O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947
Informa-se que para aceder (fazer download) do mais
recente Catálogo Interativo da Infohabitar, que está tematicamente organizado
em mais de 20 temas e tem links diretos para os 922 artigos da Infohabitar,
existentes em janeiro de 2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80
pg), usar o link seguinte:
https://drive.google.com/file/d/1vw4IDFnNdnc08KJ_In5yO58oPQYkCYX1/view?usp=sharing
Infohabitar, ano XXI, n.º 947
Edição: quarta-feira 3 de setembro de 2025
Editorial
Tal como foi referido, continuamos, na presente semana, a divulgar
uma série de artigos realizados por novos autores ainda não editados na
Infohabitar e ligados à recente revitalização do GHabitar Associação Portuguesa
para a Promoção da Qualidade Habitacional (GHabitar APPQH) – antigo Grupo
Habitar, uma associação técnica e científica sem fins lucrativos que tem estado
a redinamizar a sua ação com diversas atividades por todo o País e que continuarão
a ser aqui divulgadas.
Deste modo temos o gosto muito especial de passar, em seguida, ao artigo que nos foi enviado pelo Arq. André Fernandes, que é, atualmente, o Presidente
da Direção do GHabitar APPQH, a quem saudamos de forma muito especial, texto
este intitulado “O terceiro sector na Habitação”, onde o autor se refere à
importância e à caraterização da iniciativa cooperativa habitacional e que
constituiu a sua Comunicação ao 16ª Congresso dos Arquitetos | Qualidade e
Sustentabilidade: Construir o [nosso] futuro, que foi realizado em março de
2023, no Auditório do Teatro Micaelense, Centro Cultural e de Congressos, Ponta
Delgada, São Miguel, Açores.
O texto é editado na sua versão completa, apresentada no referido
Congresso; aproveitando-se, também, a oportunidade para dar as boas-vindas ao amigo
e colega André Fernandes ao grupo dos autores Infohabitar e, naturalmente, para
lhe agradecer esta sua importante contribuição.
Aproveita-se para continuar a fazer uma nota prática importante,
relativamente à RENOVADA disponibilização na margem direita da edição da
Infohabitar de uma listagem ilustrada dos artigos mais lidos e respetivos links
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947
André Fernandes
Reflexões sobre a casa comum
O problema da habitação é hoje, novamente,
reconhecido como central para a sustentabilidade da nossa casa comum. É-o de
várias formas. A qualidade do ambiente construído, desde a habitação ao espaço
público, é nuclear para garantir uma vida plena não só às nossas comunidades como
também à vivência que temos em comum. É preciso, em primeiro lugar,
reconhecê-las nas suas especificidades, evitando soluções genéricas e
circunstanciais que são frequentemente origem de disfuncionalidades e
desadequação. É por isso importante acompanhar as intenções que o Estado e o
Governo manifestam ao atribuir à habitação um lugar central nas políticas sobre
o território mas é igualmente importante integrar as políticas de habitação em
processos mais alargados que incluam o espaço público, as infraestruturas, as
acessibilidades, a sua distribuição no território e, sobretudo, uma capacidade
de entender e incorporar a evolução das dinâmicas socio-económicas, cientificas
e artisticas no país e no mundo. É igualmente importante pensar em politicas
resilientes, dotadas de ferramentas e mecanismos capazes de aguentar o embate das
sucessivas contingências que de forma sistematicamente imprevisível nos tem
batido à porta.
A pandemia por que passámos impulsionou
práticas para a sua própria resolução que reconheceram, na sua urgência, a
necessidade de ações mais resolutas recorrendo a uma estrutura de missão. O
reconhecimento generalizado da centralidade da habitação como problema urgente
a resolver pode igualmente suscitar a procura de soluções semelhantes. Ainda
assim e aceitando que uma estrutura de missão possa ser solução imediata para
esta emergência, se nada for pensado na forma de uma estratégia de habitação que
integre os vários domínios da vida e actividade humanas e seja traduzível em políticas
novas, claras e equilibradas, estaremos condenados, em pouco tempo, a ter de
considerar, de novo, mais uma estrutura de missão.
Seja como for, esta é uma tarefa à qual não se
consegue dar resposta sem perceber que existe um mercado e que este, por mais
desregulado que possa estar, tem actores que não podem nem devem ser ignorados.
São eles o sector público ou Estado e os sectores da sociedade civil que se decompõe
no sector privado, aqui entendido na sua matriz empresarial e individual, e no
terceiro sector, de matriz associativa e sem fins lucrativos.
Neste quadro, torna-se, pois, fundamental uma
primeira intervenção do Estado (é essa a sua obrigação), constituindo equipas
multidisciplinares articuladas entre as suas estruturas e as da sociedade civil
e que enfrentem o problema da habitação propondo as ações necessárias para a
sua resolução, recorrendo às ferramentas e meios que tem à sua disposição – legislação,
financiamento e parque habitacional.
A habitação pública é um garante da inclusão
mas é justo reconhecer o papel do terceiro sector, de natureza estruturalmente associativa,
na edificação de intervenções qualificadas um pouco por todo o país. A
habitação cooperativa, a título de exemplo, foi quase erradicada deixando um
espaço vazio entre a iniciativa privada e a habitação pública. Percebemos
também que a legislação entretanto construída (ou desconstruída) conduziu a
essa dicotomia e à eliminação das alternativas. Num momento em que se discute
de novo a legislação aplicável ao terceiro sector faz sentido trazer de novo a sua
experiência e a possibilidade que o movimento associativo representa.
Não é esta a primeira crise que a habitação
atravessa neste país. Desde a erradicação das barracas às campanhas da
qualidade na construção, passando pela crise das dividas soberanas, temos um
longo historial de problemas que sistematicamente criamos, resolvemos e
deixamos de novo cair até termos de os resolver outra vez.
Encontramo-nos agora numa nova crise em que a face
visível do problema é a do altíssimo custo da habitação, seja ele na compra ou
seja ele no arrendamento. No quadro actual, cresce diariamente o número de
cidadãos que não consegue aceder a habitação condigna, tal como está definida
na nossa maior e mais fundamental consensualização enquanto sociedade e a que
damos o nome de Constituição. Está em causa o direito à habitação!
As recentes medidas propostas pelo governo para
lhe fazer face representam, por um lado, uma valorização do problema e, por
outro, a assunção velada e continuada da inexistência de uma política de
habitação em Portugal. A uma política entregue aos ditames do mercado, o Estado
obteve, em resposta, um mercado progressivamente menos resiliente, pendendo o
seu desiquilíbrio para universo da especulação. Apanhado assim entre a falta de
oferta de habitação pública resultante de tantos anos de negligencia e um
mercado sobreaquecido pela procura externa, o Estado propõe medidas avulsas,
desligadas de qualquer política consistente e perceptível. Reage-se quando não se
agiu! Consciencializado este cenário, cabe à sociedade civil “chegar-se à frente”
e mostrar, se isso lhe for permitido e se para tal tiver força, que há outros
caminhos, não novos, mas antes experimentados e com sucesso. O terceiro sector
será para a habitação, tal como o é em muitos outros países do espaço
europeu, uma alternativa credível, viável e sustentável.
Mas o que
distingue o terceiro sector nesta questão da habitação?
Dizem os compêndios de economia que as
organizações do terceiro sector se definem por cinco princípios estruturais ou
operacionais que as distinguem de outros tipos de organizações e instituições sociais. São eles:
1- Ter constituição formal: possuem alguma forma de institucionalização, legal ou não, com um
nível de formalização de regras e procedimentos suficiente para assegurar a sua
actividade por um período mínimo e útil de tempo.
2- Serem estruturas básicas não
governamentais: são privadas, ou seja, não são
ligadas institucionalmente a governos.
3- Possuírem gestão própria: realizam a sua própria gestão, não sendo controladas externamente.
4- Não terem fins lucrativos: a geração de lucros ou excedentes financeiros deve ser reinvestida
integralmente na organização. Estas entidades não podem distribuir dividendos
resultantes de lucros aos seus dirigentes.
5- Incorporar trabalho
voluntário: possuir algum grau de mão de obra voluntária,
ou seja, não remunerada.
Em Portugal, estes principios estruturais
corporizaram-se, com sucesso, em múltiplas organizações de caracter associativo
que se estenderam desde as Corporações e Caixas de Previdência (mais comuns no
período do Estado Novo), às Associações de Moradores (activas no pós 25 de
Abril e SAAL), culminando com a explosão das cooperativas nos anos 80 e 90 e em
que se chegou ao extraordinário numero de quinhentas. Actualmente, temos cerca
de 40!
O que verdadeiramente distingue o terceiro
sector dos sectores público e privado é a sua vocação social e associativa,
mais precisamente a que se dirige às classes médias solventes, capazes de se
auto-organizar mas muitas vezes com capacidade económica mais limitada. É
precisamente este estrato que mais sofre com a actual crise mas é também nele
que poderá estar uma boa parte da solução!
O que fez, faz
e o que pode fazer o terceiro sector pela questão da habitação?
São muitos os galões que o terceiro sector pode
puxar para que de novo, e caso lhe sejam dadas condições para tal, possa ser uma
força motriz do desenvolvimento de políticas consistentes e sustentáveis de
habitação. É por isso mesmo, importante relembrar alguns factos e dados que
certamente ajudarão a confirmar a energia, utilidade e justeza que o movimento
associativo pode emprestar a esta causa:
- Construiu 160.000 casas nas décadas de 80 e
90, ou seja, em apenas 20 anos. Para que se perceba a magnitude deste feito,
refira-se que o Estado tem actualmente, em números largos, cerca de 100.000
casas no total como parque habitacional público.
- Criou e desenvolveu um envolvimento das
comunidades com a vida e com a política locais que potenciou, em muitos
momentos da sua existência, um entendimento mais alargado do que é o habitar em
propriedade colectiva, através da construção e gestão de equipamentos
escolares, lares de idosos, zonas desportivas, comerciais e sociais entre
outros.
- Foi capaz de conferir estabilidade ao mercado
da habitação através da criação de oferta a preços balizados apenas pelos custos
da construção, dos projectos e das taxas e impostos a que ninguém neste pais
pode fugir.
Perante estes
dados importa, para além de sobre eles reflectir, entender como todo este
edifício se foi desfazendo. Importa perceber, para que os erros não se repitam,
as responsabilidades do Estado e do sector financeiro nesta matéria, não
esquecendo as responsabilidades que também cabem à sociedade civil e, diga-se,
aos arquitectos. Mas importa sobretudo saber o que se pode fazer. Importa saber
qual é o papel de cada sector na estruturação de uma nova resposta e quais os
princípios a considerar:
Pela parte do Estado, a nível nacional, financiamento
e legislação. Também pelo Estado mas a nível municipal, terrenos,
infraestruturação e enquadramento nas ferramentas de gestão territorial. Pelo
lado da sociedade civil, organização, gestão e nervo.
A esta estruturação clássica devemos juntar-lhe,
pelo lado dos Arquitectos, a exigência de integração, nas novas politicas, das novas formas de habitar e
construir, seguindo novos princípios como são os avançados pela “New European
Bauhaus” e os definidos nos objetivos do “Green Deal”.
Em resumo, a responsabilidade pelo problema da habitação que
atravessamos é de todos, ainda que em partes claramente desiguais, e a todos se
deverá exigir que sejam parte da solução. Pela parte que nos toca, a nós,
arquitectos, cabe-nos o dever de uma participação propositiva e a obrigação de
debate, sempre fundadas na nossa formação, saber e ética.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural
responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer
elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias,
desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos
respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as
necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o
referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta
a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
(iv) Oportunamente haverá novidades
no sentido do gradual, mas expressivo, incremento das exigências editoriais da
Infohabitar, da diversificação do seu corpo editorial e do aprofundamento da
sua utilidade no apoio à qualidade arquitectónica residencial, com especial
enfoque na habitação de baixo custo.
O terceiro sector na Habitação – infohabitar # 947
Informa-se
que para aceder (fazer download) do mais recente Catálogo Interativo da
Infohabitar, que está tematicamente organizado em mais de 20 temas e tem links
diretos para os 922 artigos da Infohabitar, existentes em janeiro de
2025 (documento pdf ilustrado e com mais de 80 pg), usar o link seguinte:
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Infohabitar, ano XXI,
n.º 947
Edição: quarta-feira 3 de setembro
de 2025
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas
Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura
e Urbanismo pelo LNEC.
Os aspetos técnicos do lançamento da
Infohabitar e o apoio continuado à sua edição foram proporcionados por diversas
pessoas, salientando-se, naturalmente, a constante disponibilidade e os
conhecimentos técnicos do doutor José Romana Baptista Coelho.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa
para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na
Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).