Infohabitar, Ano XIV, n.º 627
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CAROS LEITORES, ESTÁ MESMO, MESMO A SER ULTRAPASSADA A “BARREIRA" DO MILHÃO DE VISUALIZAÇÕES EM 14 ANOS DE
EDIÇÕES DA INFOHABITAR
Parabéns a todos
os autores e leitores que editaram e leram os nossos artigos; e vamos tentar
chegar aos dois milhões mais cedo (antes dos 28 anos de edições), e para isso
precisamos de artigos e de divulgação – artigos que nos sejam enviados (para abc.infohabitar@gmail.com) e uma divulgação que
cada um de vós possa fazer no vosso “círculo” profissional e pessoal de
contactos.
PS: e acreditem que, há 14 anos atrás, começámos mesmo com o contador a "0"; foi difícil, mas agora dá bastante prazer.
Fig. 01: Embora se critique neste artigo o mau uso e a continuidade de um uso datado e inadequado do funcionalismo arquitectónico habitacional é urgente lembrar e divulgar os excelentes exemplos de um adequado funcionalismo urbano e arquitectónico dominantemente residencial, que seria bem importante resgatar, recuperando as suas imagens urbanas e divulgando as suas excelentes realizações - no esboço, uma vista do exemplar e actualmente tão pouco estimado Bairro de Olivais Norte em Lisboa, um verdadeiro caso de referência nacional e europeu que assim deveria/deverá ser tratado.
Edita-se o artigo da Série
“Habitar e Viver Melhor” n.º CIV
Uma nova
funcionalidade doméstica
por António Baptista Coelho
Uma nova
funcionalidade doméstica - o
tais, bem conhecidos, espaços funcionais domésticos, mas agora bem
personalizados, diversos, agradáveis e envolventes
Uma nova e mais adequada
funcionalidade doméstica
O que se procura apontar no texto que se segue é a
possibilidade e a oportunidade de se seguirem outros caminhos na concepção dos
espaços habitacionais privados que não sejam os que são, habitualmente,
associados a aspectos específicos de funcionalidade e mesmo de alguma
“maquinização” das actividades que marcam a nossa vivência doméstica.
Tais ideias referem-se, essencialmente, aos espaços de
cozinha e de casa de banho, embora outros espaços e subespaços da casa também
possam e devam ser reencarnados numa perspectiva que não lhes negue as suas
exigências funcionais, mas que as recoloque, finalmente, sob a alçada de uma
agradável e vital caracterização doméstica; acabando de vez com a ideia de
“máquinas de habitar”, assim reconvertidas a máquinas habitáveis e
“domesticadas”.
E de certa forma esta mesma perspectiva de recuperação do
sentido doméstico, agradável, envolvente, sossegado/calmo, caloroso,
agradavelmente expressivo e identitário do habitar e especificamente dos
espaços da habitação, é um caminho que vai continuar a ser abordado em próximos
textos, referidos aos desejáveis subespaços que têm de compor/integrar e
vitalizar/caracterizar os espaços maiores da habitação; e neste sentido
obrigando-os a determinadas condições de adaptabilidade e versatilidade no seu
uso e na sua apropriação.
Neste sentido e desenvolvendo um exercício que será
interessante e muito rico alargar a múltiplos espaços habitacionais, iremos, em
seguida, reflectir um pouco nesta perspectiva, e especificamente sobre as duas
sub-tipologias espaciais domésticas que estão mais ligadas a essa “tradição”
funcionalista, designadamente, os espaços de cozinha e de casa de banho.
Naturalmente que sabemos não se tratar apenas de uma “tradição” funcionalista,
pois, evidentemente, tais espaços têm exigências funcionais específicas e
rigorosas, no que se refere a aspectos de segurança no uso, higiene, facilidade
de limpeza, manutenção e “cadeias” funcionais aconselháveis, mas parece ser
tempo de salvaguardar tais exigências, mas, no mínimo, harmonizando-as tendo em
conta alguma novidade e/ou redescoberta associadas a um expressivo e
eventualmente dominante sentido de domesticidade, sendo tempo de reencarar tais
espaços com essa abertura de espírito e considerando, mesmo, que estas novas ou
renovadas opções possam ter, eventualmente, expressão directa na própria
caracterização das respectivas habitações.
E neste sentido abordam-se, em seguida, os espaços de
cozinha e de casa de banho, fazendo-se uma pequena nota final sobre os
espaços/elementos de arrumação e outros espaços ditos “de serviço”.
Fig. 02: está na altura de olharmos as "velhas" tipologias de vizinhança próxima e de edifício e habitação, nas suas mútuas relações e agregações, com outros olhos, inspirando-nos nelas para se iventarem "novas" tipologias "pós-funcionalistas".
Novas e antigas cozinhas
O espaço de cozinha constitui, historicamente, o núcleo e o
coração de actividade da habitação, pelo menos quando pensamos na habitação
popular, aquela que sempre foi, naturalmente, dominante e onde não existia
pessoal dedicado à preparação e ao servir das refeições, e um coração da vida
doméstica onde a preparação, o servir e o tomar as refeições era natural motivo
de convívio familiar; um convívio que se passava também antes e depois das
refeições e ao longo do seu alongado processo de preparação e que tinha e tem
naturais “prolongamentos”, designadamente, no acompanhamento do recreio e do
trabalho de casa/estudo das crianças e em muitas outras tarefas da “lide”
doméstica que, globalmente, aconteciam também na cozinha ou “grande cozinha
familiar”.
No âmbito da promoção habitacional intensiva que marcou o
Século XX e em certo período histórico marcado pelas essenciais preocupações
higienistas, seguidas das suas sequenciais preocupações funcionalistas, e numa
altura em que muitas famílias ainda tinham apoios domésticos diversificados,
seja no âmbito da família alargada, seja por parte de pessoal de serviço
doméstico (muitas vezes reduzido já ao mínimo), assistiu-se como que a uma
especialização da cozinha, tendo ficado o tratamento de roupas um pouco
“pendurado” (sem espaço ou com pouco espaço específico atribuído), isto porque
a tendência de funcionalização e especialização não conseguia servir bem todas
as tantas funções entretanto identificadas; e assim certas funções da antiga
cozinha multifuncional e convivial foram sendo menorizadas e integradas em espaços
por vezes exíguos e mal localizados (ex., em espaços claramente residuais),
enquanto as importantes funções de convívio natural e de refeições informais
foram estrategicamente esquecidas ou então ridiculamente concentradas em
pequenas mesas escamoteáveis e tantas vezes muito mal localizadas.
E, naturalmente, a regulamentação oficial fez eco desta
“evolução”, que foi, inicialmente, positiva no sentido de se regrarem situações
sem higiene/segurança e sem qualquer sentido funcional, mas que foi negativa porque
empobreceu clara e gradualmente, ao longo do Século XX, toda a concepção
arquitectónica doméstica (incluindo-se aqui, incrivelmente, não só a designada
“habitação social/mínima”, mas a quase totalidade da promoção habitacional, que
assim foi “simplificada”), seja no sentido do que seria uma importante
continuidade cultural, seja no sentido da adaptabilidade a tantos e variados
modos de viver a habitação.
E lembremos que hoje em dia, então, é que não há “pessoal
doméstico”, que fique como que confinado aos espaços de “serviço”, a não ser em
casos de excepção, e, portanto, estas considerações têm todo o sentido, devendo
influenciar ou uma relação forte entre cozinha e estar, eventualmente,
gerando-se amplos espaços de convívio familiar do tipo “sala de família”, ou
uma redescoberta da grande cozinha familiar, multifuncional e convivial, a qual
acaba por poder libertar o espaço de sala para funções mais específicas e/ou
mais reservadas. E, já agora, lembremos as designações tantas vezes usadas para
as cozinhas domésticas: espaços de serviço, zonas de água, zonas húmidas, etc –
e vá lá que regulamentarmente elas sempre contaram como “área habitável” (a
mais “valiosa” em termos regulamentares).
Novas casas de banho
Quanto às “casas de banho” importa sublinhar a possibilidade
de desenvolvimento da “figura” do espaço de banho com um sentido caracterizador
e caracterizado por determinadas formas de viver a habitação. Situação que
poderá ligar-se ao desenvolvimento de associações entre espaços de banho e
outros espaços de estar, dormir e lazer com forte carácter identitário e
relativamente privativo, embora espacialmente pouco controlado em termos
dimensionais. O exemplo de um tal espaço é o sítio de banho de uma das casas do
Arq.º Charles Moore, que se integra num espaço de estar e assume mesmo uma
posição destacada neste espaço.
O sentido desta solução liga-se à recuperação de formas de
banho tradicionais/antigas, que se associavam com flexibilidade aos diversos
espaços da habitação, assumindo-se o banho como acto de prazer, além de função
higiénica, acto esse expressivamente ambulatório, pois podia acontecer tanto
junto a uma lareira, como numa grande cozinha multifuncional, neste caso por
razões práticas de proximidade com a fonte de água quente.
De certa forma esta matéria de uma desejável recuperação do
sentido amplo, de lazer e de prazer, do banho doméstico liga-se por um lado, ao
interesse da separação entre funções higiénicas e de satisfação de necessidades
básicas e o acto do banho, designadamente do banho de imersão, como função que
tem também evidentes vantagens em termos da saúde, a tal “saúde pela água”
(SPA), actualmente tão divulgada em equipamentos de turismo, mas que
evidentemente deveria ter o seu papel garantido na habitação corrente.
Tudo isto tem também a ver com uma urgente opção de dignificação
da “casa de banho” doméstica, resgatada da sua designação de
“instalação/instalações sanitária/s” e que pode/deve assim deixar de ser
relegada para os espaços interiores sobrantes das soluções habitacionais,
ganhando direitos “de janela”, de desafogo espacial e de dignidade, identidade
e até uma importante afectuosidade de acabamentos; em vez da fria
disponibilização de um pequeno “mausoléu” de concentração de canalizações,
serviços higiénicos e, por outro lado, luxos incoerentes em termos de
“equipamentos sanitários” e de revestimentos até absurdamente impermeáveis).
E será sempre interessante reconsiderar a opção por um banho
que possa ir mudando de sítio, conforme desejos e aspectos práticos (o caso do
banho dos bebés é um bom exemplo deste tipo de banho), ou pela consideração do
banho de imersão como elemento “central” de uma dada organização de um dado
espaço doméstico estruturador da respectiva habitação – o que acontece no
referido exemplo da casa de Charles Moore.
Importa ainda ter em conta que uma casa de banho pode e deve
proporcionar uma expressiva apropriação em termos de arranjo geral, podendo
constitui-se como extensão de um mundo muito pessoal, por exemplo, pela
profusão de plantas tropicais e pela introdução de peças de mobiliário e de
equipamento sanitário especiais, como é o caso de algum mobiliário especial e
de uma velha banheira. De certo modo o que aqui se pode reforçar é o sentido de
“casa de banho” personalizada e confortável, sendo para tal essencial a
existência de boas condições de luz e
ventilação naturais.
E não tenhamos dúvidas que nada disto é compatível com
espaços de “casa de banho” (realmente de “instalações sanitárias”) mínimos e
interiores (tantas vezes encaixando mal até uma exígua banheira).
Fig. 03: a habitação ganha em carácter/identidade e verdadeiras funcionalidades com variadas e estimulantes misturas de usos e apropriações, que, no entanto, exigem um natural suporte dimensional e de estruturação doméstica.
Espaços/elementos de arrumação:
breves notas
Sobre uma nova forma de encarar os espaços e
elementos/equipamentos destinados à arrumação doméstica, apenas se lembra que é
vital para um bom uso da habitação que ela integre uma adequada capacidade de
arrumação (capacidade para mobilar, armários embutidos e compartimentos
específicos), e que é possível estruturar a habitação com uma tal capacidade,
deixando-a camuflada ou até parcial e estrategicamente visível, mas sempre
bem “subjugada” na sua aparência e modo de usar a um ambiente expressivamente
doméstico; não faz sentido é esquecer tais necessidades e/ou tratá-las sem
sensibilidade de concepção, “colando”, posteriormente, “arrumos” a espaços
anteriormente pormenorizados sem se considerar tal necessidade.
Outros espaços “de
serviço”: breves notas
Numa perspectiva de sensível “domesticação” da “velha”
funcionalidade doméstica e visando-se uma promoção habitacional económica, não
fará, talvez, muito sentido avançar com outras exigências funcionais muito
desenvolvidas, podendo ser, eventualmente, preferível a junção dessas
funcionalidades em diversos espaços domésticos, que para tal sejam
suplementarmente dimensionados e proporcionando-se, assim, uma expressiva
multifuncionalidade em diversos subespaços da habitação; e apenas a título de
exemplo podemos imaginar a integração de máquinas de tratamento de roupa em
casas de banho espaçosas, o desenvolvimento de uma varanda fechada que possa
ser usada, em parte, para estender a roupa
e, em parte, como pequena zona de estar, a existência de espaço
suplementar na cozinha para se poder passar a ferro e a existência de largos
corredores de circulação, arrumação e estar especializado (ex., para leitura e
estudo).
Como comentário a estas reflexões e na sua sequência, parece
ser adequado apontar a oportunidade de se ir no sentido de se reequacionar a
globalidade das “ditas” e bem conhecidas funcionalidades domésticas; e um pouco
nesta perspectiva em próximos artigos
desta série iremos abordar a riquíssima matéria dos subespaços domésticos.
Notas finais:
Finalmente salienta-se
que o processo editorial da Infohabitar, revista ligada à ação da GHabitar -
Associação Portuguesa de Promoção da Qualidade Habitacional (GHabitar APPQH) –
associação que tem a sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação
Económica (FENACHE) –, voltou a estar, desde o princípio de setembro de 2017,
em boa parte, sedeado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC) e nos seus Departamento de Edifícios e Núcleo de
Estudos Urbanos e Territoriais (NUT); aproveitando-se para se agradecer todos os
essenciais apoios disponibilizados por estas entidades.
Notas editoriais:
(i)
Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a
caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de
edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões
expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições
individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo
portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii)
De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado
nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
Infohabitar, Ano XIV, n.º 627
Uma nova
funcionalidade doméstica
Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e
Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC; Infohabitar,
Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade
Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de
Habitação Económica (FENACHE).
Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa,
Encarnação - Olivais Norte.
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