Infohabitar, Ano
IX, n.º 447
Artigo XXXIV da Série habitar e viver melhor
Artigo XXXIV da Série habitar e viver melhor
Leque de Espaços e elementos
de percurso, vivência e identidade nos edifícios multifamiliares
António
Baptista Coelho
A
ideia, agora, é falar, um pouco, daqueles sítios e daqueles elementos de
edifícios ou de expressivos agregados de habitações, ou, até, de habitações e
de espaços urbanos singulares e pormenorizados
– e aqui já se subentende uma consideração diferenciada que nos poderá e devrá
levar longe –, que podem (e devem) ser verdadeiros protagonistas em termos de:
(i) expressão dos diversos espaços domésticos; (ii) marcação de relações bem
caraterizadas entre zonas mais públicas e mais privadas, tendo em conta,
designadamente, a evidenciação de aspetos de identidade e de apropriação
natural e equilibrada seja do contexto de vizinhança específico, seja da
presença do edifício/agregado de fogos, seja do caráter dos eventuais espaços
comuns e/ou individuais/individualizados de entrada; e (iii) mesmo em termos de
caracterização de soluções de habitação que aproveitem e explorem, ao máximo,
uma aliança activa entre o enorme potencial de riqueza e diversidade de
pormenorização urbana e os elementos responsáveis por uma caracterização
residencial marcada, quer por um sentido doméstico amplo, quer pela identidade
de cada habitação.
E
nestas matérias, que acabaram, aqui, de ser apenas sinteticamente referidas, há
todo um manancial de valorização dos respetivos espaços urbanos de vizinhança e
de relacionamento citadino e paisagístico, que convirá abordar em textos
específicos e ilustrados, pois desta ilustração decorrerá boa parte da
capacidade de exemplicação de tais matérias; matérias estas que, repete-se, não
fazem mais do que reforçar a ideia de que as baias tipológicas impostas e, por
vezes, auto-impostas, não têm realmente qualquer sentido “básico”, em termos de
estruturação dos edifícios habitacionais, sendo que, hoje em dia, com a
expressiva diversificação de modos, necessidades e desejos de vida, a que se
assiste, tais “modelos únicos” tipológicos são ainda mais anacrónicos.
Voltando
ao tema deste título/item, que se refere a “um leque de pequenos espaços e
elementos de percurso, vivência e identidade” integrados e integradores de
edifícios ou de “complexos” ou agregados de habitações, importa sublinhar que
há, realmente, alguns elementos urbanos, como as entradas, as escadas, as
passagens, as janelas próximas do nível da rua, os muros, as floreiras e outros
elementos de pormenor, que podem caracterizar, muito positivamente, as
vizinhanças urbanas, tanto com um interessante cunho individual, como com um
estimulante carácter orgânico e diversificado (nada monótono), quer, ainda,
criando imagens locais de ruas, pracetas e outros espaços de vizinhança local,
agradavelmente marcados por uma mistura de um sentido urbano e residencial
“único”.
Fig. 01
E, naturalmente, já bem integrados no edifício
ou no “complexo” ou agregado de habitações há todo um conjunto de espaços
“elementares”, que cumprem determinadas atribuições funcionais na estruturação
e na “vida” desse edifício ou agregado de fogos, e que, simultaneamente, podem e devem também participar nessa caracterização
da respetiva vizinhança urbana, bem como na identidade e sentido urbano e
residencial “único” que pode e deve ser marcado por esse edifício ou agregado
de habitações.
E
mesmo certos espaços e elementos privados e domésticos podem e devem também
participar na caracterização dessa específica vizinhança urbana, bem como na
identidade e sentido urbano e residencial “único” do respetivo edifício ou
agregado de fogos.
Naturalmente
que tudo isto muito complexifica a concepção de um edifício ou complexo
muitifamiliar, aproximando-o, talvez e de certa maneira, da muito rica dimensão
criativa que caracteriza o projeto de edifícios unifamiliares; uma perspetiva
que se julga relativamente inovadora e que será interessante explorar em
futuros textos.
E
podemos talvez concluir que serão de certa forma todos estes espaços e
elementos os verdadeiros autores da tipologia urbana e habitacional que aqui se
aponta, sendo que talvez ao contrário do que poderá acontecer, frequentemente,
com o unifamiliar, que acaba por respirar e se caraterizar, frequentemente, em
diálogo com a paisagem natural, o multifamiliar tipologicamente adequado
ganhará boa parte do seu caráter e da sua identidade tipológica da relação ou
relações estabelecidas com a respetiva paisagem urbana: «fazendo cidade».
De
uma forma não exaustiva serão os seguintes os principais espaços e elementos
comuns que, nos edifícios multifamiliares, são os principais responsáveis pelo
desenvolvimento de percursos e pelo apoio a um leque flexível de atividades
comuns ou não privadas e, naturalmente, pela sua expressiva identidade e
sentido de lugar/sítio de habitar e de vivência diária e aprofundada do
respetivo espaço urbano (a ordem seguida é razoavelmente aleatória):
- Entradas comuns
- Átrios e outros espaços comuns interiores conviviais ou específicos
- Elevadores
- Escadas comuns
- Patins de distribuição para habitações
- Galerias interiores (corredores)
- Galerias exteriores
- Garagens e alpendres de estacionamento comum
- Elementos “verdes”
- Aspetos qualitativos gerais nos espaços comuns e respectiva pormenorização
- Espaços exteriores comuns: (i) com expressiva vista pública; (ii) privatizados
- Aspectos essenciais de conforto ambiental e de bem-estar nos espaços comuns
- Entradas privadas ou com sentido privado
- Espaços edificados privados com expressiva vista pública
- Espaços exteriores privados com expressiva vista pública
- Garagens e alpendres de estacionamento privado com expressiva vista pública
- Outros espaços de atividade
- Elementos de remate e enquadramento
- Aspetos de marcação e de pré-marcação das entradas e da proximidade do edifício(agregação de fogos)
- Equipamentos conviviais integrados
- ... Outros espaços e elementos
Desde
já se salienta haver aspectos fundamentais numa qualificação humana e
arquitectónica dos espaços comuns residenciais que não são, infelizmente,
considerados na sua vital importância e nestes aspectos assume uma importância
fundamental a possibilidade de se ter luz natural pois, afinal, tal como refere
o Arq. Ch. Labbé “quando se sai do elevador e há luz natural, pode-se
conversar, e favorece-se a convivialidade pela qualidade do espaço que se
desenvolve.” (1)
Não
foi por acaso que se referiu este aspeto, que tão ligado está a muitos outros
aspetos de bom e intenso uso dos espaços e ambientes comuns do habitar; e a luz
natural não está sozinha num leque fundamental de qualidades residenciais
nesses espaços comuns ainda muito pouco consideradas no projeto e (re)projeto
de tais espaços.
Importa,
para concluir esta apresentação geral do que se considerou poder-se designar de
“leque de pequenos espaços e elementos de percurso, vivência e de identidade
nos edifícios” multifamiliares, registar que todos eles terão um dado conjunto
de aspetos práticos a facilitar, conjunto este que poderá/deverá ter algum
potencial de adaptabilidade, mas terão, igualmente, uma dada presença formal e
espacial que, julga-se, não deverá delimitar-se a aspetos funcionais, mas que
terá de considerar uma essencial adequação a diversos modos, desejos e gostos
habitacionais e microurbanos, sendo que estes serão, em grande parte,
desconhecidos de quem concebe tais espaços e elementos; uma matéria que, tal
como outras, nos pode e deve levar longe em outros textos.
Fig.03
Finalmente
e para concluir esta pequena apresentação geral relativa ao “leque de espaços e
elementos de percurso, vivência e identidade nos edifícios” multifamiliares,
importa sublinhar que este leque pode ser mínimo, e pode mesmo dizer-se que,
por regra, e porque os edifícios multifamiliares podem e devem ser muito aproximados
à escala e uso humanos, sendo pequenos nas suas dimensões gerais e reduzidos
nos números de habitações agregadas, tais leques espaciais e elementares podem
caraterizar-se por expressiva sobriedade e racionalidade, podendo, no limite,
marcar, por exemplo, a imagem da porta de entrada e os vãos exteriores da
escada de um pequeno prédio com seis habitações em três pisos, ou uma imagem
equilibradamente comum de um agregado de habitações com acessos privados - e
justifica-se aqui o uso do termo “equilibradamente”, pois neste caso, os
habitantes desejam, frequentemente, que haja uma expressão reforçada da
identidade de cada habitação e não da referida presença comum.
Em
futuros artigos desta série iremos falar com algum pormenor de boa parte destes
espaços e elementos, proporcionando-se algumas indicações e alguns exemplos de
tais soluções, que se julga serem directamente responsáveis pelo bem-viver em
soluções multifamiliares.
Notas:
(1) Monique Eleb, Anne Marie Chatelet,
"Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui",
1997, p.85.
Notas editoriais:
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº447
(i) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Editor: António Baptista Coelho abc@lnec.pt
INFOHABITAR Ano IX, nº447
Leque
de Espaços e elementos de percurso, vivência e identidade nos edifícios
multifamiliares
Edição
de José Baptista Coelho
LNEC-Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) e
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
LNEC-Núcleo de Estudos Urbanos e Territoriais (NUT) e
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
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