Infohabitar, Ano X, n.º
484
(Nota prévia: lembram-se os leitores que a Infohabitar ultrapassou, há poucas semanas, a barreira do meio milhão de consultas/Page views)
Algumas reflexões gerais sobre a adaptabilidade doméstica (1)
Artigo LI da
Série habitar e viver melhor
António Baptista Coelho
O desejo de
possuir uma habitação que possa ir evoluindo consoante as necessidades, os
desejos e os recursos familiares, tanto no interior como no exterior privado leva
à opção por uma moradia, ou por um piso térreo espaçoso e com quintal privado;
desde que nesse quintal seja permitido o desenvolvimento de anexos e outras
melhorias (exº, vedações), mas, sempre, segundo projectos-tipo, de modo a que
se garanta a qualidade local da imagem urbana e paisagística.
A adaptabilidade da habitação, ao longo dos anos
A
adaptabilidade da habitação, ao longo dos anos, ao crescimento e decrescimento
de uma família corrente está, habitualmente, associada à respectiva sequência
de zonas funcionais domésticas predominantes:
·
primeiro
mais zonas de estar e menos quartos;
·
depois
mais quartos;
·
e
em seguida, novamente, mais zonas de estar e trabalho.
Esta
"predisposição" da habitação para a adaptabilidade doméstica depende,
geralmente, da existência de condições iniciais de espaciosidade geral e de
compartimentos suplementares (no mínimo, mais um compartimento "de
reserva"); e, por outro lado, tais condições proporcionam uma grande
liberdade na ocupação e no variado uso dos mesmos espaços domésticos.
Mas a
adaptabilidade no fogo também "se joga" de um modo
"estático", nomeadamente, através de uma organização geral bastante
uniforme que estruture a circulação doméstica em idênticas condições de acesso
a compartimentos idênticos (sem grandes
diferenças de áreas, tipos de aberturas interiores e exteriores e
relacionamentos com as restantes partes da casa).
Fig. 01: Fonte,
RABENECK, A.; SHEPPARD, D..; TOWN, P. -
Housing, flexibility-adaptability. Architectural Design, n.º 2, Londres, 1974.
Diversos tipos de quartos
A opção
entre o desenvolvimento exclusivo de quartos tradicionais e de uma única e
também tradicional sala-comum ou, pelo contrário, a criação de compartimentos
multifuncionais para fins especiais (a serem definidos pelos habitantes) e de
uma segunda zona de estar (saleta), é uma decisão que tem a ver com os dois
seguintes aspectos:
·
A
solução de habitação caracterizada por quartos tradicionais e uma única e
também tradicional sala-comum implica que a zona de estar seja espaçosa,
agradável e bem separada de uma zona de quartos (zona íntima), onde se concentram
todos os quartos da casa e onde pontifica um quarto principal (bem servido por
uma casa de banho).
·
A
solução de habitação caracterizada pela existência de quartos para fins
especiais pode aceitar uma sala de estar que não seja especialmente espaçosa, desde
que se caracterize por compartimentos com dimensões, ambientes (tipos de
janelas e acabamentos) e posições na casa (fora ou dentro da zona de quartos e
mais ou menos acessíveis a partir da porta de entrada) verdadeiramente
adequados para o fim ou fins em vista: "casa de jantar"; "sala
de família"; escritório ou biblioteca; saleta para recreio e trabalho de
crianças e jovens; saleta de visitas; saleta para passa-tempos; quarto de
serviço; quarto de visitas (o dormir eventual de visitas pode ser considerado
num dos quartos atrás referidos).
A existência
de uma "sala de família" multifuncional e espaçosa, integrando a
preparação de refeições, as refeições correntes e os trabalhos e lazeres
domésticos e familiares é uma opção fundamental para esta última solução de
fogo, tanto por razões práticas de atribuição de uma zona com área
significativa e bem situada para esta função, como porque é condição básica de
libertação do espaço de estar, mais formal, para actividades mais
especializadas e, consequentemente, mais exigentes em termos de conforto
ambiental, embora contentando-se, frequentemente, com condições de
espaciosidade relativamente "económicas" (exº, leitura, audição de
música, convívio restrito, etc.).
Sobre
a importância, hoje em dia crucial, da adaptabilidade das soluções domésticas
(uma qualidade bem distinta de situações funcionalmente "rígidas") e,
portanto, expressiva e facilmente adaptáveis, anotam-se aqui apenas alguns
aspectos essenciais tendo em vista, por um lado, o objectivo de uma respectiva
e aproximada tipificação e, por outro, salientar a importância real de se
desenvolverem habitações adequadas a diversos tipos de agregados familiares,
modos de vida e uso e apropriação domésticos, combatendo-se "layouts"
e configurações pormenorizadas com características funcionais e ambientais
"rígidas" (pouco adaptáveis e versáteis).
Adaptabilidade passiva ou activa
De
uma forma geral pode-se tipificar uma adaptabilidade doméstica passiva e uma
outra adaptabilidade activa, caracterizando-se cada uma delas, respectivamente,
pelos aspectos referidos em seguida:
·
Adaptabilidade "passiva" por
organização geral da habitação e do dimensionamento físico dos respectivos
compartimentos proporcionando-lhes, por um lado, (i) variadas atribuições
funcionais e, por outro, (ii) clara versatilidade de ocupação por diversos
tipos e disposições específicas de elementos de mobiliário; naturalmente os
aspectos referidos em (i) e (ii) terão uma maior eficácia quando bem
conjugados, mas podem ser considerados isoladamente.
·
Adaptabilidade "activa" por compartimentação
da habitação potencial e fisicamente adaptável, por potenciais fusões e
subdivisões de compartimentos em grande parte do fogo ou em algumas das suas
zonas específicas (ex., sala + quarto polivalente ou "salão"); esta
possibilidade poderá ter "versões" relativamente correntes (possibilitadas
por uma estrutura resistente relativamente "independente" dos
habituais elementos de alvenaria de tijolo que garantem a compartimentação do
fogo), relativamente inovadoras (uso de tabiques "ligeiros" préfabricados
e relativamente fáceis de montar/desmontar) e mesmo participadas (ex.,
habitantes colaborando no "desenho" da organização e no
dimensionamento interior do seu fogo).
Fig.
02: Adaptabilidade passiva numa grande sala multifuncional.
Habitações ligadas ou desligadas do solo exterior
A
relação com o solo exterior público e ou privado é essencial nesta tipificação,
porque se refere a importantes aspectos de acessibilidade funcional e
representativa, adequação à família e ao modo de vida familiar, relacionados
com o estímulo de uma forte identificação com o fogo de cada um e com a sua
equilibrada mas assinalável apropriação.
Dentro
do objectivo da tipificação da relação com o solo exterior poderemos considerar
diversas situações domésticas:
·
sem ligações directas ao espaço público e a um
quintal/pátio privativo;
·
com ligação directa ao espaço público;
·
com ligação directa a um quintal/pátio
privativo;
·
com ligações directas ao espaço público e a um
quintal/pátio privativo.
Refere-se
que as ligações directas poderão realizar-se através de escada, condição que,
embora problemática para os condicionados na mobilidade, terá a importante
virtualidade da "duplicação" genérica do número de fogos com esta
interessante possibilidade ("porta para a rua" e/ou acesso a
quintal/pátio privativo).
Notas:
(1) O texto
que integra este artigo foi inicialmente realizado, pelo autor, para o estudo “Guia do comprador de habitação”,
editado pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor em 1991; naturalmente,
na sequência da respectiva edição foram introduzidas diversas alterações à
versão inicial.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(i) Embora a edição dos artigos editados na Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico e científico, as opiniões expressas nos artigos e comentários apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores desses artigos e comentários, sendo portanto da exclusiva responsabilidade dos mesmos autores.
(ii) De acordo com o mesmo
sentido, de se tentar assegurar o referido e adequado nível técnico e
científico da Infohabitar e tendo em conta a ocorrência de uma quantidade muito
significativa de comentários "automatizados" e/ou que nada têm a ver
com a tipologia global dos conteúdos temáticos tratados na Infohabitar e pelo
GHabitar, a respetiva edição da revista condiciona a edição dos comentários à
respetiva moderação, pelos editores; uma moderação que se circunscreve, apenas
e exclusivamente, à verificação de que o comentário é pertinente no sentido do
teor editorial da revista; naturalmente , podendo ser de teor positivo ou
negativo em termos de eventuais críticas, e sendo editado tal e qual foi
recebido na edição.
INFOHABITAR Ano X, nº 484
Editor: António Baptista Coelho - abc@lnec.pt
GHabitar (GH) Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional
Universidade da Beira Interior (UBI), Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura (DECA)
Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT)
Algumas reflexões gerais sobre a
adaptabilidade doméstica
Edição: José Baptista Coelho - Lisboa, Encarnação -
Olivais Norte.
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