Entrar na habitação; o vestíbulo de entrada – Infohabitar # 786
Infohabitar,
Ano XVII, n.º 786
Edição:
terça-feira, 10 de agosto de 2021
Artigo integrado na série
editorial da Infohabitar “Habitar e viver melhor”
Caros
leitores da nossa Infohabitar,
Depois de duas abordagens, uma ampla e desenvolvida e outra bem direcionada para o futuro, do que poderá e deverá ser a Nova Habitação de Interessa Social Portuguesa, retomamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado “Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que aqui está a ser, e será, desenvolvida ainda durante um número significativo de outras semanas editoriais.
Lembra-se, novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).
Considerando a mais recente evolução da pandemia,
sublinha-se, mais uma vez, a vital importância de não perdermos, agora, uma
parte significativa
do que ganhámos, dando-se agora tempo e cuidado até estarmos todos, em boa
parte, imunizados; há que cumprir com rigor os protocolos de vacina (n.º de
doses e períodos temporais posteriores às mesmas) e continuar com os cuidados
de proteção próprios e dos outros, até esta presente vaga estar vencida.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações
calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores
e seus familiares,
Lisboa/Encarnação e Azambuja/Casais de Baixo, em 9 de agosto de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Entrar na habitação; o vestíbulo de entrada – Infohabitar # 786
António Baptista Coelho
(texto e imagens)
Resumo
Neste artigo, dedicado à temática do vestíbulo de entrada na habitação, faz-se, de início, uma introdução geral aos espaços domésticos, seguindo-se
um enquadramento da temática do vestíbulo e dos aspectos
considerados motivadores para o seu uso.
Depois abordam-se diversas opções
de vestíbulo, as associações formais e funcionais e e os hábitos considerados
interessantes nas soluções de vestíbulos domésticos e os problemas mais
correntes que aí se detetam e as respetivas questões levantadas (dimensionais e
outras)
Por fim aborda-se a temática do vestíbulo doméstico
em termos de respetivas novidades, dúvidas e tendências (ex., trabalho em casa,
uso por idosos).
Introdução geral aos espaços domésticos
Não se
pode ter qualquer dúvida de que um excelente desenho da habitação, realizado
considerando uma cuidadosa reflexão teórico-prática sobre os diversos tipos de
organizações, opções e espaços domésticos, aliada, naturalmente, a uma adequada
capacidade criativa arquitectónica, constitui uma combinação extremamente
positiva e que é realmente capaz de associar a satisfação habitacional e o
também essencial acrescentar à qualidade cultural e visual do respetivo quadro
de integração urbano e paisagístico, e isto, deve dizer-se, sem uma relação
direta com as questões ligadas às tão “famosas” áreas mínimas.
Há, no
entanto que acrescentar a esta afirmação que uma tal fusão conceptual, de
quase-mínimos de área com a referida ampla qualidade arquitectónica só é
possível com “boa Arquitectura”! Sendo que essa “lógica” de condições mínimas
de habitabilidade irá produzir, sempre, maus e muitas vezes péssimos
resultados, quando trabalhada por uma Arquitectura menos qualificada; e não
tenhamos qualquer dúvida de que os mínimos habitacionais serão quase sempre
considerados como “regra” habitual no quadro de promoções habitacionais muitos
marcads por critérios quantitativos e valerá pouco a pena lembrar que são
apenas “mínimos” e que existem outras áreas “recomendáveis”, pois em muitas
cabeças os mínimos são os dados a aplicar e quando associados a um mau desenho,
produto de uma quase-ausência de reflexão sobre o habitar e de uma negativa
criatividade, então o resultado seré mesmo muito pouco recomendável para quem
aí irá habitar, para os seus vizinhos e para os seus espaços de integração –
e a estas matérias iremos, num futuro próximo, dedicar atenção específica e
ilustrada.
Continuando, então, a Série
editorial sobre "habitar e viver melhor", na qual temos acompanhado
uma sequência espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional
até ao edifício multifamiliar, e neste os seus espaços comuns, vamos, agora,
falar com algum detalhe sobre os espaços que constituem os nossos “pequenos”
mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas que os
qualificam.
Primeiro viajaremos pelos espaços
domésticos comuns, isto é aqueles que são usados por todos os habitantes de uma
dada casa ou apartamento numa base geral de uso partilhado e de alguma
comunidade; posteriormente iremos até aos espaços domésticos privativos,
portanto aqueles mais amigos de um uso individual, ou muito ligado ao casal e à
família.
São os seguintes os espaços
domésticos comuns a abordar, sequencialmente, em artigos desta subsérie: vestíbulo de entrada,
lavabo, corredor e zonas de passagem, sala ou zona de estar, cozinha, áreas de
serviço para arrumações, verdadeiras pequenas áreas de serviço, zona de
refeições ou sala de jantar, casa de banho, varanda e outras zonas exteriores
privadas elevadas como pátios e pequenos quintais, outros espaços comuns
domésticos que integram a habitação, virtualidades domésticas do estacionamento
em garagem, arrumações domésticas fora da habitação, outros espaços domésticos/privativos
fora da habitação.
Ao
longo de próximas semanas e mesmo alguns meses (porque esta série temática continuará
a ser estrategicamente entremeada por outras matérias), iremos aqui desenvolver
uma reflexão teórico-prática sobre os diversos conteúdos específicos em termos
de organização, conteúdo formal e funcional, conteúdos, opções e inovações dos
vários tipos de espaços domésticos, iniciando-se esta viagem, naturalmente,
pelo vestíbulo doméstico.
Fig. 01: um espaço de entrada integrado na cozinha e ligado a uma zona exterior privada, proporcionando plena transparência nas respetivas relações visuais.
1. Enquadramento do vestíbulo e aspectos motivadores para o seu uso
No presente artigo serão abordados diversos aspetos a ter
em conta no projeto de espaços de entrada habitacionais – aqui designados por vestíbulos,
ou espaços vestibulares e referidos sinteticamente como “vestíbulos”.
Não se pretende desenvolver,
neste artigo, uma reflexão sistemática sobre a concepção do vestíbulo e a sua
relação com a estruturação global e pormenorizada do espaço doméstico; mas sim,
apenas, uma aproximação relativamente informal (essencialmente no sentido de
ser pouco hierarquizada em termos de apresentação) ao vestíbulo na sua
constituição e no papel que desempenha na vivência do espaço de habitar mais
privado.
Sumariamente e a modos de
abertura desta reflexão importa registar considerar-se que esta tipologia
espacial, este espaço de transição entre mundos privados e comuns ou mesmo
quase públicos, que é o espaço onde se recorta a principal porta de entrada na
habitação, tem sido apenas minimamente abordado e tratado, designadamente, nos
seus aspetos simplesmente funcionais, do tipo: permitir entrar e sair, receber
minimamente, usar e apoiar a arrumação de vestuário mais “pesado” e proteger as
vistas do interior doméstico.
Provavelmente se há espaço
doméstico onde os aspetos mais formais, de apropriação, de identidade e de
apoio caloroso à vivência doméstica, têm um papel que, pelo menos, equilibra os
respetivos e acima apontados aspetos funcionais é aqui no espaço vestibular.
E por isso e no limite podemos
recriar, imaginativamente, um espaço de vestíbulo dimensionalmente mínimo, mas
extremamente apurado e conseguido nos referidos aspetos formais e associáveis,
enquanto podemos, também, imaginar um espaço de vestíbulo dimensionalmente
muito generoso, mas inóspito e totalmente falhado nesses aspetos formais e de
humanização.
Dito isto e usando referências a
um excelente autor, vamos ao que se pode considerar como essencial numa zona de
vestíbulo doméstico, no sentido de este constituir um espaço pelo menos
razoavelmente motivador.
Segundo Sven Thiberg, a entrada
pode subdividir-se em duas zonas:
- sendo uma delas um vestíbulo de entrada apenas
integrando a porta de entrada e equipamentos de apoio à entrada e à saída na
habitação (não existindo outras portas nesta zona);
- e sendo a outra zona um espaço em continuidade com o
primeiro, mas servindo já, e fortemente, a circulação interior no fogo (1).
Desta forma e através destas duas
subzonas e eventualmente microzonas poderá desenvolver-se como que uma dupla relação
estratégica e simultânea, de separação e de ligação: seja simplesmente entre o
“exterior” e o interior da habitação; seja entre este limiar que já é
habitação, mas que se encontra, relativamente “desprotegido” e parcialmente
devassado, porque está em contiguidade com o espaço comum ou público – e quando
se abra a porta convém que ela se possa abrir amplamente em sinal de
boas-vindas – e todos os outros espaços da habitação.
2. Opções de vestíbulo
Lembra-se, aqui, que uma definição habitual de vestíbulo se
refere ao “espaço entre a via pública e a entrada dum edifício”, ao “espaço
entre a porta dum edifício e a principal escadaria interior” e a “uma
cavidade orgânica que serve de entrada a outra” (Novo Dicionário da Língua
Portuguesa, de Francisco Torrinha, Porto, Domingos Barreira Editor, 1945).
Uma ideia que parece, assim, poder ficar é que o vestíbulo,
ou espaço de entrada numa habitação, corresponde a um espaço de limiar e de
transição entre o espaço público ou comum (no caso de se tratar de um edifício
multifamiliar) e o espaço doméstico privado, embora este considerado também
numa perspetiva de espaço doméstico mais comum – neste caso do conjunto das
pessoas que vivem naquela habitação específica.
Seja qual for a forma, a dimensão e as características de
maior ou menor encerramento ou de maior ou menor autonomia vivencial de um
vestíbulo doméstico é essencial, para que haja satisfação no seu uso, que ele
cumpra tais condições de conformação de um limiar multilateralmente relacionado;
condições que têm a ver, essencialmente, com algum desafogo espacial próprio e
com uma relação visual controlada com os restantes espaços da habitação e do
espaço comum ou público que lhe dá acesso.
É, assim, importante que num vestíbulo doméstico seja
possível receber alguém estranho à casa numa situação de porta aberta ou,
até, eventualmente, entreaberta, sem haver a tendência natural a convidar essa
pessoa a entrar, o que obrigará a condições adequadas e pelo menos
minimamente agradáveis, em termos espaciais e ambientais, também nos próprios
patins comuns ou de uso quase público.
E será interessante que seja possível convidar o visitante
a entrar, mas recebendo-o, estritamente, no próprio vestíbulo, em condições
adequadas e claramente agradáveis, uma situação que obrigará quer a um
dimensionamento razoavelmente folgado deste espaço, quer a uma sua situação na
habitação que, num caso destes, não provoque uma desagradável intrusão no
espaço doméstico.
Associado a estes aspectos podemos considerar que o
vestíbulo é um espaço onde devemos poder mostrar o que queremos mostrar da
nossa residência, e, especificamente, os elementos de arranjo interior que mais
apreciamos e que mais revelam a identidade que queremos revelar a quem nos
visita; e para tal há que ter um mínimo de condições de espaciosidade e de
autonomia de arranjo deste espaço relativamente ao resto da habitação.
Havendo espaço e ambiente para tais condições existirão,
sem dúvida, condições de funcionalidade para apoio a diversas actividades
associadas quer com o acesso ao nosso mundo doméstico, quer com a saída, deste mundo, para a rua, que
poderá/deverá, também, passar por adequados desenvolvimentos e acabamentos no
espaço intermédio e comum do patim, da galeria e dos restantes espaços de uso
comum do respetivo edifício. E é muito interessante este papel de
intermediação, essencialmente doméstica, associado a um outro papel de
intermediação comum ou colectiva.
O espaço de entrada pode ser também um espaço integrado com
outro espaço da casa claramente afirmado, e é possível criarem-se conjugações
extremamente interessantes, seja, mais facilmente em edifícios unifamiliares –
em que o limite está muito na própria imaginação –, seja em apartamentos de
multifamiliares onde é, realmente, possível desenvolver associações eficazes e
estimulantes, por exemplo entre um espaço de cozinha convivial e a única
entrada na habitação, ou entre uma entrada mais “de cerimónia” e um espaço de
refeições mais cuidado, mas sempre desde que se respeite um exigente leque de condições
de boa Arquitectura de interiores entre as quais as de conforto ambiental são fundamentais,
por exemplo em termos de luz natural e de ventilação.
Desenvolvendo apenas um pouco mais esta possibilidade de
integração entre vestíbulo e outro compartimento ou espaço de uso comum da
habitação (por exemplo a sala de estar, ou um amplo corredor), importa registar
ser esta possibilidade, naturalmente, muito sensível em termos de condições
essenciais de privacidade e de conforto domésticos, sendo, portanto, essencial
que as respetivas soluções garantam tais condições através de configurações
e/ou dispositivos espaciais habitualmente associados a excelentes intervenções
de Arquitectura; pois não é realmente fácil cumprir os referidos necessários e
múltiplos equilíbrios em habitações com usos mais “abertos” – mas é possível e
os exemplos concretos existem, sendo tudo uma questão de boa Arquitectura.
Fig. 02: A existência de luz natural n a entrada de uma habitação é sempre um aspeto de qualidade ampla (objectiva e subjectiva) no uso e na apropriação deste espaço e de todo o respetivo espaço doméstico.
3. Vestíbulo: associações e hábitos interessantes
Associações interessantes
Apontam-se em seguida e sem grandes preocupações de uma
hierarquização de importâncias algumas associações qualitativas e alguns
hábitos de uso considerados como especialmente adequados e interessantes nos
espaços de vestíbulo doméstico.
A existência de luz e ventilação naturais no
vestíbulo é uma das associações pouco frequentes, no caso de habitações em edifícios
multifamiliares, mas sempre muito estimulantes na entrada de uma habitação.
Uma outra associação refere-se a uma equilibrada e bem
regulada continuidade ambiental entre os átrios privados e os espaços
públicos, comuns ou parcialmente privados que lhes dão acesso.
Quando a relação é feita, directamente, com o espaço
exterior a entrada poderá ser decomposta numa zona de passagem que funciona
como “quebra-vento”, conseguindo-se, tanto um melhor isolamento térmico e
acústico do interior do fogo e a sua acrescida privatização, como uma maior
funcionalidade/limpeza do interior doméstico; nesse espaço as pessoas limpam-se
da sujidade que arrastam da rua, preparando-se para entrar num espaço mais
protegido e íntimo.
Sentido expressivamente interiorizado/doméstico
marcado num contraste claro e acentuado com a “exterioridade” do ambiente
público ou comum contíguo; ou sentido de continuidade dessas condições
ambientais essencialmente “exteriores”, através de luz natural marcando
estrategicamente o átrio doméstico.
Carácter mais informal/casual
do átrio, marcado por acabamentos duráveis e facilmente limpos e por um arranjo
minimizado; ou carácter mais formal e mobilado do átrio, definindo que
se está já em plena habitação, o que obriga a especiais cuidados.
E outras interessantes associações poderão, sem dúvida,
enriquecer uma diversificada formalização e funcionalizaçãoo do átrio
doméstico.
Hábitos interessantes
Nesta secção temática de abordagem do vestíbulo doméstico é
interessante sublinhar a ocorrência de situações em que velhos hábitos de uso
dos vestíbulos são reinventados em novas soluções de uso desses mesmos espaços.
Em termos de situações que eram habituais e que faziam
algum ou muito sentido, designadamente, num habitar que se pderá designar como
mais tradicional, salienta-se a possibilidade de se entrar quase directamente
para uma zona de refeições mais formal, um pouco numa ideia de se ser recebido
e de se passar, com naturalidade, para uma recepção à mesa, bem acompanhada e
calorosa; e esta é uma possibilidade que pode ter interessantes aproveitamentos
seja quando há áreas reduzidas, seja quando há um espaço exterior privativo na
continuidade do vestíbulo.
E a nova e boa arquitectura habitacional usa este tipo de
referencias tendo por exemplo criando uma entrada única na habitação que é
feita diretamente para uma ampla cozinha e zona de convívio familiar (ex., de
uma solução visitada em 2001, na BO01 em Malmo).
Ainda uma outra associação refere-se, naturalmente, a uma
relativa continuidade entre o entrar em casa e o espaço de estar, situação que
pode ter aproveitamentos espaciais estimulantes, mas que, no entanto, estará
sempre associada à existência de um outro acesso à habitação, um acesso
alternativo que propicie relações mais discretas e íntimas.
E entre uma e outra soluções e tendo em conta os habituais
constrangimentos de áreas em habitação de interesse social podemos ter, por
exemplo, uma zona de refeições formais pouco usada, porque existe uma outra
microzona de refeições informais e que funciona, também, em termos funcionais (com
poucos complementos específicos) e de evidenciação do seu ambiente formal, como
zona de entrada na habitação.
4. Vestíbulo: problemas correntes e questões levantadas (dimensionais e outras)
Os problemas mais frequentes
no desenvolvimento de soluções de vestíbulos domésticos estão ligados, habitualmente,
à “falta de espaço” (ou podemos comentar, por vezes, à sua pior
gestão/atribuição), questão esta também habitual e negativamente associada à
condição de não se assumir e tratar, convenientemente, uma clara ausência de
vestíbulo mais formal, obrigando-se as pessoas a manobras, quase
"ridículas", quando entram e saem, aspectos estes que se tornam ainda
mais críticos quando há visitas.
Associada, também habitualmente, a esta situação de má
resolução e atribuição de zonas e microzonas domésticas, temos os problemas,
frequentemente graves, da falta de privacidade que podem gerar a quase
inutilização do uso de uma sala-comum para a qual abra, por exemplo, sem
qualquer protecção visual, a porta da habitação.
E há que considerar que esta questão da privacidade é
fundamental, no sentido de se procurar uma verdadeira satisfação doméstica, num
bom equilíbrio entre privacidade e sociabilidade, pois quando não existe um espaço
de vestíbulo que bloqueie vistas indesejadas sobre o interior doméstico não é
só o “à vontade” da vivência na habitação que fica em risco, mas também a
possibilidade do convívio, sempre pouco natural, porque sempre com um carácter
quase “obrigatório”.
Numa outra perspectiva, mais ligada a aspetos de conforto
ambiental (luz natural, ventilação, isolamento sonoro), os problemas mais
habituais em vestíbulos domésticos também se ligam ao desenvolvimento de amplos
espaços de entrada sem condições para poderem ser usados como espaços úteis
(por exemplo, sem luz natural e sem uma configuração adequada), mas dispondo de
um amplo dimensionamento e que acabam, assim, por constituir verdadeiras zonas
"mortas", porque pouco usáveis em condições de conforto mínimo, e
muitas vezes ocupando o que corresponde ao “centro estratégico” da habitação.
Estas condições de conforto ambiental e designadamente as
associadas à ventilação (natural ou mecânica) estão também na ordem do dia considerando-se
as desejáveis exigências de limpeza pessoal cuidadosa e de mudança de calçado e
“roupa de rua”, que foram levantadas pela atual pandemia. Exigências estas que
aplicadas a uma reconfiguração do espaço doméstico obrigariam, designadamente,
e pelo menos a:
-
uma espaciosidade acrescida do
vestíbulo, de modo a permitir mais funcionalidade naquelas operações;
-
a algum ou mesmo a total isolamento
controlável entre o vestíbulo (ou um vestíbulo) e todos os outros espaços
domésticos;
-
à existência de uma pequena casa de
banho com duche na contiguidade do vestíbulo;
-
e naturalmente à previsão de
condições específicas de ventilação servindo o vestíbulo.
A questão do dimensionamento da entrada tem muito a ver com
as condições de espaciosidade disponíveis nos espaços comuns do edifício, pois
são muito diferentes as condições proporcionadas por um pequeno “hall” privado
servido por um grande patim comum com uma zona semi-privatizada contígua à
porta do fogo, ou aquelas condições permitidas por um pequeno “hall” de entrada
privado e contíguo a um espaço comum apertado e basicamente de passagem.
Em termos que podemos designar de “para-conviviais”, considera-se
interessante que num vestíbulo se possa conversar guardando distâncias
convenientes, entre os interlocutores, e que se possa abrir e fechar a porta, a
partir do interior da habitação, facilitando a entrada a outra pessoa que
transporte, por exemplo, um objecto volumoso.
Considera-se, assim, que o vestíbulo deve proporcionar um
desafogo espacial equilibrado no apoio a um conjunto de acções de recepção e de
passagem entre a habitação e o seu exterior, afectando-se ao mínimo a vida
doméstica; havendo desafogo espacial o vestíbulo pode assumir funções
específicas como mais um compartimento da habitação, mas para tal deve ter
adequadas condições ambientais e de configuração, caso contrário acaba por ser
um espaço quase “perdido”.
Faz-se notar e sublinha-se, mesmo, que algumas das
reflexões aqui desenvolvidas serão um pouco antagónicas, e merecerão cuidado e
discussão específicos, designadamente, no que se referere a aspetos de desejável
continuidade entre o vestíbulo e a “sua” habitação e aos outros aspetos de
estratégica organização do que se pode designar de “câmara de descontaminação”,
marcando o acesso à habitação; uma tal discussão será um dia feita, mas evidentemente
que há soluções de pormenorização de vãos interiores e de acessos alternativos
que lhes dão resolução, enquanto também enriquecem e diversificam o ambiente
interior doméstico.
5. Vestíbulo: novidades, dúvidas e tendências (ex., trabalho em casa; idosos, etc.)
Uma questão importante é que o vestíbulo proporcione a
melhor visibilidade e o melhor controlo possível relativamente ao acesso à
habitação, uma matéria que deverá ser aprofundada de modo a poder-se ter um
máximo de visibilidade desde o interior da habitação, com a porta fechada,
sobre a zona contígua e exterior à habitação e sobre a entrada comum no
respetivo edifício com um máximo de visibilidade, com um mínimo de espaços onde
seja possível a alguém esconder-se e com a maximização dos aspetos de garantia
antivandalismo e de securização dos respetivos acessos; matéria esta que será
tanto mais importante na concepção das respetivas soluções de arquitectura,
quanto mais se considere a situação, cada vez mais frequente, de habitações
onde vivem idosos, pessoas sós e pessoas condicionadas em termos de
movimentação e percepção. E, muitas vezes, a melhor solução para estas matérias
de um melhor relacionamento visual, físico e por tecnologias de
informação/comunicação entre o interior da habitação e o respetivo espaço comum e público diretamente
contíguo ou próximo, nem é complicada, nem especialmente dispendiosa e
proporciona um excelente sentimento de segurança e de paz no habitar.
Considerando-se o desenvolvimento, cada vez mais frequente,
do trabalho profissional em casa, será de privilegiar a existência de
vestíbulos bem separados do restante espaço doméstico com excepção de um
compartimento ou de parte de um compartimento onde se possa desenrolar essa
actividade; zonas estas que poderão ser, eventualmente, ainda mais
autonomizadas da restante habitação, gozando, por exemplo, de um acesso
autónomo e da relação directa com uma pequena casa de banho. E é interessante
que uma tal possibilidade poderá permitir, em alternativa ou cumulativamente, o
apoio ao desdobramento familiar (por exemplo, jovens ou idosos vivendo junto da
restante família, mas com autonomia).
E é interessante lembrar que na era das tecnologias de
informação pode ser que o vestíbulo doméstico possa ser ainda caracterizado por
outros aspectos que façam sobressair a relação estimulante com a vizinhança e,
indirectamente, com a cidade.
Finalmente, nesta reflexão, importa sublinhar que o
vestíbulo doméstico deve ser um espaço de algumas funcionalidades e de um
máximo de identidade(s), e deve ser também, verdadeiramente, um limiar, que nos
privatize em nossa casa e que nos relacione estrategicamente com o seu
exterior.
Notas:
(1) Sven Thiberg(Ed.),
"Housing Research and Design in Sweden", p. 164.
Notas editoriais ao artigo:
O presente artigo corresponde a uma edição muito
ampliada e modificada do artigo que foi editado na Infohabitar, em 5/10/2014,
com o n.º 503.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Entrar na habitação, o vestíbulo de entrada – Infohabitar # 786
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação
em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE).
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