quinta-feira, setembro 28, 2006

105 - A Cidade e o Equinócio de Outono I – o esplendor da luz, artigo de Celeste Ramos - Infohabitar 105

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A Cidade e o Equinócio de Outono I – o esplendor da luz

artigo de Celeste Ramos
imagens de folhas e cidade de A. B. Coelho


OUTONO
De noche, el oro
es plata
plata muda el silêncio
de oro de mi alma
Jimenez (Nobel 1956)


OUTONO - o esplendor da LUZ
Hino à luz e à cor





Fig. 0

Depois da Primavera com a exuberância da vida a nascer e manifestar-se e a alegria dos bandos das aves que chegam cruzando o céu azul, depois da grandeza do sol e do calor no pino do verão e dos perfumes dos frutos e das flores, vem agora o esplendor da luz a anunciar o tempo de colher o que falta da fartura das culturas agora doiradas como a luz e que no Outono serão secas e conservadas para a festa do Verão de S. Martinho com o vinho novo e os figos e uvas secas e pinhões, anunciando que a terra já deu tudo e tem de descansar e entrar no repouso e no silêncio no tempo de maior recolhimento e frio que se aproxima e que vai aumentando até ao Natal e à noite mais longa, tempo de meditação da terra e dos homens a preparar a grande viagem para um ano novo.

Outono, explosão da LUZ nos seus mais diversos matizes no céu como que a anunciar outras manifestações da beleza que é dado contemplar, reflectidas em novas formas da natureza, indícios de OIRO nas nuvens que já não são os densos e fantasmagóricos cúmulos de branco luminoso, que voltam a habitar o céu, e também nas folhas das plantas caducas que antes de se abandonarem e caírem no chão, atapetando-o, se mostram cintilantes dançando nas ramadas com as primeiras brisas anunciando a morte a que estão destinadas e exibindo cores de oiro e de cobre, ferrosas ou vermelhas ensanguentadas, das mesmas cores das nuvens e da penugem dos pássaros, acrescentando pela primeira vez no ano todos os tons de cinza a negro dos cirros anunciando a chuva e os trovões e relâmpagos por vezes assustadores e brutais refazendo o equilíbrio electromagnético da atmosfera – outros sons do céu.





Fig. 1

Setembro é o primeiro mês do Outono neste tempo do sono do Inverno, e se a primavera é a chegada das aves migradoras em bandos e gritos de alegria, agora é o tempo de algazarra da debandada para zonas de mais calor e de criação dos filhotes até ao começo da hibernação de Inverno para, mais outra vez, voltarem no equinócio da primavera como se os equinócios fossem um eixo de nascer e morrer, para renascer e repetir a alternância entre a abundância e a máxima carência da terra e da natureza representada no eixo solsticial, e mais uma vez ser relógio cósmico também dos homens.

Ano a ano a Terra faz a sua jornada à volta do Sol manifestando as diferenças correspondentes ao tempo de cada viagem mil vezes repetida ciclicamente e que imprime também ao homem novas atitudes e movimentos em que tudo é mais devagar e contemplativo.

E porque o eixo da Terra não é perpendicular ao plano da sua órbita, mas sim inclinado de 23.5º, no seu movimento de translação dá origem às quatro estações climatéricas das Zonas Temperadas.





Fig. 2 (i e ii) – O primeiro esquema (i) é da Sociedad Astronómica del Estado de Hidalgo, A.C. e corresponde ao hemisfério norte, http://www.meridiano98.org.mx/articulos/solsticio-invierno.html; o segundo esquema (ii) é de Milton Pereira Barros, do Observatório Astronômico Municipal de Diadema, e corresponde ao hemisfério sul: http://www.projetorelogiosolar.diadema.com.br/primaveraestacao.htm

No solstício de Verão (21/22 de Junho), o Pólo Norte está inclinado na direcção do Sol e os raios solares incidem perpendicularmente no Trópico de Câncer – determinando esse limite físico, invertendo-se com a mesma inclinação no solstício de Inverno (22 de Dezembro) delimitando o Trópico de Capricórnio, e enquanto no solstício de Verão o dia atinge a sua máxima duração e a noite a mínima, no Inverno em que a Terra está mais próxima do Sol, a noite é a mais longa do ano e o dia o mais curto, já que os raios do sol atingem o Planeta mais tenuemente no Hemisfério Norte Terrestre.

Nos Equinócios não há inclinação do eixo da Terra relativamente ao Sol e daí os dias serem de duração exactamente igual à da noite, significando equinócio, em latim, noite igual em ambos os hemisférios.

No Equinócio do Outono – 23 de Setembro – o Sol está exactamente sobre o Equador – ou os seus raios incidem perpendicularmente sobre o Equador – e em ambos os hemisférios o Dia é igual à Noite durante 3 dias, altura planetária que os Antigos designavam de relógio cósmico.






Fig. 3 – O esquema é de Milton Pereira Barros, do Observatório Astronômico Municipal de Diadema: http://www.projetorelogiosolar.diadema.com.br/primaveraestacao.htm

Da plenitude do sol de Verão e visibilidade de toda a terra e do aparecimento do máximo de frutos e de fragrâncias, agora é a altura das últimas colheitas porque o Verão já tudo deu em fruto e calor, embora a abundância do planeta nos ofereça, ao longo das 4 estações do ano, diferentes frutos e flores, diferentes cores e alimentos para animais e homem, diferentes quantidades e poupanças, diferentes cheiros e propostas de ser e de estar.

Outono é também o tempo da rentrée - tempo de outros inícios seja do trabalho porque as férias acabaram, seja escolares, seja ainda de outras manifestações culturais e também religiosas (e tempo de Ramadão) e de peregrinações de religiões monoteístas ligadas à estação do ano que marca sempre os ritmos do homem e as suas actividades dentro e fora de casa e começam a cair as primeiras chuvas, que a terra exausta e seca agradece para se amaciar e receber novas sementeiras e dar, ainda, esses perfumes novos da terra ávida de água da vida.

Uma névoa de Outono o ar raro vela – de Fernando Pessoa (5-11-1932)
Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.

O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.

Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,

Terei outra verdade, universal,
E será como esta
Poema de Fernando Pessoa in http://www.mdaedalus.com/pessoa/fernando-pessoa-037p.html

Outono, preparação para o Inverno

Inverno – de Ricardo Reis

No ciclo eterno das mudáveis coisas
Novo Inverno após novo Outono volve
À diferente terra

Com a mesma maneira.
Porém a mim nem me acha diferente
Nem diferente deixa-me, fechado
Na clausura maligna
Da índole indecisa.
Presa da pálida fatalidade
De não mudar-me, me fiel renovo
Aos propósitos mudos
Morituros e infindos.
Poema de Ricardo Reis in http://www.geocities.com/larbaudjr/pessoa1.htm#ciclo





Fig. 4 -

Assim, manifestações culturais e algumas desportivas vão passar a pouco e pouco para recintos fechados e cobertos para protecção da chuva e do frio, do vento e da neve que também pode aparecer mais cedo obrigando o homem a recolher-se, mas que terá o espectáculo desse manto branco de neve protegendo a terra como que obrigando olhá-la e respeitar esse estar tranquilo e silencioso, a cobrir as culturas e as plantas fazendo delas esculturas com outra roupagem.

Aparte algumas excepções, acabaram-se as manifestações culturais nos espaços abertos do campo e da cidade, nas praças e nos parques, e mesmo na rua, hábito recente da década de 90 do séc. XX, de levar a cultura e a festa para a rua para todos, festa colectiva gratuita, a relembrar festas antigas dos saltimbancos que tanto se exibiam nas cortes dos monarcas como nos campos de feira ou outros espaços abertos dos aglomerados urbanos, manifestações colectivas como um direito de todos à arte e ao belo, direito e dever de cidadania.

Portugal porém, apesar de ter Inverno rigoroso de chuva e de neve durante alguns meses em alguns lugares montanhosos, não deixa de ter todo o ano céu cheio de sol e esplanadas abertas por todo o lado, porque é bom beneficiar do sol de Inverno e do céu límpido lavado pela chuva, como se também o frio fosse saudável, porque os dias cinzentos de céu fechado com o seu capacete húmido não são muitos nem durante muito tempo, logo se abrindo uma nesga de azul, e talvez por isso é cada vez mais frequente encontrar na rua, um pouco por todo o lado, pessoas que não falam a nossa língua e se vestem como nós nos vestimos apenas no verão, porque para os turistas que predominantemente habitam os países do norte da Europa, este clima de Outono e de Inverno, e de sol, será para eles uma bênção, até porque nem no Verão têm o nosso calor mediterrânico nem as nossas 3 mil horas de sol/ano.
No entanto, e parecendo paradoxal, os africanos que aqui habitam e que são de origem de países ainda mais quentes, sofrem mais do que os habitantes naturais com as baixas temperaturas, mesmo que amenas, como se tivessem sempre registado na sua memória celular as características do clima do país de origem do seu nascimento, como sofrem mesmo no nosso frio Inverno, os mais recentes emigrantes de Leste nascidos e habituados a latitudes de frio muito mais intenso, que nos trazem o seu trabalho diligente e acréscimo de formas culturais, como fizeram os portugueses mundo fora ao partirem na década de 60, trocas constantes de riqueza entre os "homens-migradores" parecendo tornar o mundo mais diferentemente rico com as diferentes formas de ser e estar.

Outono é tempo de grande actividade, criatividade e engenho de sobrevivência, que se evidencia agora essencialmente no reino animal na terra e no mar porque a temperatura começa a baixar e os alimentos escasseiam, sendo que muitos dos bichos têm de começar a armazenar alimentos e energia para passar o Inverno durante o qual muitos podem morrer de esgotamento durante a hibernação, enquanto as aves se preparam para voltar para locais de maior calor e alimento e, igualmente, os bichos do mar e os mais corpulentos da terra, se preparam para fazer as suas grandes migrações ou para hibernar em lonjuras de muitos quilómetros para salvar a sua espécie, cumprindo o eterno movimento da vida ao longo das estações do ano.

Porque acabou o tempo de férias, também para o homem um novo ciclo recomeça porque é tempo de congressos e feiras nacionais e internacionais culturais ou comerciais, de nova época desportiva nacional e internacional, de viagens de negócios e outras manifestações culturais internacionais estando já Portugal presente na II Bienal de Arquitectura de Veneza, como acabaram as férias para os jovens estudantes que iniciam ou retomam as suas actividades escolares, tendo também acabado as férias Judiciais e as férias dos Parlamentos dos países com esses Órgãos Administrativos. Acabaram as férias do homem e começam as da terra e dos seus habitantes selvagens.





Fig. 5

É tempo que dá também ao homem outro tipo de possibilidade de manifestação de criatividade ao sair à rua e pintar a magnificência das formas que se vestem de outras cores e luz, ou de fotografar as esculturas vivas representadas pelas árvores que vão ficar sem folhas ou dos volumes naturais da terra que agora começa a despojar-se de muita vegetação e que exibem todas as cores do negro aos castanhos e vermelhos sanguíneos, adoçadas pelas novas cores pastel e de luz de oiro das paisagens que se vão despindo e transfigurando com outra luz marcando diferenças figurativas e cromáticas nos espaços rurais e urbanos mas, por outro lado, permitindo ver melhor a imponência das árvores mais frondosas e seculares, que nunca perdem as suas folhas e porte e que ficam sozinhas e desacompanhadas das espécies caducas para serem elas agora a apanhar muito mais luz e exibirem-se na sua totalidade.

O homem pode ainda aproveitar directamente esses materiais das plantas e flores mortas - e mesmo frutos e sementes – que se vão entregando à terra ao desprenderem-se da planta mãe (e que irão decompor-se e fazer o novo húmus para a nova vida primaveril), fazendo quadros ou outras composições florais, bem como adornos femininos ou para a Casa – outra forma diferente e altamente criativa de aproveitar os bens da natureza para recreio ou mesmo para actividade económica, passando também pela ervanária porque é tempo de ir colhendo as plantas aromáticas e farmacológicas que vão secando depois de abandonar as sementes na terra ou, exactamente, para apanhar aquelas que se irão tratar e armazenar, guardando-as para comerciar ou para de novo deitar à terra na próxima época de sementeira que virá na primavera a seguir, num contínuo vaivém de reprodução contínua e continuada da vida e da morte regenerada como se cada estação do ano acabasse a anterior e preparasse a que se seguirá. Afinal não há descanso nem para a terra nem para o homem que também ele, nem no seu "sono" descansa.





Fig. 6

Tempo também de colher as plantas aromáticas para a culinária e para a perfumaria – esse bem de consumo que já não é de luxo porque a ele já não se resiste e não há razão para resistir, porque sempre o homem colheu para seu benefício e embelezamento do viver, o que a terra dá, mas sem a molestar e impedir a regeneração contínua, o que não é o que se passa no pós-era tecnológica, qual era de ganância que há tão pouco tempo se iniciou e põe em risco a vida global e de que o filme "verdade inconveniente" da autoria de Al Gore dá a verdadeira dimensão, por mais avisos que se tenham iniciado nos anos 60, que marcaram grandes "revoluções" socioculturais que incluíram o debruçar mais consciente sobre o ambiente, revoluções renovadas na ECO-92 de que saíram tantas Resoluções, incluindo a Primeira Carta da Terra, tudo ignorado por todos, muito embora venha já de muito longe de tempos imemoriais das monarquias mais primitivas, que delimitavam áreas florestais e coutadas, sendo que o Bois de Boulogne, Bois de Vincennes e Saint-Germain-en-Laie são exemplos do nosso quotidiano mais recente e que fazem ainda parte da ceinture-verte de Paris e são local de peregrinação turística, e sublinhando, também, que o Budismo é uma religião holística que inclui nos seus misteres o respeito à natureza total.

Acabou o riso do Sol com a sua gargalhada forte de verão e com o Outono desce a melancolia e paz dos dias que no entanto exibem o sorriso da luz de oiro tranquila trazida pelo pôr-do-sol anunciando outros amanhãs.





Fig. 7


Outono é o tempo da grandiosidade do pôr-do-sol.

Banho de luz, de beleza e de consolação do Céu descendo sobre a Terra nesta época em que se colhe a verdadeira medida de tudo o que a Terra deu ao longo de um ano como se fosse tempo de "balanço."

O pôr-do-sol será belo não importa em que lugar do globo terrestre mas não tem o mesmo tempo de duração já que nalguns lugares, mais próximos do Equador e Trópicos, o Sol pode ser um disco gigantesco mas apenas por alguns minutos, caindo de repente atrás das montanhas ou mergulhando no mar. Porém, em latitudes como as de Portugal o pôr-do-sol prolonga-se por vezes por horas inundando de luz de todas as cores o céu inteiro e as coisas que na terra há, até ao seu tempo mínimo de presença no solstício de Inverno que contrasta com este tempo de máximo de Luz, que desaparece no Inverno, em que a noite tem a duração máxima até ao equinócio da Primavera, num ciclo eterno de força do dia e força da noite.

E podemos recordar-nos de quando se estudava na disciplina de geografia mundial o Corne d'Or, porque até o Mar da Mármara espelha o oiro do Sol juntamente com todos os vidros das janelas viradas a poente fazendo dessa Istambul-Constantinopla (à mesma latitude de Lisboa) um hino ao Sol e à sua luz, devido também à mestria da implantação da cidade que bem soube "planear e desenhar" com a luz há milhares de anos.

E se no Verão o máximo de luminosidade e visibilidade da terra e das estrelas do céu acompanha o máximo de calor, por vezes de canícula, no Outono os monumentos de calcário branco virados a poente espelham-se em oiro se os arquitectos souberem, também, desenhar com a luz, já que, por exemplo, o Mosteiro dos Jerónimos (juntamente com a Torre de Belém) que ao entardecer era um painel doirado de pedra rendilhada, com a construção do CCB demasiado perto (e bastaria tê-lo afastado para oeste alguns metros), já fica metade na sua sombra, o que se lamenta profundamente porque o que o homem faz na terra tem de continuar a "espelhar" o que o céu dá, e a pedra do CCB, espécie de "bunker a que não faltam guaritas" e é manifestação de ostentação de modernidade iletrada sem mais preocupação do que o geometrismo da sua implantação relativamente ao lugar, sem se negar contudo a sua importância e função, não tem, devido à sua textura, qualquer capacidade de ficar igualmente doirado.

Porque, afinal, a luz natural é um dos maiores bens de um espaço e agente de saúde e alegria dos habitantes, e um dos mais importantes factores de planeamento e ordenamento urbano e de absorção da beleza da natureza e da decisão humana, valendo até a pena pensar como é alto o grau de suicídio dos habitantes dos países nórdicos, dos mais desenvolvidos do mundo, talvez também porque o Sol não os visita como nos países do sul mediterrânico, e que os procuram para férias, férias também "de saúde."

Maria Celeste d'Oliveira RamosLisboa - Bairro do Alto de Santo Amaro
Texto terminado a 21 de Setembro de 2006

Preparado para edição a 28 de Setembro de 2006
As imagens de folhas e de cidade são de António Baptista Coelho

Editado por José Baptista Coelho
Fontes:Poema de Fernando Pessoa in http://www.mdaedalus.com/pessoa/fernando-pessoa-037p.html
Poema de Ricardo Reis in http://www.geocities.com/larbaudjr/pessoa1.htm#ciclo
Fig 2 i - Sociedad Astronómica del Estado de Hidalgo, A.C. e corresponde ao hemisfério norte, http://www.meridiano98.org.mx/articulos/solsticio-invierno.html;
Fig 2 ii e Fig 3 in http://www.projetorelogiosolar.diadema.com.br/primaveraestacao.htm
Milton Pereira Barros é Coordenador do Observatório Astronômico Municipal de Diadema, Especialista em Quadrantes Solares, Bacharel e licenciado em Geografia Física.
Sociedade de Astronomia e astrofísica de Diadema - Observatório Astronômico de Diadema: Av. Antônio Silvio Cunha Bueno, 1322 – Jd. Inamar – Diadema – SP, http://www.observatorio.diadema.com.br/

Na próxima semana será editado, também de Celeste Ramos e com imagens urbanas:“A Cidade e o Equinócio de Outono II – desenhar com a natureza”

2 comentários :

Anónimo disse...

Texto tão rico em pormenores que se torna difícil tecer comentários que façam justiça a esta forma de escrita, tão próxima do impressionismo da luz. Este texto é (mais que um texto) uma 'fotografia' que, na sua génese, quer dizer exactamente 'escrever com a luz' (de foto+grafia). Mas é interessante denunciar, no ritmo da natureza, o ritmo das actividades humanas, dos ciclos políticos e o reaver das actividades 'cobertas', como se também na matriz urbana se espelhasse a alternância das atmosferas. Gostei da 'entrada' para este Outono e texto, na companhia de Juan Ramón Jiménez (que publicou Platero y yo, uma verdadeira cartilha ecológica: um dicurso previdente sobre a maldade dos homens e a humanidade de um burro, que o poeta dizia ser feito de aço, 'aço e prata de luar', acrescentava).
Creio, que algures, faz uma referência ao budismo ocmo religião holística. Ora, julgo que todas as religiões são holísticas, com suas diferentes cosmogonias. Também a religião cristã (distingo aqui a religião cristã da igreja Católica, pois o cristiamismo tem a ver com Cristo, e a igreja Católica com o império Romano... para além do Vaticano ser um Estado) tem recortes de um profundo sentido ecológico (pois, diz a Bíblia, que quando deus criou o mundo já um espírito pairava sobre as águas...). Mas (a propósito das religiões transformadas em credos e multidões institucionalizadas de fiéis) creio que apenas o Hinduísmo nunca se confundiu com o poder de um Estado - para além da crença na reencarnação ser, também ela, resultado de um sentido ecológico, de re-ligação entre o humano e a natureza...). Enfim, o catolicismo é que dividiu o humano da natureza e das outras espécies (negando uma alma aos animais: já o Islão nutre um profundo respeito por todos os seres vivos, proibindo a sua reprodução... mas lembro-me de certa fonte, magnífica, em Alhambra... que...). Também a sociedade industrial nos 'apartou' da natureza, com seus mecanismos que foram subtituindo a força motriz dos animais... (Aliás, as primeiras associações contra a 'crueldade sobre os animais' datam da revolução industrial, em Inglaterra... numa sociedade que se ia libertando da energia e 'boa-vontade' das bestas, mecanizando os processos produtivos...). Mas a globalização dos riscos, tecnológicos e naturais, comprime hoje o mundo a uma solidariedade que tem em consideração a natureza, e as gerações vindouras...
Que o olhar 'urbanita' e tão terno deste texto possa aspirar a esse compromisso, 'religioso', ecológico (pois a ecologia é a última utopia... e uma forma de fundir os tempos, e o aleatório de apenas haver um destino - e 'destino comum'), e que este Outono nos inspire num recolhimento necessário, um 'ramadão' universal onde possamos pensar que os outros (todos os outros e tudo) são, como as aves, as montanhas e os rios, todas as variações da natureza como a sofreguidão vencida destas folhas, nossos irmãos e irmãs.
[João Lutas Craveiro, LNEC].

António Baptista Coelho disse...

Gostei muito de ler o texto de comentário de João Lutas Craveiro e concordo com ele, quando indica que os termos/ideias expressos no belíssimo artigo de Celeste Ramos sobre "este" Outono e "esta" cidade, nos fazem olhar para tudo isto num sentido basicamente primordial e tal é bem oportuno numa altura em que tanto muda e tende a mudar.

ABCoelho