Infohabitar,
Ano XV, n.º 706
– Infohabitar 706
por António Baptista Coelho (texto e imagens)
Pensar um novo habitar intergeracional: alguns comentários iniciais e nota explicativa (sobre o PHAI3C)
Com este artigo continua-se, aqui na Infohabitar, uma
nova série editorial dedicada aos problemas sociais, habitacionais e urbanos
associados ao actual e bem crítico envelhecimento da população e a possíveis
novas ou renovadas soluções de habitar que cooperem no atenuar de tais
problemas, visando-se uma expressiva qualidade de vida da população sénior e
considerando-se que para esta qualidade de vida importa avançar em soluções o
mais possível integradas e intergeracionais.
Neste quadro, que tem em
conta o atual e muito expressivo crescimento do número das pessoas idosas e
muito idosas, a viverem sozinhas e com frequentes necessidades de apoio, a
actual diversificação dos modos de vida e das necessidades e desejos
habitacionais de um grande grupo de pessoas que vivem sós ou em pequenos
agregados familiares, e a quase-ausência de oferta habitacional e urbana
adequada a tais necessidades e desejos, foi ponderada o que se julga ser a
oportunidade do estudo de um Programa de Habitação Adaptável Intergeracional
(PHAI), adequado a tais necessidades e a uma proposta residencial naturalmente
convivial, eficazmente gerida e participada e financeiramente sustentável,
resultando daqui a proposta de uma Cooperativa a Custos Controlados (3C).
E neste sentido o autor deste artigo lançou, há poucos meses, uma linha
de investigação designada Programa de Habitação Adaptável Intergeracional -
Cooperativa a Custos Controlados (PHAI3C), um estudo teórico-prático baseado
no Departamento de Edifícios (DED) do
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e que conta, desde já, com o
interesse expresso da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica
(FENACHE).
Esclarece-se, no entanto e desde já, que esta nova
linha editorial da Infohabitar acolherá, com grande interesse, para além de
artigos associados ao PHAI3C, todos os artigos e contributos qualificados, que
traduzam reflexões, propostas de soluções e relatos de soluções já existentes,
integrados nesta reflexão sobre os problemas sociais, habitacionais e urbanos
associados ao actual e bem crítico envelhecimento da população, numa
perspectiva de resolução social, física e etariamente bem integrada.
Lembra-se, ainda, a propósito, que já há alguns anos o então Grupo Habitar - APPQH, actualmnte o GHabitar-APPQH, associação ligada à Infohabitar, desenvolveu um conjunto de sessões técnicas em diversas cidades sobre a temática do crítico envelhecimento da população e de respostas adequadas a esta problemática.
Lembra-se, ainda, a propósito, que já há alguns anos o então Grupo Habitar - APPQH, actualmnte o GHabitar-APPQH, associação ligada à Infohabitar, desenvolveu um conjunto de sessões técnicas em diversas cidades sobre a temática do crítico envelhecimento da população e de respostas adequadas a esta problemática.
Pequena introdução sobre pensar o habitar
Pensar a habitação sempre foi e, provavelmente, será
um dos grandes temas de reflexão no âmbito da grande matéria da Arquitectura,
encarada na sua plenitude, como arte, técnica e ciência bem humana e pensada
não só por Arquitectos, mas também por eles e sempre numa perspectiva
prático-teórica (referindo-se a prática antes da teoria apenas devido à ordem
alfabética).
Nesta matéria da importância do pensar a habitação
importa ainda considerar o interesse estratégico e urgente de se estabelecer,
manter e aprofundar uma linha de estudo e investigação prático-teórica na
matéria específica do “habitar” – considerado evidentemente na sua essencial
perspectiva de arquitectura urbana pormenorizada, entre as vizinhanças e os
espaços domésticos –, pois, por um lado, é evidentemente urgente este caminho –
e apenas se lembra, aqui, para já, a bem conhecida explosão e concentração
urbana dos séculos XX e XXI e, por exemplo, a necessidade associada de se
reverem urgentemente variados aspectos de ordenamento de pormenor – e, por outro
lado, é cada vez mais evidente que “o habitar” é um “sítio comum” onde se
cruzam muitas e variadas especialidades prático-teóricas, entre as quais a
Arquitectura assume natural protagonismo, mas tendo de ser um protagonismo
esclarecido, razoavelmente partilhado e bem aberto ao objectivo central da
satisfação plena e esclarecida de quem habita.
E, desde já, importa ter em conta que será sempre
especialmente rico, mas complexo, pensar o habitar para grupos socioculturais e
etários que incluam pessoas sensíveis e exigentes – porque com histórias de
vida longas, sofrendo de eventuais problemas físicos e sensoriais e
potencialmente pouco dinamizados para a mudança do seu quadro habitacional e
urbano – e outros variados tipos de necessidades e de gostos de habitar (de
pessoas sozinhas e em pequenos agregados), em soluções bem habitadas e
localmente bem positivas e vitalizadoras das respectivas vizinhanças.
Fig.
01: a diferença, esboçada, entre vizinhanças sem coerência e escala humana (em
cima) e outras com continuidade física e adequada integração de edifícios e
espaços exteriores.
Pensar o habitar com coerente inovação
Um caminho de reflexão que importa salientar quando
se pensa no amplo leque de novas necessidades e de potenciais “novos gostos” de
habitar, é a quase doentia falta de
inovação que marcou cerca de 100 anos de estudos e de propostas habitacionais,
globalmente “uniformizados” pelas então inovadoras propostas domésticas e de
tipologias edificadas “funcionalistas”: mas passaram já cerca de 100 anos e,
portanto, importará, no mínimo, uma revisão profunda e sistemática dessas
propostas e quem sabe, talvez mesmo o avançar de novas propostas de habitar
radicalmente inovadoras em termos formais, funcionais (ex., misturas
funcionais), de potencial de integração e de dinamização urbana vicinal e,
naturalmente, de expressiva e essencial intergeracionalidade.
É claro que há estudos importantes que marcam novos
caminhos no habitar, por exemplo, em termos de adaptabilidade no uso dos
espaços – adequada aos gostos e necessidades de cada um e à respectiva evolução
no tempo –, em termos de não hierarquização dos diversos tipos de espaços
domésticos e, estudos desenvolvidos, desde há décadas, sobre a importância do
que podemos referir como microzonamento dos espaços e potenciais funções
exercidas na habitação; mas passar de tais estudos para a realidade da oferta
habitacional é um passo que, até agora, tem sido quase ausente.
Trata-se, basicamente, de reinventar um habitar
coerente e adequadamente inovador aos níveis: do espaço urbano de vizinhança e
seus variados aspectos de imagem e funcionalidades; do edifício e seus elementos estruturadores e
constituintes em termos de uso “publico”, comum e privado; e dos espaços domésticos
e sua essencial e muito cuidada pormenorização.
E, sendo assim, trata-se, afinal, de (re)inventar
tipologias de habitar, actuais e de futuro, e visando-se, neste caso
específico, respostas expressivamente adequadas para soluções claramente amigas
dos seniores e do próprio processo de envelhecimento (em termos físicos,
sensoriais, conviviais, de conforto ambiental, etc.), mas natural e
afirmadamente intergeracionais e vitalizadoras do bem habitar “a casa e a
cidade das proximidades”.
E dá aqui vontade de dizer, lembrando uma velha amiga
quando ela sublinhava a importância de um bairro socialmente bem integrado e
diversificado, que estamos aqui a abordar uma vizinhança desse tipo,
prolongada, depois, por um edifício desse tipo e, finalmente, por habitações
capazes de responderem, muito bem, a uma ampla diversidade de necessidades e de
gostos.
Fig.
02: a diferença, esboçada, entre espaços comuns sem vida e sem “sentido”
potencialmente convivial e caracterizador (à esquerda); e outros “inovadores”
onde se pretende que se possa passar muito mais do que a simples circulação de
pessoas (à direita).
Considerações gerais sobre uma renovada solução de habitação intergeracional
Antes de se avançar neste brevíssimo e claramente
“provisório” e exploratório (para não dizer provocatório) elencar de aspectos
que parecem dever marcar uma solução habitacional e urbana intergeracional, há
que referir que os estudos do PHAI3C estão ainda numa fase de desenvolvimento
“fundacional”, a partir da recolha de muitas ideias, experiências, casos e
conclusões de estudos científicos referidos à temática, que, é preciso dizê-lo,
tem já avanços, talvez “parciais”, em Portugal, assim como outros avanços mais
numerosos, embora ainda também um pouco exploratórios, em Espanha, e
experiências associáveis e razoavelmente numerosas no resto da Europa –
essencialmente Norte da Europa – e nos EUA; e importa registar que o que
procuramos são ideias e experiências similares e, muitas vezes, encontramos
partes de experiências e reflexões parciais, mas que poderão ter grande
utilidade para o desenvolvimento da proposta do PHAI3C.
Em primeiro lugar
deseja-se que o PHAI3C possa corresponder a uma nova “categoria” de habitação
de interesse social, enquadrada por determinados aspectos (ex., espaciosidade
máxima e qualidade global devidamente controlada), e, consequentemente, apta a
poder receber apoios públicos; e isto porque ajudar a fazer habitação
intergeracional sem limites de custos/qualidades não é o nosso objectivo, pois
julgamos que teria uma utilidade social muito limitada.
Desde já, podemos e devemos referir que o PHAI3C não
pode ser qualquer tipo de novo equipamento social dedicado aos idosos; mas pode
haver algumas bem pensadas e parciais “pontes” de contacto entre as duas
matérias. O PHAI3C quer ser “habitação” bem integrada na cidade e naturalmente
integrada com alguns equipamentos com valia local; e quer ser edifícios
atraentes e sóbrios, e que não tenham qualquer tipo de carácter institucional,
ainda que mínimo.
Podemos ainda referir que o PHAI3C também não pode
ser um “hotel”, embora possa ir buscar a esta tipologia de “habitar” nómada,
variados aspectos, por exemplo, de estratégico anonimato, de conforto e de
usufruto de um conjunto de serviços a escolher e pagar consoante
necessidades, gostos e disponibilidades.
Salienta-se, ainda, que o PHAI3C não pode ser nem um
conjunto de pequenas habitações e amplos quartos (“estúdios”) com grandes e
diversificadas zonas comuns e eventualmente de uso público, nem uma agregação
corrente de habitações razoavelmente correntes com uma grande sala de condomínio
(multifuncional): a resposta, que se deseja equilibrada, é outra, que
harmonize espaços privados, espaços comuns e até, eventualmente, espaços de uso
público, e que importa identificar com base em estudos e exemplos
práticos.
E o PHAI3C não pode ser um “centro de convívio” ou um
“clube”, mas pode ir buscar a essas instituições formas de funcionamento que
proporcionem e disponibilizem adequadas condições de convívio entre os
respectivos condóminos e no âmbito da respectiva vizinhança, podendo,
ainda, assumir caracterizações razoavelmente específicas (em cada intervenção),
que apoiem uma sua positiva identificação; isto porque uma das regras das
intervenções no âmbito do PHAI3C deve ser que cada caso seja um caso com
identidade própria bem evidenciada, mas sempre marcada pela sobriedade e
adequada integração local.
E este último parágrafo leva-nos, para já, a duas
“conclusões”, tematicamente bem distintas, sobre como fazer bem uma intervenção
no âmbito do PHAI3C: o respectivo potencial de convivialidade tem de tão
afirmado como clara e perfeitamente voluntário (e o próprio espaço interior
comum tem de ajudar a que tal aconteça); e o leque de exigências espaciais,
funcionais e de caracterização são tão amplas, extensas e imbricadas que o
projectar de um conjunto integrado no âmbito do PHAI3C apenas estará ao alcance
de uma concepção arquitectónica de elevada qualidade.
Brevíssimas notas conclusivas a propósito da intergeracionalidade
Este artigo “exploratório” fica por aqui, embora,
como os leitores entenderão, o estudo preparatório do PHAI3C esteja já
minimamente avançado.
Mas, por vezes, é nestas alturas que uma reflexão
deste tipo, razoavelmente descomprometida e solta, acaba por poder trazer
contributos relativamente “novos” e úteis.
E assim se deixa esta matéria à apreciação dos
leitores, que naturalmente a poderão comentar, directamente (no blog), ou,
querendo-o, enviando testemunhos escritos que desejem editar (com reflexões
variadas, relatos de experiências concretas, questões que achem devam ser bem
consideradas, etc.), e que poderão, sem dúvida, ser úteis ao desenvolvimento
deste estudo.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 706
Pensar um novo habitar
intergeracional: alguns comentários iniciais – Infohabitar
706
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
Arquitecto/ESBAL, doutor em
Arquitectura/FAUP – Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto,
Investigador Principal com Habilitação em Arquitectura e Urbanismo no LNEC –
Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em
Lisboa
Revista do GHabitar (GH) Associação
Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional Infohabitar – Associação
com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).
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