Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos II - versão de trabalho e base bibliográfica- Infohabitar # 816
Infohabitar, Ano XVIII, n.º 816
Edição: quarta-feira, 18 de maio de 2022
Artigo VII da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”
Caros leitores da Infohabitar,
Com o presente artigo continuamos a série editorial da
Infohabitar especificamente dedicada a uma abordagem global e bibliográfica dos amplos, sensíveis e
urgentes aspetos associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades
sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais
dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, desejável e naturalmente integrados
em quadros intergeracionais, dinamizados e convivializados pelas cooperativas que
estão, desde há dezenas de anos, dedicadas à promoção de habitação de interesse
social com expressiva qualidade e frequentemente associada a um amplo leque de
variadas e vitais atividades vicinais e urbanas.
Devido à extensão do artigo este foi dividido em duas
partes, editadas nesta e na última semana.
Lembra-se, como sempre, que serão sempre muito
bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e
propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).
Despeço-me,
até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa
saúde para todos os caros leitores,
Lisboa,
em 18 de maio de 2022
António
Baptista Coelho
Editor
da Infohabitar
Nota introdutória à temática do Programa
de Habitação Adaptável Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados
(PHAI3C)
Considerando-se o atual quadro demográfico e habitacional
muito crítico, no que se refere ao crescimento do número das pessoas idosas e
muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a
actual diversificação dos modos de vida e dos desejos habitacionais, e a
quase-ausência de oferta habitacional e urbana adequada a tais necessidades e
desejos, foi ponderada o que se julga ser a oportunidade do estudo e da
caracterização de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional (PHAI),
adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente
convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável,
resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).
O PHAI3C visa o estudo e a proposta de soluções urbanas e
residenciais vocacionadas para a convivência intergeracional, adaptáveis a
diversos modos de vida, adequadas para pessoas com eventuais fragilidade
físicas e mentais, mas sem qualquer tipo de estigma institucional e de
idadismo, funcionalmente mistas e com presença urbana estimulante. O PHAI3C irá
procurar identificar e caracterizar tipos de soluções adequadas e sensíveis a
uma integração habitacional e intergeracional dos mais frágeis num
quadro urbano claramente positivo e em soluções edificadas que possam dar
resposta, também, a outras novas e urgentes necessidades habitacionais (ex.,
jovens e pessoas sós), num quadro residencial marcado por uma gestão
participada e eficaz, pela convivialidade espontânea e social e financeiramente
sustentável.
Trata-se, tal como se aponta no título do artigo, de uma
“versão de trabalho e base bibliográfica ” e, portanto, de um artigo cujos conteúdos serão, ainda, substancialmente revistos até se atingir uma versão estabilizada da temática
referida no título; no entanto, em virtude da metodologia usada, que se
considera bastante sólida, marcada pelo recurso a abundantes referências de
fontes, devidamente apontadas e sistematicamente comentadas no sentido da
respetiva aplicação ao PHAI3C, e tendo-se em conta a utilidade de se poder
colocar à discussão os muitos aspetos registados no sentido da sua possível
aplicação prática no PHAI3C, considerou-se ser interessante a divulgação desta
temática/problemática nesta fase de “versão de trabalho”, que, no entanto, foi
já razoavelmente clarificada – como exemplo do posterior tratamento para
passagem a uma versão mais estável teremos, provavelmente, referências
bibliográficas mais reduzidas e boa parte delas em português, assim como
comentários mais desenvolvidos; mas mesmo este desenvolvimento irá sendo
influenciado pelo(s) caminho(s) concreto(s) tomado(s) pelos diversos temas e
artigos que integram, desde já, a estrutura pensada para o designado
documento-base do PHAI3C, que surgirá, em boa parte, da ligação razoavelmente
sequencial entre os diversos temas abordados em variados artigos.
Ainda um outro aspeto que se sublinha marcar, desde o
início, o teor do referido documento-base do PHAI3C (a partir do qual serão
gerados vários documentos específicos: mais de enquadramento e mais práticos) é
o sentido teórico-prático que privilegia uma abordagem mais integrada e
exemplificada da temática global da habitação intergeracional adaptável e
cooperativa, apontando-se exemplos e ideias concretas logo desde as partes mais
de enquadramento da abordagem da temática como as que se desenvolvem neste
artigo.
Notas introdutórias ao novo e
presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional
O presente artigo inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão
temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada
à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação
teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional
Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser
desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de
Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas
nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor
do PHAI3C e os numerosos autores citados no texto.
Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente
artigo e para aqueles que o precederam e os que lhe darão continuidade, no
sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável
e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias
da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não
apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia
que têm numa sociedade ativa e integrada.
Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e
de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão do
texto que é apresentado no artigo reflete uma assumida apresentação comentada,
minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de
muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por
corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no
significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas
longas e incluídas na língua original.
Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando
se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados
teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma
reflexão pessoal sobre uma matéria bem complexa como é a habitação
intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados
e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.
Solicita-se a compreensão dos leitores para lapsos e problemas de edição que, sem dúvida, acontecem no texto que se segue, mas a opção era prolongar, excessivamente, o período de elaboração de um texto que, afinal, se pretende seja essencialmente prático; as próximas edições serão complementarmente revistas e melhoradas.
Regista-se,
também, que foram, pontualmente, retiradas, em alguns dos textos citados as numerações
relativas a notas bibliográficas específicas desses textos.
Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos II - versão de trabalho e base bibliográfica- Infohabitar # 816
António Baptista Coelho
Com base direta nos textos, ideias e opiniões dos autores referidos ao longo dos documentos que integram a listagem bibliográfica registada no final do artigo.
Resumo
Neste
artigo, dedicado à temática de uma habitação especialmente adequada para idosos
e pessoas fragilizadas, mas num essencial quadro intergeracional, participativo
e bem integrado em termos sociais, urbanos e arquitetónicos, abordam-se, em
primeiro lugar, matérias associadas à caraterização em termos de atratividade e de ausência
de estigmas que se considera deverem marcar essa habitação, passando-se, em
seguida, para a temática da na habitação para a temática da criação de
ambientes especialmente agradáveis nessas novas intervenções residenciais.
Numa segunda
parte do artigo (editada no presente número da Infohabitar) desenvolvem-se reflexões
sobre o que poderá levar os seniores a uma mudança residencial e à escolha de
soluções específicas urbanas e habitacionais, concluindo-se com a referência à
residência às condições de apropriação, identidade e sentido do lugar
habitacional, que se considera deverem caraterizar essas intervenções.
Subtemáticas do presente
item, marcando-se a negrito os temas editados na presente semana:
(i) Atratividade e ausência de estigmas na habitação para
idosos
(ii) Criação de ambientes especialmente agradáveis
(iii) Os seniores, as mudanças e a escolha residencial
(iv) Apropriação, identidade e sentido do
lugar habitacional
No presente item aborda-se um leque de tópicos
que, tal como fica evidente, são ou deveriam ser muito caros a toda a conceção
arquitetónica residencial e especificamente em situações de adequação
residencial e urbana mais sensível e complexa, porque ligada a habitantes mais
sensíveis, isto porque é evidente a grande importância que tem um sentimento de
atração relativamente ao sítio e aos espaços que habitamos, numa atratividade
bem complementada e qualificada por aspetos de adequada integração e de
promoção da identidade local.
Por isso « só », este item nos
levaria muito longe, mas iremos tentar sintetizar e direcionar citações e
comentários especificamente para intervenções habitacionais adequadas para
idosos e pessoas fragilizadas, que, desde já, se considera tenderão a ser,
provavelmente, muito afetadas pela existência ou ausência evidenciadas desta
qualidade « chapéu » da atratividade ; uma qualidade que tem
aspetos específicos (ex., formas impactantes, ausência de elementos com aspeto
triste ou estigmatizante, ausência evidenciada de manutenção ou durabilidade),
mas que também é naturalmente portadora de aspetos qualitativos com presença própria
(ex., relação com a natureza, cromatismo, dignidade, caráter local e próprio).
3. Os seniores, as transições de
estilo de vida e a possibilidade de escolha residencial
Continuando na temática geral do desenvolvimento da atratividade, da identidade
e da integração numa habitação adequada para idosos e tendo abordado já os
aspetos mais particulares da atratividade e ausência de estigmas e da
criação de ambientes especialmente agradáveis e mesmo « desafiadores »,
passamos, agora, para a referência à fundamental existência de uma real
possibilidade de escolha e de adequada informação, apoiando a possibilidade da
mudança de habitação numa fase de vida mais adiantada.
Nesta matéria importa salientar e recomendar a consulta
do incontornável e recente estudo da
Calouste Gulbenkian Foundation UK Branch (FCC-UK) e do Centre for Public Impact (CPI), intitulado Transitions in Later Life. (6)
Este estudo regista, entre muitos outros úteis aspetos, uma
importante indicação de potenciais parceiros nestas matérias, sendo também
também muito importante o próprio perfil do estudo ligado a aspetos de
comunicação e informação, que se julgam estratégicos no âmbito do
serviço a uma população fragilizada e frequentemente pouco informada
relativamente ao que poderia pedir/exigir em termos de um habitar mais adequado
e mais amigável; sublinha-se, ainda, julgar-se que no sentido específico do
PHAI3C a utilidade deste estudo é direta.
Neste sentido aconselham-se os leitores a consultarem, diretamente, o referido estudo do Calouste Gulbenkian Foundation UK Branch (FCC-UK) e do Centre for Public Impact (CPI), intitulado Transitions in Later Life.
A título de comentários gerais com importância para a estruturação do
PHAI3C citam-se e comentam-se, em seguida, breves excertos do referido
estudo/documento: (negrito nosso)
People in mid-life are often encouraged to
plan financially for their later years. However there’s little resource or
knowledge on how to plan emotionally and psychologically for this time.
Transitions such as retirement, moving out of the
family home or a deterioration in health are often difficult. They can for
example, lead to loneliness and isolation which impacts on mental and physical
health.
Our ambition is to ‘future-proof’ chronic health
and social issues in later life. We believe we will help to bring about major social change if people
in mid and later life are supported to develop the coping skills they need to
manage transitions as they age.
We’ll know we have succeeded when there are:
. Better flows of information, to help people plan
for their psychological and emotional wellbeing through retirement and beyond
. Greater awareness among employers, demonstrated
by more effective support for employees around and in advance of retirement
. A bank of tested ideas that can be implemented
within existing models of provision
. Cross-sector partnerships that enable greater
investment in this field.
The Calouste Gulbenkian Foundation (UK Branch) has
partnered with the Centre for Public Impact (CPI) to conduct a review of international
policies that focus on easing the transition to retirement and later life…
The report features 15 international initiatives,
covering ten different countries, providers (government, third and private
sector) and delivery models….
Of the 15 case studies, four different types of
intervention were identified, as well as four common motivations for change…
Fig. 02 : uma vista caraterizadora da imagem ubana do programa intitulado « Vila dos Idosos », em São Paulo, Brasil ; uma intervenção do programa Morar no Centro da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), que integra 145 unidades para pessoas idosas, realizado em 2003-2007, com projeto de Arquitetura de VIGLIECCA&ASSOC – Arq.º Hector Vigliecca e Associados. Mais imagens deste conjunto acompanharão os próximos artigos desta série, tendo sido recolhidas no âmbito do 3.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (3.º CIHEL) promovido pelas FAU- Mack, FAU-USP e IAU-USP.
4. Apropriação, identidade e
sentido do lugar residencial
Continuando na temática geral do
desenvolvimento da atratividade, da identidade e da integração numa habitação
adequada para idosos e fragilizados e tendo abordado já os aspetos mais
particulares da atratividade e ausência de estigmas, da criação de ambientes
especialmente agradáveis e mesmo « desafiadores » e de existência
de informação adequada e de uma real possibilidade de escolha, apoiando a
possibilidade da mudança de habitação numa fase de vida mais adiantada, vamos
agora focar alguns aspetos específicos de apropriação e identidade residencial,
incluindo a existência de referências de domesticidade e de ligações com o
passado pessoal e familiar, e a criação e desenvolvimento de um agradável
sentido do lugar.
(i)
Aspetos
gerais sobre apropriação e identidade residencial
No sentido de uma brevíssima referência à importante matéria da apropriação
e da identidade residencial, visando-se, muito especialmente, a sua aplicação,
como ferramenta de atratividade, em intervenções habitacionais intergeracionais e
adequadas a pessoas idosas e fragilizadas, citam-se e comentam-se, em seguida, alguns aspetos que integram o estudo de Anne Buttimer, em tradução de Letícia Pádua, intitulado « Lar, horizontes de alcance e o sentido de
lugar (Home, reach, and the sense of place) »: (7) (negrito
nosso)
... Anne Buttimer
traça um vibrante e intricado relato que nos esclarece questões conceituais centrais
sobre nossas relações com o lugar e com a comunidade. A autora explora um
dos mais fortes paradoxos da relação homem-lugar, demonstrando o conforto e as
limitações do lugar e, ao mesmo tempo, a busca pelo desafio e pelas
potencialidades dos horizontes de alcance, que projetam nossos desejos e
anseios ao nos lançarmos no mundo. (pg. 4)
... Norberg-Shulz
(1971), em seu lúcido livro sobre arquitetura, destaca o que está envolvido no
fazer do espaço arquitetônico um reflexo do espaço existencial. Eu sou, é
claro, incrédula de que todos os aspectos significativos da existência possam
ser prontamente traduzidos no lugar em termos arquitetônicos, mas isso
realmente não parece ser o ponto mais importante. O problema filosófico e
pragmático crucial está em qual papel potencial é permitido aos moradores terem
qualquer palpite criativo no desenho dos lugares.(pg. 13)
Tal como já se considerou, neste estudo, a apropriação residencial, sendo
uma ferramenta potente e sensível, tem de ser usada com efetividade, mas com
grandes cuidados, designadamente, no que se refere ao « recheio » dos
espaços comuns residenciais, onde importa haver evidente consenso, e mesmo no
que se refere aos espaços privados residenciais, onde há que informar e
apoiar no sentido de se poderem criar efeitos finais verdadeiramente
estimulantes, respeitando-se a individualidade e o gosto de cada um, mas
disponibilizando o conhecimento profissional com o objetivo de se recriarem
« grandes » espaços domésticos em habitações tipologicamente
pequenas.
(ii) Referências visuais domésticas
Nestas matérias de estímulo a uma adequada apropriação e atratividade uma
ferramenta habitual da construção de um agradável sentido de lugar habitado
consiste no uso e integração de referências visuais domésticas e de aspetos
associados à domesticidade, tal como foi tratado pelo incontornável arquitecto
e teórico Witold Rybczynski, e é, aqui, lembrado por Sabine Gillner, Anja M.
Weiß e Hanspeter A. Mallot no estudo intitulado Visual homing in the absence
of feature-based landmark information, que, em seguida, se cita: (8) (negrito nosso)
In summary, our results indicate that humans are
able to approach to and recognize places based on raw image information void of
localized cues, landmarks, or objects.
... As has been shown in a large number
of robotic studies, image-based homing is a powerful strategy in real-world
navigation. Our findings do not rule out other forms of landmark usage
such as localization with respect to local wall-distance or recognized objects,
which may be used additionally in richer environments. (pg. 122)
Julga-se que o desenvolvimento do que podemos designar de uma especial
domesticidade residencial se refere a uma qualidade que marca,
sistematicamente, embora diversamente, os melhores espaços de habitação, e de
uma forma muito independente dos respetivos aspetos funcionais e mesmo, em
alguns aspetos, dimensionais ; mas trata-se de matéria sensível, e sempre
um pouco discutível para muitos autores.
No entanto depois de passearmos visualmente por muitas excelentes
habitações de grandes arquitectos e de « grandes habitantes », como
são os escritores famosos, não parece haver muitas dúvidas sobre a importância
da domesticidade habitacional na criação de uma experiência residencial intensa
e estimulante, capaz de marcar espaços e ambientes como muito atraentes e
acolhedores e portanto sempre dignos de serem reabitados, porque sempre
agradável e sensivelmente renovados nas experiências e sentimentos que nos
proporcionam.
E neste sentido julga-se que existe aqui um tema essencial a abordar quando
se criam « novos » ambientes residenciais para velhos e sensíveis
habitantes.
(iii) Lugares-pontes para o passado
Naturalmente que uma outra ferramenta habitual da construção de um
agradável sentido de lugar habitado consiste na integração de referências com o
passado, criando-se, no limite, verdadeiros « lugares-pontes » para o
passado, e neste sentido citam-se, em seguida, alguns aspetos que integram o estudo editado
por John Eyles e Allison Williams, intitulado Sense of place, health and
quality of life: (9) (negrito nosso)
People’s experiences of places remain with them
over time, either through memories of places from their past, or through
repeated use of the same places over time.
Both past places and past experiences in currently
used places were integral components of the equation of people, places,
experiences and feelings that made up participants’ lives. It is through places that people can make
connections between a whole collection of feelings and experiences in the
present and the past…
An important part of participants’ relationships to
places stemmed from issues regarding safety and threat. Here, we see how identity influences one’s sense
of safety and the places where one finds safety. In particular, participants
from socially marginalized groups, i.e. people of color, women, gays, and in
one case, an excon, told powerful stories about places in which experiences of
safety and threat had a critical impact on their relationships to places, and
their sense of self. (pg.
78)
In contrast to popular beliefs about the nature and meaning of home, almost all participants (90%) mentioned some negative aspect of either their current or a past residence. When asked specifically about their feelings about their current residence, some participants (23%) said they did not feel connected to their residence at all. (pg. 79)
É interessante e considera-se ser talvez de explorar, posteriormente, relação entre um sentido confortável e, de certa maneira, « envolvente », de segurança e relações das pessoas com os sítios ; e focando tal relação em aspetos de memória dos sítios.
Nesta perspetiva talvez importe considerar, também, o eventual e
relativamente afirmado « corte » com passados residenciais
desagradáveis e inadequados ; matéria esta que importará aprofundar.
Ainda sobre aspetos básicos da relação com o passado na construção de novos
ambientes para velhos e sensíveis residentes, e tendo-se em conta os frequentes
problemas de saúde que afetam a memória dos idosos, regista-se, com poucos
comentários, a solução que está a ser empregue de construção de
« ambientes de época » onde idosos com problemas mentais graves
parecem sentir-se mais à vontade, pois fazem-lhes reviver memórias e
referências de juventude.
Referiu-se não se fazerem grandes comentários a soluções deste tipo, mas
importará, pelo menos, registar a questão das escolhas pormenorizadas e
preferenciais no sentido dos ambientes a criar, por exemplo, nos espaços comuns
de uma intervenção onde se espere um número significativo de idosos : uma
opção desse tipo, recriando-se ambientes de há algumas dezenas de anos ;
uma opção contemporânea ainda que sóbria ; uma opção marcada
essencialmente por uma intemporalidade expressivamente confortável e envolvente ;
ou outras opções ?
(iv)
Lugares
sentidos (sentido do lugar), saúde e identidade
Os mesmos John Eyles e Allison Williams, no estudo intitulado Sense of
place, health and quality of life abordam alguns aspetos interessantes no
que se refere ao lugar sentido e/ou ao sentido do lugar, que parecem ser úteis
no desenvolvimento das caraterísticas do PHAI3C ; aspetos estes que são,
em seguida, citados com muito poucos comentários: (negrito nosso)
A significant body of theoretical and empirical studies describes 'sense of place' as an outcome of interconnected psychological, social and environmental processes in relation to physical place(s) ...
Scholars in a wide range of disciplines are increasingly exploring the relationship between place and health, and recently, the field of public health has been encouraged to recognize sense of place as a potential contributing factor to well-being.(pg. 67)
…
The meaning and importance of places findings demonstrate the richness and complexity of people’s relationships to a whole range of places, both residential and nonresidential, revealing that these relationships are a fundamental part of their lives. (pg. 73)
…
Such accounts indicate that it is not simply the
places themselves that are significant, but rather what can be called
‘‘experience-in-place’’ that creates meaning…
significant places reflect people’s evolving
identity; provide opportunities for privacy, introspection and reflection;
serve as transitional markers as well as bridges to the past; and reflect the
salience of safety, threat and belonging which are fundamentally connected to
socially constructed identities, thus reflecting the political underpinnings of
our relationships to places …
(pg. 74)
Privacy, introspection and reflection Findings
suggest that certain places become meaningful specifically because they afford
people the opportunity for privacy, introspection and self-reflection.
...
Many participants (43%) described how important
places were those in which events occurred that marked their particular life
journey in new or unique ways. This seemed to happen in two general ways: (1) significant experiences
or what I call ‘‘milestone moments;’’ or (2) experiences of change and
transition. (pg. 76)
Não parece poder haver dúvidas sobre a importância de se fazerem,
mesmo, « lugares » quando se faz habitação, sendo tanto mais
importante tal criação quanto mais potencialmente sensíveis forem os respetivos
habitantes ; e fazer lugares, dentroi de lugares, dentro de lugares,
ligados por transições que são, elas próprias, outros lugares ; mas para
tal há que fazer uma excelente Arquitectura.
(v) Identidade e lugar e sobre o
desenvolvimento do caráter do lugar
Ainda
com John Eyles e Allison Williams, no referido estudo, intitulado Sense
of place, health and quality of life, avançamos em alguns aspetos específicos considerados
significativos e relativos ao desenvolvimento do caráter do lugar ; matéria julgada tão importante como sensível e
subtil no seu desenvolvimento arquitetónico residencial, e, na nossa opinião, uma
matéria que é mesmo vital para uma adequada qualidade arquitetónica, tantas
vezes menorizada ou mesmo esquecida, por ser considerada pouco tangível, ou
talvez e na verdade pouco atingível sem
ser com uma adequada qualidade arquitetónica, qualidade esta que, na sua
aplicação residencial e urbana, assume, provavelmente, uma importância vital
quando estamos a visar novas formas de habitar, intergeracionais e bem
integradas; fiquemos, então, com mais algumas importantes citações do estudo acima referido: (negrito nosso)
It is evident, for example, that many places
become meaningful through the steady accretion of experiences in them, such as
Tuan (1974) hypothesized years ago. Repeated use of places enables participants
to engage in a variety of experiences in places.
This added many facets and layers of meaning to those places, as people ‘‘collected’’ experiences in them. People developed multi-faceted relationships with places that sometimes transcended physical boundaries and coalesced around personal, emotional experiences. (pg. 81)
…
Findings reveal that there are other qualities to
the dynamics between identity and place that warrant further attention, in
particular the ways that our socially constructed identities influence our
relationships to place.
. Dynamics of people– place relationships
Relationships to places are a life-long phenomenon.
They develop and transform over time, so that past
experiences in places influence our current relationships to places.
. Creative use of space
Findings indicate that there is a fluid boundary,
if any boundary at all, between the public and the private in terms of meaning
and use of space... (pg.
83)
. The importance of loss and negative experiences
Participants’ discussions about meaningful places
in their lives made it clear that identity develops from more than
self-affirming experiences. That is, people’s everchanging sense of self was
influenced by difficult, sometimes unpleasant experiences in places (Fried,
1963).
In some
cases, people avoided places that reminded them of aspects of themselves that
they would rather forget, or which were reminders of painful experiences. In
other cases, people chose not to go to places where they felt unable to be
themselves.
Rather, they
sought places where they could feel free to express themselves.
People’s emotional relationships to the places
embrace an array of places, feelings and experiences. (pg. 84)
Termina-se, para já, esta matéria específica focada na importância da apropriação, da « identidade com » e da envolvência doméstica de intervenções urbanas e residenciais intergeracionais com uma breve nota para as caraterísticas exatamente distintas das que acabam de ser referidas que caraterizam boa parte dos chamados equipamentos de apoio à « 3.ª idade » : inapropriáveis e sem referências de identificação porque institucionais e padronizados, desintegrados de uma envolvente e integradora urbanidade, marcados por uma fria funcionalidade, bem diferente, do desejado ambiente doméstico e sem qualquer caráter de lugar com muitos lugares nele integrados.
Notas :
(1)
Erin
G. Roth, MA, J. Kevin Eckert, PhD, and Leslie A. Morgan, PhD - Stigma and Discontinuity in
Multilevel Senior Housing’s Continuum of Care. Department
of Sociology and Anthropology, Center for Aging Studies, UMBC, Baltimore,
Maryland. The Gerontologist,
2016, Vol. 56, No. 5. © The Author 2015. Published
by Oxford University Press on behalf of The Gerontological Society of America.
All rights reserved.
Downloaded
from
https://academic.oup.com/gerontologist/article-abstract/56/5/868/2605327/Stigma-and-Discontinuity-in-Multilevel-Senior
(2) Margaret Edwards and Ed Harding -
Building our Futures Meeting the housing needs of an an ageing population.
Building Our Futures Steering Group Members. 2006. International Longevity Centre UK
(3)
Griffero, Tonino – Quasi-Things: The
Paradigm of Atmospheres. Environmental & Architectural
Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University. Architecture Department,
New Prairie Press, 9-18-2017. Albany, NY: State Univ. of New York Press.
(4)
Barzan, Robert – My Spirituality of
Place. Environmental &
Architectural Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University.
Architecture Department, New Prairie Press, 9-18-2017.
espiritualidade e lugar 9-18-2017
(5)
Quillien, Jenny – Reflections from
Bhutan. on the “-ness” in place-ness. Environmental & Architectural
Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University. Architecture Department,
2017 New Prairie Press, 9-18-2017.
(6)
Calouste Gulbenkian Foundation UK
Branch; Centre
for Public Impact (CPI) – Transitions
in Later Life. Londres: Calouste Gulbenkian Foundation UK
Branch;, Centre for Public Impact (CPI), 2015.
(7)
Buttimer, Anne [tradução Letícia Pádua] – Lar, horizontes de alcance e o sentido de lugar (Home,
reach, and the sense of place). Geograficidade, v.5, n.1, Verão 2015 – Nova Iorque: St.
Martin’s Press, coletânea “The Human Experience of Space and Place”, editada
por Anne Buttimer e David Seamon, 1980. p.166-187.
(8) Gillner, Sabine; Weiß, Anja
M.; Mallot, Hanspeter A. –
Visual homing in the absence of feature-based landmark information. Cognition
109, 2008. pp. 105–122 (Tübingen: University of Tübingen, Faculty of Biology,
Department of Cognitive Neurobiology)
(9)
Eyles, John; Williams, Allison (ed.) – Sense
of place, health and quality of life. Routledge, Geographies of
Health Series, 2008
Notas editoriais
gerais:
(i) Embora a edição dos artigos
editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no
sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo
nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários
apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores
desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos
mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de
natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer
elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias,
desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos
respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as
necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar
o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em
conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários
"automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos
conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição
da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos
editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à
verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da
revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de
eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.
Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos II - versão de trabalho e base bibliográfica- Infohabitar # 816
Infohabitar, Ano XVIII, n.º 816
Edição: quarta-feira, 19 de maio de 2022
Artigo VII da série
editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e
Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”
Infohabitar – a revista da GHabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de
Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da
Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura
e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em
Lisboa
Revista da GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a
Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica
(FENACHE).
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