domingo, fevereiro 12, 2012

381 - Habitação, Cidade e Território de Interesse Social (i): uma necessidade actual e alguns caminhos urgentes - Infohabitar 381

Infohabitar, Ano VIII, n.º 381


Habitação, Cidade e Território de Interesse Social (i): uma necessidade actual e alguns caminhos urgentes


António Baptista Coelho


Contra todos os guias de redacção de textos vamos deixar a "explicação" do respectivo título para a parte final do artigo.

 Este texto será curto e, basicamente, visa centrar a atenção num caminho "novo" que importa ter em conta quando se visa a introdução de habitação de interesse social, portanto económica e bem direccionada em termos socioculturais e etários, em meios urbanos preexistentes e, frequentemente, marcados por carências de vitalidade e de verdadeira importância urbana; e desta forma parece fazer todo o sentido falar de uma "cidade de interesse social", que é também importante resgatar.

 Este texto tem como principal objectivo apontar alguns temas de reflexão sobre a referida matéria e que serão, depois, comentados em futuros artigos aqui editados; mas é importante tentar-se que, desde já, fique uma ideia-chave sublinhada, ainda que seja uma ideia feita de várias outras ideias conjugadas.

 E é assim que, antes de avançar, importa sublinhar uma matéria à qual se voltará em artigos desta série, e que se refere uma situação actual de carência(s) habitacional(ais) em termos quantitativos e qualitativos conjugados, matéria que fica provada, julga-se, no recente estudo de António Costa Pinto, Pedro Magalhães, Luís de Sousa e Ekaterina Gorbunova, intitulado "A Qualidade da Democracia em Portugal: a Perspectiva dos Cidadãos", onde se salienta que 55% dos inquiridos consideram que "a Habitação", em termos de "Garantia dos direitos sociais", está, em Portugal, "pouco ou nada garantida"; e salienta-se que entre os quatro "direitos sociais" considerados no estudo - Educação, Saúde, Segurança Social e Habitação -, a Habitação é considerada por maior número de inquiridos como direito social "Pouco ou nada garantido", mas também aquele que é considerado por menos pessoas como "Totalmente ou muito garantido" - estudo este longa e excelentemente citado num artigo do jornal Público de 19 de Janeiro de 2012, pg. 2, realizado pela jornalista São José Almeida.

Fig. 01


Salienta-se, assim, o contexto com que nos debatemos hoje em dia m Portugal, uma situação ambivalente, de um grande parque habitacional vago - sendo uma parte significativa constituída por habitação "a estrear" - e uma grande parte de pessoas verdadeiramente (i) insatisfeitas com as suas soluções habitacionais, ou será com as suas soluções de habitar? Uma questão que fica para futuros artigos e que desde já se considera ser muito mais prática do que teórica e fulcral na problemática que hoje vivemos.

 Desde já importa comentar e também sublinhar que (ii) é preciso (re)pensar a habitação e o habitar, seja em termos quantitativos como qualitativos e de custos associados, pois, se assim não fosse, o excedente que actualmente existe em Portugal em termos de habitações novas e velhas vazias, seria condição bastante para que não se tivéssemos a opinião, que parece que temos, sobre o que, de certa forma, se pode definir, como a falta do "cumprir o habitar ou a habitação", na nossa democracia.

Outra matéria que define o problema que hoje vivemos em Portugal (e também em muitas outros países europeus, mas entre nós a situação é crítica) refere-se a uma nossa realidade que é marcada por inúmeras situações, quer de (iii) zonas urbanas historicamente centrais, social e fucionalmente envelhecidas, que têm uma vida marcada pela semana de trabalho e que morrem ao final de tarde/noite e aos fins de semana, quer de zonas periféricas que vão sobrevivendo, mal, durante a referida semana e que também se arrastam semi-mortas no final da semana, sendo cada vez mais difícil contar com pólos urbanos vitalizados num quadro de agradável e quase-contínuo funcionamento; quadro este que parece ser essencial numa verdadeira cidade ou zona urbana.

 E nestas matérias um conjunto de situações tem a ver com uma cidade que, globalmente, continua a ser verdadeiramente inimiga do peão e não apenas do peão considerado como pessoa a pé, o que é uma infeliz e incompreensível realidade, mas também verdadeiramente da pessoa/peão como cidadão urbano, como (iv) alguém que vive a cidade e os seus pólos de animação e de serviços, desejavelmente durante toda a semana e ao longo de boa parte do dia/noite, e não apenas estritamente o peão que, tal como autómato, vive a cidade no vai-vem entre a habitação/dormitório e o trabalho/emprego; matérias estas que sofrem de todas as alterações sociourbanas que temos vivido, mas que não são impasses que pronunciam qualquer "morte da cidade ou da rua ou do convívio", pois se assim fosse a animação urbana não estaria, como está, "em alta" em tantos espaços urbanos do mundo.

 Outra matéria que devemos ter em conta, considerando-se o tão divulgado novo século das (grandes) cidades e, entre nós, a situação, cada vez mais grave, de um interior desertificado e de zonas urbanas que acabam por continuar a tender a crescer, é que é essencial ter em conta que temos de gerir adequadamente todo o nosso território e que (v) é vital, por inúmeras e cruciais/urgentes razões iniciar, urgentemente, um processo fundamentado, sustentado, continuado e eficaz de resgate, recuperação e salvaguarda das nossas paisagens urbanas e naturais; e não tenhamos quaisquer dúvidas de que "habitar melhor" e habitar melhor as nossas cidades tem tudo, tudo, a ver com este resgate paisagístico, que não será possível em dez anos, mas também não se abastardou a paisagem, globalmente, em dez anos.

Ainda outra matéria essencial a considerar e que é tão teórica como prática refere-se à (vi) urgente necessidade de reconstituir caminhos de recuperação de uma cidade de proximidades, de integração social concretizada com a possível naturalidade e de uma oferta ou facilitação de quadros de habitar devidamente adequados, quer ao amplo leque de necessidades e gostos de habitar hoje existentes, quer a uma correcta integração vitalizadora nos respectivos quadros urbanos de vizinhança; matérias estas que tudo terão a ver com os mais eficazes quadros de promoção e gestão diária destas soluções, uma eficácia que terá de se ligar a um equilíbrio custo-benefício, que terá de ter em conta os possíveis e desejáveis/desejados benefícios sociais e urbanos que são possíveis e que irão sempre evidenciar o valioso e inestimável papel que pode aqui ser desempenhado pelo sector cooperativo ligado a um habitar com controlo de custos.

Fig. 02


Há ainda que dar o devido relevo à (vii) reconquista do viver e habitar a cidade e, por que não, o território e a "paisagem" (no sentido de território), numa renovada escala e sentido expressivamente humanizado, isto é dando-se a devida importância a uma vivência "a pé" e em transportes públicos e, fundamentalmente, uma nova e crucial importância que deve ser dada à imagem urbana, considerando-se, finalmente, um adequado "ordenamento" territorial que considere, em primeira linha e conjugadamente uma perspectiva orientada pela eficácia nas acessibilidades, que tenha em conta o papel estruturante de uma vivência citadina que seja agradável e motivadora para além de ser estritamente eficaz, e que "liberte", tendencialmente, as pessoas, as cidades e as paisagens de uma "escravização" ao tráfego automóvel privado, proporcionando-lhes a possibilidade de poderem usar e gozar a cidade com vagar e intensamente; e esta é uma matéria que tudo tem a ver com um melhor habitar e um habitar mais seguro e mais amigo dos idosos e das crianças.

E finalmente há que dar a devida relevância e urgência a (viii) uma estratégica, sistemática, aprofundada e localizada (re) densificação de zonas históricas e de periferias, numa acção que terá de se basear em adequadas ferramentas legais e que terá de se harmonizar com prováveis e geminados processos de desdensificação e demolição de edifícios e construções sem qualquer sentido social e citadino. Uma matéria que se liga com todas as outras acima apontadas e que é urgente considerar, (re)viabilizando-se espaços urbanos e quadros paisagísticos hoje mortos e sem esperança, num renovar de perspectivas que afinal tudo tem a ver com o período de inesperados e vitais desafios que hoje vivemos.

 Considera-se estar, assim, cumprido o objectivo deste artigo que nasceu, confessa-se, da vontade de reflectir sobre a urgência de se avançar numa sistemática (re) densificação e (re)ocupação habitacional e de actividades em zonas centrais e em pólos periféricos urbanos, mas que acabou por se centrar na proposta de um conjunto de caminhos a desenvolver considerando-se o objectivo fundamental de "resgatar" um viver/habitar a cidade e a paisagem com mais qualidade e intensidade.

E lembram-se, a título de exercício metodológico, os aspectos que foram atrás considerados e que se pretende via a discutir, informalmente, em próximos artigos, embora não se prometendo uma ordem e continuidade específicas na referida abordagem:

(i) Considerar que há um grande número de pessoas verdadeiramente insatisfeitas com as suas soluções habitacionais, ou será com as suas soluções de habitar?

(ii) A necessidade de se (re)pensar a habitação e o habitar, seja em termos quantitativos como qualitativos e de custos associados; o que terá naturalmente a ver também com matérias de financiamento e gestão.

(iii) A importância de se ter presente a existência, que de inúmeras zonas urbanas historicamente centrais, social e fucionalmente envelhecidas, que têm uma vida marcada pela semana de trabalho e que morrem ao final de tarde/noite e aos fins de semana, quer de muitas zonas periféricas que vão sobrevivendo, mal, durante a referida semana e que também se arrastam semi-mortas no final da semana.

(iv) A urgência de considerar verdadeiramente a pessoa/peão como cidadão urbano, como alguém que vive a cidade e os seus pólos de animação e de serviços, desejavelmente durante toda a semana e ao longo de boa parte do dia/noite.

(v) A importância e a urgência de se ligar tudo isto a um processo fundamentado, sustentado, continuado e eficaz de resgate, recuperação e salvaguarda dos nossos territórios paisagísticos urbanos e naturais.

(vi) A urgente necessidade de se reconstituirem caminhos de recuperação de uma cidade de proximidades, de integração social e de um verdadeiro sentido de (re)humanização, ligado a o reconquistar de quadros de habitar devidamente adequados.

(vii) A crucial reconquista do viver e habitar a cidade e, por que não, o território e a "paisagem" (no sentido de território), numa renovada escala e sentido expressivamente humanizado, isto é dando-se a devida importância a uma vivência "a pé" e em transportes públicos e, fundamentalmente, atribuindo-se uma nova e crucial importância à imagem urbana.

(viii) E, finalmente, mas, evidentemente, nunca por último, uma estratégica, sistemática, aprofundada e localizada (re) densificação de zonas históricas e de periferias; matéria esta que terá aqui um extenso desenvolvimento.



Fig. 03

Falta comentar, com brevidade, que todas estas matérias se centram numa reflexão sobre uma Habitação, uma Cidade e mesmo um Território de Interesse Social, uma ideia que se considera ser uma necessidade actual e vital e que, de certa forma e suplementarmente, poderá resolver as questões sempre associadas às críticas desintegrações associadas à introdução tantas vezes negativamente concentrada de habitação de interesse social.

Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.



Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
Habitação, Cidade e Território de Interesse Social (i): uma necessidade actual e alguns caminhos urgentes
Infohabitar n.º 381, 12 de Fevereiro de 2012

1 comentário :

Rogério Rocha disse...

Ótimo artigo sobre tema de extrema importância, sobretudo no que diz respeito aos centros urbanos com construções arquitetônicas históricas. Há de se enfrentar a questão mesmo! E de forma racional. Parabéns!