Novos comentários sobre a qualidade arquitectónica residencial - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIV: A atractividade na arquitectura do habitar
Artigo de António Baptista Coelho
Nota prévia à presente edição:
Retomando uma série editorial cujo último “capítulo”, sobre a apropriação e a qualidade arquitectónica residencial, editado, há apenas uma semana, com o n.º 364 deste Infohabitar, publicam-se agora algumas reflexões sobre a matéria da ATRACTIVIDADE arquitectónica residencial, uma matéria sempre muito sensível, estimulante e discutida, quando se debate o habitar e a habitação, designadamente, numa perspectiva que tente harmonizar desenho e satisfação dos habitantes.
Índice
Introdução geral
1. Sobre a atractividade da arquitectura do habitar
2. Sobre a natureza da atractividade arquitectónica residencial
3. Alguns aspectos estruturadores da atractividade no habitar
4. Estratégias de atractividade
5. A atractividade nos espaços públicos versus a espaciosidade nos espaços edificados
a) A atractividade nos espaços públicos
b) A atractividade nos espaços edificados
c) A atractividade nas habitações
6. Carácter e importância específica da atractividade
7. Notas de reflexão e para desenvolvimento sobre a atractividade arquitectónica residencial
Introdução geral
Nas páginas seguintes apontam-se alguns aspectos que têm sido sistematicamente ponderados, na sequência da aplicação dos conceitos ligados aos diversos rumos de qualidade arquitectónica residencial. Não se trata, assim, da sua respectiva e clarificada estruturação, mas apenas da sua ponderação cuidada, considerando, essencialmente, os anos de prática de análise, que já decorreram desde a sua formulação inicial, realizada num estudo do Núcleo de Arquitectura e Urbanismo do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, apresentado e discutido numa prova de doutoramento em Arquitectura que teve lugar na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto em 1995, e posteriormente editado pela Livraria do LNEC (ver Fig. 01).
É sempre possível entrar no Infohabitar e aceder, de imediato, ao respectivo catálogo interactivo (na margem do lado direito), onde uma das categorias editoriais agrupa boa parte dos artigos dedicados à temática da Melhor Habitação com Melhor Arquitectura (no total serão 17 ou 18, sendo 15 sobre as 15 qualidade qualidades consideradas, um de introdução, um de conclusão genérica e, provavelmente, outro de conclusão sintetizada e de temas de continuidade).
Regista-se, em seguida, o plano editorial previsto no Infohabitar, que foi, até agora, descontínuo, alternado por outras edições e realizado à medida da elaboração dos respectivos artigos (a bold os temas já editados), mas que se pretende que, nesta ponta final da edição da série, mantenha agora um máximo de continuidade (dentro da normal periodicidade semanal do Infohabitar):
Infohabitar n.º 290 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura I: Introdução
A matéria da relação e do contacto entre espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 291 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura II: Acessibilidade - facilidade na aproximação ou no trato e desenvolvimento de continuidades naturais por prolongamentos e múltiplas ligações.
Infohabitar n.º 295 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura III: Comunicabilidade - a qualidade daquilo que está ligado ou que tem correspondência ou contacto físico ou visual.
A matéria da caracterização adequação de espaços e ambientes é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 297 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IV: Espaciosidade – referida, tanto aos espaços que são extensos e amplos como aos que apresentam desafogo nas suas envolventes.
Infohabitar n.º 316 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura V: Capacidade – que designa e qualifica o âmbito interior (dentro dos limites) ou a aptidão geral, espacial e ambiental, de qualquer elemento residencial.
Infohabitar n.º 318 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VI: Funcionalidade – referida ao adequado desempenho das várias funções e actividades residenciais.
A atéria do conforto espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 319 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VII: Agradabilidade – referida ao desenvolvimento de condições de conforto, bem-estar e comodidade, nos espaços e ambientes residenciais.
Infohabitar n.º 323 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura VIII: Durabilidade – qualidade do que dura muito ou, melhor, do que pode durar muito e em excelentes condições de manutenção.
Infohabitar n.º 332 e n.º 333 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura IX: Segurança – o acto ou efeito de tornar seguro, prevenir perigos, (tranquilizar).
A matéria da interacção social e da expressão individual é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 337 e n.º 338 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura X: A convivialidade no habitar e no espaço urbano – referida ao viver em comum, ao ter familiaridade e camaradagem, à entreajuda natural ou sociabilidade entre vizinhos.
Infohabitar n.º 341 e n.º 342 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XI: Privacidade – referida à intimidade e capacidade de privança oferecida por um dado espaço num dado ambiente.
A matéria da participação, identificação e regulação é tratada em termos de aspectos de:
Infohabitar n.º 348 e 349 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XII: Adaptabilidade – referida à versatilidade e ao que se pode acomodar e consequentemente apropriar (final de Maio e início de Junho de 2011).
Infohabitar n.º 364 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIII: Apropriação – referida à capacidade de identificação, à acção de "tomar de propriedade", tornando próprio e a si adaptado - 9 de Outubro de 2011.
A matéria do “aspecto” e da coerência espacial e ambiental é tratada em termos de aspectos de:
(o presente artigo) Infohabitar n.º 365 - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XIV: Atractividade - a capacidade de dinamizar e polarizar a atenção – 16 de Outubro de 2011.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XV: Domesticidade – referida à expressão mais pública ou doméstica do carácter residencial.
Infohabitar n.º xxx - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XVI: Integração – que é a integração ou integridade de um contexto, e de uma totalidade onde não falta nem um elemento de conteúdo e de relação.
Infohabitar n.º XXX - Melhor Habitação com Melhor Arquitectura XVII: reflexões finais.
Salienta-se ser possível aprofundar estas matérias num estudo editado pela livraria do LNEC - intitulado "Qualidade Arquitectónica Residencial - Rumos e factores de análise" - n.º 8 da colecção Informação Técnica Arquitectura, ITA 8 (fig. 01), que contém um desenvolvimento sistemático dos rumos e factores gerais de análise da qualidade arquitectónica residencial, que se devem constituir em objectivos de programa e que correspondem à definição de características funcionais, ambientais, sociais e de aspecto geral a satisfazer para que se atinja um elevado nível de qualidade nos espaços exteriores e interiores do habitat humano.
http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=52319.php
Sublinha-se, no entanto, que a abordagem que se faz, em seguida, e que se tem feito nesta série editorial às matérias da qualidade arquitectónica residencial e urbana, corresponde ao revisitar do tema, passados cerca de 15 anos do seu primeiro desenvolvimento, e numa perspectiva autónoma, mais pessoal, mais marcada pela prática e razoavelmente distinta, relativamente a essa primeira abordagem.
Em complemento a esta abordagem qualitativa do arquitectura residencial, o autor desenvolveu uma abordagem dos diversos níveis físicos do habitat e as suas relações mais importantes: envolvente da área residencial, vizinhança alargada, vizinhança próxima, edifício residencial, habitação e espaços e compartimentos habitacionais. Esta abordagem foi editada pela Livraria do LNEC no livro "Do bairro e da vizinhança à habitação" - ITA 2 (fig. 02)
Fig. 02: capa da edição do LNEC "Do bairro e da vizinhança à habitação" - ITA 2, referindo-se, em seguida, o respectivo link para a Livraria do LNEC
http://livraria.lnec.pt/php/livro_ficha.php?cod_edicao=53085.php
Habitação e Arquitectura XIV:
A atractividade na arquitectura do habitar
1. Sobre a atractividade da arquitectura do habitar
O capítulo anterior foi rematado com uma pequena reflexão sobre se o habitar deve facilitar a sua apropriação por quem o habita ou, pelo contrário, deve "reservar-se", "ser reservado", e portanto "impessoal"; matéria cuja escolha se pode de certa forma estender para as questões da capacidade de atracção que o habitar pode exercer sobre os seus habitantes, ou se tal relação não faz grande sentido e, assim, seria indiferente vivermos em sítios e habitações que nos atraem em termos visuais, ou, pelo contrário, vivermos em elementos habitacionais estritamente funcionais e maquinalmente adequados.
Embora se possa considerar, sempre, razoavelmente discutível a introdução destas matérias da atractividade num trabalho sobre a relação entre a arquitectura do habitar e a satisfação de quem habita, pois, de certa forma deveria e tem de haver um certo direito, para não dizer uma certa “regra”, que privilegie a sobriedade e a relativa passividade na concepção desenhada do habitar, numa perspectiva que tudo tem a ver com o desenvolvimento da dignidade urbana e da própria representação urbana ao serviço de comunidades e de culturas e não de gostos sempre muito “pessoais”, julga-se que a arquitectura do habitar tem de se caracterizar, pelo menos, por “mínimos” em termos de capacidade de atracção e de relativa empatia formal e visual entre os espaços habitados e quem os habita.
Defende-se esta posição, pois: (i) por um lado, há a importância clara embora ainda pouco reconhecida da emoção, ao lado do bem conhecido papel da razão, e estudos recentes o têm evidenciado; (ii) enquanto que, por outro lado, a afinidade com os espaços de habitar, que pode resultar dessas relações de atracção, é um aspecto básico da identidade e da apropriação; e (iii), finalmente, temos de nos defender, como habitantes, de soluções que, para além de pouco ou nada atraentes/emocionantes são, por vezes, até quase “repulsivas”, porque estão realmente mal desenhadas e deficientemente concebidas.
Esta situação que decorre da circunstância de nem todos os projectistas serem capazes de realizar obras claramente postivas em termos de aspecto/”forma”, para além de o serem em termos de eficácia funcional/”função”, e até os há capazes de conceber obras muito negativas tanto num aspecto como noutro; e aqui há que ainda ter em conta que serão ainda muitos os que conseguirão realizar programas funcionais reazoavelmente escorreitos e adequados, mas muito menos conseguirão aliar tais soluções funcionais a programas e partidos formais realmente positivos para quem as habita e para a cidade por eles composta.
Dito isto, podemos sintetizar que a atractividade se poderá definir pela qualidade proporcionada por aquilo que atrai, essencialmente porque focaliza a atenção e, eventual e desejavelmente nos responde positivamente em termos de afinidades de imagens.
A atractividade é uma qualidade que funciona em antecipação à experiência real de uma dada situação, objecto ou ambiente, podendo estimular juízos prospectivos com índoles positivas e, assim, participando activamente no estímulo ou, caso contrário, no refrear dessas experiências. E, sendo assim, uma adequada capacidade de atracção de um dado espaço ou elemento urbano e residencial é condição importante para a sua fruição e para a criação de laços positivos com os seus habitantes, podendo mesmo contribuir para uma certa predisposição positiva relativamente a esse espaço ou elemento, o que se constitui numa valiosa ferramenta em termos de dinamização da satisfação urbana e residencial.
Numa idêntica perspectiva e evidentemente, pelos mesmos tipos de razões, uma ausência de atractividade residencial corresponderá a um problema básico, ou pelo menos num sensível “atrito” no relacionamento entre o que é projectado e respectiva e desejada satisfação residencial; e devemos aqui, ainda, considerar que, cumulativamente, pode haver e há, frequentemente, desfasamentos, entre projectistas e habitantes, ao nível da formação especializada e da capacidade/prática de percepção, no que se refere a estes aspectos mais formais do espaço urbano e das soluções edificadas residenciais, que complicam ainda mais esta equação já de si basicamente complexa, sempre discutida e muito sensível. E aqui poderíamos já avançar, numa ideia de certeza muito discutível, mas prática, que se fizermos intervenções urbanas e residenciais “inovadoras”, então, façamo-las com capacidade de atracção para poderem ter “voz activa” na relação com os seus habitantes; mas esta afirmação tem de ficar para posterior consideração.
Afinal e tal como sublinhou Christian Norberg-Schulz (1), o homem precisa de um ambiente urbano que “lhe facilite referências de imagens” – o que destaca a importância da imagem urbana -, “precisa de recintos ou zonas que tenham um carácter particular” – o que evidencia a importância da definição de níveis físicos urbanos, dos espaços mais dinamizados até às vizinhanças próximas e íntimas – e precisa de “percursos que levem a sítios específicos e de pólos urbanos que sejam lugares distintos e inesquecíveis" – o que revela a importância do ordenamento e da coesão ou continuidade urbana bem tratadas em termos de imagem urbana. Portanto, poderíamos concluir que o homem habitante precisa de um espaço de habitar que sobre si exerça uma fundamentada capacidade de atracção, que terá sempre muito a ver com a respectiva qualidade de concepção/desenho.
Para o aprofundamento da qualidade do desenho, agora numa perspectiva mais focalizada e dedicada à cidade habitada e a uma sua imagem urbana expressivamente atraente, baseada no desenvolvimento de uma paisagem urbana pormenorizada e caracterizada, e nestas áreas temos de recordar Gordon Cullen (2), o fundamental Cullen, que ainda hoje, ou especialmente hoje, nos abre caminhos vitais de estudo/projecto no que se refere a uma humanização e a uma agradável urbanidade das formas do habitar, conformando-as de modo a que tenham um adequado potencial de atracção, sendo, assim, geradoras de emoção quando usadas e observadas. E não tenhamos dúvidas que será também desta forma que nos aproximamos de uma cidade melhor habitada, pois, cada vez mais, habitamos o conjunto urbano e a arquitectura urbana, simultaneamente, com o nosso próprio espaço doméstico.
Fig. 03
2. Sobre a natureza da atractividade arquitectónica residencial
Tal como se acabou de referir, a atractividade evidencia e "publicita" os mais variados elementos residenciais, revestindo-os de ricos significados e provocando expectativas e redobrados interesses por esses elementos. E esta função da atractividade deve servir, nomeadamente, tanto a forte clarificação das estruturas fundamentais, funcionais e imagéticas, e dos conteúdos essenciais dos vários elementos residenciais, como o relacionamento, pelo menos mínimo, entre essas funções, imagens e conteúdos e os interesses, gostos e "traços" socioculturais dos sujeitos/habitantes implicados.
No entanto esta clarificação/adequação deve sempre deixar lugar, tanto a elementos inesperados e surpreendentes, como a elementos que sirvam de "ponte" de relação com os modos de vida actuais e com o "genius loci" próprio de cada sítio e de cada tipo de área residencial (o seu carácter e as suas características).
A atractividade tem, também, um importante papel a desempenhar na evidenciação dos testemunhos do passar do tempo, em geral, como dos ciclos das estações, em particular; e esta matéria, por si mesma pode-nos levar longe naquilo em que ela se reflecte nos mecanismos de concepção dos espaços residenciais interiores, exteriores e de transição interior/exterior.
No entanto, talvez a principal natureza da atractividade seja a possibilidade de nos podermos deleitar, de forma activa e sentida, com os “cenários” que habitamos, e os respectivos edifícios e espaços públicos ou de uso público. E este é talvez o principal sentido/objectivo da atractividade urbana e residencial, que Ralph Caplan resume quando escreve: "Desejo que possamos incorporar nas nossas habitações planeadas a possibilidade do «delight». Isso seria verdadeiramente pós-moderno". (3)
E será através de uma fundada e equilibrada caracterização de cada intervenção, o expressar do passar do tempo histórico e do tempo da natureza e a “simples” possibilidade de um deleite diário e cumulativo, que encontraremos motivos capazes de tornarem o nosso habitar em quadros de experiências positivas e naturalmente marcantes, numa perspectiva muito bem sintetizada no seguinte texto de “A cidade e as serras”, de Eça de Queiroz: “Trepávamos então alguma ruazinha de aldeia, dez ou doze casebres, sumidos entre figueiras, onde se esgaçava, fugindo do lar pela telha vã, o fumo branco e cheiroso das pinhas. Nos cerros remotos, por cima da negrura pensativa dos pinheirais, branquejavam ermidas. O ar fino e puro entrava na alma, e na alma espalhava alegria e força ... Jacinto adiante, na sua égua ruça, murmurava: - que beleza! ... Assim, vagarosamente e maravilhados, chegámos àquela avenida de faias, que sempre me encantara pela sua fidalga gravidade... E ao fundo das faias, com efeito, aparecia o portão da quinta de Tormes.” (4)
Fig. 04
3. Alguns aspectos estruturadores da atractividade no habitar
Entre as múltiplas áreas temáticas que podem servir de motivo à construção de uma estrutura ou de um quadro de atractividade nos espaços e nos elementos urbanos e residenciais podem-se sublinhar os seguintes tipos de temas ou famílias temáticas:
As matérias mais ligadas à criatividade na concepção, considerando, especificamente, os aspectos de inovação, composição e organização formal. Nestas áreas, que são evidentemente muito amplas, fluidas e sensíveis podem apontar-se, como exemplos frequentes e significativos, os caminhos: das técnicas de invenção, sobre as quais há toda uma bibliografia especializada; da geometria organizativa, que também está fundada em extensos estudos temáticos; do equilíbrio no enquadramento de vistas mais estáticas, que é matéria que muito tem a ver com a prática da procura do equilíbrio estético que é, por exemplo, central na fotografia e na pintura; da geração de sequências urbanas e pormenorizadas estimulantes e formalmente coerentes, que é a base do desenvolvimento dos tratados e guias de imagem urbana; do privilegiar de determinados elementos de composição, frequentemente, com sentido simbólico e, por vezes, de forma muito evidenciada, como aconteceu no designado pós-modernismo; e da cuidadosa marcação da escala humana, integrando o embeber de referências estratégicas à mesma escala.
As matérias mais ligadas ao desenho cuidadoso e unificado da forma urbana e do habitar podem considerar-se como um “santuário” (último reduto ou reduto básico) de como procurar um adequado/equilibrado efeito de atractividade urbana e/ou residencial sem grande comprometimento formal. A ideia aqui será que uma dada intervenção urbana e residencial é realizada segundo um dado projecto, com um dado partido formal que não se “discute”, discutindo-se, sim, a existência de um cuidadoso sentido de unidade formal na intervenção, harmonizada naturalmente com o seu contexto e expressa, com fidelidade, nos principais traços urbanos da intervenção e em todos os seus aspectos de cuidadosa pormenorização, numa perspectiva que deverá ter em conta a inexistência de um excesso de elementos formais e visuais. Naturalmente, estes cuidados específicos de pormenorização e de adequada unidade de imagem terão traduções específicas nos níveis físicos exteriores e interiores do habitar, assim como terão uma força expressiva especial nos respectivos limiares e transições entre esses níveis físicos; e há mesmo quem considere que a Arquitectura é, basicamente, um jogo de relacionamentos e assim, para quem defende esta posição, muita da capacidade de diálogo entre o habitar e os habitantes decorrerá do que se fizer em termos de forma/função nesses limiares.
E finalmente apontam-se as matérias mais ligadas aos equilíbrios e às ponderações de diversidades, matérias ou temas que, de certa forma, interagem com as questões, já referidas, de unificação de imagens, sublinhando-as, por contraste e dotando o espaço urbano e o habitar de uma dinâmica formal e de aspecto que está, afinal, na raiz da imagem urbana tradicional, mas que, actualmente, terá de ser sintetizada em intervenções temporalmente muito compactadas. Estas matérias em que se joga com as questões de diversidade podem ser estruturadas por aspectos de: evidenciação da evolução temporal; por situações em que se privilegia e evidencia um sentido de variedade na homogeneidade; por quadros em que a variedade é assumida com um sentido de estimulante fuga a uma regra de base marcada pela sobriedade; e por intervenções em que a diversidade é mais sentida do que real e resulta, essencialmente, de um conteúdo de acções e/ou imagens densificadas e concentradas em determinados espaços e sequências de espaços.
Abordaram-se aqui de forma sintética e aberta as matérias da criatividade na concepção do habitar e das respectivas estratégias de unidade de imagens e da sua cuidada dinamização ou diversificação, sublinhando-se que, tal como foi acima referido se trata de algumas entre as muitas áreas temáticas que podem servir o trabalhar na atractividade dos espaços e elementos urbanos e residenciais; e a ideia é caminhar numa reflexão que possa ser gradualmente aprofundada no que se refere à análise e discussão mesmo de matérias tradicionalmente consideradas como estritamente da responsabilidade formal de quem projecta, isto não para se chegar a qualquer impossível tabela de avaliação de tais aspectos, mas sim para que estes aspectos e outros considerados em outros itens deste estudo e habitualmente menosprezados, porque “não objectivos”, possam integrar as grelhas de análise e escolha das soluções urbanas e de habitar que vão sendo propostas e que, infelizmente e paulatinamente, vão tendendo a piorar de forma crítica a qualidade da imagem urbana das nossas cidades e povoações.
Afinal, e se queremos habitar, realmente, a nossa vizinhança, esta tem de ter identidade e capacidade de atracção, condições que têm de se prolongar por um bairro, também com identidade e vida, e, depois, por uma cidade ou povoação também com identidade e força de atracção, que proporcione a satisfação das “outras” necessidades para além das básicas; por exemplo uma rede de acessibilidade que seja funcional, confortável e motivadora porque nos acompanha e encaminha entre sítios urbanos memoráveis, porque úteis e culturalmente válidos.
Em tudo isto, entre a casa e o bairro, evidencia-se o sentido de atractividade de cada lugar; um sentido que foi bem definido por Gertrude Stein - citada por Hazel Conway e Rowan Roenisch - relativamente a uma determinada paisagem americana; pois, quando lhe perguntaram se gostava daquilo ali, Gertrude Stein disse: “Ali? Mas não há nenhum ali, ali!”. (5)
E tal como referem Hazel Conway e Rowan Roenisch este tipo de situação levou, por exemplo, à elaboração dos guias de desenho urbano do tipo “Essex Design Guide”, cuja ideia era assegurar um sentido de lugar particular a respeitar, um sentido de lugar que é afinal outra forma de referir uma exigência de atractividade estratégica.
Fig. 05
4. Estratégias de atractividade
Em primeiro lugar importa sublinhar que uma adequada atractividade residencial não é exclusiva de determinadas linguagens formais, e por esta razão podemos tratar aqui este tema, considerando-o como uma faceta qualitativa urbana e residencial que deve fazer sempre parte de um programa de concepção sustentado, e isto ainda que a decisão tomada privilegie, por exemplo, um partido muito sóbrio e fortemente integrado numa continuidade do cenário envolvente e preexistente; tudo isto numa perspectiva que será retomada no tema seguinte relativo à expressão da domesticidade.
Em segundo lugar, neste abordar de caminhos ou estratégias privilegiadas de expressão da capacidade de atracção urbana e residencial, importa sublinhar que, ao contrário do que a própria designação de “atractividade” poderá fazer crer, ela não se circunscreve a intenções que favoreçam, designadamente, aspectos expressivamente evidenciados e mesmo “dramáticos”, já que a dignidade ou sobriedade do aspecto residencial pode ser, objectivamente, um excelente veículo de atracção da atenção e de gradual criação de vínculos entre o meio residencial e os seus habitantes; e, muito provavelmente, esta estratégia de atractividade por expressiva dignidade residencial será um caminho a privilegiar como regra de actuação geral.
No entanto entre situações de expressão excessivamente “festiva”, que se revelam, depois, visual e ambientalmente cansativas, e situações de suposta dignidade residencial a resvalarem, claramente, para uma pobreza e a tristeza de imagens, que resultarão na ausência de apropriação e até, eventualmente, na sua rejeição pelos respectivos moradores, haverá todo um leque de possibilidades para quem concebe arquitectura urbana e residencial; pois, tal como nos diz o Arq.º H. Ciriani, “A arquitectura deve ser bela, de uma beleza essencial que não resulte da decoração, do artifício ... Houve uma espécie de vergonha de fazer algo belo. Era difícil usar o argumento que a presença arquitectónica é tão importante para as condições de vida como o facto de estruturar os fogos por exemplo através de galerias... A habitação não deve ser mais considerada somente como um bem de consumo que responde a imperativos funcionais, mas também como um bem cultural. O habitar deve deslocar-se, diz Jean Nouvel, «para o domínio dos bens de consumo culturais, domínio para o qual evolui realmente uma parte da sociedade»”. (6)
E é neste deslocar do habitar do âmbito” de simples “bem de consumo”, para matéria de cultura, embora sempre numa perspectiva de cultura urbana popular e portanto, por regra, não elitista, que, desde já, a respectiva capacidade de atracção e, tal como se verá, o próximo item deste estudo, ligado às matérias da possível expressão da residencialidade, se tornam assuntos com importância idêntica aos dos bem conhecidos aspectos funcionais do habitar.
Passando, agora, a um delimitado aprofundamento destas matérias, considerando a estratégia de aplicação da capacidade ou do potencial de atracção de um dado espaço ou elemento residencial, importa referir que a clarificação do respectivo ordenamento, em termos de relação com a envolvente e no que se refere aos seus elementos constituintes é um aspecto importante e básico em termos de atractividade do habitar, sendo que, pelo contrário, a complexidade organizativa e constitutiva gera, frequentemente, reacções de rejeição por parte dos respectivos habitantes/utentes.
Mas não basta ordenar o espaço para se criar um ambiente interessante e motivador, é preciso que em cada sítio o que se faz seja adequado às condições e às características básicas formais, funcionais e ambientais desse lugar específico. E, mais do que isso, é preciso que esse lugar seja único, tenha um carácter próprio e bem identificável por quem o habita em continuidade ou mesmo numa simples visita.
Esta estratégia deve, assim, corresponder ao que se poderá definir como um cuidadoso processo de intensificação de diferenciações entre lugares, fortalecendo e orquestrando referências e impressões urbanas, graus de homogeneidade de partes da cidade e a sua mútua congruência, construindo-se paisagens urbanas motivadoras - unificadas e variadas -, condição esta essencial pois, como defende Francisco de Gracia, “o habitante necessita de emoção na percepção e na relação afectiva com o espaço urbano.” (7)
E tenhamos a certeza que essa intensificação de diferenciações entre lugares pode e deve basear-se em intervenções de grande sobriedade e contenção formal/visual, pois a cidade, como espaço cívico e representativo, assim o exige.
Passando, agora, muito sinteticamente, a uma pequena referência aos caminhos que a concepção arquitectónica pode seguir para embeber emoção na relação afectiva que se pretende estabelecer com um espaço urbano habitado e visualmente consistente, aponta-se a necessidade de se desenvolver, sistemática e cuidadosamente, um “diálogo” sensível com o nível profundo dos aspectos que baseiam a concepção arquitectónica, confrontando, em cada caso, os resultados práticos de cada acção com os seus prévios objectivos conceptuais ligados, designadamente, a estas matérias – o que será sempre muito mais complexo do que averiguar a eficácia dos aspectos funcionais da mesma concepção.
Neste âmbito da intervenção em termos de expressão da emoção da afectividade no habitar, e tal como refere o Arq.º Klas Tham, que foi coordenador do projecto urbano da pequena cidade da Bo01 em Malmö e autor do respectivo programa conceptual global, têm lugar próprio variados caminhos conceptuais e designadamente as ricas temáticas: (i) do exótico e do desconhecido, (ii) de uma complexidade razoavelmente regulada, (iii) do cromatismo, da luz e dos ritmos, (iv) das grandes proporções estrategicamente aplicadas, (v) dos signos e símbolos cirurgicamente aplicados, (vi) da geometria como elemento básico de expressão e descrição formal, (vii) de um evidenciado mas bem regrado contacto com a natureza, e (viii), sinto-me capaz de juntar, de uma estruturante ou devidamente informativa expressão de um dado conteúdo histórico.
Numa perspectiva sequencial e complementar, em termos de um adequado desenvolvimento de uma pormenorização também consistentemente marcada por um potencial de atractividade, podemos utilizar e citar aqui alguns “dos dez mandamentos” de Gonçalo Ribeiro Telles (registados numa exposição retrospectiva da obra deste projectista) relativos aos “aspectos formais e funcionais” que devem estruturar a criação de um jardim, mas que podemos generalizar, com a devida ponderação, para uma concepção pormenorizada e expressiva do habitar: “a profundidade de perspectiva e o recorte sucessivo de planos, valorizando distâncias e formas; o salientar da pujança da natureza na sua diversidade biológica e ritmo de vida; o esplendor da luz através do contraste entre a sombra e a claridade; a integração na paisagem envolvente”; e, finalmente, “a importância da ordem cultural e da simplicidade no ordenamento das coisas.”
Tudo isto, aspectos mais gerais e estruturantes e aspectos mais pormenorizados e igualmente caracterizadores, confluirá para uma reforçada, ainda que eventualmente sóbria, identidade de cada sítio/lugar urbano, pois, como sublinha Yi-Fu Tuan (8), um lugar pode conter fontes de dinamização de identidade, tal como uma qualquer peça de arte, e, afinal, o lugar com a arte e a arte do e com o lugar podem e devem cooperar no apoio ao desenvolvimento da identidade, do genius loci do lugar e da nossa própria identidade, como pessoas individuais e como grupos humanos. E teremos assim um caminho da expressão da atractividade de um dado espaço ou elemento do habitar directamente ao serviço do seu carácter e da sua identidade.
Não seria possível, no entanto, deixar de referir ser vital investir na identidade de cada bairro ou conjunto urbano significativo, identidade essa que depende de uma arquitectura urbana qualificada, atraente e equilibradamente variada, caracterizada pela diversidade e pela redescoberta do espaço público como sítio privilegiado de apropriação e convívio. E Hertzberger, nas suas Lições de Arquitectura (p.193), citando Aldo van Eyck (1962) defende mesmo: fazer de cada coisa um lugar, fazer “de cada casa e de cada cidade uma porção de lugares, pois uma casa é uma cidade em miniatura e uma cidade é uma casa enorme. O espaço deve ser articulado para criar lugares… quanto mais articulação houver, menor será a unidade espacial, e, quantos mais centros de atenção existirem, mais o efeito total será individualizante.” (9)
Finalmente regista-se que tudo isto que acabou de ser apontado se refere a uma ponte directa e múltipla com o sequencial mergulho disciplinar e profundo naquilo que move a concepção arquitectónica, um mergulho que, naturalmente, não fará aqui sentido prosseguir.
Fig. 06
5. A atractividade nos espaços públicos versus a espaciosidade nos espaços edificados
A ideia actual, que resulta do conhecimento adquirido, é que temos ainda muitas questões a colocar sobre a capacidade de atracção do espaço público, enquanto já nos aproximamos de algumas certezas sobre as zonas a privilegiar no edificado. Julga-se, no entanto, que tal situação apenas decorre de uma ainda relativa ausência de investigação e estudos de caso sistemáticos no domínio dos espaços exteriores residenciais, pelo menos, quando comparados com os estudos disponíveis nestas temáticas e aplicados ao edificado.
a) A atractividade nos espaços públicos
Esta temática pode sintetizar-se por recurso a um conjunto de questões.
Que tipo de atractividade para as diversas “intensidades urbanas” de espaços públicos?
Como desenvolver um arranjo atraente, coeso, funcional e ambientalmente coerente nos espaços públicos, e designadamente naqueles de vizinhança próxima, que se encontram em diálogo mais directo com a pele do edificado e com o nosso olhar?
Qual o papel da integração nos motivos de atractividade exterior, considerando-se opções estruturantes de configuração e arranjo?
Que partidos de pormenorização devem ser trilhados nos espaços públicos (por exemplo, sóbria funcionalidade, máxima integração ambiental, coerência histórica, predominância pedonal)?
Que conjugações devem ser privilegiadas nos espaços públicos entre meio natural e meio artificial?
Que tipologias preferenciais para o verde público? Considerando a sua sustentabilidade ambiental, mas também a sua coerência urbanística.
Quais os principais caminhos a privilegiar em termos de uma identificação de linhas de concepção dimensional dos espaços públicos que favoreçam a respectiva vitalização numa perspectiva de adequada caracterização urbana e residencial? Uma questão bem distinta da que pode referir-se a uma “simples” questão dimensional/funcional nos mesmos espaços públicos.
Basicamente e de forma global e com incidência directa em todas as questões que acabaram de ser colocadas, trata-se de não se aceitarem mais espaços públicos, frios, austeros, inimigos das pessoas, inóspitos e geradores de infelicidade e depressão. E naturalmente que quando nos referimos a “espaços públicos” estamos a considerar um sistema coeso de superfícies exteriores verticais e horizontais, que delimitam espaços de uso público e que se conjugam intimamente com a própria estruturação dos respectivos edifícios; estamos, portanto a investir em termos de arquitectura urbana desejavelmente vitalizada.
No que se refere a estas temáticas William Whyte começou por filmar os mais diversos espaços públicos urbanos e por sintetizar as razões do desenvolvimento de espaços públicos realmente satisfatórios e atraentes, pequenos, mas interconectados e vitalizadores/vitalizados dos/pelos edifícios vizinhos.
E porque se considera de grande importância esta perspectiva, apontam-se em seguida alguns dos aspectos físicos e funcionais considerados na análise/actuação de William Whyte no desenvolvimento de espaços públicos realmente estimulantes: (i) cuidar da linha de céu e da “linha” de chão; (ii) tirar partido da presença e das funções da água; (iii) desenvolver diferenças de nível espacialmente dinamizadoras e intehrando espaços e elementos para sentar; (iv) respeitar os padrões de tráfego nos passeios, desenvolvendo adeuqados perfis funcionais; (v) privilegiar a função da restauração na “rua” (no exterior); (vi) reforçar a percepção da natureza (sol, vento, árvores, água); (vii) conhecer os padrões de circulação dos sem-abrigo; (viii) desenvolver uma capacidade funcional efectiva no exterior e não apenas espaços visualmente agradáveis; (ix) e incentivar ligações entre os espaços interiores e os seus prolongamentos físicos e psicológicos exteriores.
Esta pormenorizada referência ao exterior público justifica-se pois será aqui, considerando-o na sua plenitude, que engloba a respectiva envolvente edificada, que se exercerá grande parte da desejada capacidade de atracção urbana e residencial. E para seguir este caminho teremos de optar por reconstruir as nossas paisagens urbanas e naturais, tão delapidadas ao longo de cerca de metade do século XX, será assim necessário, de certa forma, “levar a Expo ao País todo” (10), tal como referem Manuel Graça Dias e Ana Vaz Milheiro; um modo simplificado de referir o que poderia ser um novo e crucial desígnio nacional, com positiva influência nos respectivos habitantes e visitantes.
A atractividade na vizinhança de proximidade e na relação desta com os edifícios
Como desenvolver um arranjo atraente, coeso, funcional e ambientalmente coerente nos espaços públicos, e designadamente naqueles de vizinhança próxima, que se encontram em diálogo mais directo com a pele do edificado e com o nosso olhar? É a pergunta que fica.
Aqui a ideia é que tudo o que acabou de se referir, de forma geral e exemplificadamente pormenorizada, para os espaços públicos e de uso público terá uma razão de ser ainda mais crítica, pois, na prática, o ideal será podermos habitar com intensidade o exterior e os espaços de transição interior/exterior na envolvente das nossas habitações e que integram algums “terceiros espaços” do habitar, como são, por exemplo, os pequenos equipamentos de vizinhança e uso diário. E, portanto, fará aqui todo o sentido um cuidadoso investimento numa dimensão de reforçada atractividade dessas proximidades residenciais, ainda que, tal como já se apontou, a opção seja por uma atractividade no sentido da dignidade e da sobriedade das soluções.
Uma questão que tem grande importância neste nível de proximidade é a adequada orientação, no sentido de se entender bem a situação da “nossa” habitação, dos principais percursos e equipamentos, com variadas valências, que a servem; referem-se aqui estes aspectos pois eles podem ser positivamente servidos por estratégias específicas de atractividade, em termos de marcação própria e de sinalização complementar e adequada, isto para além, naturalmente, de uma respectiva estruturação física adequada em termos de outras facetas qualitativas, com destaque apara a acessibilidade, a comunicabilidade e a apropriação.
Na turalmente a questão da identidade de cada vizinhança específica tem de ser servida, adequadamente, em termos do respectivo projecto arquitectónico, espacial, dimensional, pormenorizado e relacional, sendo que os aspectos mais “visuais” e de “comunicação” que sejam considerados oportunos – por exemplo, em termos de escolhas cromáticas e aplicação de elementos de Design de Comunicação – deverão ser considerados essencialmente complementares daquele projecto (e com ele bem harmonizados), ou então totalmente integrados no mesmo.
Quanto ao que se pode considerar como “sinalética” urbana ela deve cumprir idênticos cuidados de harmonização arquitectónica local, mas também terá de se conjugar com as famílias de mobiliário urbano localmente aplicadas, o que, por vezes, não será pacífico. No entanto é fundamental que a boa comunicação urbana seja muito bem servida e muito rica na proximidade das habitações, numa perspectiva que deve privilegiar a sobriedade e dignidade das respectivas imagens, mas também a sua adequada legibilidade por crianças e idosos; desta forma os usos da vizinhança e seus equipamentos e o uso das ligações com os respectivos bairro e cidade central serão devidamente apoiados e dinamizados, praticamente, com reduzidos custos suplementares.
Fig.07
b) A atractividade nos espaços edificados
Nos edifícios a atractividade pode sediar-se, em boa parte, num adequado desenho dos alçados e empenas residenciais; diz-se em boa parte, porque tradicionalmente este nível de desenho era o preferencial para tal qualificação; e hoje como é? Outra questão a considerar.
Globalmente, mas com natural evidência no exterior público, a cor e a textura do edificado constituem uma dimensão visual com importância determinante na pormenorização e no desenho geral da pele edificada e cuja importância exige abordagens específicas e aprofundadas, algumas já desenvolvidas, por exemplo, no que se refere ao uso da cor na reabilitação do edificado e designadamente do edificado histórico; mas ainda com desenvolvimentos muito desejáveis no que se refere à nova edificação, influenciando-se, por exemplo, no evitar da aplicação de cores exteriores muito pouco adequadas, seja em termos de imagem produzida, seja em termos das influências nas condições de conforto ambiental dos respectivos espaços interiores.
Mas ao nível do edificado há um outro mundo essencial para a aplicação de intenções de focalização da atenção e de agrado visual, trata-se dos espaços comuns do edifício, bem como de todos aqueles sujeitos a uma mais próxima visibilidade (ex. piso térreo) ou a uma situação natural de destaque por silhueta ou por remates ao céu e ao solo; sempre assim aconteceu, e sempre assim será, não sendo, portanto, de aceitar, os esquecimentos projectuais relativos a esta matéria, e, por vezes, “justificados” pelo recurso a determinadas opções formais.
E há excelentes soluções de tratamento volumétrico e/ou lumínico e/ou cromático e/ou “gráfico” e/ou artístico dos espaços comuns e das zonas de entrada dos edifícios, em opções que fazem ganhar os espaços de habitar em atractividade e identidade/potencial passivo e muito positivo de apropriação, mas também aqui há que separa o trigo do joio e evitar utilizações simplistas e pobres deste tipo de ferramentas.
A atractividade nos espaços edificados resulta também de aspectos difíceis de definir, mas efectivos, com destaque para as conotações simbólicas e/ou histórico-culturais de determinados elementos do habitar, como são os vãos bem marcados, as galerias, os terraços, os muros, as varandas, etc. E nestas matérias aplica-se, igualmente, os cuidados acima apontados no que se refere a aplicações “simplistas” e pouco fundamentadas destes tipos de elementos.
c) A atractividade nas habitações
Ao nível do mundo doméstico parece também haver lugar ao aprofundamento das relações de atracção que privilegiam determinados espaços e partes de espaços, como é caso do hall de entrada, de certas zonas de circulação (e de arrumação), de certos recantos da sala e da cozinha, de determinadas relações entre zonas interiores e exteriores, de certas relações com vãos pormenorizados e de determinadas pormenorizações direccionadas, por exemplo, para fusões entre vãos interiores e roupeiros.
E no interior do edificado a cor é também fundamental, sendo, por exemplo, interessante e útil considerar, seja as conotações psicológicas das diversas cores – por exemplo, mais repousantes, mais estimulantes, ou mais ou menos harmonizadas com o verde exterior -, seja as mais adequadas conjugações entre cores e tons de cor, seja as diversas relações entre cores mais “quentes” ou mais “frias” e as orientações solares dos respectivos compartimentos; e tudo isto é matéria em que a capacidade de atracção dos espaços domésticos se conjuga com as respectivas condições de conforto ambiental; matéria que também merece atenção específica.
A modos de uma síntese parcial sobre estas matérias da atractividade do espaço doméstico, podemos referir que ela se conjuga, quer com os tais aspectos de conforto ambiental, quer com os níveis de apropriação e de adaptabilidade possíveis na “nossa” habitação e que esta até possa suscitar, enquanto, por outro lado, a atractividade doméstica poderá caminhar para uma caracterização expressivamente doméstica, matéria que se considerou merecer uma atenção específica e que integra o próximo item deste estudo.
E ainda a modos de síntese da validade e do interesse de se considerar a atractividade na habitação cita-se P. Céleste, citado por Monique Eleb: “P. Céleste afirma misturando a sua identidade de arquitecto e de habitante: «trata-se de ocupar um sítio, de estar em sua casa, de produzir uma habitação calorosa. O contexto é o que nos anima. Há peças que devem ver o exterior e esse exterior deve fazer sonhar. Há que ter atenção a uma distribuição simples que proporcione dar um nome a cada peça e que se ligue a comportamentos habitacionais muito flexíveis ... não é possível a circulação dupla as áreas não o permitem ... é preciso encontrar uma certa forma de deambulação, estar atento à arte de colocar uma porta, uma janela, atento aos gestos quotidianos. O habitar de hoje não é mais pensado como no século xix para a festa e a recepção, mas para a relação com a vida quotidiana»”. (11)
Fig. 08
6. Carácter e importância específica da atractividade
Será a atractividade o paradigma de uma qualidade essencialmente subjectiva? Não se acredita nesta posição, mas para clarificar a importância objectiva da capacidade de atracção e da capacidade de induzir emoção de um dado elemento residencial há que articular o aprofundamento da capacidade de atracção de determinados elementos e espaços residenciais, designadamente, ao nível das vizinhanças próximas e do tratamento das fachadas dos edifícios, por exemplo, em estudos sobre satisfação habitacional na pós-ocupação de longa duração, considerando, designadamente, o equilíbrio entre o ordenamento e a satisfação estética, a importância da expressão do carácter de um local e, eventual e equilibradamente, de uma função residencial dignificada ...
Será também oportuno e interessante procurar aprofundar a diversidade de efeitos no uso e na satisfação dos habitantes, que resultam de soluções marcadas por elementos muito expressivos de atractividade visual – por exemplo, elementos gráficos e cores vivas – soluções muito caracterizadas por elementos com referências texturais e cromáticas naturais e/ou associados à conhecida opção pela “verdade dos materiais”, e ainda soluções expressivamente marcadas pela dignidade e sobriedade de imagens.
Globalmente, sobre a importância da atractividade ficará, também, evidenciado o papel do carácter ao nível do desenvolvimento de uma adequada arquitectura urbana: e tal como sabemos Christian Norberg-Schulz defende que o carácter e a caracterização é, mesmo, o verdadeiro assunto da arquitectura e o papel do arquitecto é criar sítios com um carácter particular e significante. Norberg-Schulz diz-nos que sem a dimensão do carácter todos os espaços urbanos são apenas meras abstracções, tal e qual como uma cidade ou um país que apenas conhecemos pelo mapa; e mesmo para isso, podemos comentar, é preciso haver mapa, e por vezes é tal o caos, que nem é possível um mapa, ou então o caos está (também) nos próprios mapas e elementos supostamente “de comunicação”.
Fig. 09
7. Notas de reflexão e para desenvolvimento sobre a atractividade arquitectónica residencial
Em termos de reflexão geral apuram-se, para já, os seguintes aspectos.
Sobre a razão de ser objectiva da atractividade residencial podemos lembrar duas afirmações retiradas das “Lições de Arquitectura” de Herman Hertzberger (12):
“A arquitetura deve ser generosa e convidativa para todos, sem distinção… O arquiteto é como o médico … deve simplesmente providenciar para que aquilo que pratica faça com que alguém se sinta melhor” (p.267).
“Tudo o que projetamos deve ser adequado a cada situação que surja; em outras palavras não deve ser apenas confortável mas também estimulante – e é esta adequação fundamental e ativa que eu gostaria de designar como «forma convidativa»: a forma que possui mais afinidade com as pessoas.” (p. 174)
Ficamos, assim, com a ideia da importância do estímulos que estarão indissociavelmente ligados às diversas soluções que são projectadas e da sua associação ao que é designado como sendo formalmente convidativo e com expressiva identidade com os respectivos utentes/habitantes; e julga-se ser evidente estar-se a falar da capacidade de atracção de um dado elemento arquitectónico, uma capacidade que pode ter desenvolvimentos “simplistas” e pouco adequados à dignidade cívica e humana dos espaços residenciais e que, portanto, temos de comentar, não estará ao alcance fácil da capacidade de concepção de muitos projectistas, exigindo muita dedicação, sensibilidade e trabalho, numa perspectiva que irá marcar, igualmente, os seguintes itens qualitativos abordados neste estudo (a domesticidade e a integração). ...
Em termos dos desenvolvimentos considerados mais interessantes nestas matérias da atractividade urbana e residencial, salientam-se os seguintes temas de estudo.
A capacidade de atracção ou de emoção proporcionada pelas soluções de habitar, nos seus diversos níveis físicos, é uma matéria ainda de certa forma “nova” ou pouco explorada, julga-se, no âmbito dos estudos que, como este, procuram elencar e discutir as diversas e respectivas facetas qualitativas arquitectónicas e relacionadas com a satisfação dos habitantes; e, sendo assim, em termos de reflexão geral trata-se de uma matéria com grande potencial de desenvolvimento. E esta referida “novidade” tem a ver com a situação de não se preconizar nesta perspectiva e evidentemente qualquer partido formal (modernista, pós-modernista, orgânico, etc.), mas sim a existência de uma preocupação específica com a existência de uma dada e cuidada capacidade de atracção e/ou empatia dos diversos espaços e elementos urbanos e residenciais relativamente a quem os habita.
Quais os “canais” ou as linhas formais que poderão ser adoptadas nesse construir de atracção e de empatia? Pois é sempre estratégico definir objectivos a cumprir, julga-se que, por regra, elas serão, em cada caso, marcadas pelos condicionalismos e pelas potencialidades de cada sítio e de cada contexto social, urbano e paisagístico, sendo que, provavelmente o que resulta, globalmente, num local, poderá ser caricato noutro.
Mas, para concluir, fiquemos com a ideia defendida por Jaime Lerner, numa entrevista em 2004, de que a cidade tem de começar a ser novamente um sítio verdadeiramente amigável (13); e talvez que o único objectivo comum em todas as situações em que se procure desenvolver a capacidade de atracção e de empatia nos espaços urbanos e residenciais seja a procura e o estudo de soluções e de tipologias verdadeiramente amigáveis; uma amigabilidade que naturalmente invadirá, também, as matérias da caracterização residencial que serão, em seguida, abordadas.
Notas bibliográficas:
(1) Christian Norberg-Schulz, “Existencia, Espacio y Arquitectura”, 1975.
(2) Gordon Cullen, “El Paisaje Urbano – Tratado de estética urbanística”, Barcelona, 1977 (1971).
(3) Ralph Caplan, in "Housing: Symbol, Structure, Site", Lisa Taylor (ed).
(4) Eça de Queiroz, “A cidade e as serras”, Lisboa, Livros do Brasil, Obras de Eça de Queiroz, s.d. (1901), p.136.
(5) Hazel Conway e Rowan Roenisch, “Understanding Architecture”, 1997 (1994), p. 139.
(6) Monique Eleb, Anne Marie Chatelet, “Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui”, 1997, p. 247.
(7) Francisco de Gracia, “Construir en lo Construido”, 1992.
(8) Yi-Fu Tuan, Place, Art, And Self, University of Virginia Press, 2004.
(9) Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura, 1996 (1991), p.193.
( 0) Manuel Graça Dias e Ana Vaz Milheiro, “Levar a Expo ao País Todo – Entrevista com Francisco Nunes Correia”, Jornal Arquitectos, n.º 209, 2003, pp.9-20.
( 1) Monique Eleb, Anne Marie Chatelet, “Urbanité, sociabilité et intimité des logements d’aujourd’hui”, 1997, p. 238.
( 2) Herman Hertzberger, Lições de Arquitetura, 1996 (1991), pp. 274 e 174.
( 3) Catarina Selada e Álvaro Santos, “O renascimento do papel das cidades”, Público - Economia, 5 Abril 2004.
Notas editoriais:
(i) A edição dos artigos no âmbito do blogger exige um conjunto de procedimentos que tornam difícil a revisão final editorial designadamente em termos de marcações a bold/negrito e em itálico; pelo que eventuais imperfeições editoriais deste tipo são, por regra, da responsabilidade da edição do Infohabitar, pois, designadamente, no caso de artigos longos uma edição mais perfeita exigiria um esforço editorial difícil de garantir considerando o ritmo semanal de edição do Infohabitar.
(ii) Por razões idênticas às que acabaram de ser referidas certas simbologias e certos pormenores editoriais têm de ser simplificados e/ou passados a texto corrido para edição no blogger.
(iii) Embora a edição dos artigos editados no Infohabitar seja ponderada, caso a caso, pelo corpo editorial, no sentido de se tentar assegurar uma linha de edição marcada por um significativo nível técnico, as opiniões expressas nos artigos apenas traduzem o pensamento e as posições individuais dos respectivos autores.
Infohabitar a Revista do Grupo Habitar
Editor: António Baptista Coelho
Edição de José Baptista Coelho
Lisboa, Encarnação - Olivais Norte
Infohabitar, Ano VII, n.º 364, 16 e Outubro de 2011
A atractividade na arquitectura do habitar
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