quarta-feira, maio 11, 2022

Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos – Parte I - versão de trabalho e base bibliográfica – Infohabitar # 815

Ligação direta (clicar) para:  listagem interactiva de 800 Artigos, edição revista em janeiro de 2022- 38 temas e mais de 100 autores

 https://docs.google.com/document/d/1WzJ3LfAmy4a7FRWMw5jFYJ9tjsuR4ll8/edit?usp=sharing&ouid=105588198309185023560&rtpof=true&sd=true

Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos I - versão de trabalho e base bibliográfica –  Infohabitar # 815

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 815

Edição: quarta-feira, 11 de maio de 2022

Artigo VII da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado” 


Caros leitores da nossa Infohabitar, 

Com o presente artigo continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma abordagem preparatória e bibliográfica dos amplos, sensíveis e urgentes aspetos associados às necessidades, aos gostos e às potencialidades sociais e urbanas de uma reflexão prática sobre os espaços residenciais dedicados a pessoas idosas e fragilizadas, desejável e naturalmente integrados em quadros intergeracionais, dinamizados e convivializados pelas cooperativas que estão, desde há dezenas de anos, dedicadas à promoção de habitação de interesse social com expressiva qualidade e frequentemente associada a um amplo leque de variadas e vitais atividades vicinais e urbanas.

Devido à extensão do artigo este será dividido em duas partes, a editar nesta e na próxima semanas.

Lembra-se, como sempre, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com).

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores,    

Lisboa, em 11 de maio de 2022

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

 

Nota introdutória à temática do Programa de Habitação Adaptável Intergeracional – Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C)

Considerando-se o atual quadro demográfico e habitacional muito crítico, no que se refere ao crescimento do número das pessoas idosas e muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a actual diversificação dos modos de vida e dos desejos habitacionais, e a quase-ausência de oferta habitacional e urbana adequada a tais necessidades e desejos, foi ponderada o que se julga ser a oportunidade do estudo e da caracterização de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional (PHAI), adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável, resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).

O PHAI3C visa o estudo e a proposta de soluções urbanas e residenciais vocacionadas para a convivência intergeracional, adaptáveis a diversos modos de vida, adequadas para pessoas com eventuais fragilidade físicas e mentais, mas sem qualquer tipo de estigma institucional e de idadismo, funcionalmente mistas e com presença urbana estimulante. O PHAI3C irá procurar identificar e caracterizar tipos de soluções adequadas e sensíveis a uma integração habitacional e intergeracional dos mais frágeis num quadro urbano claramente positivo e em soluções edificadas que possam dar resposta, também, a outras novas e urgentes necessidades habitacionais (ex., jovens e pessoas sós), num quadro residencial marcado por uma gestão participada e eficaz, pela convivialidade espontânea e social e financeiramente sustentável.

Trata-se, tal como se aponta no título do artigo, de uma “versão de trabalho e base bibliográfica ” e, portanto, de um artigo cujos conteúdos serão, ainda, substancialmente revistos até se atingir uma versão estabilizada da temática referida no título; no entanto, em virtude da metodologia usada, que se considera bastante sólida, marcada pelo recurso a abundantes referências de fontes, devidamente apontadas e sistematicamente comentadas no sentido da respetiva aplicação ao PHAI3C, e tendo-se em conta a utilidade de se poder colocar à discussão os muitos aspetos registados no sentido da sua possível aplicação prática no PHAI3C, considerou-se ser interessante a divulgação desta temática/problemática nesta fase de “versão de trabalho”, que, no entanto, foi já razoavelmente clarificada – como exemplo do posterior tratamento para passagem a uma versão mais estável teremos, provavelmente, referências bibliográficas mais reduzidas e boa parte delas em português, assim como comentários mais desenvolvidos; mas mesmo este desenvolvimento irá sendo influenciado pelo(s) caminho(s) concreto(s) tomado(s) pelos diversos temas e artigos que integram, desde já, a estrutura pensada para o designado documento-base do PHAI3C, que surgirá, em boa parte, da ligação razoavelmente sequencial entre os diversos temas abordados em variados artigos.

Ainda um outro aspeto que se sublinha marcar, desde o início, o teor do referido documento-base do PHAI3C (a partir do qual serão gerados vários documentos específicos: mais de enquadramento e mais práticos) é o sentido teórico-prático que privilegia uma abordagem mais integrada e exemplificada da temática global da habitação intergeracional adaptável e cooperativa, apontando-se exemplos e ideias concretas logo desde as partes mais de enquadramento da abordagem da temática como as que se desenvolvem neste artigo.

Notas introdutórias ao novo e presente conjunto de artigos sobre habitação intergeracional

O presente artigo inclui-se numa série editorial dedicada a uma reflexão temática exploratória, que integra a fase preliminar e “de trabalho”, dedicada à preparação e estruturação de um amplo processo de investigação teórico-prático, intitulado Programa de Habitação Adaptável Intergeracional Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C); programa/estudo este que está a ser desenvolvido, pelo autor destes artigos, no Departamento de Edifícios do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), e que integra o Programa de Investigação e Inovação (P2I) do LNEC, sublinhando-se que as opiniões expressas nestes artigos são, apenas, dos seus autores – o autor dos artigos e promotor do PHAI3C e os numerosos autores citados no texto.

Neste sentido salienta-se o papel visado para o presente artigo e para aqueles que o precederam e os que lhe darão continuidade, no sentido de se proporcionar uma divulgação que possa resultar numa desejável e construtiva discussão alargada sobre as muito urgentes e exigentes matérias da habitação mais adequada para idosos e pessoas fragilizadas, visando-se, não apenas as suas necessidades e gostos específicos, mas também o papel e a valia que têm numa sociedade ativa e integrada.

Nesta perspetiva e tendo-se em conta a fase preliminar e de trabalho da referida investigação, salienta-se que a forma e a extensão do texto que é apresentado no artigo reflete uma assumida apresentação comentada, minimamente estruturada, de opiniões e resultados de múltiplas pesquisas, de muitos autores, escolhidos pela sua perspetiva temática focada e por corresponderem a estudos razoavelmente recentes; forma esta que fica patente no significativo número de citações – salientadas em itálico –, algumas delas longas e incluídas na língua original.

Julga-se que não se poderia atuar de forma diversa quando se pretende, como é o caso, chegar, cuidadosamente, a resultados teórico-práticos funcionais e aplicáveis na prática, e não apenas a uma reflexão pessoal sobre uma matéria bem complexa como é a habitação intergeracional adaptável desenvolvida por uma cooperativa a custos controlados e em parte dedicada a pessoas fragilizadas.

Solicita-se a compreensão dos leitores para lapsos e problemas de edição que, sem dúvida, acontecem no texto que se segue, mas a opção era prolongar, excessivamente, o período de elaboração de um texto que, afinal, se pretende seja essencialmente prático; as próximas edições serão complementarmente revistas e melhoradas.


Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos – Parte I (versão de trabalho) –  Infohabitar # 815

António Baptista Coelho

(texto e fotografia a propósito das ideias, textos e opiniões dos autores registados ao longo do texto)


Resumo

Neste artigo, dedicado à temática de uma habitação especialmente adequada para idosos e pessoas fragilizadas, mas num essencial quadro intergeracional, participativo e bem integrado em termos sociais, urbanos e arquitetónicos, abordam-se, em primeiro lugar, matérias associadas à caraterização em termos de atratividade e de ausência de estigmas que se considera deverem marcar essa habitação, passando-se, em seguida, para a temática da na habitação para a temática da criação de ambientes especialmente agradáveis nessas novas intervenções residenciais.

Numa segunda parte do artigo (a editar na Infohabitar na próxima semana) desenvolvem-se reflexões sobre o que poderá levar os seniores a uma mudança residencial e à escolha de soluções específicas urbanas e habitacionais, concluindo-se com a referência à residência às condições de apropriação, identidade e sentido do lugar habitacional, que se considera deverem caraterizar essas intervenções.

 

Subtemáticas do presente item, marcando-se a negrito os temas editados na presente semana:

(i) Atratividade e ausência de estigmas na habitação para idosos

(ii) Criação de ambientes especialmente agradáveis

(iii) Os seniores, as mudanças e a escolha residencial

(iv) Apropriação, identidade e sentido do lugar habitacional

No presente item aborda-se um leque de tópicos que, tal como fica evidente, são ou deveriam ser muito caros a toda a conceção arquitetónica residencial e especificamente em situações de adequação residencial e urbana mais sensível e complexa, porque ligada a habitantes mais sensíveis, isto porque é evidente a grande importância que tem um sentimento de atração relativamente ao sítio e aos espaços que habitamos, numa atratividade bem complementada e qualificada por aspetos de adequada integração e de promoção da identidade local.

Por isso « só », este item nos levaria muito longe, mas iremos tentar sintetizar e direcionar citações e comentários especificamente para intervenções habitacionais adequadas para idosos e pessoas fragilizadas, que, desde já, se considera tenderão a ser, provavelmente, muito afetadas pela existência ou ausência evidenciadas desta qualidade « chapéu » da atratividade ; uma qualidade que tem aspetos específicos (ex., formas impactantes, ausência de elementos com aspeto triste ou estigmatizante, ausência evidenciada de manutenção ou durabilidade), mas que também é naturalmente portadora de aspetos qualitativos com presença própria (ex., relação com a natureza, cromatismo, dignidade, caráter local e próprio).

1. Atratividade e ausência de estigmas na habitação para idosos

No que se refere à importância de uma evidenciada e múltipla ausência de estigmas na habitação para idosos importa ter em conta, designadamente, os seguintes aspetos: adequada integração local do conjunto e das unidades habitacionais individualizadas no conjunto da intervenção; existência de um ambiente social diversificado e sem estigmas associáveis ao envelhecimento; cuidar especificamente da relação entre a vivência local e o envelhecimento e a morte dos residentes, reduzindo-se e desejavelmente anulando-se os respetivos e habituais estigmas; privilegiar a espaciosidade (dimensional) e a adequada pormenorização arquitetónica das unidades habitacionais; privilegiar um conforto ambiental amplo, eficaz e evidenciado e as diversas formas de relacionamento entre interior e exterior.

(i)          Aspetos gerais de integração na habitação para idosos

Quando referimos e recomendamos uma natural e total integração arquitetónica – no espaço urbano de vizinhança próxima e no próprio complexo edificado  edifício  e edificada – e intergeracional das soluções habitacionais mais habilitadas para habitantes idosos ou fragilizados estamos a sublinhar que tais soluções não devem ter nem os mais leves vestígios de estigmas que salientem, ou mesmo assinalem, a presença destas categorias de habitantes (ex. desde os próprios « nomes » das intervenções a apoios à acessibilidade mal desenhados/integrados e evidenciados).

Nesta matéria o estudo de Erin G. Roth, J. Kevin Eckert e Leslie A. Morgan, intitulado Stigma and Discontinuity in Multilevel Senior Housing’s Continuum of Care, que é em seguida citado, apresenta uma síntese de aspetos qualitativos ligados ao que os gerontólogos têm observado desde há dezenas de anos na problemática da estigmatização da habitação direcionada para idosos, seja considerando-se a estigmatização de determinados grupos de residentes mais fragilizados mesmo no interior das respetivas unidades residenciais e de cuidados, seja considerando-se os estigmas associados à presença urbana dessas unidades: (negrito nosso) (1)

Multilevel senior housing residents experience stigma and distress in an environment where people are grouped by levels of functioning

Developers, operators, staff, and potential residents need to recognize the personal and social challenges typically experienced even in within-site relocation. It is important to rethink the predominant model of senior housing that requires residents with changing needs to move and adapt to the setting.

Naturalmente que no contexto das intervenções do PHAI3C tais aspetos de estigmatização interna e urbana devem ser totalmente erradicados, pois, afinal, neste caso a função residencial tem importância primária e até a intergeracionalidade tem « honras » de título.

(ii) Ambiente social diversificado e sem estigmas associáveis ao envelhecimento

Os mesmos Erin G. Roth, J. Kevin Eckert e Leslie A. Morgan, no estudo que acabou de ser referido, evidenciam as múltiplas vantagens residenciais e de saúde mental e física para os adultos idosos, que são proporcionadas por um ambiente social naturalmente diversificado, isto é, intergeracional, assim como os problemas frequentemente associados a uma « convivência » próxima com pessoas fragilizadas (negrito nosso).

Um evidenciar de vantagens associadas a um ambiente residencial e social diversificado que os referidos autores, do estudo que está a ser citado, referem a um amplo conjunto de outros autores:

Research literature identifies the potential for social and health benefits for older adults who live with others (Hays, 2002). For those moving into senior housing, benefits include increased social interaction, decreased loneliness (Ayalon & Green, 2013; Dupuis-Blanchard, Neufeld, & Strang, 2009; Erickson & Dempster-McClain, 2000; Rosow, 1967; Stacey-Konnert & Pynoos, 1992), and improved health (Kingston, Bernard, Biggs, & Nettleton, 2001).

Although volume of social interaction is demonstrated to increase for MSH [“Management Sciencies for Health” ou melhor: “Multi Services Hub”] residents, some authors also note that social ties within these settings lack the emotional depth found in close, long-established friendships (Ayalon & Green, 2013; Dupuis-Blanchard et al., 2009; Stacey-Konnert & Pynoos, 1992).

Both the saliency of social relationships within the setting and the establishment of community, involving the sharing of common struggles, are associated with greater resident wellbeing (Burge & Street, 2010; Faircloth, 2001). Additionally, MSH provides some reassurances regarding future care. Indeed, some older adults choosing MSH cite the peace of mind that comes with knowing you have a place to go if and when added care is needed (Girling & Morgan, 2014).

A related consequence of residing among people with widely diverse physical and cognitive functioning is intolerance of others’ frailties (Bowers, 1989; Dobbs et al., 008; Fisher, 1987). Some suggest that intolerance is a reflection of pervasive ageism and ableism in this society, as well as a response to the fear of confronting one’s own inevitable mortality (Gilleard & Higgs, 2011; Greenberg, Schimel, & Martens, 2002; Hagestad & Uhlenberg, 2005; Nelson, 2005; Overall, 2006).


É interessante ter, aqui, em conta a importância que tem o convívio na luta contra a solidão e os suas provadas consequências na saúde das pessoas fragilizadas, mas um convívio que tem de ser o mais possível natural e nada « imposto », o que constitui um evidente desafio tanto na estruturação físicas dos espaços residenciais privados e comuns, como na gestão do conjunto, sendo importante lembrar que os residentes terão sempre presente um sentido de « proximidade obrigatória », por mais intergeracional, estrategicamente vitalizado e urbanisticamente integrado que seja o conjunto residencial e de serviços em causa ; havendo, no entanto, condições que podem ajudar neste desejado equilíbrio, entre as quais se destaca o sentimento de segurança no presente e no futuro que tais condições de residencialidade de de equipamentos proporcionam designadamente aos idosos – e quem sabe este sentido de segurança e confiança não possa até ser reforçado em termos de condições de envolvente física e de gestão de proximidade ; uma matéria que merece posterior aprofundamento.

Como comentário, julgado estratégico, no âmbito do desenvolvimento global e pormenorizado de intervenções do PHAI3C, considera-se que são de grande sensibilidade e de fundamental aprofundamento estas questões associadas, quer ao convívio frequente com pessoas fragilizadas, quer à, sempre presente, perspectiva de uma mudança, não desejada, de um habitante para um nível residencial « especializado » que integre um conjunto mais elaborado de cuidados.

Desde já se considera que tais aspetos são de grande importância no âmbito do PHAI3C, onde se pensa não ser desejável a existência desse tipo de escalonamento de níveis de cuidados, privilegiando-se, sim, a existência, em cada unidade habitacional, de uma previsão espacial e de instalações que proporcione e facilite um eventual crescendo de necessidades de cuidados pessoais.

Realmente, esta é uma matéria crítica, designadamente, para o bem-estar residencial da globalidade do conjunto de residentes numa intervenção do PHAI3C, e exige um cuidadoso desenvolvimento e uma discussão multidisciplinar, mas desde já se considera que a opção de existência de diversos níveis de cuidados pessoais, fisicamente separados (por ex., por níveis ou alas) não parece ser adequada à « filosofia » residencial e de convivência intgergeracional do PHAI3C, privilegiando-se, sim, tal como se sintetizou, uma expressiva adaptabilidade e convertibilidade dos espaços privados das habitações integradas no PHAI3C no sentido de uma prestação de cuidados pessoais e de saúde subsequentemente mais elaborados.

 

Fig. 01 : uma imagem do programa intitulado « Vila dos Idosos », em São Paulo, Brasil ; uma intervenção do programa Morar no Centro da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB), que integra 145 unidades para pessoas idosas, realizado em 2003-2007, com projeto de Arquitetura de VIGLIECCA&ASSOC – Arq.º Hector Vigliecca e Associados. Mais imagens deste conjunto acompanharão os próximos artigos desta série, tendo sido recolhidas no âmbito do 3.º Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono (3.º CIHEL) promovido pelas FAU- Mack, FAU-USP e IAU-USP.

(iii) Não associar o envelhecimento (e a morte) a sítios residenciais específicos e frequentemente estigmatizados

Na sequência das reflexões acima registadas, os mesmos Erin G. Roth, J. Kevin Eckert e Leslie A. Morgan, no estudo referido, criticam o conceito de « envelhecimento na sua casa » (aging in place), pois referem que este acaba por se tornar num envelhecimento sequencial em diversos sítios/casas, à medida que se vai precisando de níveis mais elaborados de cuidados de bem-estar e saúde, numa sequência de mudanças de « habitação/quarto » que se traduz em frequentes e expressivos sentimentos e condições de medo, isolamento, desintegração social e pouco conhecimento das próprias condições de saúde (negrito e sublinhado nossos); tal como em seguida é citado:

The implied promise when moving in to MSH [que aqui traduzimos como “equipamentos residenciais com prestação de cuidados” ] of “never having to move again” or having a “forever home” is especially problematic (Ball et al., 2004; Bowers, 1989; Chapin & Dobbs-Kepper, 2001; Frank, 2002; Morgan et al., 2011). Suggesting that “aging in place” is possible may also be misleading, since many providers cannot serve people in that same room or apartment as needs increase; in short, person/environment fit diminishes, warranting relocation (Ball et al., 2004; Lawton & Nahemow, 1973).

...

The research literature is quite consistent in the finding that an internal move within MSH may be more disruptive than expected (Bowers, 1989; Eckert et al., 2009; Fisher, 1990; Frank, 2002; Shippee, 2009; Williams & Warren,2009). Forced moves to higher levels of care in MSH unintentionally cultivate fear and dread (Hrybyk et al., 2012), social isolation (Ayalon & Green, 2012; Shippee, 2012), social disintegration (Fisher, 1987), and hiding of health conditions (Bowers, 1989). ..(pg. 869)

Residents and places reflecting the highest levels of care are stigmatized in a context where people are monitored for health changes and required to relocate. Consequently, residents self-isolate, develop a diminished sense of self, and hide health and cognitive conditions out of fear of relocation.

Mas, apesar de todos estes frequentes aspetos de medo, isolamento, desintegração social e pouco conhecimento das próprias condições de saúde, residir em espaços realmente adequados a idosos e fragilizados tem benefícios significativos, designadamente, em termos da dinamização das relações sociais e da redução da solidão, mesmo que haja alguma tendência para algum convívio « superficial » ou « de ocasião ».

E para além de tudo isto importa considerar que uma mudança « quase única » de um dado idoso, para um complexo residencial que esteja capacitado para lhe garantir, para além de melhores condições de bem-estar e saúde - e portanto, tendencialmente, uma vida mais longa e em melhores condições –, um período longo e até eventualmente « sem limite », de vivência estando bem previstas as eventuais evoluções dos seus cuidados pessoais e de saúde, e assegurados « no local », numa situação que é bem distinta de um « um envelhecimento num sítio », traduzido, frequentemente, num « envelhecimento em diversos sítios (ou mesmo quartos) », configura condições extremamente positivas e que convirá ter bem presentes na estruturação do PHAI3C; tal como os autores que estão a ser citados referem:

Research literature identifies the potential for social and health benefits for older adults who live with others (Hays, 2002). For those moving into senior housing, benefits include increased social interaction, decreased loneliness (Ayalon & Green, 2013; Dupuis-Blanchard, Neufeld, & Strang, 2009; Erickson & Dempster-McClain, 2000; Rosow, 1967; Stacey- Konnert & Pynoos, 1992), and improved health (Kingston, Bernard, Biggs, & Nettleton, 2001).

Although volume of social interaction is demonstrated to increase for MSH residents, [ “equipamentos residenciais com prestação de cuidados” ] some authors also note that social ties within these settings lack the emotional depth found in close, long-established friendships..

Aging in Place and Intrainstitutional Moves Gerontologists’ criticize the concept of “aging in place” because most people entering MSH will eventually be required to move to a higher level of care as health and functioning change. The result is not aging in place, but rather “aging in places” moving up through multiple levels at one location or relocating elsewhere (Morgan et al.,2011). (pg. 870)

Em toda esta matéria salienta-se o forte estigma que, nas residências para idosos, marca, frequentemente, os respetivos espaços e « níveis » mais elevados de cuidados pessoais e de saúde. Um estigma que que se liga, frequentemente, a questões de arquitetura interior desajustadamente « hospitalar », no sentido de ser « fria », desagradável e evidenciadamente funcional e minimalista e desajeitademente evidenciando os equipamentos e instalações de apoio à saúde, até, como se estes fossem sinal de qualidade geral e de « status » ; situação que se entendia até talvez há alguns anos, mas que hoje não faz sentido, quando até os hospitais e centros de saúde se tendem a caracterizar como ambientes para-domésticos.

E em tudo isto importa ter presente a vontade que todos temos de voltar para « casa », para o nosso bem conhecido e acolhedor ambiente doméstico, depois de termos realizado uma qualquer intervenção hospitalar ou até uma simples consulta médica : será que a estes espaços e, por maioria de razão, para os espaços residenciais com apoios para idosos e fragilizados, não deveria  chegar uma revolução em termos da sua adequada caracterização doméstica ?  numa perspetiva bem discutida no estudo que está a ser citado: (negrito nosso) 

Stigma of Place: “Death Valley” Within each MSH, floors or units were designated for specific levels of care. Across the various settings, stigmatizing labels were given to the areas designated for people needing the most intensive care…(pg. 871)

... The labels given by residents to identify those who reside in the NH in Fisher’s study included: “the slowly dying,” “the living dead,” or “the crazies.” Independent residents, he noted, avoided interaction with people in the higher level of care (1987)…

... Our findings support and uphold Fisher and Bowers’ concern that the then-nascent continuum of care model of senior housing was constructing a social reality that was harmful to residents’ self-identity

Within each MSH, floors or units were designated for specific levels of care. Across the various settings, stigmatizing labels were given to the areas designated for people needing the most intensive care… (pg. 874)

Grouping together persons with similar needs (e.g., relatively independent, advancing dementia, or severe physical challenges) is often more efficient and cost-effective for staffing, scheduling, and other operational needs of MSH. Grouping people also makes sense socially. People prefer to socialize with others similar to themselves (McPherson, Smith-Lovin, & Cook, 2001), and so we might speculate that creating distinctive levels would result in a more positive social environment and less stigma. But we only found this to be the case among residents who had relocated into the highest level of care who faced no further relocations.  (pg. 875)

E então onde/como ficamos, no que se refere às desvantagens sociais e às (algumas) vantagens funcionais de uma especialização ou segmentação de « níveis residenciais » dedicados a idosos e pessoas fragilizadas, consoante o respetivo crescendo de necessidades em termos de cuidados pessoais ? Há que pensar e discutir multidisciplinarmente e, especificamente, com base em casos concretos ; mas, de qualquer forma, o desenvolvimento da intergeracionalidade residencial não parece ser harmonizável com a existência de partes da intervenção especificamente destinadas a pessoas muito fragilizadas, sendo que uma tal possibilidade poderia comprometer a própria ideia de uma intergeracionalidade estimulante e  duradoura.

(iv)       A importância crescente da habitação e da sua espaciosidade quando do envelhecimento

Um outro aspeto que é considerado determinante nestas reflexões sobre como melhor habitar numa idade mais avançada é que a importância das condições habitacionais e do próprio papel da habitação na vida das pessoas vai crescendo com o respetivo envelhecimento, tal como é apontado por Margaret Edwards e Ed Harding no seu estudo, intitulado Building our Futures Meeting the housing needs of an an ageing population, que muito se recomenda e que longamente se cita e comenta em seguida: (2) (negrito e sublinhado nossos)

The evidence from research shows that as people age their homes become more significant in defining their identity and shaping their lives. Not only are people less willing and likely to move home in older age but they also spend proportionately more time within the home…

The implications for planners are that as people get older they:

• Are less likely to perceive their homes as principally a financial resource (e.g. to release equity) and more as part of their identity and security.

• Will experience proportionately greater costs associated with occupying the home for longer periods e.g. heating and light.

• Will be most acutely aware of the immediate environment around their homes and changes over time.

• Are often highly motivated to stay at home but may require greater access to information about the help/support available and perhaps incentives to encourage pre-emptive action.

(pg. 16)

... factors influencing decisions to move people identified the following in decreasing importance:

• Feeling unable to look after one self

• Being isolated

• Unable to get out & about

• Having an accident and nobody to help

• Safety in home & neighbourhood

The implications for planners include:(pg. 17)

...

Planners should be wary of examining current trends in demand as reflecting preferences and indicating future patterns of decision-making. This is because there are other factors at work, for example:

• Little choice is available for those in public housing services, access is via eligibility systems and people will take what is offered (CPA, Housing Corporation 2002).

• People have poor understanding of what is on offer and decisions (and perceptions about future choices) are not well informed (HAPPI 2002). Those with sufficient income to buy privately may lack information about suitable choices such as specialist and supported housing.

• There are few social care services or supported accommodation facilities that meet the needs of people from BME groups, their choices are severely restricted.

• Fear of accidents in the home or neighbourhood changes can encourage people to move when they would prefer to stay in the area (Counsel & Care, Lancaster University 2003)…

Space is a significant factor influencing choices

There is a largely erroneous assumption that people automatically require less living space as they age, particularly as they become frailer or are living alone or as a couple. In policy debate the expression ‘under-occupancy’ is applied almost exclusively to older individuals or couples living in ‘family’ homes. Sheltered housing specifications in the past often currently reflect this assumption (CPA 2002). When asked most people wish to maintain the space they are accustomed to.

The typical patterns of owner occupation show that by age 45-54 people are occupying the largest houses in terms of rooms and although this declines a little as people age it does not reduce in proportion to the reduction in household size. The author predicts that this tendency to occupy larger houses will increase due to growth in wealth and owner occupation. Although average household size is falling this will not automatically lead to increased demand for smaller properties.

Sheltered housing units (particularly in the public sector) are experienced as too small and not allowing people to live normally, have visitors & friends to stay, maintain privacy and move around safely (CPA 2002).

There is a growing role for grandparents as informal care providers to grandchildren including significant numbers who take on full parenting when their own children are unable to do so. Grandparents provide some 60% of childcare (Generations Review 2003). This trend will continue and the need for adequate space for grandchildren to be accommodated full time in the home, visit or stay overnight will increase.

Implications for planners:

• Policies for RSL properties aimed at encouraging older people to move out of ‘family sized’ homes into smaller properties are based on false assumptions about the interests of the majority of older people.

• Ensure that new build and adaptations to property designed for older people allow sufficient space to live an active life and remain connected to family & friends i.e. two bedrooms, living space large enough fo hobbies to be undertaken as well as dining, watching TV, living space large enough to accommodate furniture you would find in a family home. (pg. 18)

Então como será, designadamente, no âmbito do PHAI3C? As velhas habitações poderão ser reequipadas e mantidas em termos espaciais, e ou reconvertidas até com espaços mais folgados; e as novas intervenções têm de ser, sem dúvida, espaçosas, ainda que de tipologias pouco elevadas ?

Provavelmente, sim ; no entanto há aqui uma ambiguidade importante e que poderá e deverá ser explorada, designadamente no âmbito do PHAI3C, no que se refere a não ir por uma « simples » dotação com mais espaço habitacional « líquido », mas sim com mais compartimentos e, designadamente, microzonas bem apropriáveis dentro de cada compartimento/espaço, sendo que estas últimas condições também obrigam a respetivos espaços-base folgados, designadamente em termos de dimensões lineares, ainda que, por exemplo, muito racionalizados, designadamente, em termos de instalações e acabamentos.

Assume-se, portanto, que por razões essenciais de satisfação dos residentes e de custo das intervenções estas escolhas dimensionais são fulcrais e obrigam a um desenvolvimento cuidadoso e realizado sob diversas perspetivas, o que se está a tentar assegurar ao longo deste estudo.

(v) A importância do ambiente local (considerado com um sentido amplo : exterior e interior) na satisfação habitacional dos mais idosos

Continuando, ainda, com Margaret Edwards e Ed Harding e com o último e excelente estudo referido, foca-se, agora a importância que tem o ambiente/vizinhança local na tomada de decisões habitacionais, uma matéria que, naturalmente, é já bem conhecida, até da atividade imobiliária marcada pela importância primária do sítio (primeiro o sítio, depois o sítio, ainda depois o sítio, etc.), mas que ao se tratar de pessoas idosas e fragilizadas parece ganhar ainda maior relevância; tal como, em seguida, se cita: (negrito nosso).

Changes in the immediate environment or ability to be mobile locally are as important to people as they age as the condition and facilities within the home. Planning for an ageing population must be multi-agency and on a very local basis

Implications for planners:

• Be alert to environmental factors that can make the location of existing homes less desirable even though the homes themselves are satisfactory e.g. reduced public transport, anti-social behaviour, run down appearance.

The percentage of people driving in old age will increase...

More people will be able to afford and wish to use pavement scooters; suitable pavement layout and dropped curbs will enable people to continue to be mobile in their local area. (pg. 18)

Salienta-se, consequentemente, o desejável grande cuidado na programação rodoviária e pedonal das vizinhanças próximas das intervenções do PHAI3C ; uma matéria que se tem de ligar aos aspetos de ocorrência de acidentes, seja com idosos como vítimas, seja como idosos como culpados.

Os referidos autores avançam, depois, para considerações mais gerais e estruturantes sobre o que deve marcar as intervenções que visam a habitação específica para idosos, em termos dos seus ambientes gerais e quadros etários, salientando-se evidentes aspetos de intergeracionalidade, natural integração urbana e convivialidade, ampla agradabilidade residencial e necessidade específica de serviços de apoio; considerações essas em seguida brevemente citadas: (negrito nosso)

Research suggests that the majority of older people have no preference to live in communities exclusively for people of the same age.

… the features of sheltered housing that are especially valued such as purpose built facilities, support and convenient location are more important than segregation from other age groups.

Implications for planners:

• In developing strategies for older people’s housing needs it is important to consider how they enable social integration whilst responding to potential anxieties about neighbourhood problems such as noise and conflict over use of public and shared spaces.

• Where proximity of users is essential to design and this means having age exclusive facilities planners should ensure that accommodation is integrated into mixed age communities, e.g. through the use of common outdoor spaces, access points and facilities.

(pg. 19)

... Responses to the housing needs of older people usually occur only when an individual faces a crisis or is in considerable difficulty and comes to the attention of agencies. Solutions at this stage tend to be one of the following:

Arranging a move from their home into residential care, sheltered or very sheltered/extra care accomodation

• Enabling someone to stay at home through services like personal care, meals, providing equipment and adaptations, and day care.

• Care & Repair or handyperson services to help people deal with backlog of maintenance and access problems. (pg. 20)

E os mesmos autores, no mesmo estudo, sublinham algo que se julga de muita importância e que é a falta de resposta integrada para o crescente número de idosos a residirem em habitações também cada vez mais envelhecidas: (negrito nosso)

In the housing field there is little or no strategic planning in response to the fact that there will be an increasing number of people living into old age in owner occupied homes that are themselves old.

There are a range of factors that have limited the extent of strategic planning both nationally and locally to meet the housing needs of people as they age. These include:

• Pressure to focus on regeneration issues like employment for those of working age and areas of deprivation.

• Pressure for affordable housing for public sector workers.

• Pressure for affordable housing for young people especially in rural areas…

Lack of information/research on how risks related to ageing translate into housing needs.

Lack of information/research about what people want and how they make housing choices both in private market and RSL market.

(pg. 24)

Relembra-se que a importância do « sítio » onde se habita, obriga a uma essencial articulação entre a respetiva envolvente urbana, equipamentos coletivos de apoio a acessibilidades urbanas estratégicas, e qualidade arquitetónica e integração mútua entre o arranjo da vizinhança de proximidade e o novo ou renovado conjunto edificado onde se vai habitar qualidade ; e tendo isto em consideração é oportuno registar que num quadro deste tipo, que é o que é visado, um dado habitante não irá « apenas » habitar o referido conjunto edificado, mas sim o seu « sítio », uma condição que deve ser positivamente desenvolvida em termos de complementaridades funcionais urbanas.

E é também aqui oportuno sublinhar a evidente conjugação estratégica intergeracional que pode ser oferecida por uma iniciativa como o PHAI3C, de forma integrada e multigeracional, a idosos e a jovens, assim como as respostas com que este Programa também poderá contribuir para a investigação prática sobre o que idosos e jovens desejam em termos habitacionais e sobre como « os riscos associados ao envelhecimento humano se traduzem em necessidades habitacionais ».

2. Criação de ambientes especial e espacialmente agradáveis

Naturalmente que para o êxito de uma dada intervenção residencial intergeracional não basta que ela não tenha quaisquer resquícios de estigmas associáveis a uma espécie de equipamento coletivo para idosos a necesitarem de cuidados de bem-estar e saúde específicos e exigentes, sendo essencial a criação de ambientes urbanos e residenciais especial e espacialmente agradáveis e estimulantes.

Neste sentido parece ser adequado abordar esta sensível e muito qualitativa matéria, muito ligada a uma adequada caraterização da respetiva intervenção, visando-se a criação de ambientes expressivamente marcantes, ainda que sóbrios e naturalmente bem integrados, o que aqui se sintetiza com o conceito da criação de « ambientes quase-coisas », e numa antítese àqueles ambientes sem caráter, sem presença e praticamente sem conteúdo urbano e residencial ; e, também, embora se reconheça a sensibilidade desta ideia específica, num avanço forte desta matéria da caraterização de um sítio e de uma intervenção visada para o PHAI3C, que se evidencie pelo desenvolvimento do que poderemos designar de caráter ou de « espiritualidade do lugar ».

(i)          Ambientes "quase-coisas"

O conceito de « ambientes quase-coisas », que parece poder vir a ser explorado como « motivo » de conceção no desenvolvimento de espaços residenciais intergeracionais - e, portanto, potencialmente dirigidos a um muito amplo leque de gostos habitacionais e urbanos, com natural destaque para aqueles que caraterizam habitualmente pessoas idosas e fragilizadas, desde que tais aspetos não conflituem com os gostos dos habitantes – fica, aqui, a dever-se a Tonino Griffero, no seu livro de filosofia e arquitetura intitulado Quasi-Things: The Paradigm of Atmospheres, salientando-se um conjunto de aspetos considerados caraterizadores das « atmosferas » - « ambientes » (referência nossa) como « quase-coisas », « coisas concretas » (referência nossa), e entre tais aspetos apontam-se os elementos capazes de nos estimularem a perceção, marcando-nos e resistindo a interpretações e racionalizações, entrando subtilmente em harmonia connosco, sem que demos conta de que tal está a acontecer ; tal como se cita em seguida: (3) (negrito nosso)

1. An atmosphere can overwhelm us and be refractory to a more or less conscious attempt at a projective reinterpretation.

2. An atmosphere can find us in tune with it to the point that we don’t realize we entered it.

...

4. An atmosphere may be perceived differently in the course of time.

... (adapted from Griffero 2017, p. xiv).

É, evidentemente, difícil o desenvolvimento de um conjunto de « ambientes quase-coisas » potencialmente adequados a um amplo leque etário de residentes, tal como se pretende no âmbito do PHAI3C, mas tal parece ser uma necessidade para fugirmos à fácil solução de ambientes descaraterizados, inóquos e estritamente funcionais, que são « estrategicamente » programados e desenhos « para todos », mas onde provavelmente ninguém se sente bem e « em casa » ; pois, não custa repetir, não estamos a conceber ambientes hospitalares e mesmo estes estão a converter-se, designadamente, a uma expressiva caraterização mais calorosa, informal e mesmo « doméstica ».

Podemos ainda considerar que a tendência, já bem enraizada nos EUA, de intervenções residenciais e temáticas para seniores (ex., residências marcadas pela arte, ou pelos livros, ou pelo golfe, ou por uma localização muito específica, etc.), acaba por se poder enquadrar neste caminho do privilegiar a criação de « ambientes quase-coisas » em vez de ambientes frios, onde ninguém se sentirá especialmente mal, porque aí também ninguém se sente minimamente bem; de certa forma é usar também esta « arma » temática, que terá de ser exmplarmente servida pela respetiva Arquitetura, para o caminho da satisfação e identidade residencial.

(ii) Caráter ou espiritualidade do lugar

Se, tal como se apontou atrás, os idosos tendem a dar mais importância às suas habitações e a passar nelas mais tempo, então há que as caraterizar de forma a serem mais impactantes na sua relação com os seus habitantes idosos e a proporcionarem-lhes motivos para aí se sentirem melhor e sempre com renovado interesse, por suscitarem reflexões, observações, explorações e experimentações; num processo ao qual não são de forma alguma alheias as relações, potencialmente muito ricas, que podem e devem ser criadas entre a unidade habitacional e os espaços comuns e entre o edificado e o exterior natural e urbano envolvente.

Sendo assim parace ser interessante apostar claramente no que podemos, abreviadamente, definir como o caráter ou mesmo a espititualidade do local, do sítio que assim é habitado com mais intensidade e temporalidade.

Muitos autores arquitetos trataram estas amplas, complexas e muito sensíveis matérias, que, na minha opinião, sendo sensíveis e pouco palpáveis, consituem a principal fundação de um bom/bem habitar, com natural destaque para todos os livros do incontornável Christian Norberg-Schulz, e a propósito ficamos, aqui, desde já, com uma breve, mas significativa, citaçãode Robert Barzan no seu estudo intitulado My Spirituality of Place : (4) (negrito nosso)

As much as I can, I enjoy the time and the place. This intimacy is important because it informs a way of living that promotes my own wellbeing and the wellbeing of the community.

Experience, reflection, and evidence help me use my own intelligence and creativity and the multi-faceted intelligence and creativity of my community in my efforts to realize my own wellbeing and the wellbeing of the community.

For me, this is what spirituality is all about.

(pg. 10)

Fica assim, sinteticamente, sublinhada a importância de um caráter/espiritualidade de uma dada intervenção urbana e residencial no caminho para o bem-estar pessoal e da respetiva comunidade de vizinhos; e por isto mais uma vez se reforça a necessidade de excelentes projetos de arquitetura aplicados ao PHAI3C.

Jenny Quillien no seu estudo Reflections from Bhutan. on the “-ness” in place-ness  (5), aborda estas matérias, numa perspetiva focada na relação entre identidade e lugar e, especificamente, na ausência daquilo que é necessário para se fazerem, realmente, lugares, desenvolvendo as suas ideias um pouco no âmbito da « velha » e incontornável « linguagem de padrões » de Alexander (et al) e, embora, aplicando a sua reflexão a espaços de escritórios, procura neles aplicar aspetos que « habilitem o pensamento e deliciem a criatividade » ; deixando portas abertas a avanços similares em espaços residenciais e conviviais tão exigentes como potencialmente muito ricos como é o caso do habitat intergeracional adaptável e participado; aspetos estes em seguida brevemente citados: (negrito nosso)

Manhattan-ness. New Orleans- ness. Paris-ness. my home-ness. Your office-ness. The “- ness” ineffable and yet so presentthick- in-the-air-almost-tangible-quality of life in certain places. This “- ness” is what we love (or possibly hate) and, as place makers, aspire to create, preserve, or change. (pg. 11)

Podíamos ter retirado do título deste item a palavra « espiritualidade », deixando « apenas » a noção de caráter e da sua importância no bom/bem habitar ; no entanto, lembrando certos espaços arquitectónicos que, realmente, parecem roçar o sublime, como é o caso, por exemplo, de alguns pátios tradicionais japoneses e de tantos espaços de relacionamento interior/exterior de grandes arquitectos, preferimos deixar o termo « espiritualidade » como qualificação importante a tentar atingir, pelo menos, em algumas zonas de espaços residenciais muito exigentes, porque direcionados para pessoas especialmente sensíveis e tentaremos voltar ao aprofundamento desta ideia.


Notas :

(1) Erin G. Roth, MA, J. Kevin Eckert, PhD, and Leslie A. Morgan, PhD - Stigma and Discontinuity in Multilevel Senior Housing’s Continuum of Care. Department of Sociology and Anthropology, Center for Aging Studies, UMBC, Baltimore, Maryland. The Gerontologist, 2016, Vol. 56, No. 5.  © The Author 2015. Published by Oxford University Press on behalf of The Gerontological Society of America. All rights reserved.

Downloaded from https://academic.oup.com/gerontologist/article-abstract/56/5/868/2605327/Stigma-and-Discontinuity-in-Multilevel-Senior

(2) Margaret Edwards and Ed Harding - Building our Futures Meeting the housing needs of an an ageing population. Building Our Futures Steering Group Members. 2006. International Longevity Centre UK

(3) Griffero, Tonino; tradução por Sarah De Sanctis – Quasi-Things: The Paradigm of Atmospheres. Environmental & Architectural Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University. Architecture Department, New Prairie Press, 9-18-2017. Albany, NY: State Univ. of New York Press.

(4) Barzan, Robert – My Spirituality of Place. Environmental & Architectural Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University. Architecture Department, New Prairie Press, 9-18-2017.

espiritualidade e lugar 9-18-2017

(5) Quillien, Jenny – Reflections from Bhutan. on the “-ness” in place-ness. Environmental & Architectural Phenomenology Vol. 28, No. 2. Kansas State University. Architecture Department, 2017 New Prairie Press, 9-18-2017.

(6) Calouste Gulbenkian Foundation UK Branch; Centre for Public Impact (CPI)  Transitions in Later Life. Londres: Calouste Gulbenkian Foundation UK Branch;, Centre for Public Impact (CPI), 2015.

(7) Buttimer, Anne [tradução Letícia Pádua] – Lar, horizontes de alcance e o sentido de lugar (Home, reach, and the sense of place). Geograficidade, v.5, n.1, Verão 2015 – Nova Iorque: St. Martin’s Press, coletânea “The Human Experience of Space and Place”, edi­tada por Anne Buttimer e David Seamon, 1980. p.166-187.

(8) Gillner, Sabine; Weiß, Anja M.; Mallot, Hanspeter A. – Visual homing in the absence of feature-based landmark information. Cognition 109, 2008. pp. 105–122 (Tübingen: University of Tübingen, Faculty of Biology, Department of Cognitive Neurobiology)

(9) Eyles, John; Williams, Allison (ed.) – Sense of place, health and quality of life. Routledge, Geographies of Health Series, 2008

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

Atratividade, identidade e integração na habitação para idosos I - versão de trabalho e base bibliográfica –  Infohabitar # 815

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 815

Edição: quarta-feira, 11 de maio de 2022

 

Artigo VI da série editorial da Infohabitar “PHAI3C – Programa de Habitação Adaptável e Intergeracional através de uma Cooperativa a Custo Controlado”

 

Infohabitar – a revista da GHabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista da GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

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