segunda-feira, janeiro 15, 2018

627 - Uma nova funcionalidade doméstica - Infohabitar n.º 627

Infohabitar, Ano XIV, n.º 627

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CAROS LEITORES, ESTÁ MESMO, MESMO A  SER  ULTRAPASSADA A “BARREIRA" DO MILHÃO DE VISUALIZAÇÕES EM 14 ANOS DE EDIÇÕES DA INFOHABITAR

Parabéns a todos os autores e leitores que editaram e leram os nossos artigos; e vamos tentar chegar aos dois milhões mais cedo (antes dos 28 anos de edições), e para isso precisamos de artigos e de divulgação – artigos que nos sejam enviados (para abc.infohabitar@gmail.com) e uma divulgação que cada um de vós possa fazer no vosso “círculo” profissional e pessoal de contactos.

PS: e acreditem que, há 14 anos atrás, começámos mesmo com o contador a "0"; foi difícil, mas agora dá bastante prazer.


Fig. 01: Embora se critique neste artigo o mau uso e a continuidade de um uso datado e inadequado do funcionalismo arquitectónico habitacional é urgente lembrar e divulgar os excelentes exemplos de um adequado funcionalismo urbano e arquitectónico dominantemente residencial, que seria bem importante resgatar, recuperando as suas imagens urbanas e divulgando as suas excelentes realizações - no esboço, uma vista do exemplar e actualmente tão pouco estimado Bairro de Olivais Norte em Lisboa, um verdadeiro caso de referência nacional e europeu que assim deveria/deverá ser tratado.


Edita-se o artigo da Série “Habitar e Viver Melhor” n.º CIV

Uma nova funcionalidade doméstica

por António Baptista Coelho

Uma nova funcionalidade doméstica - o tais, bem conhecidos, espaços funcionais domésticos, mas agora bem personalizados, diversos, agradáveis e envolventes


Uma nova e mais adequada funcionalidade doméstica
O que se procura apontar no texto que se segue é a possibilidade e a oportunidade de se seguirem outros caminhos na concepção dos espaços habitacionais privados que não sejam os que são, habitualmente, associados a aspectos específicos de funcionalidade e mesmo de alguma “maquinização” das actividades que marcam a nossa vivência doméstica.
Tais ideias referem-se, essencialmente, aos espaços de cozinha e de casa de banho, embora outros espaços e subespaços da casa também possam e devam ser reencarnados numa perspectiva que não lhes negue as suas exigências funcionais, mas que as recoloque, finalmente, sob a alçada de uma agradável e vital caracterização doméstica; acabando de vez com a ideia de “máquinas de habitar”, assim reconvertidas a máquinas habitáveis e “domesticadas”.
E de certa forma esta mesma perspectiva de recuperação do sentido doméstico, agradável, envolvente, sossegado/calmo, caloroso, agradavelmente expressivo e identitário do habitar e especificamente dos espaços da habitação, é um caminho que vai continuar a ser abordado em próximos textos, referidos aos desejáveis subespaços que têm de compor/integrar e vitalizar/caracterizar os espaços maiores da habitação; e neste sentido obrigando-os a determinadas condições de adaptabilidade e versatilidade no seu uso e na sua apropriação.
Neste sentido e desenvolvendo um exercício que será interessante e muito rico alargar a múltiplos espaços habitacionais, iremos, em seguida, reflectir um pouco nesta perspectiva, e especificamente sobre as duas sub-tipologias espaciais domésticas que estão mais ligadas a essa “tradição” funcionalista, designadamente, os espaços de cozinha e de casa de banho. Naturalmente que sabemos não se tratar apenas de uma “tradição” funcionalista, pois, evidentemente, tais espaços têm exigências funcionais específicas e rigorosas, no que se refere a aspectos de segurança no uso, higiene, facilidade de limpeza, manutenção e “cadeias” funcionais aconselháveis, mas parece ser tempo de salvaguardar tais exigências, mas, no mínimo, harmonizando-as tendo em conta alguma novidade e/ou redescoberta associadas a um expressivo e eventualmente dominante sentido de domesticidade, sendo tempo de reencarar tais espaços com essa abertura de espírito e considerando, mesmo, que estas novas ou renovadas opções possam ter, eventualmente, expressão directa na própria caracterização das respectivas habitações.
E neste sentido abordam-se, em seguida, os espaços de cozinha e de casa de banho, fazendo-se uma pequena nota final sobre os espaços/elementos de arrumação e outros espaços ditos “de serviço”.

Fig. 02: está na altura de olharmos as "velhas" tipologias de vizinhança próxima e de edifício e habitação, nas suas mútuas relações e agregações, com outros olhos, inspirando-nos nelas para se iventarem "novas" tipologias "pós-funcionalistas".

Novas e antigas cozinhas

O espaço de cozinha constitui, historicamente, o núcleo e o coração de actividade da habitação, pelo menos quando pensamos na habitação popular, aquela que sempre foi, naturalmente, dominante e onde não existia pessoal dedicado à preparação e ao servir das refeições, e um coração da vida doméstica onde a preparação, o servir e o tomar as refeições era natural motivo de convívio familiar; um convívio que se passava também antes e depois das refeições e ao longo do seu alongado processo de preparação e que tinha e tem naturais “prolongamentos”, designadamente, no acompanhamento do recreio e do trabalho de casa/estudo das crianças e em muitas outras tarefas da “lide” doméstica que, globalmente, aconteciam também na cozinha ou “grande cozinha familiar”.
No âmbito da promoção habitacional intensiva que marcou o Século XX e em certo período histórico marcado pelas essenciais preocupações higienistas, seguidas das suas sequenciais preocupações funcionalistas, e numa altura em que muitas famílias ainda tinham apoios domésticos diversificados, seja no âmbito da família alargada, seja por parte de pessoal de serviço doméstico (muitas vezes reduzido já ao mínimo), assistiu-se como que a uma especialização da cozinha, tendo ficado o tratamento de roupas um pouco “pendurado” (sem espaço ou com pouco espaço específico atribuído), isto porque a tendência de funcionalização e especialização não conseguia servir bem todas as tantas funções entretanto identificadas; e assim certas funções da antiga cozinha multifuncional e convivial foram sendo menorizadas e integradas em espaços por vezes exíguos e mal localizados (ex., em espaços claramente residuais), enquanto as importantes funções de convívio natural e de refeições informais foram estrategicamente esquecidas ou então ridiculamente concentradas em pequenas mesas escamoteáveis e tantas vezes muito mal localizadas.
E, naturalmente, a regulamentação oficial fez eco desta “evolução”, que foi, inicialmente, positiva no sentido de se regrarem situações sem higiene/segurança e sem qualquer sentido funcional, mas que foi negativa porque empobreceu clara e gradualmente, ao longo do Século XX, toda a concepção arquitectónica doméstica (incluindo-se aqui, incrivelmente, não só a designada “habitação social/mínima”, mas a quase totalidade da promoção habitacional, que assim foi “simplificada”), seja no sentido do que seria uma importante continuidade cultural, seja no sentido da adaptabilidade a tantos e variados modos de viver a habitação.
E lembremos que hoje em dia, então, é que não há “pessoal doméstico”, que fique como que confinado aos espaços de “serviço”, a não ser em casos de excepção, e, portanto, estas considerações têm todo o sentido, devendo influenciar ou uma relação forte entre cozinha e estar, eventualmente, gerando-se amplos espaços de convívio familiar do tipo “sala de família”, ou uma redescoberta da grande cozinha familiar, multifuncional e convivial, a qual acaba por poder libertar o espaço de sala para funções mais específicas e/ou mais reservadas. E, já agora, lembremos as designações tantas vezes usadas para as cozinhas domésticas: espaços de serviço, zonas de água, zonas húmidas, etc – e vá lá que regulamentarmente elas sempre contaram como “área habitável” (a mais “valiosa” em termos regulamentares).  
 

Novas casas de banho

Quanto às “casas de banho” importa sublinhar a possibilidade de desenvolvimento da “figura” do espaço de banho com um sentido caracterizador e caracterizado por determinadas formas de viver a habitação. Situação que poderá ligar-se ao desenvolvimento de associações entre espaços de banho e outros espaços de estar, dormir e lazer com forte carácter identitário e relativamente privativo, embora espacialmente pouco controlado em termos dimensionais. O exemplo de um tal espaço é o sítio de banho de uma das casas do Arq.º Charles Moore, que se integra num espaço de estar e assume mesmo uma posição destacada neste espaço.
O sentido desta solução liga-se à recuperação de formas de banho tradicionais/antigas, que se associavam com flexibilidade aos diversos espaços da habitação, assumindo-se o banho como acto de prazer, além de função higiénica, acto esse expressivamente ambulatório, pois podia acontecer tanto junto a uma lareira, como numa grande cozinha multifuncional, neste caso por razões práticas de proximidade com a fonte de água quente.
De certa forma esta matéria de uma desejável recuperação do sentido amplo, de lazer e de prazer, do banho doméstico liga-se por um lado, ao interesse da separação entre funções higiénicas e de satisfação de necessidades básicas e o acto do banho, designadamente do banho de imersão, como função que tem também evidentes vantagens em termos da saúde, a tal “saúde pela água” (SPA), actualmente tão divulgada em equipamentos de turismo, mas que evidentemente deveria ter o seu papel garantido na habitação corrente.
Tudo isto tem também a ver com uma urgente opção de dignificação da “casa de banho” doméstica, resgatada da sua designação de “instalação/instalações sanitária/s” e que pode/deve assim deixar de ser relegada para os espaços interiores sobrantes das soluções habitacionais, ganhando direitos “de janela”, de desafogo espacial e de dignidade, identidade e até uma importante afectuosidade de acabamentos; em vez da fria disponibilização de um pequeno “mausoléu” de concentração de canalizações, serviços higiénicos e, por outro lado, luxos incoerentes em termos de “equipamentos sanitários” e de revestimentos até absurdamente impermeáveis).
E será sempre interessante reconsiderar a opção por um banho que possa ir mudando de sítio, conforme desejos e aspectos práticos (o caso do banho dos bebés é um bom exemplo deste tipo de banho), ou pela consideração do banho de imersão como elemento “central” de uma dada organização de um dado espaço doméstico estruturador da respectiva habitação – o que acontece no referido exemplo da casa de Charles Moore.
Importa ainda ter em conta que uma casa de banho pode e deve proporcionar uma expressiva apropriação em termos de arranjo geral, podendo constitui-se como extensão de um mundo muito pessoal, por exemplo, pela profusão de plantas tropicais e pela introdução de peças de mobiliário e de equipamento sanitário especiais, como é o caso de algum mobiliário especial e de uma velha banheira. De certo modo o que aqui se pode reforçar é o sentido de “casa de banho” personalizada e confortável, sendo para tal essencial a existência de boas condições de luz  e ventilação naturais.
E não tenhamos dúvidas que nada disto é compatível com espaços de “casa de banho” (realmente de “instalações sanitárias”) mínimos e interiores (tantas vezes encaixando mal até uma exígua banheira).


Fig. 03: a habitação ganha em carácter/identidade e verdadeiras funcionalidades com variadas e estimulantes misturas de usos e apropriações, que, no entanto, exigem um natural suporte dimensional e de estruturação doméstica.


Espaços/elementos de arrumação: breves notas

Sobre uma nova forma de encarar os espaços e elementos/equipamentos destinados à arrumação doméstica, apenas se lembra que é vital para um bom uso da habitação que ela integre uma adequada capacidade de arrumação (capacidade para mobilar, armários embutidos e compartimentos específicos), e que é possível estruturar a habitação com uma tal capacidade, deixando-a camuflada ou até parcial e estrategicamente visível, mas sempre bem “subjugada” na sua aparência e modo de usar a um ambiente expressivamente doméstico; não faz sentido é esquecer tais necessidades e/ou tratá-las sem sensibilidade de concepção, “colando”, posteriormente, “arrumos” a espaços anteriormente pormenorizados sem se considerar tal necessidade. 

Outros espaços “de serviço”: breves notas

Numa perspectiva de sensível “domesticação” da “velha” funcionalidade doméstica e visando-se uma promoção habitacional económica, não fará, talvez, muito sentido avançar com outras exigências funcionais muito desenvolvidas, podendo ser, eventualmente, preferível a junção dessas funcionalidades em diversos espaços domésticos, que para tal sejam suplementarmente dimensionados e proporcionando-se, assim, uma expressiva multifuncionalidade em diversos subespaços da habitação; e apenas a título de exemplo podemos imaginar a integração de máquinas de tratamento de roupa em casas de banho espaçosas, o desenvolvimento de uma varanda fechada que possa ser usada, em parte, para estender a roupa  e, em parte, como pequena zona de estar, a existência de espaço suplementar na cozinha para se poder passar a ferro e a existência de largos corredores de circulação, arrumação e estar especializado (ex., para leitura e estudo).

Como comentário a estas reflexões e na sua sequência, parece ser adequado apontar a oportunidade de se ir no sentido de se reequacionar a globalidade das “ditas” e bem conhecidas funcionalidades domésticas; e um pouco nesta perspectiva  em próximos artigos desta série iremos abordar a riquíssima matéria dos subespaços domésticos.

Notas finais:
Finalmente salienta-se que o processo editorial da Infohabitar, revista ligada à ação da GHabitar - Associação Portuguesa de Promoção da Qualidade Habitacional (GHabitar APPQH) – associação que tem a sede na Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica (FENACHE) –, voltou a estar, desde o princípio de setembro de 2017, em boa parte, sedeado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) e nos seus Departamento de Edifícios e Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT); aproveitando-se para se agradecer todos os essenciais apoios disponibilizados por estas entidades.


Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.

Infohabitar, Ano XIV, n.º 627
Uma nova funcionalidade doméstica

Infohabitar
Editor: António Baptista Coelho
abc.infohabitar@gmail.com
Editado nas instalações do Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) do Departamento de Edifícios (DED) do LNEC; Infohabitar, Revista do GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional – Associação com sede na Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica (FENACHE).

Apoio à Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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