Infohabitar, Ano XV, n.º 676
O cromatismo residencial - Infohabitar 676
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
por António Baptista Coelho (texto e imagem)
Sobre uma habitação feita mais por sítios
específicos do que por espaços ditos de/para actividades e funções domésticas.
Aproveitando para lembrar, entre outros autores
Arquitectos, o grande Christopher Alexander e a sua incontornável “linguagem de
padrões”, que tanto influenciou tanta gente e é tão poucas vezes citada ou
referenciada, podemos referir que uma habitação, um mundo doméstico que, para o
ser, tem de integrar, potencialmente, os vários mundos domésticos específicos
dos respectivos habitantes, mais o respectivo agregado comum e convivial, muito
mais do que um “simples” complexo funcional – e ainda assim o número de funções
é extenso – deveria ser constituído e constituível por uma potencial e muito
extensa diversidade de “cantos”, “recantos” e “sítios” adequados a uma enorme
variedade de misturas funcionais e apropriações pessoais e de grupo específicas
e dinâmicas.
Sobre a previsão destes tipo de “cantos”, “recantos”
e “sítios” domésticos, que são, em boa
parte, os grandes responsáveis pela criação de um grande mundo pessoal e
familiar, destacam-se alguns aspectos muito variados e, designadamente, de
agradabilidade e de conforto ambiental, de adaptabilidade, de funcionalidade
com sentido lato e de adequada, rica e apropriável pormenorização
arquitectónica, que, em seguida, muito brevemente se apontam – não
exaustivamente (trata-se de um texto naturalmente dinâmico).
Sobre o comatismo residencial – algumas notas
O cromatismo residencial tem uma importância
que, desde já se sublinha, não será adequadamente considerada neste texto,
exigindo abordagens muito específicas e amplamente pormenorizadas e debatidas,
considerando-se as diversas opiniões especializadas e os variados estudos
existentes.
A cor doméstica constitui-se como um verdadeiro
pequeno mundo de cenários que poderão dar leituras aparentemente mais amplas ou
mais reduzidas dos espaços onde são aplicadas, consoante os tons sejam mais
claros ou mais escuros e consoante haja boas ou más condições de luza natural,
proporcionadas pelos respectivos vãos exteriores.
(Fig. 01) Sem título.
Principais tons de cor usados no interior doméstico
Segundo Christopher Alexander, os principais
tons de cor usados no interior doméstico devem ser naturais e quentes,
referindo o autor, especificamente, os tons vermelhos, amarelos, laranjas e,
castanhos/ocres; estes tons podem resultar, apenas, de matizes sobre bases dominante
brancas, ou sugerirem directamente a natureza com verdes e azuis.
E, desde já, se aponta que esta estimulante
opinião, que se partilha, entra um pouco em colisão com ideias muito
generalizadas e respeitáveis, por exemplo entre muitos arquitectos, da importância
de se caracterizar um ambiente doméstico com tons de cor pouco “expressivos”,
ou intensos, visando-se, designadamente brancos “sujos”, cremes, sépias claros,
etc.
Voltando às opiniões de Alexander, este
defende, ainda, que a escolha da cor deve considerar:
- se a luz natural recebida num dado
compartimento é mais "quente", porque recebida dos quadrantes Este
(início da manhã), Sul (meio-dia) e Oeste (final da tarde) ou mais
"fria", porque recebida do quadrante Norte;
- e qual a função desse compartimento (por
exemplo mais "funcional" ou para trabalho em casa, ou para repousar e
dormir, ou para estar e conviver), de modo a que se equilibre, reduza ou
acentue, pela cor escolhida, o efeito da luz recebida, ponderando-se, também,
as consequências e os conteúdos mais ou menos repousantes ou estimulantes dos
diversos efeitos cromáticos e texturais - cores vivas ou neutrais, brilhantes
ou "mate", lisas ou texturadas. (1)
Relação entre os tons de cor e a orientação solar dos compartimentos
A propósito dessa importante relação entre os
tons de cor e a orientação solar dos respectivos compartimentos onde elas se
aplicam, o investigador do LNEC e saudoso amigo Licínio Cantarino de Carvalho
(2), defende, num importante e pioneiro estudo português sobre iluminação
natural – matéria esta que exige urgente aprofundamento na sua relação com o
projecto de Arquitectura – , que importa aumentar a reflexão da luz natural nas
superfícies interiores, adoptando para elas cores claras, em particular na zona
envolvente dos vãos exteriores envidraçados; reduzindo-se o contraste com a luz
directa desses vãos, responsável por condições incómodas de encandeamento;
matéria esta, que, por si só, nos levaria longe nas suas implicações em termos
de cromatismo e arquitectura de interiores.
A cor doméstica pode/deve, assim, ligar-se/conjugar-se com as orientações dos
diversos compartimentos domésticos, sendo interessante, por exemplo, poder
dormir a Nascente e ter uma janela perto da cama, e poder despertar
naturalmente (período de sonolência) com os ciclos naturais, suave mas
firmemente, em sítio donde se veja a luz, mas sem o Sol directo; "ver o
tempo que faz" e acompanhar, logo ao acordar, os ciclos naturais; e talvez
acentuar os tons do amanhecer com tons de cor específicos nas paredes dos
quartos.
E, complementarmente, não tenhamos dúvida de
que a luz filtrada por cortinas, estores e, até, folhas de árvores é
maravilhosa, porque evita a luz directa criadora de sombras marcadas e imagens
duras com fortes contrastes (3), e porque os padrões luminosos com pequenas
escalas são sensualmente agradáveis e estimulantes; e, de certa forma, tudo
isto também acaba por ser um tipo muito estimulante de quase-cor dinâmica.
A desejável agradabilidade dos acabamentos interiores
Ainda segundo Christopher Alexander, as paredes
interiores e os tectos, quando aparentemente muito duros, frios e maciços
tornam-se desagradáveis ao tacto, provocam mais reverberação e impossibilitam
ou dificultam muito a sua decoração; o contrário sucederá com acabamentos de gesso
e revestimentos com texturas naturais, como a madeira. (4)
Alexander recomenda, ainda, (5) o uso de
materiais de qualidade, disponíveis em elementos com escala pequena, que sejam
fáceis de preparar em obra e de trabalhar; e sendo, consequentemente, fáceis de
adaptar e fazer variar, mas suficientemente pesados e sólidos para serem
duráveis e de fácil conservação e manutenção; e defende que estes materiais
devem ser ecologicamente convenientes e bio-degradáveis, o que se liga, por um
lado, ao desenvolvimento, defendido pelo citado autor, de paredes brandas e de
texturas naturais (uso de materiais com as suas texturas naturais) e, por outro
lado, à envolvência dos habitantes por ambientes basicamente relacionados com a
natureza (cores e texturas naturais, elementos envelhecendo com naturalidade);
que parecem ter importantes influências apaziguadoras e calmantes.
(Fig. 02) Sem título.
Algumas observações sobre as cargas emocionais das cores
Naturalmente que todas as cores têm cargas
emocionais latentes dependendo do contexto, da situação cultural, da
personalidade do sujeito e da sua atitude (disposição) no momento; todos estes
factores influenciando um "código" que cada pessoa usa (6). E, a este propósito Ken Kern fala-nos
dos conteúdos das cores e das tonalidades: (7)
- “O azul
escuro e o negro têm factores de reflexão baixos. O amarelo e o branco altos. A quantidade de luz reflectida por várias
cores é a seguinte: branco de 80 a 90%; pastel pálido (amarelo, rosado) 80%;
pastel pálido ("bege", lilás) 70%; cores frias (azul, pastéis verdes)
70 a 75%; amarelo intenso 35%; castanho 25%; azul e verde de 20 a 30%; negro
10%.
- O
verde, o azul e o violeta dão a sensação de frio (peso, passividade e
afastamento), enquanto o amarelo, o alaranjado e o vermelho parecem quentes
(luminosidade, actividade e movimento de aproximação).
- Devem
usar-se cores quentes em compartimentos expostos ao Norte ou que recebam pouca
luz natural, enquanto se devem usar as cores frias em compartimentos expostos
ao Sul ou cheios de luz do Sol.
- As
cores brilhantes e fortes podem dar a sensação de expansão a compartimentos
pequenos, enquanto os contrastes de tonalidades pouco intensos podem tornar os
compartimentos grandes mais sóbrios.
- O
vermelho é excitante, o azul é calmante e apaziguador, o verde reduz o
nervosismo e a tensão muscular, e o amarelo produz uma sensação de jovialidade
que se comunica ao metabolismo humano".
Considerando-se, agora, embora de forma muito
sumária, a relação entre cores e clima e lembrando Victor Olgyay, no seu
conhecido estudo "Design With Climate", recomenda-se para uma região
climaticamente temperada alguns aspectos a considerar no desenho residencial e
de que seleccionámos os seguintes dados: (8) superfícies ao Sol com cores
médias, superfícies reentrantes podem ser escuras se forem sombreadas no Verão,
cores claras em coberturas.
O cromatismo e a fruição espacial
Sobre a função do cromatismo como elemento de
estruturação da capacidade de deleite oferecida por dados elementos e embientes
residenciais importa referir que a cor ocupa um importante papel na
arquitectura, nomeadamente, através da valorização da percepção do espaço (9).
Claire e Michel Duplay consideram, sobre este assunto, os seguintes aspectos
(10) (apurados apenas os aplicáveis ao interior doméstico):
- os modernos usaram cores primárias simples
associadas ao verde e ao branco, expressas em pintura e não em matéria, e
justapostas ao cinzento do betão;
- a prática corrente usa tons "previamente
sujos", de modo a esconder a sujidade, "tudo já está previamente sujo";
- a cor deve ser um meio de exprimir e
sublinhar os volumes, os planos diferenciados e, designadamente, a espessura de
um edifício;
- as cores devem ser,
preferencialmente,"integradas na massa" dos materiais de construção,
mas quando estes materiais são pobres, é preferível a cor/tinta "em vez da
tristeza sob o pretexto do purismo";
- o jogo cromático segue um conjunto de
oposições de cor: do material, natural/por pintura, artificial; de fundo/de
guarnecimento de vãos; na estrutura da edificação/nos seus preenchimentos;
- uma regra simples considera que deve existir
uma harmonia cromática entre as: paredes; caixilharias; cobertura(s); e
elementos mais efémeros (tais como estores).
Breves notas de remate sobre a cor doméstica
Aponta-se, finalmente, que sendo o adequado cromatismo doméstico um assunto
que nada tem a ver com mais despesas, mas apenas com a boa escolha dos tons
usados, e sendo esta matéria directamente associável a uma positiva ou negativa
influência no agrado ou desagrado com o uso dos espaços domésticos privados ela
deveria merecer um cuidado aprofundado e a respectiva divulgação aos habitantes
e designadamente junto daqueles que terão menos acesso a este tipos de
informações.
Notas:
(1) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", p. 1003.
(2) Licínio Cantarino de Carvalho, "Iluminação Natural no Projecto dos
Edifícios", pp. 21 a 26
(3) Reduz o contraste abrupto entre a luz directa do vão e a parede que o
rodeia e, assim, permite uma melhor percepção dessa parede.
(4) Christopher Alexander; Sara Ishikawa; Murray Silverstein; et al,
"A Pattern Language/Un Lenguaje de Patrones", pp. 954 e 955.
(5) Christopher Alexander, Sara Ishikawa, Murray Silverstein, et al,"A
Pattern Language/ Un Lenguaje de Patrones”, pp. 839 e 840,
(6) Sven Hesselgren,
"Architectural Semiotics", em "Architectural Psychology Lund
Conference".
(7) Ken Kern, "La Casa Autoconstruida", pp. 360 a 363.
(8) Victor Olgyay, "Design with Climate", pp. 155 e 156, 161 e
162, 167 e 168.
(9) Alfonso Stocchetti, "Spazi Per la Vita degli Uomini, Architettura
Parametri", pp. 163 a 172.
(10) Claire e Michel Duplay, "Methode Illustrée de Création
Architecturale", pp. 103 e 104.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos
artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo
editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um
significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e
comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos
respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva
responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
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recebido na edição.
Infohabitar, Ano XV, n.º 676
O cromatismo residencial - Infohabitar 676
Artigo da Série “Habitar e Viver
Melhor”
Infohabitar
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