quarta-feira, junho 15, 2022

Privacidade e convívio em ambientes residenciais adequados para idosos - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 819

Clicar aqui: Ligação direta (clicar) para:  listagem interactiva de 800 Artigos, edição revista em janeiro de 2022- 38 temas e mais de 100 autores

https://docs.google.com/document/d/1WzJ3LfAmy4a7FRWMw5jFYJ9tjsuR4ll8/edit?usp=sharing&ouid=105588198309185023560&rtpof=true&sd=true

 

Privacidade e convívio em ambientes residenciais adequados para idosos - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 819

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 819 

Edição: quarta-feira, 15 de junho de 2022

 

Artigo X da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”


Caros leitores da Infohabitar,

Com o presente artigo continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma abordagem global e bibliográfica dos amplos, sensíveis e urgentes aspetos associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, desejável e naturalmente integrados em quadros intergeracionais dinamizados e convivializados pelas cooperativas que estão, desde há dezenas de anos, em Portugal, dedicadas à promoção de habitação de interesse social com expressiva qualidade e frequentemente associada a um amplo leque de variadas e vitais atividades vicinais e urbanas.

Lembra-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,    

Lisboa, em 15 de junho de 2022

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

Nota introdutória à temática do Programa de Habitação Adaptável Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C)

Considerando-se o atual quadro demográfico e habitacional muito crítico, no que se refere ao crescimento do número das pessoas idosas e muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a actual diversificação dos modos de vida e dos desejos habitacionais, e a quase-ausência de oferta habitacional e urbana adequada a tais necessidades e desejos, foi ponderada o que se julga ser a oportunidade do estudo e da caracterização de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional (PHAI), adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável, resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).

O PHAI3C visa o estudo e a proposta de soluções urbanas e residenciais vocacionadas para a convivência intergeracional, adaptáveis a diversos modos de vida, adequadas para pessoas com eventuais fragilidade físicas e mentais, mas sem qualquer tipo de estigma institucional e de idadismo, funcionalmente mistas e com presença urbana estimulante. O PHAI3C irá procurar identificar e caracterizar tipos de soluções adequadas e sensíveis a uma integração habitacional e intergeracional dos mais frágeis num quadro urbano claramente positivo e em soluções edificadas que possam dar resposta, também, a outras novas e urgentes necessidades habitacionais (ex., jovens e pessoas sós), num quadro residencial marcado por uma gestão participada e eficaz, pela convivialidade espontânea e social e financeiramente sustentável.

Trata-se, tal como se aponta no título do artigo, de uma “versão de trabalho e base bibliográfica ” e, portanto, de um artigo cujos conteúdos serão, ainda,  substancialmente revistos até se atingir uma versão estabilizada da temática referida no título; no entanto, em virtude da metodologia usada, que se considera bastante sólida, marcada pelo recurso a abundantes referências de fontes, devidamente apontadas e sistematicamente comentadas no sentido da respetiva aplicação ao PHAI3C, e tendo-se em conta a utilidade de se poder colocar à discussão os muitos aspetos registados no sentido da sua possível aplicação prática no PHAI3C, considerou-se ser interessante a divulgação desta temática/problemática nesta fase de “versão de trabalho”, que, no entanto, foi já razoavelmente clarificada – como exemplo do posterior tratamento para passagem a uma versão mais estável teremos, provavelmente, referências bibliográficas mais reduzidas e boa parte delas em português, assim como comentários mais desenvolvidos; mas mesmo este desenvolvimento irá sendo influenciado pelo(s) caminho(s) concreto(s) tomado(s) pelos diversos temas e artigos que integram, desde já, a estrutura pensada para o designado documento-base do PHAI3C, que surgirá, em boa parte, da ligação razoavelmente sequencial entre os diversos temas abordados em variados artigos.

Ainda um outro aspeto que se sublinha marcar, desde o início, o teor do referido documento-base do PHAI3C (a partir do qual serão gerados vários documentos específicos: mais de enquadramento e mais práticos) é o sentido teórico-prático que privilegia uma abordagem mais integrada e exemplificada da temática global da habitação intergeracional adaptável e cooperativa, apontando-se exemplos e ideias concretas logo desde as partes mais de enquadramento da abordagem da temática como as que se desenvolvem neste artigo.

Notas introdutórias ao novo e presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional

O presente artigo inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores citados no texto.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente artigo e para aqueles que o precederam e os que lhe darão continuidade, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão do texto que é apresentado no artigo reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria bem complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

Solicita-se a compreensão dos leitores para lapsos e problemas de edição que, sem dúvida, acontecem no texto que se segue, mas a opção era prolongar, excessivamente, o período de elaboração de um texto que, afinal, se pretende seja essencialmente prático; as próximas edições serão complementarmente revistas e melhoradas.

Regista-se, também, que foram, pontualmente, retiradas, em alguns dos textos citados as numerações relativas a notas bibliográficas específicas desses textos. 


Privacidade e convívio em ambientes residenciais adequados para idosos - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 819

António Baptista Coelho

Com base direta nos textos, ideias e opiniões dos autores referidos ao longo dos documentos que integram a listagem bibliográfica registada no final do artigo.


Resumo

Neste artigo, dedicado à temática de uma habitação intergeracional participada e naturalmente convivial abordam-se, sequencialmente, as seguintes matérias: a intimidade e a domesticidade em espaços habitacionais adequados a diversos grupos socioetários; a convivialidade e a intimidade, aspetos essenciais a harmonizar nos espaços privados e comuns habitacionais; e questões associadas às temáticas, desejavelmente conjugadas, da domesticidade, da longevidade e da intergeracionalidade

 

Introdução

Subtemáticas do presente item :

(1) Intimidade e domesticidade

(2) Convivialidade e intimidade

(3) Domesticidade, longevidade e intergeracionalidade

No presente tema referido ao desenvolvimento de condições específicas de privacidade e de convívio em ambientes residenciais adequados para idosos e pessoas fragilizadas fazem-se, primeiro considerações muito sintéticas e introdutórias sobre a relação entre os aspetos de intimidade e a criação de um conjunto de espaços e ambientes agradavelmente sentidos como próximos/domésticos, envolventes, protetores e amigos das identidades dos residentes.

Passa-se, em seguida, também de forma muito condensada, para o apontar da necessidade « gémea » da referida intimidade doméstica, que é a existência de adequadas e regradas condições de convívio, no sentido, quer do apoio à prática de um amplo conjunto de atividades e de comportamentos nos espaços comuns dos espaços privados e nas zonas comuns do edifício residencial, quer da essencial necessidade de existência de tais condições como garantia de podermos sentir e usufruir, verdadeiramente, as referidas « gémeas » condições de privacidade e intimidade.

Finalmente avança-se numa, julgada, interessante relação entre a disponibilização de adequadas condições de domesticidade, muito associadas às referidas exigências gémeas de privacidade e convivialidade, e o favorecimento de um bem-estar e de uma satisfação residencial e de vida diária que serão fatores de saúde global e de longevidade, naturalmente, num quadro residencial intergeracional.

Importa ainda salientar que a própria natureza participada e cooperativa do PHAI3C, que está bem evidente na sua designação – Programa Habitacional Adaptável e Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados –, acaba por ser um fator de facilitação dos referidos aspetos de convivialidade, que deverão ser, evidentemente, complementados ou equilibrados por exemplares condições de privacidade nas unidades residenciais privadas e nos seus principais acessos.

1. Intimidade e domesticidade

Nesta matéria da relação entre os aspetos de intimidade e a criação de um conjunto de espaços e ambientes agradavelmente sentidos como próximos/domésticos, envolventes, protetores e amigos das identidades dos residentes, não se trata « apenas » da disponibilização de espaços « pessoais », sensivelmente privados, controlados pelo próprio habitante e por ele apropriados, mas também de que tais condições de intimidade protetora no dia-a-dia e da própria identidade e história pessoal de cada um de nós, esteja bem « embebida » de quem nós somos e fomos e que nos propicie condições maximizadas de agradabilidade geral – que inclui muito mais do que um conforto ambiental « funcionalista » -, de verdadeiro sentido de « casa nossa », envolvente, protetora, « gostosa », restauradora, a tal « concha de caracol » de que falava Amália quando se referia à sua própria casa.

Tudo isto se lega fortemente ao processo arquitetónico e ao desenvolvimento de uma adequada qualidade arquitectónica residencial que influi em todos nós habitantes:

.    mas que, por um lado, continua a ser pouco conhecida da grande maioria dos habitantes, que acabam por não saber, realmente, que é possível habitar muito melhor em espaços domésticos cuja qualidade real vai muito para além dos respetivos aspetos quantitativos (ex., de áreas de compartimentos, de áreas de janelas, de área de arrumos, etc.) , mas para tal há que avança rem temas tão sensíveis, como exigentes e como eficazes – e um dos caminhos melhores será sempre o mostrar e comentar os bons exemplos e os casos de referência;

.    e que, por outro lado, impacta de forma muito mais efetiva e importante nos residentes mais idosos e/ou mais fragilizados, e não só porque estes são os residentes que mais longa e intensamente usam a habitação, durante todo o dia e toda a noite (ex., as insónias frequentes nos idosos são apenas um pequeno exemplo desta condição). 

A título de exemplo lembramos um caso real de residência para idosos, que se considerou muito interessante nas suas características arquitectónicas, em que nos seus espaçosos e bem desenhados T0s (espaço amplo com zonas de dormir, estar e refeições), num dos casos uma residente tinha apropriado muito agradavelmente os seus microespaços com alguns atraentes móveis familiares, enquanto outra residente vivia, praticamente, num espaço vazio e « frio », devido a dificuldades financeiras críticas; um exemplo que evidencia, julga-se, o que foi apontado atrás.

Ainda a título de exemplo regista-se que um dos principais promotores norte-americanos de conjuntos residenciais para idosos proporciona, julga-se que com caráter sistemático, um verdadeiro e excelente guia de arquitetura de interiores especializado e pormenorizado, no sentido de se apoiarem os residentes na melhor ocupação, decoração e apropriação dos seus novos espaços residenciais privados, disponibilizando-se, também a intervenção de um técnico de arquitetura de interiores para apoiar na aplicação do referido « guia », julga-se com igual caráter sistemático ; e assim se conseguirão, sempre, condições de intimidade e domesticidade, por regra, maximizadas, com vantagens julgadas evidentes para a satisfação individiual e para o ambiente geral de cada intervenção.

Não se avança para já com outras reflexões sobre esta matéria, naturalmente sensível e geradora de discussão, que releva a importância de uma forte intimidade e domesticidade nas habitações especialmente dedicadas a idosos – e naturalmente no próprio PHAI3C –, mas aproveita-se para deixar aqui a referência a um estudo que avançou recentemente nesta matéria : trata-se da tese de María Francisca Sánchez Peiró, intitulada El Lenguaje Íntimo de la Arquitectura : Configuración y Percepción del Espacio Doméstico. La Literatura como Fuente ; uma tese doutoral de 2013 da Universida Nacional de Educación a Distancia (UNED) de Madrid, na temática geral de Historia de Arte e que embora se desenvolva muito numa vertente teórica se considera bastante importante para uma reflexão prática e operacional sobre este tema.

Naturalmente que esta matéria da intimidade e da domesticidade teve a atenção, provavelmente, de todos os principais teóricos arquitectos com obra editada nos últimos 100 anos, mas algumas vezes numa perspetiva muito funcionalista e compartimentada, entre privacidade e convívio, que provavelmente, não será a mais real e não é a que aqui mais nos interessa, pois no âmbito do PHAI3C : (i) nem se deseja que as unidades residenciais sejam exclusivamente privatizadas, como se tratasse de um grande quarto numa habitação enorme, pois perder-se-ia, desse modo, parte da riqueza da habitação de cada um, com os seus espaços de convívio limitado e de transição entre mundo privado e espaço exterior ; (ii) nem se deve procurar que os espaços comuns sejam assertiva e influenciadoramente conviviais em toda a sua extensão, pois desta forma também se perderia o muito agradável sentido de poder estar (relativamente) « sozinho », embora bem em companhia, por exemplo, dando uma olhadela a um jornal, enquanto se vai acompanhando o que se passa na sala, ou mesmo estando agradavelmente « isolado » num agradável e recatado recanto desses espaços comuns.

Mas evidentemente que há que lembrar, entre outros teóricos arquitectos que pensaram e escreveram magistralmente sobre estas temáticas : Norberg-Schulz, Charles Moore, Rybzinsky, entre os mais « clássicos » e um conjunto mais recente de autores.


Fig. 01 : uma imagem do programa intitulado « Vila dos Idosos », em São Paulo, Brasil ; uma intervenção do programa Morar no Centro da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), que integra 145 unidades para pessoas idosas, realizado em 2003-2007, com projeto de Arquitetura de VIGLIECCA&ASSOC – Arq.º Hector Vigliecca e Associados. Mais imagens deste conjunto acompanharão os próximos artigos desta série, tendo sido recolhidas no âmbito do 3.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (3.º CIHEL) promovido pelas FAU- Mack, FAU-USP e IAU-USP.

2. Convivialidade e intimidade

Quando se conseguem condições de intimidade e domesticidade, por regra, maximizadas, obtêm-se, portanto, vantagens evidentes, quer para a satisfação individual, quer para a construção de um « ambiente geral » positivo e de bem-estar em cada intervenção residencial, pois estão a proporcionar-se os espaços privados e íntimos « de retaguarda » e mesmo, eventualmente, de « retirada », sempre que desejada, tão importantes para a vida privada de cada um como para a respetiva predisposição para « saídas » dedicadas ao convívio natural e pontualmente estimulante do dia-a-dia.

Mas, evidentemente, que para ser possível esse convívio designado por « natural » – porque  não fisicamente imposto ou mesmo excessivamente sugerido em termos de  conjugações espaciais e de acessibilidades unívocas – , é também necessário que exista um conjunto de espaços comuns adequados, onde seja possível, sentir e viver esse « ambiente geral e comum », mas com toda a naturalidade e sem quaisquer sinais físicos, ainda que muito ligeiros, de qualquer tipo de « obrigatoriedade » num uso frequente e intenso dos respetivos espaços comuns, e visando-se, também muito naturalmente, estimulantes condições de convivialidade.

Outro aspeto que importa aqui salientar refere-se às negativas e habituais situações de solidão e de isolamento experienciadas por muitos idosos no seu dia-a-dia, condições estas por todos bem conhecidas e que por vezes assumem aspetos verdadeiramente críticos – e o exemplo cabal desta situação está no número de idosos que são encontrados sem vida, dias depois de terem falecido ; e não tenhamos dúvidas de que a disponibilização de espaços e condições organizativas que suscitem o convívio natural entre vizinhos constitui uma ferramenta importante no combate a essa solidão.

Um outro aspeto a salientar, desde já, nesta matéria da importante disponibilização de condições gémeas e complementares de intimidade e de convivialidade em conjuntos residenciais adequados para idosos tem a ver com a natureza intergeracional do PHAI3C, e é evidente que um ambiente de mistura de gerações propiciará nos respetivos e adequados espaços comuns e numa perspectiva, salienta-se sempre, expressivamente voluntária e natural, um potencial de convívio muito interessante e rico e muito mais interessante e rico do que no caso de um ambiente residencial monogeracional e especificamente dirigido para idosos e fragilizados. Mas para tal haverá que cumprir um muito exigente programa arquitetónico que anule todas as dimensões de falta privacidade e de desconforto ambiental (intrusão visual, ruídos, cheiros), nas unidades habitacionais privadas, relativamente a outras unidades privadas e aos espaços comuns e de circulação.

Ainda um outro aspeto a registar no que se considera poder ser um estratégico apoio a uma convivialidade natural, espontânea, enriquecedora de um dia-a-dia pouco monótono, associável a todo um leque de estimulantes atividades melhor desempenhadas em grupo (ex., visitas a museus, longos passeios a pé, viagens organizadas, etc.), no âmbito do referido espaço residencial multigeracional refere-se à natureza cooperativa que marca, desde a sua origem, o próprio conceito e designação do PHAI3C, como entidade cooperativa e portanto participada e convivial.

3. Domesticidade, longevidade e intergeracionalidade

Tendo-se acabado de abordar, ainda que de forma muito sintética, a temática global do equilíbrio entre privacidade e convívio como positivamente caraterizador de ambientes residenciais intergeracionais e adequados para idosos, primeiro numa perspectiva referida às matérias da relação entre intimidade e domesticidade e, depois, no que se refere à articulação entre convivialidade e intimidade, passamos, agora, a uma pequena e necessariamente preliminar “viagem” pelo que julgamos poder ser o favorecimento de um bem-estar e de uma satisfação residencial e de vida diária, marcando uma expressiva intimidade e « domesticidade », que pensamos poderem ser fatores influenciadores de saúde global e consequentemente de longevidade.

Julga-se que nestas matérias seria/á essencial que as renovadas soluções residenciais intergeracionais e participadas – como é o caso das ligadas ao PHAI3C – possam influenciar muito positivamente a nova fase de vida que se iniciará com a mudança dos idosos para a sua nova habitação e para o seu alargado espaço residencial, em termos de espaços comuns e de vizinhança exterior; o “segredo” do êxito desejado para estas iniciativas será na medida em que estas novas propostas residenciais possam cativar e mesmo entusiasmar pessoas isoladas e casais que anteriormente até poderiam estar muito bem servidos em termos habitacionais e de localização, mas que depois da mudança poderão conseguir uma nova dimensão residencial, integrada por uma habitação extremamente bem concebida em termos das suas necessidades atuais e potenciais, por um leque estratégico de apoio por variados serviços domiciliares e de vizinhança, e, eventualmente, assim o desejando, por um sentido convivial e de pertença a uma dada comunidade, que será o oposto a encarar-se um envelhecimento marcado pelo afastamento, pela segregação e pela solidão. Julga-se que deste modo se poderá contribuir para um acrescido bem-estar diário e a longo prazo destas pessoas, condição esta que se julga será fator de mais saúde e de maior interesse pela vida.

Nesta reflexão amparámo-nos no interessante estudo de Farah Rejenne Corrêa Mendes, significativamente intitulado “Ambiente Domiciliar X Longevidade Pequena História de uma Casa para a Velhice” (1); e deste estudo retiramos diversas ideias importantes na área da relação entre a máxima melhoria do ambiente domiciliar/doméstico e o apoio a um melhor envelhecimento, que são, em seguida, citadas: (negrito nosso).

Morar: Fator relevante, ao considerarmos as alterações do envelhecimento, como a perda auditiva gradual, principalmente nas freqüências altas (sons agudos), o que provoca redução na inteligibilidade da fala e desconforto acústico, podendo levar ao desinteresse e isolamento social.

A iluminação também é importante, principalmente a iluminação natural durante o dia, que deve ser preferível, pois favorece a produção de hormônios responsáveis pelo bem-estar, como a melatonina, e garante um bom relacionamento com o ambiente, especialmente com os cômodos da casa de maior uso, como o quarto e a sala.

E à noite, é importante uma boa iluminação principalmente em mudanças de ambientes (interno e externo) como no trajeto do quarto ao banheiro, a fim de minimizar o risco de quedas.

A sensação de bem-estar e conforto em um ambiente está muito relacionada com as condições de umidade e temperatura do local. E tanto o frio excessivo quanto o calor, que provoca desidratação, devem ser evitados. Com o envelhecimento as atividades e metabolismo humano se alteram, diminuindo a quantidade de água nos órgãos e na pele, provocando uma sensação térmica baixa. Com isso, as medidas para a manutenção do conforto ambiental devem ser adotadas, de acordo com as estações do ano e horários do dia e preferências e estados de saúde dos idosos. (pg. 4)

Com o tempo o corpo se transforma, torna-se fragilizado e enrugado. O tempo influencia no biológico, mas também no psicológico, social e econômico. E falar em tempo, na velhice, provoca argumentos que se concentram em não há tempo. O tempo já passou, meu tempo já passou. Não há mais projetos e sim a espera por um fim digno.

E conforme Gihorn … “Os idosos preferem se manter nas próprias casas, particularmente quando a opção é uma instituição para idosos. A maioria das pessoas acima de 75 anos prefere envelhecer no lugar em que já vivem e não perdem tempo pensando em casas futuras, eles geralmente preferem manter as coisas do jeito que estão.” (pg. 4 e 5)

O ambiente domiciliar tem papel primordial no bem-estar, no conforto e na saúde durante todo curso de vida. Mas o que observamos são ambientes projetados para adultos jovens sem nenhuma limitação e a desconsideração das necessidades dos idosos, bem como das crianças, das pessoas muito altas ou baixas, das mulheres gestantes, das pessoas obesas e das pessoas com limitações sensoriais, cognitivas e físicas, … (pg. 6)

Farah Rejenne Corrêa Mendes ajuda-nos a colocar vários grandes desafios que são, tal como se apontou acima, proporcionar tão excelentes condições residenciais, naturalmente a custos controlados, que sejam realmente atraentes e motivadoras, mesmo, para os que “preferem se manter nas próprias casas”, proporcionando-lhes realmente melhores condições urbanas e habitacionais, capazes de influenciarem positivamente o seu bem-estar e mesmo a sua saúde, num sentido amplo, e proporcionando, complementarmente, a “rotação” do parque habitacional com maiores tipologias que estava ocupado por estes “novos” habitantes das intervenções intergeracionais participadas.

Esse tipo de reflexões relativas, designadamente, a níveis etários a partir dos quais há uma bem compreensível inércia em sairmos das nossas “casas de vida” – conceito este que nos levaria/á longe, em outras reflexões – terá também como consequência a, sempre considerada, abertura das intervenções habitacionais intergeracionais a um amplo leque de níveis etários, visando-se, por exemplo, adultos e mesmo jovens adultos que sejam atraídos por esta renovada forma de habitar, e, muito especificamente, as pessoas com mais de 55/60 anos; uma idade sempre aproximada mas que corresponderá, provavelmente, à altura em que os filhos já saíram de casa e em que as necessidades e desejos urbanos e habitacionais tendem a variar significativamente – condição esta que deverá ter respostas específicas nos novos programas habitacionais e urbanos propostos, constituindo-se em fator de atração destes “novos” moradores.

E conclui-se esta reflexão sobre uma qualificação, podemos dizer, desejavelmente excecional de conjuntos residenciais intergeracionais, que seja garante de uma adequada capacidade de atração mesmo de idosos muito ligados às suas habitações “de vida”, qualificação neste caso especificamente dirigida para excelentes e diversificadas condições de privacidade e convivialidade, com uma pequena nota ainda relativa à referência que faz Corrêa Mendes ao “não haver tempo na velhice”, apontando-se que a solução arquitectónica global – da vizinhança ao pormenor – deveria ser uma solução verdadeiramente estimulante de um seu uso muito agradável e continuamente redescoberto, um uso que poderíamos também definir como “gozado” e “imbricado” ou “dialogante”, e, para além disto, a própria gestão de proximidade do respetivo conjunto residencial deveria proporcionar um excelente “uso do tempo”, em bases diárias, semanais e mensais/estações do ano, no sentido de que ninguém possa ficar criticamente desocupado, a não ser que, evidentemente, tal seja a sua vontade – e o exemplo desta opção encontra-se, facilmente, em muitas cadeias de hotelaria, que propõem variados eventos e iniciativas ao longo da semana, alguns numa base regular e outros especiais.

 

Notas:

(1) Farah Rejenne Corrêa Mendes. Ambiente Domiciliar X Longevidade Pequena História de uma Casa para a Velhice – 2014. Portal do Envelhecimento, agosto 1, 2018 https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/ambiente-domiciliar-x-longevidade-pequena-historia-de-uma-casa-para-velhice/


Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Privacidade e convívio em ambientes residenciais adequados para idosos - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 819

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 819

Edição: quarta-feira, 15 de junho de 2022

 

Artigo X da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”

 

Infohabitar – a revista da GHabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista da GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

Sem comentários :