quarta-feira, fevereiro 02, 2022

A cozinha: problemas correntes, condições de conforto e aspetos motivadores – infohabitar # 803


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A cozinha: problemas correntes, condições de conforto e  aspetos motivadores – infohabitar # 803

 

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 803

Edição: quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022

 

Artigo integrado na série editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”

 

 

Caros leitores da Infohabitar,

 

Com o presente artigo continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que esta semana continua dedicada aos espaços de cozinha domésticos, levando-nos, depois, a outros espaços das nossas habitações.

 

Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).

Considerando a recente evolução da pandemia, e a, cada vez mais provada, grande capacidade de contágio da mais recente variante do vírus, mesmos entre vacinados, continuamos a reforçar a vital importância de cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e de continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros, designadamente, em termos de limpeza de mãos, uso de máscara e distância social.

Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de boa saúde para todos os caros leitores e seus familiares,    

 

Lisboa, em 02 de fevereiro de 2022

António Baptista Coelho

Editor da Infohabitar

A cozinha: problemas correntes, condições de conforto e  aspetos motivadores – infohabitar # 803

António Baptista Coelho

(texto e fotografias)


Resumo

Neste artigo, dedicado à temática específica das cozinhas domésticas, desenvolvemos alguns aspetos sobre o espaço de cozinha e sobre todo o seu potencial, iniciando a reflexão com a matéria dos problemas correntes na cozinha e das questões dimensionais e outras que, aí, frequentemente se colocam.

Passa-se, em, seguida para uma abordagem específica aos aspetos de conforto ambiental que marcam o uso de uma cozinha agradável e funcional, dirigindo atenção especial e justificada às questões da iluminação natural.

Finalmente e antes de uma breves notas conclusivas aborda-se a caraterização do espaço e do ambiente da cozinha doméstica no sentido de o dotar de adequadas condições para um seu uso tão funcional como verdadeiramente estimulante.


1. Breves notas introdutórias e a problemática do frequente confronto entre funcionalidade e agradabilidade na cozinha

Neste artigo sobre a caracterização da cozinha doméstica desenvolvem-se os aspetos julgados “centrais” desta temática, designadamente, no que se refere às principais questões que aí habitualmente se levantam, às incontornáveis matérias ligadas ao conforto ambiental e à agradabilidade do espaço de cozinha e, finalmente, aos aspetos responsáveis por um espaço de cozinha habitacional claramente motivador de um seu uso intenso, prolongado e gratificante.

Pela sua “densidade” de equipamentos e instalações a cozinha é um dos principais protagonistas de um espaço doméstico, mas é importante ter-se bem presente, que ela existe para nos servir e para nos proporcionar uma vida diária, agradável, estimulante e convivial; e não para que nós a “adoremos” como se fosse um espaço quase de “culto”, recheado de gadgets e onde o homem é, praticamente, um intruso, que se movimenta, de certa forma, nas margens das máquinas domésticas.

Sublinha-se que o que aqui se defende é um espaço de cozinha doméstico em que os seus adequados aspetos funcionais sejam totalmente acautelados e bem servidos, no sentido de se apoiar, ao máximo, até uma preparação de refeições, especialmente elaboradas, na habitação; mas em que um tal “contorno” funcional seja devidamente aliado com uma caraterização agradável e estimulante como espaço de convívio e de algum estar multifuncional e informal.

E refere-se esta observação porque é frequente encontrarem-se cozinhas com um evidente excesso de funcionalidades e de “maquinalidade” e com um evidente deficit de humanização e de sentido gregário, e é fundamental sublinhar, aqui, de desde sempre as cozinhas foram o centro da casa: aqui ardia, em continuidade o fogo do lar e aqui se passava quase tudo o que se passava em casa.

Evidentemente o tempo foi passando, mas está, talvez, na altura de se recuperar, plenamente, o capital de convivialidade e de atratividade das cozinhas como sítios da família, como sítios do centro da vida doméstica, sem discriminações de tarefas e de espaços, e até é útil esta possibilidade no sentido em que os restantes espaços da casa ficam mais disponíveis para os novos usos domésticos.

Uma oportunidade associada à necessária batalha pela manutenção e recupaeração do convívio doméstico e de um sentido gregário no núcleo familiaqr e de amigos, naturalmente afetado tanto pelas exigências temporais da vida moderna, como pelo imparável manancial de gadgets tecnológicos que acentuam a individualidade e o relativo isolamento (smatphones, tablets).


2.Cozinha: problemas correntes

Tal como aponta Sven Thiberg (1), as deficiências mais comuns detetadas em cozinhas relacionam-se muito mais com a organização da sequência de trabalho e a disposição relativa de elementos de mobiliário e equipamento do que com a quantidade de espaço livre disponível.

Os aspetos negativos frequentemente apontados (e também alguns deles pelo sitado autor), relativamente ao espaço de cozinha doméstica são os seguintes:

- portas abrindo para dentro da cozinha;

- passagens livres muito estreitas;

- portas de frigoríficos abrindo na direção errada, tendo-se em conta a sua utilidade no apoio à preparação de refeições;

- colisões entre portas de acesso e de armários;

- colisão entre portas de acesso e fogões fornos e bacias de lavagem (o que é potencialmente muito perigoso);

- e, finalmente, uma significativa falta de espaço livre em torno da mesa de cozinha.

Tal como refere o citado autor, chama-se aqui a atenção para uma caraterística de projeto conhecido, mas que é, habitualmente, pouco evidenciado, que se refere aos bons projetos de Arquitetura cuidarem de forma muito pormenorizada do desenho das cozinhas, no sentido de aí, frequentemente, se  proporcionarem espaços realmente satisfatórios e motivadores; e tais cuidados projetuais são bem diversos de um simples “encaixar” das “máquinas de cozinha” incontornáveis, ou habituais; dá trabalho mas os resultados são extremamente significativos e, como em tudo, nem todos conseguem atingir um adequado nível de qualidade, designadamente, quando se estão a integrar tantos elementos e com tantos objetivos vivenciais.

E em termos de problemas correntes nas cozinhas há que destacar dois, que por sinal são dois dos aspetos mais críticos no que se refere à, sempre estimulante, maior integração da cozinha num espaço doméstico do tipo “planta livre” – por exemplo numa espaçosas e convivial cozinha-sala de família e de estar que dê acesso a quartos:

- o problema dos cheiros e vapores originados nas ações de preparação de refeições, que poderá ser em boa parte ultrapassado através de uma cuidadosa solução da respetiva ventilação;

- e o problema dos ruídos produzidos, designadamente, por máquinas associadas, habitualmente, ao espaço de cozinha – caso das máquinas de lavar e mesmo dos equipamentos de ventilação –, que poderá ter solução seja pela escolha de modelos caracterizadamente silenciosos, seja pelo desenvolvimento de um pequeno compartimento, isolado, para instalação das máquinas, uma solução muito eficaz e que foi utilizada, em Portugal, em soluções de habitação de interesse social, ganhando-se, assim, a cozinha como um agradável espaço de convívio e para diversas atividades domésticas.

 

Fig. 01: Zona de cozinha aberta sobre sala de uma habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H 8-12, Arquitetura: Kim Dalgaard, Tue Traerup Madsen. Este tipo de solução é sempre motivador em termos da criação de um espaço doméstico potencialmente multifuncional e convivial, mas exige, para ter verdadeiro sucesso e uso, cuidados muito acrescidos em termos de exaustão de fumos e cheiros e de controlo dos ruídos produzidos.


3. Cozinha: questões levantadas (dimensionais e outras)

A situação, cada vez mais frequente, de ambos os elementos de um casal de habitantes trabalharem fora de casa, o crescimento de hábitos de abastecimentos periódicos e em grandes quantidades e a disponibilização cada vez mais alargada de equipamentos para simplificação das tarefas culinárias obriga a cuidados extremos na sistematização funcional das zonas de preparação de refeições e no seu relacionamento com os respetivos espaços de arrumação; e tal como atrás se disse não é um dado adquirido que se façam bons projetos de cozinhas, antes pelo contrário, pois esta pormenorização, quando existe, é considerada, mais como uma oportunidade de vender elementos vistosos e, por vezes, até funcionalmente redundantes.

E quando tratamos tais aspetos importa ter sempre e sistematicamente presente que a a cozinha doméstica, mesmo sendo um espaço convivial, tem de ser um espaço extremamente funcional no apoio direto á preparação de refeições e, indireto, a um amplo conjunto de aspetos funcionais domésticos (ex., arrumação multifuncional, arrumação de alimentos, apoio à limpeza doméstica, etc.) .

O incontornável Claude Lamure ("Adaptation du Logement à la Vie Familiale", pp. 177 e 178) considera os seguintes aspetos funcionais específicos e particulares como estruturantes na/da organização das cozinhas:

- Os três postos principais, lava-louças, posto de preparação de alimentos e posto de fogão, são indissociáveis. Nenhum obstáculo deve interpor-se nos percursos entre eles, e, particularmente, nenhuma outra circulação deve interferir com a circulação entre esses três postos.

- Dois elementos complementares, posto de instalação de frigorífico e posto de serviço ou "descarga", devem ser igualmente acessíveis a partir dos três postos principais.

- Cada equipamento de cozinha necessita de um plano de "descarga" contíguo (ex., fogão).

- A organização preferencial (para não canhotos) será constituída por uma sequência, da esquerda para a direita, incluindo lava-louças, preparação, fogão (porque se poderá usar a mão direita no fogão, enquanto que com a esquerda se usam diversos utensílios).

- As arrumações devem estar adequadamente distribuídas por diversos sítios, de acordo com o princípio de se disponibilizarem os elementos necessários no seu primeiro ou no seu último sítio de utilização.

- A máquina de lavar louça deve ser colocada perto de um armário para louça ou de uma mesa de refeições.

- O balde do lixo, (ou o acesso à conduta de lixos) deve ser preferencialmente localizado num sítio bem ventilado, mas muito próximo da cozinha.

- O acesso a um forno deve ser desimpedido numa profundidade mínima de 1.20m, medida a partir da abertura do forno.

Tal como refere Claude Lamure (2), as pessoas tomam, muito frequentemente, as refeições na cozinha, quando a área desta é superior a 9m² - o que até é uma dimensão bastante “económica”;  e continua-se a tomar aí refeições, quando a área desce até cerca de 6m²; mas é quando as cozinhas são razoavelmente espaçosas, quando a sua área é superior a 11m², diz Lamure, que quase toda a gente toma as refeições, quase, exclusivamente aí e é que em tais condições começam a surgir, na cozinha, de forma significativa, o recreio e o trabalho de crianças e mesmo o estar ocasional dos adultos.

E dá vontade de sublinhar esta questão de espaciosidade, funcional e ambiental, que se considera deveria ser adequadamente recomendada e de forma geral na conceção habitacional, velando-se, paralelamente pela existência de dimensões adequadas, pois não basta a área, há que ter “espaço para” e “espaço entre”.

Continuando a aprofundar esta matéria de espaciosidade da cozinha doméstica, é importante que as áreas das cozinhas cresçam na proporção em que aumente o número de quartos na habitação; condição esta que infelizmente não se verifica como regra, pois as cozinhas são, frequentemente, consideradas como tratando-se de uma espécie de grandes casas de banho, imutáveis, seja a casa pequena ou grande.

Mas, tal como já acima se apontou, a dimensão geral não é tudo, sendo essencial a existência de uma largura adequada, e segundo o Institut de Tecnologia de la Construcción de Catalunya (3) , o processo de composição da largura-tipo de uma cozinha deve considerar os seguintes elementos): largura de bancada, 0.60m; largura da circulação e espaço de actividade, 1.10m (1,20 noutros estudos); largura de mesa para refeições, de 0.90m a 1.10m; e teremos, assim, uma dimensão de referência entre 2,60 a 2,90m, bem diferente da da nossa dimensão mínima regulamentar. (4)

Ainda segundo Lamure, em cozinhas espaçosas, são preferíveis as disposições de bancada em L e em U, porque economizam deslocações e espaço de circulação, permitem movimentos mais cómodos (potencialmente menos bruscos e com mudanças de direção mais suaves) e definem zonas livres de circulação e atravessamento; no caso das bancadas em L é de referir que estas se integram bem com uma mesa suplementar (multifuncional) (5).

As cozinhas em U são consideradas, habitualmente, ótimas, seja em situações de grande disponibilidade espacial, seja em situações de extrema exiguidade (zona de cozinha ligada a sala, onde basta rodar sobre si próprio para chegar às diversas superfícies de bancada).

E ainda novamente segundo Claude Lamure a altura da bancada de cozinha poderá variar ligeiramente com as diversas funções a executar, ou, parecendo ser uma melhor solução, poderá ser previsto um plano de trabalho específico ou uma mesa de cozinha que permita a execução de certos trabalhos a partir da posição de sentado (6); condição esta que é, também, muito rica em termos de potencial de projeto e de criatividade, mais uma vez numa estratégica aliança entre função e forma.

Uma questão que aqui não se irá abordar em pormenor, mas à qual importa fazer uma referência, tem a ver com a hoje em dia tão “apetecida” integração de “ilhas” e “penínsulas” como elementos de apoio funcional e convivial no espaço de cozinha doméstico; uma opção que se julga só poder fazer sentido em cozinhas muito espaçosas ou em soluções de integração da cozinha com o espaço de estar e de refeições formais; mas que nos parece dever ser sempre equacionada em alternativa ao uso, para idênticas finalidades, de uma mesa, com as vantagens de flexibilidade de instalação, movimentação e mesmo economia de aplicação que uma tal opção oferece.


4. O conforto na cozinha residencial

4.1. Orientação preferencial das cozinhas e outros asptos associados

Um aspeto relativo às cozinhas e que é, constantemente, motivo de dúvida na fase inicial da conceção residencial, tem a ver com a sua orientação preferencial, que é, habitualmente, referida aos quadrantes mais a Norte.

Esta é uma matéria sobre a qual há, no entanto, uma reflexão a fazer que tem a ver, designadamente, com os seguintes dois tipos de aspetos:

- com a situação de ter de haver compartimentos expostos a esses quadrantes, quando se consideram habitações com ventilação cruzada e duas frentes, sendo uma delas mais a Sul – condição esta que parece ser a ideal;

- e com a preferência que nestes casos deve ser dada aos quartos e salas na orientação mais a Sul, pois estes compartimentos e, designadamente, os quartos muito ganharão ao serem naturalmente aquecidos, no Inverno, durante o dia, para depois serem usados ao final da tarde e à noite.

Não podemos esquecer que na quase totalidade dos casos são os próprios habitantes a usarem a cozinha para prepararem as suas refeições e assim há que ter em conta o seu conforto nesses espaços, não sendo, de todo adequado, que eles sejam concebidos como sendo destinados a alguém que ali estaria a realizar uma função “maquinal” e “de serviço”; hoje em dia tal não faz qualquer sentido, pois mesmo em situações de "cozinhas-laboratório" ou de recantos de cozinha, tais espaços devem ser expressivamente confortáveis, para além de serem funcionais e seguros na sua utilização.



Fig. 02: Cozinha de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H29 - H31, Arquitetura: Gert Wingardh, Monica Riton. Estamos perante uma solução de potencial e total integração entre refeições formais e informais tomadas num espaço de cozinha formalmente muito digno e agradável, bem como expressivamente muito bem integrado, em continuidade, na globalidade da respetiva habitação.

 

 

Portanto, o que haverá a concluir desta questão centrada nos aspetos de conforto ambiental e orientação do espaço de cozinha doméstico?

Talvez que a cozinha deva poder ser, tendencialmente, associada às condições ambientais que caracterizam a zona de estar doméstica, por exemplo, desenvolvendo-se na sua contiguidade, desde que tal condição não seja significativamente responsável pela disposição dos quartos orientados, de forma expressiva, a quadrantes Norte.

Por outras palavras, se há algum espaço a “sacrificar” a essa orientação mais a Norte, a cozinha deverá ser o primeiro, até porque durante o Verão essa mesma disposição será um fator específico de conforto no seu uso próprio e da sua boa influência ambiental no resto da casa, pois será um espaço tendencialmente fresco, com vantagens seja para a conservação dos alimentos, seja para o desenvolvimento da preparação de refeições, com uso do fogão – uso este que, afinal, será, também um fator de equilíbrio ambiental da vivência da cozinha em tempo frio.

Uma outra questão ambiental a considerar na conceção do espaço de cozinha liga-se com o erro, que é frequente, de se considerar que esta zona doméstica se deve ligar ao exterior de forma diversa do que acontece nas restantes zonas de estar – afinal, como tem ficado claro o espaço de cozinha deverá ser, sempre, e também uma zona de estar.



Fig. 3: Sala de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H29 - H31, Arquitetura: Gert Wingardh, Monica Riton - o tipo de fenestração é idêntico na sala e na cozinha – ver figura 2.


Na prática faz muito pouco sentido tratar as janelas das zonas de cozinha apenas como sendo vãos funcionais, por exemplo, de acesso a estendais de roupa, assim como não faz qualquer sentido “enclausurar” o espaço de cozinha “atrás” de um espaço de tratamento de roupas (lavar e secar), interiorizando-o e prejudicando fortemente as suas condições de conforto ambiental (ventilação e iluminação natural), e mesmo “entristecendo-o” de forma crítica.

E esta matéria da tendencial associação entre cozinha e zona de tratamento de roupas é, globalmente, uma matéria que carece de tratamento espacífico, pois trata-se de conteúdos funcionais muito distintos (preparar refeições e lavar e secar roupa), e que apenas teriam em comum o terem sido realizados, tendencialmente, pelas mesmas pessoas ligadas aos serviços domésticos, condições que, evidentemente, hoje em dia não sucede.

4.2. Iluminação natural de cozinhas 

Em termos de segurança e eficácia nas tarefas do cozinhar é fundamental que elas se desenvolvam em espaços e bancadas muito bem iluminados naturalmente (luz natural, que é a melhor para muitas atividades pormenorizadas), e, além disto, e porque somos nós os habitantes que estamos no espaço de cozinha a cozinhar e em outras atividades associadas, também será bem interessante que aí possamos ter boas vistas sobre o exterior.

E atente-se a que este tipo de cuidados podem e devem ser determinantes na estruturação doméstica e ajudam, até, por exemplo, na fundamental e já referida autonomização do tratamento de roupas relativamente à preparação de refeições; atividades estas (cozinhar e tratar a roupa), que afinal nada têm em comum em termos funcionais e ambientais, apenas eram, habitualmente, realizadas pelas mesmas pessoas: as “donas de casa” e as empregadas; uma situação que parece que mudou radicalmente.

E evidentemente que o que aqui se aponta para a luz natural tem de ser devidamente cuidado em termos da pormenorização da incidência da luz natural nas bancadas de trabalho da cozinha, bem como do controlo da eventual insolação e da adequada estruturação de uma iluminação artificial devidamente conduzida para as referidas bancadas de trabalho e que alie funcionalidade e caraterização doméstica (ex., anulando-se as infelizmente tão frequentes iluminações “frias” e gerais).

 

Fig. 04: Pormenor de cozinha de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H29 - H31, Arquitetura: Gert Wingardh, Monica Riton. Uma iluminação natural bem ligada aos planos e trabalho e aos planos decorativos e de apropriação da cozinha; sendo que a luz artificial deverá, sem dúvida, “seguir” ou quase mimetizar as condições de luz natural – por vezes assegurando como que uma “continuidade” interessante da luz natural para além do respetivo período diurno.


4.3. Ainda sobre as condições de conforto ambiental em cozinhas residenciais

E mais uma questão ambiental: é essencial que as cozinhas tenham excelentes condições de luz e de ventilação naturais (janelas de abrir) ou "forçada" (grelhas de entrada e saída de ar).

E nesta matéria há que sublinhar que, sem dúvida, são preferenciais as condições de iluminação e ventilação naturais, aliás com importância claramente acentuada numa altura em que se procura uma maior sustentabilidade ambiental habitacional; e aqui há que sublinhar que, por vezes, se faz o mais complicado nestas matérias da sustentabilidade ambiental e se esquece o mais simples e igualmente importante como é o caso.

E, ainda nesta matéria, há que salientar que, muitas vezes, a famosa ventilação forçada é claramente deficiente ou corresponde a sistemas cuja eficácia de ventilação é claramente duvidosa ou que obrigam, mesmo, a soluções mecânicas que gastam energia para a resolução de uma situação que pode e deve ter uma resolução “natural”.

4. Cozinha: aspetos motivadores e a explorar

Tal como se apontou num estudo que editei no LNEC em 1998, intitulado “Do bairro e da vizinhança à habitação” (ITA 2), entre as características mais desejáveis nas cozinhas tradicionais, ou nas zonas de cozinha, para preparação de refeições salientam-se as seguintes:

-    Estarem razoavelmente próximas das zonas de refeições.

-    Possibilitarem vistas sobre o exterior a partir das principais zonas de trabalho.

-    Apoiarem, o melhor possível, a sequência de: receção e armazenagem de produtos alimentares; preparação de cozinhados; transportes para as (e a partir das) zonas de refeições; lavagens e arrumações.

-    Facilitarem o uso funcional da "bancada" e dos armários de cozinha, bem como de todos os equipamentos e aparelhos eletrodomésticos de apoio e terem, preferencialmente, uma "bancada" de trabalho comprida e sem interrupções (em U ou em L).

-    Terem relação direta com a despensa ou os armários para arrumação de produtos alimentares.

-    Serem fáceis de limpar e duráveis, e não provocarem ruídos, fumos e cheiros desagradáveis no resto da casa e em espaços de circulação comuns e contíguos.

-    Terem equipamento adequado: lava-louças com escorredouro; bancadas de trabalho espaçosas, resistentes e laváveis; espaços preparados e equipados para o fogão, frigorífico e máquina de lavar louça; e sítio próprio para o esquentador. As cozinhas devem ter, ainda, espaços válidos para instalar equipamentos suplementares (por exemplo, arcas frigoríficas e pequenos fornos).

-    Integrarem uma zona de refeições correntes.

-    E serem equipadas com mobiliário fixo que associe facilidade de limpeza, durabilidade, atratividade e, especificamente, uma cuidada ergonomia, seja nas valências de arrumações diversificadas, seja nas valências de uso de planos de trabalho, equipamentos e instalações; ergonomia esta que deverá estar intimamente associada a condições maximizadas de conforto ambiental (designadamente no que se refere à iluminação natural e artificial e à ventilação) .

 

Fig. 05: Recanto de cozinha de habitação do conjunto urbano "Bo01 City of Tomorrow", desenvolvido no âmbito da exposição que teve lugar em Malmö em 2001 (ver nota final) - H7, Arquitetura: Lars Asklund, Asklund & Jansson Arkitekter. Por vezes até num pequeno espaço se consegue desenvolver uma zona de cozinha não só funcional como ambientalmente estimulante; e atente-se na expressiva capacidade de arrumação que é, aqui, disponibilizada.

 


5. Cozinha: brevíssimos comentários minimamente conclusivos

Parece interessante comentar, aqui, neste remate de artigo, que seja no primeiro texto desta série, já editado sobre cozinhas residenciais, se privilegiaram os aspetos de convivialidade doméstica, seja no presente artigo se acabaram por sublinhar matérias muito ligadas ao conforto e à agradabilidade no uso das mesmas cozinhas, acabando-se por abordar os respetivos aspetos funcionais, um pouco, “paralelamente” a tais condições e salientando que há que cumprir a funcionalidade nos espaços de preparação de refeições, mas que um tal cumprimento não deve fazer arriscar os referidos aspetos de verdadeira vivência doméstica defendidos para estes espaços; e, já agora, que haverá de “podar” as nossas habituais cozinhas domésticas daquelas funções que, tal como boa parte do tratamento de roupas, pouco ou nada têm a ver com a funcionalidade e a ambientalidade de uma cozinha tendencialmente convival; aí estando, frequentemente, integradas apenas por razões de economia e concentração espacial.

Foca-se, assim, novamente, a importância convival da zona de cozinha doméstica, aspetos este que se julga dever marcar a inovação e o futuro deste tipo de espaço residencial; matéria à qual dedicaremos o terceiro e último artigo desta temática.

 

 

Referências/notas

 

(1) Condiciones Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les Ordenances d'Edificació, p. 42.

(2) A dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.

(3) Condiciones Minimas d'Habitabilitat i de Construcción dels Edificis a Contemplar en les Ordenances d'Edificació, p. 42.

(4) A dimensão mínima, definida pelo "Regulamento Geral das Edificações Urbanas", Artº 69, é apenas de 1.70m.

(5) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 180.

(6) Claude Lamure, "Adaptation du Logement à la Vie Familiale", p. 183.

 

Nota importante sobre as imagens que ilustram o artigo:

 

As imagens que acompanham este artigo e que irão, também, acompanhar outros artigos desta mesma série editorial foram recolhidas pelo autor do artigo na visita que realizou à exposição habitacional "Bo01 City of Tomorrow", que teve lugar em Malmö em 2001.

 

Aproveita-se para lembrar o grande interesse desta exposição e para registar que a Bo01 foi organizada pelo “organismo de exposições habitacionais sueco” (Svensk Bostadsmässa), que integra o Conselho Nacional de Planeamento e Construção Habitacional (SABO), a Associação Sueca das Companhias Municipais de Habitação, a Associação Sueca das Autoridades Locais e quinze municípios suecos; salienta-se ainda que a Bo01 teve apoio financeiro da Comissão Europeia, designadamente, no que se refere ao desenvolvimento de soluções urbanas sustentáveis no campo da eficácia energética, bem como apoios técnicos por parte do da Administração Nacional Sueca da Energia e do Instituto de Ciência e Tecnologia de Lund.

 

A Bo01 foi o primeiro desenvolvimento/fase do novo bairro de  Malmö, designado como Västra Hamnen (O Porto Oeste) uma das principais áreas urbanas de desenvolvimento da cidade no futuro.

 

Mais se refere que, sempre que seja possível, as imagens recolhidas pelo autor do artigo na Bo01 serão referidas aos respetivos projetistas dos edifícios visitados; no entanto, o elevado número de imagens de interiores domésticos então recolhidas dificulta a identificação dos respetivos projetistas de Arquitetura, não havendo informação adequada sobre os respetivos designers de equipamento (mobiliário) e eventuais projetistas de arquitetura de interiores; situação pela qual se apresentam as devidas desculpas aos respetivos projetistas e designers, tendo-se em conta, quer as frequentes ausências de referências - que serão, infelizmente, regra em relação aos referidos designers -, quer os eventuais lapsos ou ausência de referências aos respetivos projetistas de arquitetura.

 

Notas editoriais ao artigo:

O presente artigo corresponde a uma edição integrada, modificada, revista e complementada dos artigos que foram editados na Infohabitar, em 26/04/2015 e 03/05/2015, com os números 530 e 531.

 

Notas editoriais gerais:

(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.

(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é, igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.

(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

 

A cozinha: problemas correntes, condições de conforto e  aspetos motivadores – infohabitar # 803 

Infohabitar, Ano XVIII, n.º 803

Edição: quarta-feira, 02 de fevereiro de 2022

 

Infohabitar

Editor: António Baptista Coelho

Arquitecto/ESBAL – Escola Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), em Lisboa.

 

abc.infohabitar@gmail.com

abc@lnec.pt

 

Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).

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