domingo, junho 01, 2014

486 - O Silêncio e a Arquitetura : da socialização às ruínas - Infohabitar 486

Infohabitar, Ano X, n.º 486
Nota inicial:
O artigo que se edita esta semana corresponde a parte da intervenção do autor no Ciclo de Conferências :  “Silêncio”, realizado em conjugação com a exposição de fotografia e de pintura de Alves Tê e Caterina Ponti, patente no Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã, sobre a temática "O Silêncio das Máquinas", de 8 de maio a 29 de junho.
Este Ciclo de Conferências foi organizado pelo Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura (DECA) da  Universidade da Beira Interior, nos dias 13 e 20 de maio de 2014, na sala de conferências do Museu de Lanifícios da UBI.
Organização: Prof. Ana Martins, Prof.Moreira Pinto, Prof.Susana Santos
Rua Marquês d'Ávila e Bolama, 6201-001 Covilhã, PORTUGAL
Dia 13 maio
14h30 | Arqto. Bernardo Carvalho
15h00 | Arqta. Inês Campos
15h30 | Prof. Graça Esgalhado
16h00 | Arqto. Carlos Ganhão
16h30 | Prof. Ana Paula Rainha
17h00 | Prof. Jaceck Krenz
Dia 20 maio 
14h30 | Prof. António Baptista Coelho
15h15 | Prof. Ana Martins e Prof. Antónia Conde
16h00 | Prof. Moreira Pinto
16h45 | Prof. Susana Santos

O silêncio e a Arquitetura : o silêncio como quadro de de intimidade e socialização, matéria da arquitetura, "assunto" das ruínas  

António Baptista Coelho

(nota: no artigo 485 da Infohabitar está editada a primeira parte desta palestra)            


O silêncio como veículo de intimidade e de urbanidade

            Falou-se, um pouco, do enquadramento do silêncio como matéria da própria conceção arquitetónica básica e, em seguida, do mesmo silêncio como qualidade natural, ou da natureza, associada a múltiplos aspetos do conforto, e por sua vez matéria da referida conceção arquitetónica; e assim até parece que não nos conseguimos dele libertar; mas há ainda e naturalmente outras perspetivas a considerar no silêncio como quadro base de arquiteturas e pano de fundo do habitat humano, e nestas uma há cuja importância é basilar e que se refere ao silêncio como veículo de intimidade e de urbanidade.
            Nesta matéria é extremamente interessante, por um lado, encarar a possibilidade de viver o espaço doméstico com relativa autonomia em termos de vivência acústica, não prejudicando vizinhos e familiares com os nossos ruídos e músicas e não sendo muito prejudicados por eles pelas mesma razões, e diz-se relativamente, mas poderia dizer-se absolutamente, em termos de determinados espaços onde possa ser realmente possível ouvir música alto ou trabalhar sem limitações de ruído pela noite fora; e engana-se quem acha ser de pouca importância o fator do silêncio no quadro mais amplo da essencial privacidade doméstica e entre vizinhos do mesmo edifício ou de edifícios próximos; e está, por exemplo, provado que a falta de silêncio, que também se pode dizer falta de isolamento e conforto acústico, é aspeto que produz problemas graves e/ou frequentes entre vizinhos e habitantes das mesmas unidades de uso (por exeplo, habitações e escritórios) e dos mesmos edifícios, podendo chegar a más influências na respetiva saúde física e psíquica, e indiretamente no bem-estar social dos respetivos edifícios e vizinhanças.
            Ainda nesta matéria da associação entre silêncio, intimidade e urbanidade, é, por outro lado, necessário referir que ao nível do espaço urbano também a quietude e o sossego são sinónimos de bem-estar, de protecção, de uma certa intimidade e apropriação positiva das vizinhanças que habitamos, e se referem ao desenvolvimento de espaços urbanos que articulam zonas animadas e relativamente ruidos, com recintos urbanos estrategicamente localizados e marcados pelo sossego e pela acalmia do tráfego, recintos estes frequentemente caraterizados por uma expressiva componente verde e natural, ainda que muito urbana, e que entre outros aspetos nos proporciona viver mais intensa e prolongadamente o exterior à porta de casa, de certa forma prolongando usos domésticos sobre partes desse exterior e permitindo que esse exterior calmo e envolvente, e mesmo esse silêncio que, de certa forma, "se ouve",  preencha as janelas das nossas habitações e nos entre agradavelmente casa dentro.
            Falou-se, assim, um pouco do silêncio como fator de projeto de arquitectura, algo óbvio mas raramente lembrado; depois do silêncio natural ou da natureza como elemento com importância própria e associada ao projeto de arquitetura; e, finalmente, do silêncio como veículo de intimidade e de urbanidade




Fig. 01

Sobre o silêncio como verdadeira matéria ou motivo da Arquitectura           

            Falta falar de muita coisa, nesta temática do silêncio como base de preparação e de vital experimentação do espaço que se projecta e que, depois, se quer vivo, falta sempre falar de muita coisa, quando começamos a aprofundar estas matérias da conceção arquitectónica, e, designadamente, falta falar do silêncio como verdadeira matéria ou motivo da Arquitectura, sem derivações, sem relações indirectas, pois parece haver obras que capturam um positivo silêncio local, ou que criam um positivo quadro local de acalmia e de sossego, quadro que propicia a contemplação e a reflexão sobre essas obras e as suas paisagens pormenorizadas ou amplas de integração e enquadramento.
            Ou será que tal condição, de certa forma, geradora de um sossego local, de uma certa acalmia local, grande aliada da boa caraterização de cada obra e de cada local é caraterística própria de toda a boa arquitectura?
            Questões bem estimulantes, que talvez tenham sido, ou venham a ser, aqui tratadas e que espero poder aprofundar  em outras oportunidades.


Fig. 02: Casa Pacheco de Melo, Arq.º Pedro Maurício Borges, Canada dos Barões, S. Miguel.

Sobre o silêncio das ruínas

            No entanto não poderia terminar esta reflexão sobre arquitetura e silêncio, sem falar, ainda que apenas um pouco, e mais como apontamento final, do silêncio das ruínas, um silêncio palpável, que todos sentimos; e de certa forma será como falar do silêncio libertado pelas ruínas de edifícios e construções quando estes iniciam o seu retorno ao caos natural originário.
            Lembrando a sequência de reflexão aqui feita será como imaginarmos que o silêncio, que usámos como meio integrador e caracterizador de uma da obra, e um pouco como ponte de ligação à sua envolvente natural e urbana, é devolvido ao quadro prévio local e natural.  
            Sobre esta matéria, parece que as ruínas cabam por resgatar o silêncio, de que tínhamos, nós, embebido algumas construções e espaços, devolvendo-o à natureza, associando o silêncio das construções abandonadas ao silêncio do meio natural.
            Evidentemente que a nostalgia e até a cenografia são também importantes aspetos nesta sensibilidade que todos temos para com as ruínas, por vezes até simuladas estrategicamente em jardins, mas por alguma razão até assim acontece e realmente as ruínas são verdadeiramente silenciosas; uma matéria interessante e estimulante, mas que tem contornos bem negativos quando as ruínas se referem a espaços urbanos abandonados e sem vida.
Fig. 03
           

            O silêncio na Arquitetura

            E assim se conclui uma pequena viagem iniciada pela reflexão sobre o silêncio como base de preparação da obra de arquitectura, continuada por apontamentos das relações entre silêncio e meio natural e entre sossego, intimidade e urbanidade; considerou-se, depois, o papel do silêncio como matéria ou motivo da Arquitectura e, finalmente, apontaram-se as ruínas como quadros privilegiados de um silêncio arquitectónico fortemente caraterizado.
            Tentou-se, assim abordar, tal como era sugerido, o mundo emotivo do silêncio, em alguns dos seus aspetos, salientando-se a importância da interiorização e da reflexão sobre estas verdadeiras bases de reflexão sobre uma arquitectura que está muito para além das simples cascas visuais mudas e sem carácter.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi recebido na edição.


INFOHABITAR Ano X, nº 486
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Universidade da Beira Interior (UBI), Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura (DECA) 
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
O silêncio como quadro de socialização e matéria da arquitetura
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

Sem comentários :