Infohabitar, Ano X, n.º 505
Nota
prévia: em primeiro lugar e com o devido destaque, regista-se que a obra de
Arquitectura residencial e urbana que é comentada no texto apresentado nesta edição da Infohabitar, o P.E.R. Monte de
São João, foi promovida pela Câmara Municipal do Porto
e projectada e acompanhada entre 1996 e 2004, pelo atelier Filipe
Oliveira Dias, com projecto dos Arquitectos Rui
Almeida e Filipe Oliveira Dias; este conjunto de habitação de interesse social foi 1.º Prémio em Concurso Público
de Concepção e Prémio do Instituto Nacional de Habitação de Promoção Municipal
em 2004 - Prémio INH 2004 - Promoção
Municipal.
É sempre com uma grande tristeza que se regista o falecimento de
alguém com quem se teve o prazer e a honra de conviver em diversas ocasiões ao
longo dos anos.
Este texto é editado na sequência do falecimento do colega arquitecto
Filipe Oliveira Dias, um grande projectista e Arquitecto que deixa uma muito
estimulante e rica obra seja nas áreas dos cine-teatros, seja em outros bem
diversos temas, como os da habitação e da "obra pública".
Do Filipe Oliveira Dias muito se esperava ainda, e muito há a visitar com o respeito e com a alegria de se conhecerem obras em que atingiu uma excelente integração entre as mais diversas preocupações humanas, sociais, técnicas e artísticas - como, por exemplo, a belíssima relação entre arquitectura e pintura que desenvolveu nos cine-teatros que projectou e a excelente combinação de qualidades residenciais, urbanas e arquitectónicas atingidas no conjunto de realojamento do Monte de São João, que, em seguida, se apresenta de forma breve.
Fica a memória, para sempre, bem viva, de um excelente e intenso
percurso profissional.
À família enlutada enviamos os mais sentidos sentimentos,
António Baptista Coelho
Coordenador do Mestrado Integrado em
Arquitectura da Universidade da Beira Interior e Editor da Infohabitar
Apenas a título de um simples testemunho, reedita-se , em
seguida, um texto de 2004 sobre o conjunto de habitações sociais, promovido
pela Câmara Municipal do Porto, no Monte de São João, Paranhos,
Porto, uma obra que é da autoria dos arquitectos Rui
Almeida e Filipe Oliveira Dias, e que foi Prémio do Instituto Nacional
de Habitação de Promoção Municipal em 2004.
Sublinha-se que a verdadeira leitura deste texto de análise
só ficará completa com a visita a este conjunto de realojamento, visita esta
que vivamente se recomenda, no entanto o texto incide seja sobre vários
aspectos da desejável “fusão” entre a qualidade arquitectónica e a qualidade
residencial, seja sobre os modos que podem e devem ser seguidos para um melhor
conhecimento das obras arquitectónicas e residenciais, seja também sobre outros
importantes aspectos do próprio desenho da arquitectura urbana.
Em todas estas matérias Filipe Oliveira Dias trabalhou
intensa e originalmente, e por isso estas palavras e estas imagens são aqui, de
seguida, re-editadas, com o devido respeito.
Fazer cidade com habitação
Depoimento de António Baptista Coelho,
em "DIAS, Filipe Oliveira. 15 Anos de Obra Pública. Porto:
Campo das Letras, 2004"
(pp. 20 e 21).
Felizmente há obras
que vão marcando a pequena história, com cerca de vinte anos, da Habitação a
custos Controlados financiada pelo Instituto Nacional de Habitação, e o
conjunto de 55 fogos, projectado pelos Arquitectos Rui Almeida e Filipe Oliveira Dias, e promovido pela Câmara
Municipal do Porto no Monte de são João, é uma delas.
Fazer um texto sobre
um conjunto com este interesse é sempre arriscado pois, frequentemente, o querer-se dizer
muito, em pouco texto, leva a não se conseguir destacar o que é mais relevante.
Outro problema sempre levantado pela apresentação de uma boa obra de arquitectura,
como é o caso, é que, para ser verdadeiramente "lida" e razoavelmente
compreendida, tem de ser visitada, proporcionando-se tempo e capacidade de
observação para a grande riqueza formal global e ao nivel dos pormenores. Fica,
assim, feito o convite, que se julga importante. Considerando-se o que foi
dito, as palavras que se seguem devem ser tomadas como uma impressão informal
de quem visita uma parte da cidade, passeando com uma calma observadora e com a
vontade de fruir sequências de espaços, quadros visuais estimulantes e aspectos
de pormenor funcionais e atraentes.
Mas, ainda a modos de
comentário, há que dizer que o caminho da verdadeira qualidade arquitectónica
residencial, aquela que, paralelamente ao bom desenho de arquitectura urbana,
satisfaz e alegra os seus habitantes, só é alcançado com o género de mistura qualitativa
que foi atingida no Monte de São João e que liga aspectos funcionais e aspectos
formais, conteúdos e enquadramentos e que, no resultado final surge com aquele sentido de naturalidade que é
exclusivo das boas obras de arquitectura.
Dizendo-se isto,
registo e comento, muito brevemente, em seguida, a opinião que publicamente
exprimi sobre o conjunto residencial do Monte de São João, quando este foi
visitado pelo Júri do Prémio do Instituto Nacional de Habitação.
Considerando o
múltiplo interesse urbano e arquitectónico deste conjunto e o objectivo de
realizar uma síntese qualitativa do mesmo, destaquei na altura, e faço-o em
seguida (respeitando a ordem então usada) dez qualidades distintas ou pares
qualitativos, que julgo caracterizarem o conjunto residencial do Monte de São
João:
1.
evidenciar
a unidade numa base de diversidade;
2.
salientar
a urbanidade e a presença estratégica da natureza;
3.
suscitar
comunidade e domesticidade - levando o sentido colectivo até ao fogo e dando ao
conjunto um carácter global protegido/doméstico;
4.
harmonizar
exterioridade e interioridade, bem como as respectivas transições;
5.
evidenciar
formas gerais e aspectos de pormenor;
6.
suscitar
dignidade e alegria, afinal excelentes condições para a boa qualidade de vida e
para a boa integração urbana;
7.
basear
a solucão em seguências e enquadramentos espaciais e visuais;
8.
aliar
"desenho" e funcionalidade, do nível urbano ao nível domestico;
9.
equilibrar
a fundamental integração com um rico sentido de novidade;
10.
e
harmonizar modéstia formal com criatividade.
Valeria aqui a pena
dizer que tudo isto deveria ser exigido no "fazer cidade com
habitação", pois só assim, com tais objectivos, haverá cidade e habitação
bem qualificadas.
Figg. 03 e 04: o interior do pequeno quarteirão residencial, onde se fundem equipamentos e habitação.
Para rematar a
apreciação deste conjunto residencial, salienta-se a qualidade global do
desenho de arquitectura, num sentido verdadeiro que vai do pormenor do espaço
doméstico ao pormenor do espaço urbano. Provavelmente é este sentido global ou
bastante completo de obra arquitectónica que tantas vezes faz falta nos espaços
habitados das nossas cidades.
Fig. 05: a caminho da
habitação, um percurso igualmente humanizado.
Salienta-se também e
bem a propósito desta última referência à cidade habitada que estamos aqui em
presença de uma solução urbana expressivamente convivia!, na sua vizinhança de
proximidade, e muito bem integrada na cidade; condições bem ligadas entre si, pois
convívio vicinal e vida citadina são faces da mesma moeda.
E nestes aspectos
vitais é fundamental sublinhar a pequena dimensão física e social deste
conjunto, com cerca de 50 fogos, que lhe proporciona um máximo de capacidade de
positiva "absorção" no tecido urbano preexistente.
Outro aspecto
significativo é a mistura de soluções diversificadas e "bem criadas".
Não há aqui apenas um repetir de soluções, há sim cuidadosas misturas de
conteúdos funcionais, seja entre equipamentos e habitação, mutuamente
vitalizados, seja entre tipologias de acesso aos fogos (escadas e pequenas
galerias exteriores).
E esta mistura não é naturalmente casual, as galerias
estão nos sítios mais adequados em termos de uma equilibrada vitalização do
convívio de vizinhança e são atraentemente evidenciadas, mas não de uma forma
excessiva; os equipamentos ligam-se à continuidade urbana que marca
"faces" da.envolvente; e o estacionamento comum tem acesso no local
mais favorável e aproveita ao máximo a luz natural proveniente do grande
terraço pedonal e de lazer que cobre e preenche o miolo da vizinhança.
Fig. 06: pormenor das
excelentes e diversificadas soluções habitacionais; bem atravessadas pela luz natural.
Ao nível dos fogos
também muito se pode dizer, começando por salientar tratar-se de um, agregado
de muito estimulantes soluções domésticas, extremamente bem pormenorizadas nas
suas diversas zonas, mas não perdendo unidade.
Mas, acima de tudo, destaca-se,
no interior das habitações, o próprio espírito doméstico que caracteriza estas
"casas". Relações espaciais estimulantes, sequências atraentes, vãos
bem marcados e tratados, uma boa capacidade funcional geral e de arrumação em
particular e uma escala geral muito humanizada, parecem levar as áreas
controladas dos fogos a adquirir um carácter de acolhimento e envolvência.
Um último aspecto que se destaca é a grande
unidade desta obra, constituída por uma constelação de pormenores, que vive
destes pormenores, mas não perde unidade nem carácter. Antes os ganha e os
revela, sequencialmente, ao longo de uma fundamental e compassada visita.
Neste conjunto
residencial do Monte de São João houve sabedoria para transformar um sítio
difícil, junto a uma via rápida, num sítio residencialmente desejável e que
comunica alegria de vida e de habitar, contida diversidade formal e clara
ligação à natureza - o que se considera fundamental nos novos e potencialmente
melhorados meios urbanos -, mas não abdicando de um sentido geral sóbrio e
digno.
Aqui se recupera e muito bem a solução de galeria exterior e dela se
retira partido plástico. Aqui há, do exterior da vizinhança ao interior
doméstico, um grande carinho pela pormenorização de espaços e das ligações
entre espaços. Aqui não se deixa nada por tratar em toda a volta, marcando-se
"miolo e casca" e pormenorizando-se ligações e enquadramentos
visuais.
Regista-se,
em seguida, o programa global deste conjunto do Monte de São João, que se
integra no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER), um programa de
habitação de interesse social para pessoas com recursos financeiros muito
reduzidos e que habitavam barracas ou espaços habitacionais com más condições
de habitabilidade: 25 fogos T3 (3 quartos de dormir), 30 fogos T2 (2 quartos de dormir), 3 estabelecimentos comerciais, 1
garagem coberta, 1 espaço de associação de moradores, 1 espaço para
administração do condomínio e 1 espaço de Actividades de Tempos Livres (ATL);
isto para além de um espaço de vizinhança expressivamente convivial, que ocupa
o miolo do conjunto.
E é bem interessante salientar a sobriedade, escala humana de vizinhança e variedade funcional deste programa, aplicado num conjunto de habitação de interesse social que fica, sem dúvida, para a história deste tipo de intervenções em Portugal e na lusofonia.
Nota final: a todos
os interessados por excelentes realizações arquitectónicas e urbanas,
recomenda-se a consulta do livro:
DIAS, Filipe
Oliveira. 15 Anos de Obra Pública.
Porto: Campo das Letras, 2004.
Notas editoriais:
· (i) Embora
a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo
corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada
por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos
artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais
dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da
exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
· (ii) De
acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível
técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma
quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou
que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na
Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição
dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se
circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é
pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser
de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado
tal e qual foi recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 505
Sobre Filipe
Oliveira Dias, algumas palavras
Editor: António Baptista Coelho – abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar
(GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais
Norte.
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