecipadamente, em princípios de 1946, um grupo experimental constituído por três prédios de diferentes tipos (entre os nove encarados no programa geral).(44)
Os diferentes grupos foram objecto de empreitadas sucessivamente adjudicadas, por forma a obter uma uniformidade no consumo de materiais de construção e nas necessidades de pessoal, no decurso dos dois anos de trabalho previstos.
Julgamos interessante registar aqui o escalonamento dos custos dos terrenos, pagos pela FCP à CML, conforme Séries de habitações: “pagamento à Câmara Municipal do custo dos terrenos de construção, à razão de 45$00, 60$00 e 75$00 por metro quadrado, para as habitações da I, II e III séries”.(45)
Fogos
Relativamente aos edifícios e espaços domésticos, refere-se ser este um assunto que será objecto de um próximo e específico artigo aqui no Infohabitar, onde se abordarão as já referidas diferenças de conteúdos nas Séries de fogos, bem os importantes estudos funcionais e espaciais dos respectivos fogos.
5.5 O projecto da arquitectura urbana de Alvalade
À integração social juntou-se, em Alvalade, a integração urbana, tanto pela multiplicidade de actividades citadinas, como por uma “sensível” (funcional, mas resguardada) integração no tecido viário de Lisboa, servindo também acessibilidades mais amplas (acessos à cidade) de um modo que, ainda assim, foi durante muito tempo compatível com a habitação da grande burguesia (Av. Gago Coutinho”).
A estrutura da rede viária delimitada por Faria da Costa, tem por base uma larga malha reticulada e preenchida por uma sucessão de impasses, pracetas, espaços livres e equipamentos a resultar numa malha final relativamente compacta e bastante equilibrada, até pela diversidade controlada que é proposta em cada Célula. Modelo este que integra, continuamente, uma estrutura verde assumidamente urbana e que reforça, com interessante naturalidade e diversidade, a integração de equipamentos em trechos estratégicos.
Cada célula assume, assim, um desenho controlado mas sensivelmente orgânico, ricamente desvinculado da ordem urbana citadina que marca o perímetro que a circunda. Outro aspecto relevante é a proposta de altimetrias mais acentuadas ao longo dos eixos principais e marcando até eixos topograficamente marcantes, numa opção também muito urbana de fazer troços de cidade caracterizados por sítios, declives, vistas e também, naturalmente, arquitecturas.
Nos anos cinquenta, o Bairro de Alvalade marca também pela introdução, muito qualificada, dos novos conceitos defendidos na Carta de Atenas (ex. Bairro das Estacas, com zonas pedonais assumidas e ligadas sob os edifícios, tipologia de duplex e edifícios sobre pilotis), vindo a tornar-se a Avenida dos Estados Unidos da América um sítio de modernidade. Nestas introduções de um novo desenho da arquitectura urbana residencial não pensamos haver qualquer subversão da imagem do Bairro, nem qualquer ruptura com a anterior morfologia. Pensamos, sim, que há introdução de novos conceitos residenciais e “repertórios formais”, num fazer cidade contemporânea que é outro factor positivo e outro elemento do mistério de Alvalade.
Há diversidade naturalmente controlada, há marcação de referências e não há qualquer desvio crítico relativamente ao ordenamento global e até de pormenor; a disposição edificada é relativamente livre mas não ultrapassa o território da vizinhança próxima e não colide com a organização dos eixos viários.
5.6 Alvalade, actualidade e inovação
Como sintetiza Callado, Alvalade não apresenta uma significativa continuidade relativamente ao tecido pré-existente, articula-se pelos eixos que o dividem em oito zonas/Células, afirmando-se como pequena cidade modelo claramente planeada na sua forma/função, “dentro” da Lisboa do velho plano director.(46)
No Bairro apenas algumas vias têm continuidade com a cidade (eixos mais importantes), enquanto as outras têm um padrão independente, equilibradamente orgânico e assumidamente residencial, incorporando até, em antecipação, os “recentes” aspectos de redução física da velocidade rodoviária.
Alvalade com as suas oito zonas com diferentes características espaciais e de actividade, numa riqueza de mistura de funções urbanas servindo a vivência diária (expressa na própria legenda do seu plano), acolhe mudanças de uso que ocorrem essencialmente nos seus eixos principais, numa perspectiva dinâmica de cidade, continuamente apoiada por uma “quilha” residencial protegida (interior das células) e que mantém, hoje em dia, uma muito significativa estabilidade.
E importa salientar que esse conteúdo residencial, designadamente aquele com carácter social, foi realizado com base em edifícios concebidos como blocos parcialmente independentes, implantados de acordo com a estrutura pretendida (rua, quarteirão, impasse). Uma tal opção, naturalmente “racional” e com forte justificação económica, foi levada à prática sem que, hoje, ao olharmos esses troços urbanos haja qualquer sentido de monotonia ou excesso de repetição; a escala edificada, a pormenorização cuidada e o verde urbano têm o seu papel neste resultado: mais alguns pequenos segredos do grande “mistério” de Alvalade; neste caso usando-se “mistério” no sentido de dúvida pela não replicação das soluções de Alvalade.
Alvalade é também um modelo de “Plano” de promoção residencial socialmente diversificada, que regula com igual pormenorização usos e formas e que estendeu a sua regulação ao controlo económico da promoção privada (cálculo cuidadoso das rendas limitadas), que integrou e rentabilizou na viabilização do projecto (venda de lotes e rendas livres nos principais eixos), bem como ao próprio controlo sobre a construção e o desenvolvimento das infraestruturas (feitas pela CML e concretizadas a 50% 3 anos depois do início do projecto).(47)
Um outro aspecto a considerar é o apertado controlo da extensão do espaço exterior, conseguido em Alvalade, embora com as excepções referidas aos logradouros livremente apropriados pela população; uma solução que no sequencial Olivais Norte foi substituída em favor do lazer no “espaço livre”. Esse controlo terá permitido em Alvalade a obtenção de densidades (200/237 hab/Ha) pouco inferiores às das Avenidas Novas (253 hab/Ha) e idênticas às de Olivais Norte (220/230 hab/Ha), embora com grandes manchas de edifícios baixos (aliás também muito significativos em Olivais Norte).
Sintetizando, assiste-se em Alvalade à aplicação de algumas regras inovadoras, designadamente, (i) em novas formas de execução e gestão do edificado e (ii) na diversificação controlada de tipos de empreendimentos uni e multifamiliares (também é importante esta continuidade da presença da “moradia”) em áreas, mutuamente conjugadas, para: habitação económica municipal; e diversas modalidades, razoavelmente controladas, de construção “particular” (exº controlo de rendas, promoção livre, cooperativas e mutualidades).
Também ao nível da desejável integração social importa considerar a experiência de Alvalade.
A tendência social integradora só é possível de forma disseminada e não estigmatizando as novas zonas habitacionais, a integrar na continuidade urbana. A "habitação social" deve acabar por se diluir, positivamente, na malha urbana, vitalizando-a, vitalizando-se e subindo de estatuto social, tal como acontece nas zonas do interior do Bairro de Alvalade.
Para se perceber essa integração é preciso estudar a configuração geral e pormenorizada do habitat, a composição geral da mistura social e a sua composição pormenorizada, tanto ao nível da rua e do quarteirão, como dos tipos de grupos sociais em presença mútua. Em Alvalade parece ter havido este tipo de cuidados, designadamente, pela integração de várias “Séries” habitacionais em cada impasse residencial; e esta é com certeza outra das partes do grande mistério de Alvalade. Note-se, no entanto, sobre este aspecto, que a população de Alvalade estava já, em boa parte, há muito relacionada com a cidade, não tendo havido realojamentos provenientes de “bairros de lata”.
6. Integração física, estrutura e imagem de Alvalade
No uso e marcação do exterior tem grande importância o ritmo dos percursos, por troços funcionais/formais, tais como: (48)
- a sequência viário-edificada da Avª Igreja (2 troços diversos) e transversais;
- a sequência viário-edificada da Avª EUA (2 troços relativamente idênticos) e conjuntos contíguos;
- a sequência viário-edificada da Avª Roma (diversos troços) e transversais.
Relativamente ao preenchimento do interior dos quarteirões dos edifícios do interior das células, refere-se a opção bastante generalizada do uso de quintais privados, tenham sido eles adequadamente previstos e vitalizados/controlados por “veredas” pedonais, criando-se um “contínuo” ajardinado, mas sem manutenção pública, ou tenham sido esses quintais apropriados e marcados pelos habitantes, numa recriação de paisagem rural, que até nem tem imagem pública assinalável.
Sobre a integração topográfica pormenorizada já referimos o assinalar de eixos urbanos, num destacar natural da inclinação, favorecido pela implantação dos tipos morfológicos mais modernistas (exº edifícios sobre pilotis), que se adaptam bem ao relevo. Há, no entanto, que referir que a solução de preenchimento pedonalizado do interior de quarteirões, eficaz em zonas relativamente planas, é dificultada quando se encontram variações de cota.
O “verde” público de Alvalade é em grande parte garantido pelo verde pouco ordenado dos quintais e espaços comuns dos quarteirões, mas também pelo verde privado e representativo dos quintais e jardinetas frontais, bem como pelo simples mas eficaz e muito urbano verde das árvores de arruamento. O parque público previsto lá está, como sempre, praticamente abandonado na extremidade NE do bairro.
Não há grandes espaços de uso público, mas há muitos pequenos espaços de lazer e “intervalo”, equipados e bem protegidos das zonas de burburinho, quer pela própria estrutura de quarteirões, quer pelo desenho de pormenor (“perfis” de passeios) e pelo equipamento público. E neste desenho de pormenor salientam-se os passeios largos e muito frequentemente arborizados, sítios apropriados aos mais diversos usos mais correntes (diversas faixas), mais periódicos e mais definitivos (como “gaiolas” de extensão dos “cafés”).
Não poderíamos deixar de fazer uma referência destacada ao papel deste complexo, mas unificado, mundo de espaços exteriores públicos, sempre muito acompanhados pelas janelas domésticas, no estímulo do recreio livre de crianças e jovens, naturalmente convidados a uma exploração gradual dos seus quarteirões e, depois, dos outros passeios, “mais largos”, do seu Bairro.
6.2 Os limites e as imagens de Alvalade
Globalmente Alvalade articulou-se num espaço vago entre 3 fronteiras relativamente fortes e preexistentes, enquanto se colou fortemente à cidade na última fronteira, afinal em contiguidade total com a malha de Lisboa.
No interior do bairro criam-se espaços canais bem marcados; introversão e dificuldade de penetração em cada zona são aspectos menos importantes, face às vantagens na estruturação global e à relativa uniformidade de linguagem aplicada em todas elas; não há limites interiores no bairro, embora existam verdadeiros “muros” de fachadas, pois tais muros têm funções frontais de protagonismo urbano e posteriores de residencialidade/intimidade. Em bastantes zonas a escola primária assume força de referência devido à sua centralidade/acessibilidade e ao seu tratamento harmonizado com um ambiente residencial.
Num outro nível de “marcação”, à escala do bairro, temos equipamentos de lazer, ensino e comerciais concentrados, centralizados e até especializados, de forma a servirem todo o bairro,conjugando sempre actividades e percursos (exº rua comercial “especializada” paralela à Av. da Igreja). E ainda a um outro nível, à escala da cidade, embora cuidadosamente servindo também a do bairro, temos Avenidas vitalizadas e expressivamente inter-conjugadas, por praças representativas e por grandes e “únicos” edifícios públicos.
Os cruzamentos, que se transformam por vezes em praças, não são apenas acontecimentos rodoviários, são “figuras” urbanas assumidas e claramente caracterizadas pelos edifícios circundantes (49), por elementos centrais e pelos enfiamentos de orientação, enquanto os os entroncamentos e os cruzamentos menos importantes são ortogonais e frequentes, sendo, assim, basicamente seguros para o peão. É, também, importante considerar, aqui, a positiva colagem entre acessos ao Metro e praças.
Nas avenidas os projectos variam por vezes de edifício para edifício, embora dentro de um conjunto vocabular não muito alargado; e há as significativas fugas modernistas “à regra”, algumas delas em pontos/trechos focais. Os perfis urbanos traduzem soluções funcionais e de pormenor muito bem conseguidas e eficazes ainda hoje, embora raramente repetidas.
Hoje em dia o que é que marca mais, unifica mais e caracteriza mais Alvalade? Pensamos que (i) a estrutura e a intensa vida dos seus principais eixos viário-comerciais, ainda directa e indirectamente animados pela habitação das avenidas e do interior protegido das diversas zonas, bem como (ii) a viabilidade comercial do bairro, a sua estrutura urbana adequadamente ancorada em pólos e eixos marcantes e a coexistência de espaços residenciais muito protegidos, mas muito convidativos; elementos-base que mutuamente se estimulam e dão saúde ao bairro.
Sobre alguma falta de perceptibilidade global de Alvalade para “o estranho” (50), pensamos que é suavizada e limitada a zonas residenciais, quase com estatuto de espaços exteriores “comuns”; sendo opção de intimidade bem compensada pelas avenidas, fortemente públicas; e “à medida que o vamos conhecendo quotidianamente sobressai toda uma lógica organizadora ao nível da distribuição de equipamentos e ao nível da estruturação viária”. (51)
A “confusão” de não se perceberem muito claramente os pontos focais ou de referência, por interposição de árvores e/ou por movimento de pessoas e veículos parece ser um atributo citadino coerente em zonas à escala do bairro; há um equilíbrio de representatividade/intimidade que é agradável e incitativo, designadamente na Avª da Igreja, mas é mais difícil na longa Avª de Roma, que serve, e bem, uma outra escala urbana.
6.4 O bairro como vizinhança alargada
Dentro das células o relativo “repouso” formal é um sinal de habitação/abrigo, enquanto nas avenidas há uma “escala de cidade habitada”, unificadora do carácter e da identidade de Alvalade, e que é muito pouco frequente noutros bairros de Lisboa. Pensamos ser difícil falar de desorientação em Alvalade, há mesmo alternativas para as pessoas; quem não conhece segue um determinado eixo bem estruturado e polarizado, e quem conhece pode atalhar caminhos.
Os equipamentos edificados e exteriores foram distribuídos cumprindo exigências de acessibilidade e/ou privilegiando os percursos vincadamente urbanos, mas sempre acompanhados pela habitação; até as vias limítrofes são tratadas também como espaços urbanos essencialmente residenciais.
6.5 A configuração das vizinhanças próximas e a integração social
Segundo Callado identificam-se, em Alvalade, as seguintes unidades morfológicas (que associamos a Vizinhanças Próximas): (52)
- Ruas e impasses de unifamiliares;
- Impasses residenciais (3 grupos de edifícios);
- Quarteirão fechado (mais peqº do que o quarteirão “clássico”), ao longo de eixos e designadamente eixos secundários com continuidade.
- Praça fechada (forma irregular com edifícios em disposição concêntrica), com variadas formas/situações.
- Praça aberta (agregação bissimétrica e regular de edifícios num cruzamento), cruzamrntos principais.
- Blocos lineares ao longo de rua e ordenados por eixos.
Como exemplo do estímulo físico à integração social refere-se que nos impasses há edifícios Séries I e II; mas rematando-os, já em contiguidade com a “rua” e marcando, bilateralmente, o acesso ao impasse há 2 edifícios de Série III, que também asseguram a continuidade da rua.(53)
Em cada zona as ruas têm extremidades bem definidas e são visíveis em toda, ou quase toda, a sua extensão; terminando em pracetas ou largos; e não pensamos que uma tal repetição prejudique identidade local, porque cada zona tem os seus pontos de referência próprios.
Ao nível da pormenorização as rodovias, os estacionamentos e os passeios acompanham-se e têm variados e funcionais perfis, bem largos nas avenidas (aceitaram já múltiplas adaptações), bem residenciais nos impasses e nas pracetas, extremamente funcionais em algumas soluções de vias/estacionamentos.
E são realmente Vizinhanças Próximas, até nos nomes: Av. da Igreja qualifica uma zona de influência, não uma rua; e tal também acontece com: Rio de Janeiro; Rodrigo da Cunha; Av. de Roma; Pote de Água; Bº de São Miguel....
7. Comentários finais sobre Alvalade
Como refere José M. Fernandes, Pacheco, mediante um Plano de Urbanização gradualmente aperfeiçoado entre 1938 e 1948, deu à cidade a escala, estrutura e funcionalidade necessárias, dentro de uma lógica de conjunto que ainda hoje subsiste em parte. (54) O planeamento e edificação do Areeiro e de Alvalade modificou portanto por completo o modo de “produzir cidade”. (55)
A importância de AlvaIade reside sobretudo na imagem significante da modernidade e da urbanidade definitiva da capital, que acabou por construir.(56) A produção urbanística actual, … tem centrado a sua atenção em torno das questões da FORMA URBANA, recuperando para a cidade espaços tão simples quanto tradicionais: a rua ou a praça, e elementos morfológicos de desenho como a árvore alinhada ou a continuidade dos volumes construídos e das suas fachadas.(57) O Bairro de Alvaiade, área actualmente muito bem integrada no resto da cidade, assumindo, até, estatuto de novo centro de Lisboa, foi e é uma área urbana/citadina de “resistência” contra a degradação e a dissolução da cidade, “ talvez por tudo o que tem de progressista e inédito e simultaneamente de culturalista na valorização do passado”.(58)
Alvalade, zona relativamente limitada, contém uma grande variedade de espaços exteriores, mas muito integrados na cidade; faz muito sentido, aqui, o conceito de Vizinhança Alargada, suportada duplamente, no território e numa caracterização ambiental bem afirmada; o bairro de Alvalade, talvez para além de 1º Plano Integrado, é talvez o único verdadeiro bairro da Lisboa moderna.
O apuramento objectivo, dimensional e quantificado das soluções globais e pormenorizadas de habitat aplicadas, com êxito, em Alvalade, terá grande utilidade no apoio aos projectos residenciais. Complementando esse apuramento será também muito útil desenvolver uma análise especializada e comentada das condições de habitabilidade do Bairro de Alvalade (ouvidas as suas duas gerações de moradores), de modo a que se possa dispor de um conjunto de elementos concretos com variada natureza e que possam servir de referência para:
- o projecto e programação de novos conjuntos residenciais;
- a melhoria das condições negativas, encontradas em outras zonas urbanas essencialmente residenciais.
“As cidades são algo mais do que conjuntos de edifícios ladeando ruas e praças. São organismos vivos. Os edifícios, as ruas e as praças formam, com as pessoas que ali habitam, transitam, trabalham e passeiam, unidades coerentes e características”.(59)
“Ao projectar novos bairros para Lisboa, não se esqueçam de prever locais aprazíveis de reunião livre, tanto quanto possível ligados aos núcleos comerciais - pólos forçados de atracção. E deixem nesses locais lugar para certas actividades espontâneas. Excelente seria que os enobrecessem com algumas obras de arte. A intervenção dos artistas plásticos, bem compreendida, valorizaria esses locais e a sua função. Quanto aos problemas do trânsito, convirá que não pensem quase exclusivamente - como é prática habitual - nas soluções que o facilitam aos veículos. Os peões são muito mais numerosos e não basta destinar-lhes passeios estreitos ao longo das casas; nem é legítimo contar excessivamente com a sua inteligência e os seus reflexos para se defenderem e tirarem algum partido das circunstâncias. Gastam os nervos nessas manobras. Além dos parques, das grandes massas florestais, são de extrema utilidade as pequenas jardinetas refúgios de tranquilidade e de convívio espalhados pela Cidade; mas melhor será ainda, nos novos bairros, instalar os próprios edifícios de habitação entre árvores e arbustos, no terreno livre de muros e divisórias - com caminhos sombreados e tranquilos para os peões, distintos dos que se destinarem ao trânsito acelerado dos automóveis".(60)
“Para mim, Alvalade estava limitado a norte e sul por automóveis, a oeste por um Santo António de perna curta em estátua mal alinhavada e a leste por uma igreja românico-futurista que dava as horas com avé-marias de campanário como se não houvesse ninguém com relógio nesta área”. (61)
É importante e de grande actualidade desenvolver trabalhos metódicos de estudo dos Alvalades, incluindo assim a belíssima experiência urbana e habitacional do Areeiro. Há muitas lições a registar nos seus grandes e pequenos mistérios de como fazer realmente boa cidade com boa habitação, desde a fusão entre bairros à dimensão dos passeios.
E afinal julgamos que nestes Alvalades há apenas um conjunto de mistérios simples, e entre eles é provável que um dos mais relevantes seja o tal “consenso sobre o espaço comum em vez de uma grande preocupação sobre o consenso sobre o edificado”, defendido há já alguns anos por Nuno Portas num colóquio no LNEC, sugestivamente centrado no título “Viver (n)a Cidade”; e talvez que sobre o edificado habitacional o grande mistério seja uma certa calma, associada a “conjugações significativas de edifícios edifícios correntes com boa qualidade arquitectónica e bem agregados ao longo das ruas, ou envolvendo praças ou enquadrando monumentos ou valorizando parques jardins”, nas sábias palavras de Keil do Amaral.
Notas:
(31) CML, p. 7
(32) CML, p. 8
(33) Patrícia Miguel; Jorge Leal
(34) CML, p.9
(35) CML, p. 10
(36) CML, p. 10
(37) CML, p. 10
(38) CML, p. 15
(39) CML, p. 15
(40) José Callado, pp. 205/4
(41) CML, p. 17
(42) CML, p. 17
(43) CML, p. 18
(44) CML, p. 18
(45) CML, p. 20
(46) José Callado, p. 62
(47) José Callado, p. 86
(48) Isabel Valverde
(49) Isabel Valverde
(50) Isabel Valverde
(51) Isabel Valverde
(52) José Callado, p. 190
(53) José Callado, p. 193
(54) José M. Fernandes p. 501
(55) José M. Fernandes p. 505
(56) Ana Tostões p. 522
(57) José Lamas p. 293
(58) Patrícia Miguel; Jorge Leal
(59) Keil do Amaral, p. 31
(60) Keil do Amaral, p. 48
(61) Cardoso Pires p. 101
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Lisboa, Encarnação – Olivais Norte
Editado por José Baptista Coelho, em 17 de Janeiro de 2008
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