quarta-feira, junho 08, 2022

Espacialidade e conforto residencial no envelhecimento - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 818

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Espacialidade e conforto residencial no envelhecimento - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 818

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 818

Edição: quarta-feira, 8 de junho de 2022

 

Artigo IX da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”

 

Caros leitores da Infohabitar,

Com este artigo continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma abordagem global e bibliográfica dos amplos, sensíveis e urgentes aspetos associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, desejável e naturalmente integrados em quadros intergeracionais, eficazmente geridos, dinamizados e tornados naturalmente conviviais pelas cooperativas que estão, desde há dezenas de anos, dedicadas à promoção de habitação de interesse social com expressiva qualidade e frequentemente associada a um amplo leque de variadas e vitais atividades vicinais e urbanas.

Lembra-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,    

 

Lisboa, em 8 de junho de 2022

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

Nota introdutória à temática do Programa de Habitação Adaptável Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C)

Considerando-se o atual quadro demográfico e habitacional muito crítico, no que se refere ao crescimento do número das pessoas idosas e muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a actual diversificação dos modos de vida e dos desejos habitacionais, e a quase-ausência de oferta habitacional e urbana adequada a tais necessidades e desejos, foi ponderada o que se julga ser a oportunidade do estudo e da caracterização de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional (PHAI), adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável, resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).

O PHAI3C visa o estudo e a proposta de soluções urbanas e residenciais vocacionadas para a convivência intergeracional, adaptáveis a diversos modos de vida, adequadas para pessoas com eventuais fragilidade físicas e mentais, mas sem qualquer tipo de estigma institucional e de idadismo, funcionalmente mistas e com presença urbana estimulante. O PHAI3C irá procurar identificar e caracterizar tipos de soluções adequadas e sensíveis a uma integração habitacional e intergeracional dos mais frágeis num quadro urbano claramente positivo e em soluções edificadas que possam dar resposta, também, a outras novas e urgentes necessidades habitacionais (ex., jovens e pessoas sós), num quadro residencial marcado por uma gestão participada e eficaz, pela convivialidade espontânea e social e financeiramente sustentável.

Trata-se, tal como se aponta no título do artigo, de uma “versão de trabalho e base bibliográfica ” e, portanto, de um artigo cujos conteúdos serão, ainda,  substancialmente revistos até se atingir uma versão estabilizada da temática referida no título; no entanto, em virtude da metodologia usada, que se considera bastante sólida, marcada pelo recurso a abundantes referências de fontes, devidamente apontadas e sistematicamente comentadas no sentido da respetiva aplicação ao PHAI3C, e tendo-se em conta a utilidade de se poder colocar à discussão os muitos aspetos registados no sentido da sua possível aplicação prática no PHAI3C, considerou-se ser interessante a divulgação desta temática/problemática nesta fase de “versão de trabalho”, que, no entanto, foi já razoavelmente clarificada – como exemplo do posterior tratamento para passagem a uma versão mais estável teremos, provavelmente, referências bibliográficas mais reduzidas e boa parte delas em português, assim como comentários mais desenvolvidos; mas mesmo este desenvolvimento irá sendo influenciado pelo(s) caminho(s) concreto(s) tomado(s) pelos diversos temas e artigos que integram, desde já, a estrutura pensada para o designado documento-base do PHAI3C, que surgirá, em boa parte, da ligação razoavelmente sequencial entre os diversos temas abordados em variados artigos.

Ainda um outro aspeto que se sublinha marcar, desde o início, o teor do referido documento-base do PHAI3C (a partir do qual serão gerados vários documentos específicos: mais de enquadramento e mais práticos) é o sentido teórico-prático que privilegia uma abordagem mais integrada e exemplificada da temática global da habitação intergeracional adaptável e cooperativa, apontando-se exemplos e ideias concretas logo desde as partes mais de enquadramento da abordagem da temática como as que se desenvolvem neste artigo.

Notas introdutórias ao novo e presente conjunto de artigos sobre habitação integeracional

O presente artigo inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Aadaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores citados no texto.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente artigo e para aqueles que o precederam e os que lhe darão continuidade, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão do texto que é apresentado no artigo reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria bem complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

Solicita-se a compreensão dos leitores para lapsos e problemas de edição que, sem dúvida, acontecem no texto que se segue, mas a opção era prolongar, excessivamente, o período de elaboração de um texto que, afinal, se pretende seja essencialmente prático; as próximas edições serão complementarmente revistas e melhoradas.

Regista-se, também, que foram, pontualmente, retiradas, em alguns dos textos citados as numerações relativas a notas bibliográficas específicas desses textos. 


Espacialidade e conforto residencial no envelhecimento (versão de trabalho) –Infohabitar # 818)

António Baptista Coelho

Com base direta nos textos, ideias e opiniões dos autores referidos ao longo dos documentos que integram a listagem bibliográfica registada no final do artigo.


Resumo

O artigo é dedicado à temática geral de uma habitação especialmente adequada para idosos e pessoas fragilizadas, mas num essencial quadro intergeracional, participativo e bem integrado em termos sociais, urbanos e arquitetónicos.

Em termos específicos aborda-se a intergeracionalidade residencial no que se refere, primeiro, à aplicação de uma espaciosidade ou espacialidade doméstica especial, seguindo-se a abordagem da subtemática do desenvolvimento de uma construção capaz de proporcionar uma expressiva noção global de conforto e, finalmente, desenvolve-se a matéria dos aspetos de conforto ambiental a privilegiar para pessoas fragilizadas.

 

Introdução

Avança-se, em seguida, neste item, com um leque de tópicos que, O presente subcapítulo /tema integra-se, naturalmente, na temática mais global do estudo das necessidades residenciais específicas dos idosos e fragilizados, está centrado nas matérias da espacialidade e do conforto residencial no envelhecimento e faz uma abordagem sequencial dos seguintes aspetos/subtemáticas:

(i) Sobre uma espaciosidade ou espacialidade doméstica especial

(ii) Sobre a construção de uma expressiva noção global de conforto

(iii) Aspetos de conforto ambiental a privilegiar para pessoas fragilizadas

A ideia de se ter dedicado um subcapítulo específico a esta matéria da ligação entre as questões da perceção e do uso do espaço doméstico quando estamos fragilizados, em termos de movimentação e de perceção, decorre essencialmente de três aspetos:

O primeiro aspeto é referido à tendência existente para proporcionar unidades habitacionais espacialmente acanhadas em intervenções, pelo menos parcialmente, dedicadas a pessoas idosas e fragilizadas, com a frequente “desculpa” de que elas nesta fase avançada da vida já não precisam das habitações extensas e espaçosas, que tinham quando a respetiva família era mais numerosa; ora relativamente a esta questão poderemos, com alguma facilidade, contrapor algumas ideias entre as quais se destacam as seguintes: os idosos passam tendencialmente muito mais tempo nas suas habitações e usam-nas, portanto, mais intensamente do que os adultos “ativos”, o que provavelmente exigirá mais espaço e mais microespaços; os idosos tendem a desenvolver variadas atividades de passatempo e até novas atividades profissionais, o que pode exigir “mais espaço”; os idosos tendem a “povoar” as suas habitações com muitas memórias de vida, bem importantes no seu bem-estar, e que podem até ser velhas peças de mobiliário; e finalmente os idosos poderão/deverão receber visitantes e familiares que eventualmente, havendo condições, poderão pernoitar (ex., amigos, netos). Todas estas possibilidades são de extrema importância para um envelhecimento feliz e ativo e não serão possíveis em espaços exíguos e inadequados, podendo, no entanto, em condições bem desenvolvidas, ser parcialmente assegurados através de espaços comuns.

O segundo aspeto tem a ver com a ideia, cada vez mais presente, de que os idosos e fragilizados, muito ganham em termos de qualidade de vida diária e a longo prazo com condições específicas de configuração e de pormenorização espacial nas suas habitações e sendo que tais condições, entre outros variados aspetos, devem caracterizar-se por um expressivo desafogo espacial, em termos de espaços de circulação e de uso de mobiliário e equipamentos domésticos, bem como de um desafogo espacial específico no sentido de se proporcionarem adequadas condições de comunicabilidade visual interior e entre interior e exterior.

E finalmente como terceiro aspeto a considerar na espacialidade habitacional de idosos e fragilizados refere-se que à medida que envelhecemos ou sofremos problemas de saúde variados, tendemos a precisar de mais espaço de manobra e apoio pessoal a variados cuidados de saúde e bem-estar localizados, designadamente, no quarto de dormir, na casa de banho e também na zona de estar.

Atenção que com esta introdução a este tema da espacialidade doméstica mais adequada aos seniores não se defende como única possibilidade a sua manutenção nas suas “habitações de vida”, mas sim considerar efetivamente os aspetos espaciais que mais os satisfazem em termos habitacionais.

1. Sobre uma espaciosidade ou espacialidade doméstica especial

Há títulos que exigem uma pequena explicação e este é um deles, no que se refere à ideia de que no caso de soluções residenciais que integrem espaços privados e amplos e multifuncionais espaços comuns, uns e outros poderão seguir as seguintes indicações gerais de espaciosidade e sentido de espaço ou “espacialidade”:

.       as caraterísticas de espaciosidade das unidades residenciais privadas poderão marcar por dimensões relativamente contidas, mas muito aproveitadas e potenciadas em termos da criação de variadas microzonas domésticas, tentando-se não perder significativa espaciosidade relativamente a soluções habitacionais correntes, seja pelo estratégico investimento nos espaços mais sociais da habitação, seja por uma eventual e tendencial integração de um seu conjunto amplo de microespaços, seja pela tendencial redução do número de quartos e pela sua pontual substituição por grandes alcovas multifuncionais, proporcionando estadas eventuais e sempre um maior sentido de espaciosidade;

.      enquanto as caraterísticas de espaciosidade dos respetivos espaços comuns de circulação e ligados a outros usos concretos poderão ser igualmente “restringidas”, mas compensadas por caraterísticas de domesticidade, que façam passar, por exemplo, um conteúdo de espaçoso corredor doméstico e não de um pouco desafogado corredor comum, e um conteúdo de grande espaço de lareira, articulado com um outro desafogado espaço para jogos de mesa, em vez de se disponibilizar um amplo espaço multifuncional, com reduzidos conteúdos funcionais e de imagem e que, assim, surge como descaracterizado e espacialmente indefinido.

E por isto se defende que as soluções no âmbito do PHAI3C terão de ser muito apuradas e pormenorizadas nas suas definições de espaciosidade e espacialidade, aplicadas a um vital encadeamento de espaços/ambientes, e isto sem se perderem condições estratégicas de adaptabilidade e de convertibilidade (por exemplo, com o uso de soluções construtivas e de acabamento reversíveis).

Um excelente estudo da Housing Learning & Improvement Network (Housing LIN), significativamente intitulado, Mapping the use of space in extra care housing  (1)  aborda estas incontornáveis matérias através de referências específicas a valores de espaços a atribuir a diversos tipos de unidades residenciais privadas, integradas com prestação de cuidados muito elaborados (“extra care”) e aos respetivos espaços comuns; registando-se, aqui os endereços onde é possível aceder a estes elementos: www.housinglin.org.uk/shop_resource_pack ou http://ipc.brookes.ac.uk/shop.html ; e apontando-se apenas, a título indicativo e exploratório, a partir do referido estudo, dois exemplos de espaciosidade para apartamentos destinados: a 2 pessoas – T1 com 54 m2; e a 3 pessoas – T2 com 68m2. (pg. 54)

Salienta-se que este estudo disponibiliza, por exemplo, uma listagem com as condições de espaciosidade, espaço a espaço, propostas para as zonas comuns associadas àqueles conjuntos de fogos.

Numa  complementar linha de reflexão Varit Imamoğlu, no seu estudo Assessing the Spaciousness  of Interiors, (2) que é em seguida citado e comentado , avança nos relacionados aspetos de capacidade (ex. versatilidade de ocupação por mobiliário) e de comunicabilidade (ex. aberturas e relações entre espaços), tendo em conta, especificamente, os efeitos da densidade de mobiliário na avaliação subjetiva da espaciosidade e na estimativa do tamanho dos compartimentos: (negrito nosso)

The research carried out, aimed to understand the meaning and structure of spaciousness of interiors and its relationship to some architectural variables like, window size, window position, room proportion.

These studies, consisting of open—ended questionnaires, card-sorting, survey of newspapers, suggested that spaciousness was an important construct on which people often based their descriptions and evaluations of interiors and that it was closely related to such variables as size, clutteredness and the general atmosphere of interiors.

In other words, spaciousness judgments of interiors take into account not only the affective aspects of spaces but also their intricate functional sides. Hence, spaciousness scale can be considered a general evaluation scale for interior spaces. (pg. 137)

Chama-se aqui a atenção para o interesse que tem, para o aprofundamento desta temática da “espacialidade” especial de pequenas habitações integradas em conjuntos intergeracionais, o estudo das matérias ligadas à “atmosfera geral dos interiores” e aos seus “limites funcionais intrincados”; numa perspetiva que poderá  ser referida a aspetos específicos ou especiais de “espacialidade” ou mesmo de “ambiência”, marcados por um conjunto de caraterísticas de arquitetura de interiores muito variadas, que terão a ver, naturalmente, com os próprios espaços disponíveis, mas que também terão a ver com muitos outros aspetos de conceção global e de pormenorização, que deverão ser especialmente cuidados, designadamente, quando se oferecem “novas” habitações a “velhos” habitantes e se pretende que exista excelente adesão a esta mudança.

 

Fig. 01 : uma imagem do programa intitulado « Vila dos Idosos », em São Paulo, Brasil ; uma intervenção do programa Morar no Centro da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), que integra 145 unidades para pessoas idosas, realizado em 2003-2007, com projeto de Arquitetura de VIGLIECCA&ASSOC – Arq.º Hector Vigliecca e Associados. Mais imagens deste conjunto acompanharão os próximos artigos desta série, tendo sido recolhidas no âmbito do 3.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (3.º CIHEL) promovido pelas FAU- Mack, FAU-USP e IAU-USP.

 

2. Sobre a construção de uma expressiva noção global de conforto

E assim avançamos, julga-se que com alguma naturalidade, para a relação entre o que podemos designar de uma espaciosidade objetiva e quantificada e o que podemos qualificar como uma “espacialidade” em que essa primeira objetividade é filtrada e “reinterpretada” por um amplo conjunto de aspetos de projeto arquitetónico, muitos dos quais se poderão e deverão agregar, positivamente, no que podemos designar, tal como o fez Aloísio Leoni Schmid, por uma “ideia de conforto”, matéria que este autor desenvolve no seu livro intitulado “A ideia de conforto – reflexões sobre o ambiente construído”, uma excelente obra que a seguir se cita e comenta e que desde já muito se recomenda. (3)

Usando a referência que a esta obra, de Aloísio Leoni Schmid, se faz no incontornável Site Vitruvius, podemos sintetizar que o que verdadeiramente procuramos salientar com estas reflexões é a importância de se desenvolverem “ambientes que confortam”, tentando-se identificar “qual a sua essência”; e naturalmente que se tal objetivo é sempre muito importante em qualquer projeto habitacional então o que dizer de soluções residenciais dirigidas para idosos, pessoas sozinhas e pessoas fragilizadas, que, frequentemente, acabaram de mudar de habitações maiores onde viveram dezenas de anos, muitos dos quais na companhia de familiares, entretanto desaparecidos ou que mudaram para outras localizações: nestes casos parece evidente que a referida capacidade para “confortar” (com um sentido amplo de conforto) que exista nos novos ambientes residenciais privados e comuns deve ser levada ao máximo; e daí a importância de tentarmos sintetizar um tal amplo conforto, por exemplo, nas intervenções do PHAI3C.

Em seguida citam-se longamente, e julga-se bem a propósito, alguns dos conteúdos do referido livro de Aloísio Leoni Schmid, apontados na referida apresentação no Site Vitruvius: (negrito e sublinhado nossos).

No meio acadêmico, predomina o conforto como simples proibição do desconforto

Já no meio profissional de Arquitetura de interiores, predomina um conceito de conforto mais abrangente. Comumente reúne requinte, bom gosto e alguma emoção. Mas também existem os ambientes rústicos que parecem muito confortáveis. Ou seja, conforto não é simplesmente algo que o dinheiro pode comprar.

A origem de “conforto” se explica pelo verbo “confortar”: este vem do latim confortare e tem a mesma origem que “força”; levar força significava consolar

Rybczynski identifica muitos valores que foram surgindo ao longo da história: intimidade e privacidade, domesticidade, deleite, leveza, eficiência, estilo e consistência, austeridade. Fala ainda da paz, e esta é tratada por importantes filósofos. Gaston Bachelard, autor de A poética do espaço, por exemplo. Para ele, a maior virtude da casa é abrigar o sono de quem dorme e sonha, não somente recupera-se para o dia seguinte, mas medita sobre sua origem.

Já no campo aparentemente distante da Enfermagem, a pesquisadora Katherine Kolcaba e o marido, filósofo, procuraram formular teoricamente o que seria conforto – pensando em quem mais necessita conforto: o enfermo. Nele, identifica diferentes contextos. A um deles chama corporal (ausência de dor), a outro ambiental (luz tênue, ar fresco e outras variáveis bem controladas), a outro sócio-cultural (como a regalia do quarto privativo num hospital) e, enfim, a outro ainda psico-espiritual (um telefonema amigo).

E para ela o conforto tem três níveis: o alívio (imediatamente depois que cessa o desconforto, como um sapato apertado), a liberdade (que permanece, depois do alívio) e a transcendência, que é a compensação de um desconforto inevitável mediante um valor destacadamente positivo noutro aspecto ou outro contexto. Logo, conforto é um complexo, e não pode depender somente daquilo que é mensurável…

...

E o estudo de Aloísio Leoni Schmid, tal como se aponta na respetiva apresentação no Site Vitruvius, refere-se aos grandes arquitetos modernistas que: (negrito e sublinhado nosso).

Propuseram casas como máquinas de morar, muito funcionais, despojadas de ornamentos e com móveis clean, mesas ortogonais, cadeiras tubulares, uma estética que cheira a quarto de hospital. Com as bugigangas pessoais desapareceu das casas a intimidade. Com o luxo da decoração, seu encanto. E os ambientes por demais espaçosos – como as casas que se parecem caixas de vidro – destruíram os princípios sociais da privacidade…

O capítulo sobre calor, por exemplo, advertindo do perigo apresentado pelo termotédio …

O capítulo sobre tato, procurando explicar por que muitas texturas, as formas envolventes e os desníveis na habitação nos parecem aconchegantes

 E os interiores de arquitetura poderiam ser planejados de modo a conter referências olfativas ...

O capítulo sobre som, explorando a expressividade acústica dos ambientes

Enfim, o capítulo sobre luz procura explorar aquilo do que menos se fala: a estética do escuro, ...

O ambiente construído é, enfim, fonte força interior, consolo, conforto. Logo, é de importante demais para ser ignorado. … (pg. 331)

Ficou exposto o despropósito de se relegar conforto ambiental a uma disciplina periférica e acessória da arquitetura; só encontra sentido pleno enquanto integrado ao conceito de espaço arquitetônico. Conforto ambiental reúne o alívio da dor e a liberdade de outras dores (comodidade), e ainda a transcendência da dor mediante o encanto de outros sentidos.

Tem, portanto, necessariamente uma expressividade. Nela, confundem-se o contexto ambiental e os contextos corporal, psico-espiritual e sócio-cultural do conforto.

...

O conforto recupera, ali, seu significado original de consolo. A hipótese tem a concordância da pesquisa dos diferentes sentidos, aliada ao comportamento humano em relação ao espaço, que inclui a busca dos espaços íntimos, cavernosos pelas crianças, debaixo das mesas, das escadas, das almofadas, e pelos adultos, dentro dos carros e debaixo das cobertas... (pg 333)

Estas longas citações justificam-se por se considerar ser mesmo este o sentido de conforto que se defende para o desenvolvimento de intervenções do PHAI3C capazes de seduzirem e motivarem os seus próprios habitantes, levando-os à mudança das habitações onde viveram longos anos para uma nova aventura residencial e urbana. Como construir uma tal noção prática de conforto?

De certa forma esta acaba por ser talvez uma das principais principal questões que se colocam neste estudo sobre o PHAI3C, pois mais do que responder a uma necessidade habitacional atualmente crítica em termos de condições residenciais adequadas para o grande número de idosos e fragilizados que caracterizam e irão em breve caraterizar a nossa população, importará “inventar” uma renovada forma de habitar à qual esse novo grande grupo populacional adira com entusiasmo, e aqui essa ideia ampla de conforto é essencial.

E desde já se propõe que a esta matéria dedicada ao desenvolvimento de apuradas e especiais condições de conforto ambiental, nas promoções do PHAI3C, condições essas com um sentido amplo de “ambiência” e de entrosamento com a espacialidade, seja posteriormente dedicado um aprofundamento específico.

3. Aspetos de conforto ambiental a privilegiar para pessoas fragilizadas

Passa-se, agora, para uma natural exposição sintetizada de aspetos de conforto ambiental que importa respeitar quando se projetam ambientes residenciais e, portanto, intensamente habitados por pessoas fragilizadas.

E neste sentido e a título de referência e orientação geral, com importantes pistas para a previsão de um verdadeiramente adequado e o mais possível “completo” conforto ambiental em soluções habitacionais verdadeiramente atraentes para idosos e pessoas fragilizadas, referem-se e sintetizam-se, em seguida, diversos títulos e temas específicos de conforto ambiental residencial, retirados de um importante estudo de William (Bill) Benbow sobre essa matéria, intitulado Lighting & Noise Evidence-Based Checklist and Rating (LNCR) (pg. 1 a 7), (4) (negrito nosso) que muito se recomenda pois julga-se ser de elevada importância e que, por isso, integra um conjunto de bibliografia especial do PHAI3C, designada por “Documentos de Apoio”.

As questões associadas à iluminação são consideradas de grande importância recomendando-se, em termos globais: a existência de uma “iluminação de ambiente” em todas as zonas mais usadas da habitação e considerada ao nível dos olhos de uma pessoa sentada; a existência de uma “iluminação de tarefas” aplicada e calculada nos planos de trabalho e espaços de atividade (preparar e tomar refeições, planos de atividade, espaços e sítios de leitura); e o cuidado com os aspetos da luz associados à cor e ao contraste (elementos retirados do documento de William (Bill) Benbow referido).

Luz articial: devidamente aplicada em areas comuns e quartos e com uma temperatura de cor específica nas áeras comuns; e produzindo contraste significativo entre pisos e paredes, em torno de portas em areas comuns, quartos e casas de banho e entre objetos e piso (ex., puxadores de portas, assentos em casas e banho, mobília, assentos e diversos utensílios (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido).

Luz natural: deve justificar existência de vãos exteriores suplementares (aos mínimos, referência minha), janelas de teto, clarabóias, janelas altas (clerestórios) e outros elementos que acrescentem luz natural (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido).

Encorajar residentes a usarem, frequentemente, jardins de inverno, estufas e outros espaços exteriores protegidos (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido).

Considera-se que este “encorajamento” tem muito a ver com a respetiva arquitetura de interiores e exteriores e designadamente com o adequado desenho geral e de pormenor das respetivas transições.

Vistas de elementos da natureza: é importante a existência de agradáveis vistas naturais a partir de diversas janelas, sendo ainda melhor que existam excelentes vistas naturais com zonas sentadas adjacentes e alturas de peitoris adequadas (baixas), designadamente nas zonas de estar e sempre que possível também nos quartos (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido).

Considera-se, aqui, que para além das referidas vistas “naturais”, cujos efeitos são excelentes em termos de acalmia, sossego, etc., poderão ou deverão existir interessantes vistas urbanas ou de transição para o espaço urbano, designadamente, em zonas específicas e/ou em apartamentos específicos, proporcionando-se uma essencial capacidade de escolha por parte dos residentes.

Transições e contrastes de luz: as entradas devem ser exteriormente cobertas e bem iluminadas na zona interior contígua para apoiar na transição exterior/interior; e não deve existir nenhum local com uma iluminação muito mais potente (3 vezes mais) do que a mais reduzida iluminação existente. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Ajustamentos de iluminação entre dia e noite: os corredores e zonas comuns devem ter ilumibação reduzida durante a noite; e a iluminação noturna e sensores de movimento devem apoiar a movimentação dos residentes de noite. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Distribuição equilibrada da iluminação: não deve existir uma iluminação “geral” e uniforme, mas sim iluminação indireta distribuindo agradável e funcionalmente a luz por tetos, paredes e pavimentos (num decrescendo de intensidade); a luz intensa do dia deve ser matizada e agradavelmente difundida (ex., por cortinas leves). (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Situações de brilho excessivo: não devem existir situações de encandeamento; luminárias devem ter lâmpadas protegidas ou proporcionarem iluminação indireta; pavimentos devem proporcionar reduzidas condições de brilho; e pavimentos exteriores devem ser cromaticamente “medianos” (“medium colour value”). (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Preferências individuais em termos de iluminação: as condições de (i) iluminação ambiente e de (ii) iluminação para atividades concretas devem poder ser ajustadas de acordo com preferências individuais, através de elementos do controlo fácil de elementos com esse objetivo; os controlos de iluminação devem ser ergonomicamente usáveis. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Manutenção regular das condições de iluminação, podendo ainda haver um ajustamento das condições de iluminação natural e de insolação ao longo do dia e, complementarmente, uma limpeza regular dos óculos dos residentes. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

É muito interessante e significativo o destaque e o desenvolvimento que Benbow dá às condições de iluminação de espaços residenciais para pessoas fragilizadas; e entende-se este destaque pois se em residentes em boas condições físicas e de perceção a iluminação natural tem a importância que tem, o que dizer quando as pessoas se movimentam pior, vêem pior, ouvem pior, e podem até ter condições mentais já deficientes?

Proteção do ruído: nos espaços de dormir e repouso deve praticamente nulo de noite e muito reduzido durante o dia; e nos espaços comuns deve estar entre níveis bem controlados. Os quartos de dormir e as zonas de repouso não devem ser contíguas a zonas ruidosas e estarem próximo de zonas de acesso ao conjunto residencial. (elementos retirados do documento de Bill Benbow referido)

Estratégia arquitetónica relativamente ao ruído: deve existir uma zona de privacidade para os quartos dos residentes separada de áreas ruidosas, tais como áreas de serviço, lavandaria, atividades diversas, refeições, gabinetes de apoio de saúde, entradas e espaços de uso público; circulação de serviço deve ser minimizada através de zona de quartos, favorecendo-se a criação de circulações de serviço; deve existir uma zona comum de estar adequadamente sossegada, complementando áreas comuns mais ruidosas, como espaços de TV. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Mitigação do ruído em termos de pormenorização: as janelas devem ter vidros duplos e tetos e paredes devem ser revestidos com materiais acusticamente absorventes; as zonas de quartos devem ser acusticamente isoladas, tendo em conta o efeito da estrutura; as instalações de condicionamento de ar devem ter equipamentos e ductos devidamente isolados com exigências especiais nas zonas de quartos e de repouso. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Adaptações para redução do ruído: todo o equipamento ruidoso deve ser afastado dos espaços dos residentes; devem ser introduzidos elementos específicos de arquitetura de interiores que suavizem o ruído (ex., reposteiros, carpetes); devem ser introduzidos elementos específicos e pormenorizados de redução de todos os ruídos potenciais (ex., borrachas nos pés das cadeiras, altifalantes de Televisões instaladas nos quartos, “selantes” de batentes de portas, etc.). (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Programação de eventuais ruídos intrusivos: limpeza de pavimentos e carpetes programada para períodos em que espaços estão desocupados pelos residentes; ruído do serviço de restauração minimizado por fecho de portas e por antecipação e adiamento de atividades relativamente aos períodos de refeições; e programação específica de “períodos sossegados”. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Ruídos noturnos: redução específica dos ruídos noturnos e dos aspetos de iluminação associados a prestação de cuidados pessoais e de enfermagem rotineiros; luzes de corredores reduzidas de noite e quartos com iluminação específica para apoiar no acesso a casas de banho e saídas. (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Comunicações de emergência e telecomunicações: limitar as comunicações gerais por equipamentos específicos a situações de emergência; regrar os sinais de telecomunicação para sinais de vibração; criar protocolos específicos de sinalização de emergências com autoridades locais (incluindo testes). (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido)

Gestão do ruído no uso normal: incluir aspetos de redução de ruído no treinamento do pessoal de apoio; integrar sinais informativos que lembrem a importância de se falar calmamente, de colocar telemóveis em modo de vibração e de notificação da eventual existência de zonas e/ou períodos designados como “de sossego/silêncio”; obter cooperação de residentes, visitantes e pessoal no sentido da análise das condições de sossego e ruído; aplicar rotina de manutenção de equipamentos ruidosos (elementos retirados do documento de William (Bill)  Benbow referido).

 

Notas:

(1) Housing Learning & Improvement Network (Housing LIN) – Mapping the use of space in extra care housing. Londres: Housing LIN, Factsheet 6: (New Edition) Design Principles for Extra Care ,2008.

(2) Varit Imamoğlu, The effect of furniture density on the subjective evaluation of spaciousness and estimation of size of rooms, Architectural Psyc.holoy, ed. R.Küller, Stroudsburg, Pennsylvania: Dowdon,Hutchinson and Ross, inc., 1973, pp. 341-352; baseado em:

Assessing the Spaciousness of Interiors. Varit Imamoğlu. "Spaciousness of interiors", unpublished Ph.D thesis, University of Strathclyde, Glasgow, 1972-1975.

(3) Ambientes que confortam: qual sua essência? Aloísio Leoni Schmid. Vitruvius resenhasonline, 058.01ano 05, out. 2006 - sobre “A Ideia de Conforto reflexões sobre o ambiente construído.  Aloísio Leoni Schmid. Pacto Ambiental. Curitiba. 2005

Aloísio Leoni Schmid é Engenheiro Mecânico pela UFPR com mestrado na Universidade de Utsunomiy  e doutoramento pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Karlsruhe, Alemanha;  desde 1997 ensina Conforto Ambiental no Curso de Arquitetura e Urbanismo e no Programa de Pós-Graduação em Construção Civil da UFPR.

(4) William (Bill)  Benbow. Lighting & Noise Evidence-Based Checklist and Rating (LNCR) July 2013.

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Espacialidade e conforto residencial no envelhecimento - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 818

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 818

Edição: quarta-feira, 8 de junho de 2022

 

Artigo IX da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”

 

Infohabitar – a revista da GHabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista da GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

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