segunda-feira, julho 08, 2013

447 - Percurso, vivência e identidade nos edifícios multifamiliares- Infohabitar 447


Infohabitar, Ano IX, n.º 447
Artigo XXXIV da Série habitar e viver melhor

Leque de Espaços e elementos de percurso, vivência e identidade nos edifícios multifamiliares
António Baptista Coelho
A ideia, agora, é falar, um pouco, daqueles sítios e daqueles elementos de edifícios ou de expressivos agregados de habitações, ou, até, de habitações e de espaços  urbanos singulares e pormenorizados – e aqui já se subentende uma consideração diferenciada que nos poderá e devrá levar longe –, que podem (e devem) ser verdadeiros protagonistas em termos de: (i) expressão dos diversos espaços domésticos; (ii) marcação de relações bem caraterizadas entre zonas mais públicas e mais privadas, tendo em conta, designadamente, a evidenciação de aspetos de identidade e de apropriação natural e equilibrada seja do contexto de vizinhança específico, seja da presença do edifício/agregado de fogos, seja do caráter dos eventuais espaços comuns e/ou individuais/individualizados de entrada; e (iii) mesmo em termos de caracterização de soluções de habitação que aproveitem e explorem, ao máximo, uma aliança activa entre o enorme potencial de riqueza e diversidade de pormenorização urbana e os elementos responsáveis por uma caracterização residencial marcada, quer por um sentido doméstico amplo, quer pela identidade de cada habitação.
E nestas matérias, que acabaram, aqui, de ser apenas sinteticamente referidas, há todo um manancial de valorização dos respetivos espaços urbanos de vizinhança e de relacionamento citadino e paisagístico, que convirá abordar em textos específicos e ilustrados, pois desta ilustração decorrerá boa parte da capacidade de exemplicação de tais matérias; matérias estas que, repete-se, não fazem mais do que reforçar a ideia de que as baias tipológicas impostas e, por vezes, auto-impostas, não têm realmente qualquer sentido “básico”, em termos de estruturação dos edifícios habitacionais, sendo que, hoje em dia, com a expressiva diversificação de modos, necessidades e desejos de vida, a que se assiste, tais “modelos únicos” tipológicos são ainda mais anacrónicos.
Voltando ao tema deste título/item, que se refere a “um leque de pequenos espaços e elementos de percurso, vivência e identidade” integrados e integradores de edifícios ou de “complexos” ou agregados de habitações, importa sublinhar que há, realmente, alguns elementos urbanos, como as entradas, as escadas, as passagens, as janelas próximas do nível da rua, os muros, as floreiras e outros elementos de pormenor, que podem caracterizar, muito positivamente, as vizinhanças urbanas, tanto com um interessante cunho individual, como com um estimulante carácter orgânico e diversificado (nada monótono), quer, ainda, criando imagens locais de ruas, pracetas e outros espaços de vizinhança local, agradavelmente marcados por uma mistura de um sentido urbano e residencial “único”.

Fig. 01
E,  naturalmente, já bem integrados no edifício ou no “complexo” ou agregado de habitações há todo um conjunto de espaços “elementares”, que cumprem determinadas atribuições funcionais na estruturação e na “vida” desse edifício ou agregado de fogos, e que, simultaneamente,  podem e devem também participar nessa caracterização da respetiva vizinhança urbana, bem como na identidade e sentido urbano e residencial “único” que pode e deve ser marcado por esse edifício ou agregado de habitações.
E mesmo certos espaços e elementos privados e domésticos podem e devem também participar na caracterização dessa específica vizinhança urbana, bem como na identidade e sentido urbano e residencial “único” do respetivo edifício ou agregado de fogos.
Naturalmente que tudo isto muito complexifica a concepção de um edifício ou complexo muitifamiliar, aproximando-o, talvez e de certa maneira, da muito rica dimensão criativa que caracteriza o projeto de edifícios unifamiliares; uma perspetiva que se julga relativamente inovadora e que será interessante explorar em futuros textos.
E podemos talvez concluir que serão de certa forma todos estes espaços e elementos os verdadeiros autores da tipologia urbana e habitacional que aqui se aponta, sendo que talvez ao contrário do que poderá acontecer, frequentemente, com o unifamiliar, que acaba por respirar e se caraterizar, frequentemente, em diálogo com a paisagem natural, o multifamiliar tipologicamente adequado ganhará boa parte do seu caráter e da sua identidade tipológica da relação ou relações estabelecidas com a respetiva paisagem urbana: «fazendo cidade».
De uma forma não exaustiva serão os seguintes os principais espaços e elementos comuns que, nos edifícios multifamiliares, são os principais responsáveis pelo desenvolvimento de percursos e pelo apoio a um leque flexível de atividades comuns ou não privadas e, naturalmente, pela sua expressiva identidade e sentido de lugar/sítio de habitar e de vivência diária e aprofundada do respetivo espaço urbano (a ordem seguida é razoavelmente aleatória):
  • Entradas comuns
  • Átrios e outros espaços comuns interiores conviviais ou específicos
  • Elevadores
  • Escadas comuns
  • Patins de distribuição para habitações
  • Galerias interiores (corredores)
  • Galerias exteriores
  • Garagens e alpendres de estacionamento comum
  • Elementos “verdes”
  • Aspetos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização
  • Espaços exteriores comuns: (i) com expressiva vista pública; (ii) privatizados
  • Aspectos essenciais de conforto ambiental e de bem-estar nos espaços comuns
  • Entradas privadas ou com sentido privado
  • Espaços edificados privados com expressiva vista pública
  • Espaços exteriores privados com expressiva vista pública
  • Garagens e alpendres de estacionamento privado com expressiva vista pública
  • Outros espaços de atividade
  • Elementos de remate e enquadramento
  • Aspetos de marcação e de pré-marcação das entradas e da proximidade do edifício(agregação de fogos)
  • Equipamentos conviviais integrados
  • ... Outros espaços e elementos


Fig.02
Desde já se salienta haver aspectos fundamentais numa qualificação humana e arquitectónica dos espaços comuns residenciais que não são, infelizmente, considerados na sua vital importância e nestes aspectos assume uma importância fundamental a possibilidade de se ter luz natural pois, afinal, tal como refere o Arq. Ch. Labbé “quando se sai do elevador e há luz natural, pode-se conversar, e favorece-se a convivialidade pela qualidade do espaço que se desenvolve.” (1)
Não foi por acaso que se referiu este aspeto, que tão ligado está a muitos outros aspetos de bom e intenso uso dos espaços e ambientes comuns do habitar; e a luz natural não está sozinha num leque fundamental de qualidades residenciais nesses espaços comuns ainda muito pouco consideradas no projeto e (re)projeto de tais espaços.
Importa, para concluir esta apresentação geral do que se considerou poder-se designar de “leque de pequenos espaços e elementos de percurso, vivência e de identidade nos edifícios” multifamiliares, registar que todos eles terão um dado conjunto de aspetos práticos a facilitar, conjunto este que poderá/deverá ter algum potencial de adaptabilidade, mas terão, igualmente, uma dada presença formal e espacial que, julga-se, não deverá delimitar-se a aspetos funcionais, mas que terá de considerar uma essencial adequação a diversos modos, desejos e gostos habitacionais e microurbanos, sendo que estes serão, em grande parte, desconhecidos de quem concebe tais espaços e elementos; uma matéria que, tal como outras, nos pode e deve levar longe em outros textos.

Fig.03
Finalmente e para concluir esta pequena apresentação geral relativa ao “leque de espaços e elementos de percurso, vivência e identidade nos edifícios” multifamiliares, importa sublinhar que este leque pode ser mínimo, e pode mesmo dizer-se que, por regra, e porque os edifícios multifamiliares podem e devem ser muito aproximados à escala e uso humanos, sendo pequenos nas suas dimensões gerais e reduzidos nos números de habitações agregadas, tais leques espaciais e elementares podem caraterizar-se por expressiva sobriedade e racionalidade, podendo, no limite, marcar, por exemplo, a imagem da porta de entrada e os vãos exteriores da escada de um pequeno prédio com seis habitações em três pisos, ou uma imagem equilibradamente comum de um agregado de habitações com acessos privados - e justifica-se aqui o uso do termo “equilibradamente”, pois neste caso, os habitantes desejam, frequentemente, que haja uma expressão reforçada da identidade de cada habitação e não da referida presença comum.
Em futuros artigos desta série iremos falar com algum pormenor de boa parte destes espaços e elementos, proporcionando-se algumas indicações e alguns exemplos de tais soluções, que se julga serem directamente responsáveis pelo bem-viver em soluções multifamiliares.

Notas:
(1) Monique Eleb, Anne Marie Chatelet, "Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui", 1997, p.85.

Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.


Editor: António Baptista Coelho abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº447
Leque de Espaços e elementos de percurso, vivência e identidade nos edifícios multifamiliares
Edição de José Baptista Coelho
LNEC-Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) e
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte

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