Potencialidades
e problemas a considerar nas circulações domésticas – infohabitar # 788
Infohabitar,
Ano XVII, n.º 788
Edição:
terça-feira, 24 de agosto de 2021
Caros
leitores da Infohabitar,
Com o presente artigo continuamos a série editorial da Infohabitar especificamente dedicada a uma viagem sistemática pelos diversos espaços do habitar, que iniciámos na vizinhança, avançando, depois para os edifícios e seus espaços comuns (disponível no catálogo interativo da Infohabitar, no seu tema 6 intitulado “Série habitar e viver melhor”) e “terminando” numa reflexão sobre os diversos tipos de organizações, opções e espaços domésticos; reflexão esta que esta semana continua dedicada aos espaços de circução domésticos, levando-nos, depois, aos outros espaços das nossas habitações, ainda durante um número significativo de outras semanas editoriais.
Lembra-se,
novamente, que serão sempre muito bem-vindas eventuais ideias comentadas sobre
os artigos aqui editados e propostas de novos artigos (a enviar para abc.infohabitar@gmail.com , ao meu cuidado).
Considerando a mais recente evolução da pandemia, e
a grande capacidade de contágio da mais recente variante do vírus, mesmo entre
vacinados, continuamos a reforçar a vital importância de cumprir com rigor os
protocolos de vacina (n.º de doses e períodos temporais posteriores às mesmas)
e de continuar com os cuidados de proteção próprios e dos outros,
designadamente, em termos de limpeza de mãos, uso de máscara e distância social.
Despeço-me, até à próxima semana, enviando saudações calorosas e desejos de força e de muito boa saúde para todos os caros leitores e seus familiares,
Lisboa/Encarnação e Azambuja/Casais de Baixo,
em 24 de agosto de 2021
António Baptista Coelho
Editor da Infohabitar
Potencialidades e problemas a considerar nas circulações domésticas – infohabitar # 788
(texto e desenhos)
Resumo
Neste artigo, dedicado à temática dos espaços de circulação domésticos, faz-se, de início, um enquadramento e uma breve introdução geral aos espaços domésticos, seguindo-se uma reflexão sequencial sobre as seguintes matérias específicas: aspectos motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos; problemas correntes nos espaços de circulação domésticos; questões e ideias frequentemente levantadas (dimensionais e outras) nestes espaços; ideias inovadoras e de futuro.
1. Enquadramento e introdução à matéria específica dos espaços de circulação domésticos
Continuando a Série editorial sobre
"habitar e viver melhor", na qual temos acompanhado uma sequência
espacial desde a vizinhança de proximidade urbana e habitacional até ao
edifício multifamiliar, e neste os seus espaços comuns, vamos, agora, continuar
a refletir com algum detalhe sobre os espaços que constituem os nossos
“pequenos” mundos domésticos e privativos, refletindo sobre as diversas facetas
que os qualificam.
Primeiro viajaremos pelos espaços domésticos
comuns, isto é aqueles que são usados por todos os habitantes de uma dada casa
ou apartamento numa base geral de uso partilhado e de alguma comunidade; depois
iremos até aos espaços domésticos privativos, portanto aqueles mais amigos de
um uso individual, ou muito ligado ao casal. São os seguintes os espaços
domésticos comuns a abordar, sequencialmente, em artigos desta
série: vestíbulo de entrada, lavabo, corredor e zonas de passagem, sala ou
zona de estar, cozinha, áreas de serviço para arrumações, verdadeiras pequenas
áreas de serviço - lavandaria e rouparia, zona de refeições ou sala de jantar,
casa de banho, varanda e outras zonas exteriores privadas elevadas como pátios
e pequenos quintais, virtualidades domésticas do estacionamento em garagem.
No presente artigo serão abordados diversos aspetos a ter em conta no projeto
de espaços de circulação domésticos bem habitados; este artigo conclui uma
temática iniciada na última semana.
No último artigo editado desenvolvemos uma
reflexão sobre os espaços de circulação domésticos, designadamente, sobre as
seguintes facetas temáticas: (i) relações entre estes espaços de circulação privados
e os aspetos de estruturação e de dimensionamento geral do espaço doméstico;
(ii) associações consideradas mais interessantes entre os espaços de circulação
e outros “tipos” de áreas domésticas; e (iii) hábitos de uso/apropriação
considerados mais interessantes e/ou significativos nestes espaços de
circulação.
No presente artigo iremos continuar a referida abordagem
dos diversos aspetos a ter em conta no projeto de espaços de circulação
domésticos bem habitados, e, designadamente, as seguintes matérias específicas:
(i) aspectos motivadores ligados aos espaços de circulação domésticos;
(ii) problemas correntes nos espaços de circulação domésticos; e (iii) questões
e ideias frequentemente levantadas (dimensionais e outras) nestes espaços.
A esta temática dos espaços de circulação
domésticos é, assim, aqui dada uma atenção bem distinta daquela que lhe é,
infelizmente, muitas vezes dedicada na concepção habitacional, muito ligada a
uma perspetiva de espaços meramente funcionais e até, por vezes, quase
residuais; dedicando-se a esta matéria dois artigos “gémeos”,, que se
iniciam com uma discussão essencialmente relacional (relações e associações a
privilegiar) e ligada a hábitos de uso/apropriação considerados mais interessantes
e/ou significativos e passando-se, depois, no segundo e presente artigo, para
uma pequena viagem, sempre incompleta, naturalmente, sobre os aspetos que
motivam o uso e a apropriação de corredores, passagems e átrios domésticos e
sobre os problemas e as questões mais frequentes nestes espaços.
Na prática podemos, até, considerar que a
própria designação “de espaços de circulação
domésticos” é um pouco limitativa, pois estes espaços devem ter, também, outras
funções e ser caracterizados de acordo com este seu papel multifuncional e
multiambiental; caso contrário algo se passa de errado com a respetiva proposta
habitacional que, no limite, se poderia, também, reger por idênticos critérios
monofuncionais, por exemplo, na cozinha, nos quartos e na sala; e teríamos,
assim, uma quase-máquina de habitar onde só faltaria uma rígida padronização
dos comportamentos dos respetivos “utentes” – e portanto “não habitantes” –
para se constituir um alojamento
perfeitamente satisfatório.
A ironia que aqui nos move deve ser considerada
num sentido positivo que é dedicado a tentar sublinhar que alojar não é, ou é
algo bem diferente de, habitar, algo falta para o ser; assim como apropriação,
forma e função é muito mais do que apenas forma e função, que, por
sua vez, é muito mais do que apenas função; e estes aspetos ficam muito
evidentes quando se aborda um espaço como o de circulação doméstica, muito
associado a aspetos funcionais, mas capaz de ser elemento profundamente
caracterizador de uma habitação, quando nela “marca” por outros variados
aspetos para lá dos funcionais.
E talvez seja oportuno fazer aqui um
paralelismo entre os aspetos fundamentais a considerar na circulação em
ambientes domésticos, devidamente concebidos, e ambientes/quadros de circulação
industriais e designadamente de armazenagem; não são comparáveis,
evidentemente, mas, no entanto, e então, como considerar as reflexões
estritamente funcionalistas que são aplicadas, por exemplo, às circulações
domésticas?
2. Aspectos essenciais, motivadores e inovadores ligados
aos espaços de circulação domésticos
Naturalmente que todas as considerações
relativas a uma “amplificação” de usos e de caracterização dos espaços
domésticos de circulação, não podem fazer diminuir significativamente o seu
papel funcional e/ou de estruturação doméstica; mas atente-se que se referiu
“significativamente”, porque se acredita que uma razoável redução da
funcionalidade da circulação numa habitação pode ser bem aceite, quando
associada a uma significativa melhoria de outros aspetos fundamentais no
habitar, como é o caso da capacidade de apropriação, da multifuncionalidade, da
atractividade, da privacidade/convivialidade e do conforto ambiental, por
exemplo.
E todos estes aspetos qualitativos, referidos
no parágrafo anterior, bem como outros associáveis a uma adequada
caracterização qualitativa da arquitectura residencial, constituem aspetos
motivadores do uso e da apropriação (repare-se que é algo bem diferente
de apenas “do uso”) dos espaços de circulação domésticos.
É importante sublinhar, no que se refere, ao
papel da circulação doméstica na estruturação, no uso e na apropriação da
habitação, que estamos a, aqui, a abarcar um conjunto relativamente diversificado
e potencialmente muito enriquecedor de espaços e subespaços domésticos entre os
quais há que considerar: a entrada na habitação (mais ou menos encerrada);
diversos tipos de corredores “principais” (em termos dimensionais, funcionais e
de capacidade de apropriação); pequenos corredores de acesso mais restrito a
determinados compartimentos; pequenos “átrios” de passagem ou de remate da
circulação doméstica; zonas de passagem “obrigatória” através de compartimentos
domésticos; zonas localizadas de alargamento nos corredores principais; e mesmo
“dispositivos” e soluções de redução dos espaços de circulação domésticos (ex.,
ligações diretas entre compartimentos, espaços multiuso, etc.).
Importa ainda ter presente que opções “de
fundo” no âmbito da circulação doméstica são escolhas que podem marcar
profundamente a caracterização da respetiva solução habitacional:
(i) seja em variados aspetos de uso/apropriação
de todos os seus espaços e subespaços;
(ii) seja no que se refere a uma atribuição de
áreas mais, ou menos, significativa ao conjunto de elementos associáveis à
circulação;
(iii) seja mesmo na formalização de modos de
habitar, em família ou em grupo, muito marcados por desejos de grande
convivialidade e mesmo de intensa comunidade na vida diária, ou, pelo
contrário, por objetivos de vida diária e prolongada muito associados a uma
grande autonomização, privacidade e mesmo quase-independência de cada pessoa no
seu pequeno mundo pessoal e quase “exclusivo”.
Em termos práticos podemos considerar que a
circulação doméstica proporciona um tratamento relativamente diferenciado do
espaço de entrada e da sua continuidade no interior da habitação, estando esta
continuidade muito centrada na configuração global e pormenorizada do principal
corredor doméstico ou da principal passagem que serve a habitação, quando não
existe formalmente um corredor, embora se mantenha como que a sua presença
funcional.
Este corredor ou esta zona de passagem deve ser
um sítio de relação e de coesão entre os espaços domésticos a que dá acesso, e
além desta qualidade, que tem a ver com aspectos de dimensionamento, de conforto
(luz natural e ventilação) e de situação estratégica na habitação, pode ser
também, ele próprio um espaço com utilidades específicas e interessantemente
diversificadas – desde sequência de arrumações diversas, a biblioteca, a
pequena galeria de arte e a sítio de integração de peças de mobiliário a que
gostamos de dar uma evidência especial e que marcam, realmente, a nossa
identidade.
Naturalmente, e tal como já se referiu, os
corredores e as zonas de circulação podem integrar espaços funcionais
específicos, designadamente, quando associados a actividades que se possam
desenvolver num horário desfasado das restantes actividades domésticas, e aqui
pensa-se, especialmente, em actividades de estudo e de trabalho não doméstico
que se possam realizar, designadamente, durante a noite e desde que não estejam
associadas à produção de ruídos.
Um dos aspectos mais motivadores do uso de
corredores e outros espaços de circulação doméstica é que eles sejam iluminados
naturalmente, ainda que de forma indirecta, através de envidraçados nas portas
de compartimentos e de “bandeiras” envidraçadas comunicando com a sala e a
cozinha, uma solução que é fácil de assegurar, mas que infelizmente está longe
de ser regra na nossa realidade habitacional; evidentemente que esta previsão
fica um pouco condicionada ao pé-direito, que tem sido, tendencialmente,
reduzido, mas, por um lado, considera-se que esta redução é, atualmente,
discutível, tendo-se em conta a importância crescente da ventilação doméstica
e, por outro lado, é sempre possível abrir “bandeiras”, ainda que pouco altas,
sobre as portas interiores e envidraçar algumas portas.
E note-se, ainda, a importância crucial que uma
adequada estruturação e pormenorização da circulação doméstica, no que se
refere, por exemplo, aos aspetos atrás apontados, pode e deve ter na previsão
de uma ventilação natural transversal que consiga “varrer”, agradavelmente, boa
parte da habitação, proporcionando, assim, adequada renovação do ar e condições
naturais para o arrefecimento de grande parte do espaço doméstico durante o
Verão.
3. Problemas correntes nos espaços de circulação domésticos
Talvez um dos problemas mais correntes nos
corredores e outras zonas de circulação doméstica seja a frequente falta de
condições de conforto ambiental que aí se fazem sentir, desde a falta de luz
natural à falta de ventilação, situações que, depois, geram, frequentemente,
outras nefastas consequências por exemplo através de cheiros desagradáveis,
acabando por se criar uma zona doméstica de que não se gosta; e ainda menos
dela se gostará se nela apenas for possível circular, não sendo útil para mais
nada, numa situação que irá converter os espaços de circulação em verdadeiros
“intervalos” constante e desagradavelmente presentes na vivência doméstica.
É evidente que tais problemas terão tendência
para se agudizarem quando incidindo sobre espaços domésticos pouco folgados ou
mesmo mínimos, o que acontece por vezes em soluções de Habitação de Interesse Social
(HIS), onde quaisquer desequilíbrios organizativos, de estruturação espacial e
de acessibilidades internas acabam por ficar mais evidenciados devido à
referida exiguidade espacial, acontecendo, por vezes a situação de apenas
parecer ficar, “de sobra”, o espaço de circulação mínimo entre peças de
mobiliário referidas a um “menu mínimo” de mobília e equipamento doméstico e,
também por vezes, evidenciando-se um
espaço de circulação em corredor que parece um pouco desperdiçado devido à
geral exiguidade espacial. Estas são matérias tão importantes como complexas e
que exigem tratamento específico, no entanto para já e sobre HIS talvez fique
evidenciada a importância de se reduzirem e/ou aproveitarem ao máximo os
espaços de circulação e de se privilegiar uma apurada qualidade do projecto de
arquitectura.
Face a este novelo de ideias podemos então considerar,
em termos gerais, que, designadamente, em condições de áreas condicionadas e
reduzidas, será muito mais certa a opção por uma solução que reduza ao máximo
as áreas de circulação e as associe a outras funções domésticas (desde o estar
às arrumações), do que uma outra solução com espaços específicos de circulação
mínimos e alongados; e a ideia que se quer deixar é que nestas situações os
problemas de privacidade no interior doméstico podem ser passados para um
segundo plano, sendo essencial que não haja “desperdício” de espaço com
circulações que para mais nada servem e que, depois, levam a compartimentos
mínimos.
Neste mesmo problema há que falar das chamadas
zonas de circulação obrigatória, que são faixas onde praticamente apenas se
fará a circulação no interior de um dado compartimento de uma habitação, uma
espécie de corredores sem paredes.
Nesta situação e tal como se refere no estudo
já amplamente citado (ITA2), há que ter cuidado na organização da habitação, de
forma a que, quando existam circulações obrigatórias, estas não produzam, nos
compartimentos atravessados, espaços "sobrantes" com formas e dimensões pouco
utilizáveis (ex., pequenos espaços triangulares); os espaços contíguos às
circulações obrigatórias devem ser suficientemente grandes e regularmente
configurados de modo a que neles possam decorrer actividades domésticas
específicas – por exemplo, refeições ou estar no caso de uma sala-comum
atravessada por uma circulação obrigatória.
Importa ainda sublinhar que as zonas de
circulação obrigatória domésticas não convivem bem com dimensões abaixo de
mínimos razoáveis, pois o resultado será um espaço doméstico retalhado e muito
pouco útil, uma situação grave quando estamos a tratar de habitações mínimas.
De certo modo podemos considerar que as zonas
de circulação obrigatória devem estar associadas a espaços razoáveis onde a sua
configuração mais “aberta” e visualmente desafogada poderá ajudar a qualificar
os respetivos espaços como aparentemente bastante amplos; passando-se assim de
uma qualificação “razoável” para uma bem estimulante e de clara satisfação e
não de uma qualificação apenas “mínima” e “apertada”, para uma apenas
“razoável”; e lembra-se que tais escolhas se aplicam, quase sempre, a
habitações nas quais os espaços de uso mais comum são verdadeiras zonas de
“alívio”, relativamente a condições dimensionais mínimas nos espaços mais
privados dos quartos.
No caso em que e os atravessamentos se façam entre
zonas de actividade bem configuradas e com adequadas condições de conforto (e
isto é muito importante pois de pouca utilidade será, por exemplo, uma zona sem
luz natural), a solução poderá ser, até, muito interessante e estimulante,
designadamente, para pessoas sós, casais jovens e famílias com filhos pequenos,
porque não haverá, nestes casos, grandes exigências de privacidade entre as
zonas no interior da casa.
Fig. 02: os espaços de circulação domésticos devem assumir-se como
verdadeiros conteúdos funcionais e ambientais agradavelmente interiorizados e
responsáveis pela máxima coesão entre todos os espaços da habitação; matéria
esta que nos deve levar longe na sua configuração e pormenorização.
4. Algumas questões e ideias importantes (dimensionais e outras) levantadas nos e pelos espaços de circulação domésticos
Tal como fica evidente do que se acabou de
referir a circulação doméstica, um aspecto que é frequentemente desconsiderado
na concepção residencial, acaba por ser uma faceta estruturante e determinante
na satisfação e na apropriação proporcionadas por uma dada solução habitacional,
pois é da circulação que decorre:
. boa parte do “à-vontade” no uso da casa – “à-vontade” este
que é muito mais do que uma “simples” faceta de funcionalidade;
. e, mais do que isso, de um verdadeiro prazer (ainda que
pouco pressentido, diretamente, como tal) no uso da casa, que se reflete em
aspetos pouco referidos, mas fundamentais como o prazer de deambular, até um
pouco sem objetivo específico, pelos espaços domésticos e o gosto em ir
complementando e mudando os respetivos elementos de apropriação (ex.,
mobiliário, quadros, etc.);
Estas duas condições têm tanto a ver com a
possibilidade de nela cada um de nós fazer aquilo de que mais gosta nas
melhores condições, mas também fazê-lo na melhor harmonia com as actividades e
os comportamentos das outras pessoas que connosco vivem, diária ou
ocasionalmente.
É muito por este tipo de razões, umas mais
palpáveis e outras menos mas igualmente importantes, que a boa arquitectura
habitacional fica evidente numa “saudável” e bem relacionada dicotomia entre
sequências de compartimentos e estruturas organizativas dos mesmos, enquanto a
má arquitectura residencial fica logo bem evidente em problemas e
desequilíbrios nestas duas dimensões da concepção doméstica; por exemplo
excelentes compartimentos muito mal conjugados ou excelentes organizações
domésticas que levam a compartimentos mal concebidos.
Se avançarmos ainda um pouco mais nesta matéria
encontraremos, em termos positivos:
. do lado das áreas mínimas, as soluções que fazem lembrar as
organizações das caravanas e outras casas móveis, soluções marcadas por uma
pormenorização extremamente elaborada, que sintetiza as funções domésticas em
espaços super-mínimos e super-funcionais que podem acontecer num mais amplo e
integrador espaço-concha;
. enquanto, do lado das áreas bem desafogadas, acabamos por
encontrar uma situação marcada por alguma identidade, que caracteriza, por
exemplo, os amplos espaços indiferenciados de lofts e outras
soluções do mesmo tipo, onde as áreas funcionais específicas, por exemplo
cozinhar e dormir, ganham desafogo e separação mútua pela existência de muito
espaço entre elas, espaço este que pode até ter um mínimo de compartimentação
ou mesmo quase nenhuma compartimentação (a separação é feita pelo espaço
interior que há aqui em grande quantidade), e o resultado pode também acabar
por ser, curiosamente, do tipo espaço-concha, embora agora uma grande concha
que mais parecerá um verdadeiro grande pequeno mundo interior.
Duas últimas matérias específicas que, para já,
importará abordar, ainda que muito sumariamente, nestas reflexões sobre
circulação doméstica referem-se:
. à importância que sempre terá a previsão de acessibilidade
alternativas à habitação em geral e no seu interior a diversas categorias de
espaços; e assume-se o gasto suplementar de área a que tal opção obriga, mas
regista-se, aqui, a grande qualidade de vivência que tal possibilidade pode
trazer à habitação, naturalmente no quadro de um excelente projecto de
arquitectura;
. e à importância que também sempre terá uma adequada
reflexão sobre a matéria da hierarquização doméstica de aspetos de
convivialidade de privacidade; considerando-se, desde já, que um excesso de
hierarquização estará quase sempre associado a uma menor riqueza e
versatilidade na ocupação e na apropriação domésticas – e é aqui interessante
salientar que uma tal ideia vai em sentido oposto à das “regras” ditas
funcionalistas, que arrumavam a habitação em camadas "como as da cebola", cada
vez mais “interiores”, privadas, “sem saída” e muito pouco versáteis em termos
formais e funcionais.
4. Brevíssimas notas conclusivas e de futuro sobre a circulação doméstica
E, por aqui se fica, neste artigo dedicado à circulação
doméstica, não se resistindo a uma ideia relativamente radical de se inverterem
grandes funções domésticas, trazendo-se, por exemplo, boa parte das funções do
convívio e do estar para muito amplos e agradáveis espaços, também, de
circulação, os quais dariam acesso a uma ampla variedade funcional e ambiental
de outros espaços e subespaços, por exemplo alcovas para dormir e descansar,
espaço de entrada compartimentado, cozinha e sala de jantar integradas, etc.,
etc.
E talvez o que valha mais a pena seja mesmo uma
reflexão deste tipo, que nos “obrigue”, num futuro próximo, a um saudável e
radical afastamento das regras domésticas essencialmente funcionalistas e muito
“monocomportamentísticas”, para que daí possam resultar organizações domésticas
verdadeiramente renovadas e agradavelmente inovadoras, sendo que neste caminho
a reflexão sobre a circulação doméstica, sempre numa vital perspectiva de
circulação e estadia, é um passo estratégico que se impõe.
Notas editoriais ao artigo:
O presente artigo corresponde a uma edição muito
ampliada e modificada do artigo que foi editado na Infohabitar, em 30/11/2014,
com o n.º 511.
Notas editoriais gerais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar
seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar
assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e
científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o
pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e
comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) No mesmo sentido, de natural responsabilização dos
autores dos artigos, a utilização de quaisquer elementos de ilustração dos
mesmos artigos, como , por exemplo, fotografias, desenhos, gráficos, etc., é,
igualmente, da exclusiva responsabilidade dos respetivos autores – que
deverão referir as respetivas fontes e obter as necessárias autorizações.
(iii) Para se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente, podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Potencialidades e problemas a considerar nas circulações domésticas – infohabitar # 788
Infohabitar
Editor: António Baptista
Coelho
Arquitecto/ESBAL – Escola
Superior de Belas Artes de Lisboa –, doutor em Arquitectura/FAUP – Faculdade de
Arquitectura da Universidade do Porto –, Investigador Principal com Habilitação
em Arquitectura e Urbanismo no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), em Lisboa.
Revista do GHabitar (GH)
Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar –
Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE).
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