domingo, outubro 19, 2014

505 - Sobre Filipe Oliveira Dias, algumas palavras - Infohabitar 505

Infohabitar, Ano X, n.º 505


Nota prévia: em primeiro lugar e com o devido destaque, regista-se que a obra de Arquitectura residencial e urbana que é comentada no texto apresentado nesta edição da Infohabitar, o P.E.R. Monte de São João, foi promovida pela Câmara Municipal do Porto e projectada e acompanhada entre 1996 e 2004, pelo atelier Filipe Oliveira Dias, com projecto dos Arquitectos Rui Almeida e Filipe Oliveira Dias; este conjunto de habitação de interesse social foi 1.º Prémio em Concurso Público de Concepção e Prémio do Instituto Nacional de Habitação de Promoção Municipal em 2004 - Prémio INH 2004 - Promoção Municipal.



É sempre com uma grande tristeza que se regista o falecimento de alguém com quem se teve o prazer e a honra de conviver em diversas ocasiões ao longo dos anos.

Este texto é editado na sequência do falecimento do colega arquitecto Filipe Oliveira Dias, um grande projectista e Arquitecto que deixa uma muito estimulante e rica obra seja nas áreas dos cine-teatros, seja em outros bem diversos temas, como os da habitação e da "obra pública".

Do Filipe Oliveira Dias muito se esperava ainda, e muito há a visitar com o respeito e com a alegria de se conhecerem obras em que atingiu uma excelente integração entre as mais diversas preocupações humanas, sociais, técnicas e artísticas - como, por exemplo, a belíssima relação entre arquitectura e pintura que desenvolveu nos cine-teatros que projectou e a excelente combinação de qualidades residenciais, urbanas e arquitectónicas atingidas no conjunto de realojamento do Monte de São João, que, em seguida, se apresenta de forma breve.

Fica a memória, para sempre, bem viva, de um excelente e intenso percurso profissional.

À família enlutada enviamos os mais sentidos sentimentos,


António Baptista Coelho
Coordenador do Mestrado Integrado em Arquitectura da Universidade da Beira Interior e Editor da Infohabitar



Apenas a título de um simples testemunho, reedita-se , em seguida, um texto de 2004 sobre o conjunto de habitações sociais, promovido pela Câmara Municipal do Porto, no Monte de São João, Paranhos, Porto, uma obra que é da autoria dos arquitectos  Rui Almeida e Filipe Oliveira Dias, e que foi Prémio do Instituto Nacional de Habitação de Promoção Municipal em 2004.

Sublinha-se que a verdadeira leitura deste texto de análise só ficará completa com a visita a este conjunto de realojamento, visita esta que vivamente se recomenda, no entanto o texto incide seja sobre vários aspectos da desejável “fusão” entre a qualidade arquitectónica e a qualidade residencial, seja sobre os modos que podem e devem ser seguidos para um melhor conhecimento das obras arquitectónicas e residenciais, seja também sobre outros importantes aspectos do próprio desenho da arquitectura urbana.

Em todas estas matérias Filipe Oliveira Dias trabalhou intensa e originalmente, e por isso estas palavras e estas imagens são aqui, de seguida, re-editadas, com o devido respeito.


Fazer cidade com habitação
Depoimento de  António Baptista Coelho,
em "DIAS, Filipe Oliveira. 15 Anos de Obra Pública. Porto: Campo das Letras, 2004"
(pp. 20 e 21).

Felizmente há obras que vão marcando a pequena história, com cerca de vinte anos, da Habitação a custos Controlados financiada pelo Instituto Nacional de Habitação, e o conjunto de 55 fogos, projectado pelos Arquitectos Rui Almeida e Filipe  Oliveira Dias, e promovido pela Câmara Municipal do Porto no Monte de são João, é uma delas.


Fazer um texto sobre um conjunto com este interesse é sempre arriscado  pois, frequentemente, o querer-se dizer muito, em pouco texto, leva a não se conseguir destacar o que é mais relevante. Outro problema sempre levantado pela apresentação de uma boa obra de arquitectura, como é o caso, é que, para ser verdadeiramente "lida" e razoavelmente compreendida, tem de ser visitada, proporcionando-se tempo e capacidade de observação para a grande riqueza formal global e ao nivel dos pormenores. Fica, assim, feito o convite, que se julga importante. Considerando-se o que foi dito, as palavras que se seguem devem ser tomadas como uma impressão informal de quem visita uma parte da cidade, passeando com uma calma observadora e com a vontade de fruir sequências de espaços, quadros visuais estimulantes e aspectos de pormenor funcionais e atraentes.
Fig.01: vista geral.
Mas, ainda a modos de comentário, há que dizer que o caminho da verdadeira qualidade arquitectónica residencial, aquela que, paralelamente ao bom desenho de arquitectura urbana, satisfaz e alegra os seus habitantes, só é alcançado com o género de mistura qualitativa que foi atingida no Monte de São João e que liga aspectos funcionais e aspectos formais, conteúdos e enquadramentos e que, no resultado final surge  com aquele sentido de naturalidade que é exclusivo das boas obras de arquitectura.
Dizendo-se isto, registo e comento, muito brevemente, em seguida, a opinião que publicamente exprimi sobre o conjunto residencial do Monte de São João, quando este foi visitado pelo Júri do Prémio do Instituto Nacional de Habitação.
Fig. 02: pormenor do exterior do humanizado quarteirão.

Considerando o múltiplo interesse urbano e arquitectónico deste conjunto e o objectivo de realizar uma síntese qualitativa do mesmo, destaquei na altura, e faço-o em seguida (respeitando a ordem então usada) dez qualidades distintas ou pares qualitativos, que julgo caracterizarem o conjunto residencial do Monte de São João:

1.    evidenciar a unidade numa base de diversidade;
2.    salientar a urbanidade e a presença estratégica da natureza;
3.    suscitar comunidade e domesticidade - levando o sentido colectivo até ao fogo e dando ao conjunto um carácter global protegido/doméstico;
4.    harmonizar exterioridade e interioridade, bem como as respectivas transições;
5.    evidenciar formas gerais e aspectos de pormenor;
6.    suscitar dignidade e alegria, afinal excelentes condições para a boa qualidade de vida e para a boa integração urbana;
7.    basear a solucão em seguências e enquadramentos espaciais e visuais;
8.    aliar "desenho" e funcionalidade, do nível urbano ao nível domestico;
9.    equilibrar a fundamental integração com um rico sentido de novidade;
10. e harmonizar modéstia formal com criatividade.
Valeria aqui a pena dizer que tudo isto deveria ser exigido no "fazer cidade com habitação", pois só assim, com tais objectivos, haverá cidade e habitação bem qualificadas.



Figg. 03 e 04: o interior do pequeno quarteirão residencial, onde se fundem equipamentos e habitação.

Para rematar a apreciação deste conjunto residencial, salienta-se a qualidade global do desenho de arquitectura, num sentido verdadeiro que vai do pormenor do espaço doméstico ao pormenor do espaço urbano. Provavelmente é este sentido global ou bastante completo de obra arquitectónica que tantas vezes faz falta nos espaços habitados das nossas cidades.

Fig. 05: a caminho da habitação, um percurso igualmente humanizado.

Salienta-se também e bem a propósito desta última referência à cidade habitada que estamos aqui em presença de uma solução urbana expressivamente convivia!, na sua vizinhança de proximidade, e muito bem integrada na cidade; condições bem ligadas entre si, pois convívio vicinal e vida citadina são faces da mesma moeda.
E nestes aspectos vitais é fundamental sublinhar a pequena dimensão física e social deste conjunto, com cerca de 50 fogos, que lhe proporciona um máximo de capacidade de positiva "absorção" no tecido urbano preexistente.

Outro aspecto significativo é a mistura de soluções diversificadas e "bem criadas". Não há aqui apenas um repetir de soluções, há sim cuidadosas misturas de conteúdos funcionais, seja entre equipamentos e habitação, mutuamente vitalizados, seja entre tipologias de acesso aos fogos (escadas e pequenas galerias exteriores).
E esta mistura não é naturalmente casual, as galerias estão nos sítios mais adequados em termos de uma equilibrada vitalização do convívio de vizinhança e são atraentemente evidenciadas, mas não de uma forma excessiva; os equipamentos ligam-se à continuidade urbana que marca "faces" da.envolvente; e o estacionamento comum tem acesso no local mais favorável e aproveita ao máximo a luz natural proveniente do grande terraço pedonal e de lazer que cobre e preenche o miolo da vizinhança.






Fig. 06: pormenor das excelentes e diversificadas soluções habitacionais; bem atravessadas pela luz natural.

Ao nível dos fogos também muito se pode dizer, começando por salientar tratar-se de um, agregado de muito estimulantes soluções domésticas, extremamente bem pormenorizadas nas suas diversas zonas, mas não perdendo unidade.
Mas, acima de tudo, destaca-se, no interior das habitações, o próprio espírito doméstico que caracteriza estas "casas". Relações espaciais estimulantes, sequências atraentes, vãos bem marcados e tratados, uma boa capacidade funcional geral e de arrumação em particular e uma escala geral muito humanizada, parecem levar as áreas controladas dos fogos a adquirir um carácter de acolhimento e envolvência.

Um último aspecto que se destaca é a grande unidade desta obra, constituída por uma constelação de pormenores, que vive destes pormenores, mas não perde unidade nem carácter. Antes os ganha e os revela, sequencialmente, ao longo de uma fundamental e compassada visita.
Neste conjunto residencial do Monte de São João houve sabedoria para transformar um sítio difícil, junto a uma via rápida, num sítio residencialmente desejável e que comunica alegria de vida e de habitar, contida diversidade formal e clara ligação à natureza - o que se considera fundamental nos novos e potencialmente melhorados meios urbanos -, mas não abdicando de um sentido geral sóbrio e digno.
Aqui se recupera e muito bem a solução de galeria exterior e dela se retira partido plástico. Aqui há, do exterior da vizinhança ao interior doméstico, um grande carinho pela pormenorização de espaços e das ligações entre espaços. Aqui não se deixa nada por tratar em toda a volta, marcando-se "miolo e casca" e pormenorizando-se ligações e enquadramentos visuais.

Regista-se, em seguida, o programa global deste conjunto do Monte de São João, que se integra no âmbito do Programa Especial de Realojamento (PER), um programa de habitação de interesse social para pessoas com recursos financeiros muito reduzidos e que habitavam barracas ou espaços habitacionais com más condições de habitabilidade: 25 fogos T3 (3 quartos de dormir), 30 fogos T2 (2 quartos de dormir), 3 estabelecimentos comerciais, 1 garagem coberta, 1 espaço de associação de moradores, 1 espaço para administração do condomínio e 1 espaço de Actividades de Tempos Livres (ATL); isto para além de um espaço de vizinhança expressivamente convivial, que ocupa o miolo do conjunto.
E é bem interessante salientar a sobriedade, escala humana de vizinhança e variedade funcional deste programa, aplicado num conjunto de habitação de interesse social que fica, sem dúvida, para a história deste tipo de intervenções em Portugal e na lusofonia.

Nota final: a todos os interessados por excelentes realizações arquitectónicas e urbanas, recomenda-se a consulta do livro:
DIAS, Filipe Oliveira. 15 Anos de Obra Pública. Porto: Campo das Letras, 2004.

Notas editoriais:
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INFOHABITAR Ano X, nº 505
Sobre Filipe Oliveira Dias, algumas palavras
Editor: António Baptista Coelho – abc.infohabitar@gmail.com
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte.

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