quinta-feira, novembro 22, 2007

171 - Adequação, diversidade e inovação no habitar (II) - Infohabitar 171

 - Infohabitar 171


Adequação, diversidade e inovação nas soluções de habitar, da casa à cidade – parte II:

 artigo de António Baptista Coelho
Na Parte I deste artigo, editada na passada semana abordaram-se os temas: enquadramento, meio urbano, tipos de edifícios e de conjuntos de edifícios, espaços e serviços comuns, multifamiliares e unifamiliares inovadores.
Notas prévias:
- a ilustração deste artigo foi feita numa perspectiva informal
- no final deste artigo encontra-se o índice geral referido aos dois artigos (I e II) sobre “Adequação, diversidade e inovação no habitar

Adequação, diversidade e inovação no habitar (II)
Índice
A adaptabilidade na habitação
. Formas de adaptabilidade na habitação
. Modificações com reduzido aumento do custo global do fogo
. Elementos práticos de adaptabilidade doméstica

Estudar e considerar o que o habitante quer
. Aspectos qualitativos globais
. Aspectos qualitativos de pormenor, mas com influência crítica no projecto:
. Equipamentos, complementos e acabamentos domésticos (com base num recente estudo do CIC-COI, e da Eurosondagem)

Cuidar de alguns aspectos fundamentais

Adequação e inovação tipológica e potencialidades das cooperativas de habitação

Notas conclusivas sobre o aprofundamento e a diversificação das tipologias residenciais


A ADAPTABILIDADE NA HABITAÇÃO



Fig. 01: a habitação como concha do habitante, mas uma concha que o liga ao mundo.


Formas de adaptabilidade na habitação

A adaptabilidade na habitação pode variar entre:

. Uma flexibilidade quase total de compartimentação, estruturada por uma grelha-base e por núcleos de serviços fixos, com os habitantes participando na escolha inicial da compartimentação do fogo.

. Um sistema de portas e divisórias, juntando e separando espaços.

. A conversão habitacional de sotãos e caves.

. O desenvolvimento de fogos apropriados a grupos de habitantes particularizados.

. Colocar e retirar paredes/"tabiques" interiores (por exº, entre a zona de estar e um outro espaço contíguo, a sala que aumenta anexando quarto, a sala que se subdivide em dois quartos ou em quarto e saleta). Poroporcionando-se a melhor adequação do fogo a seuências como esta: 1º. casal, 2º. casal com crianças, 3º. casal e jovens, 4º. casal.

. Fogos com possibilidade de evoluir para dois fogos separados, por subdivisão de habitações, criando-se pequenos fogos com acessos autónomos; afinal apenas um maior desenvolvimento da solução de fogos com estúdios ou quartos autonomizados e com utilidade diversificada.

. Encerramento de varandas e terraços bem programado, proporcionando uma fruição alternativa de espaço interior ou de espaço exterior (através de grandes janelas móveis); mas atenção não se está aqui a fazer a defesa das “marquises”, mas sim a sensível consideração de poderem existir espaços privativos exteriores que estejam já programados no sentido da eventual aplicação de uma solução de encerramento específica que deverá favorecer a funcionalidade e o conforto do respectivo fogo e que deverá enriquecer o aspecto visual do respectivo edifício.

. Organizações domésticas cujas relações de acessibilidade mútuas e dimensões de compartimentos proporcionam diversos usos nos mesmos espaços (ex. sala que se torna grande quarto, quarto que se torna saleta); para isso há que cuidar das dimensões úteis dos compartimentos e designadamente das suas larguras.



Fig. 02: muitas vezes nem será difícil, nem será caro, “inventar” excelentes e “inovadoras” soluções em que uma fusão de aspectos habitualmente ligados ao unifamiliar e ao multifamiliar confluem em soluções domésticas e urbanas de excelência como é o caso deste conjunto da cooperativa “O Nosso Piso” em Conceição de Tavira, projectado pelo Arq. Serra Alves.


Modificações com reduzido aumento do custo global do fogo (cerca de 5%, unitariamente):


(a ideia é que haja alguma possibilidade de diálogo e de escolha, que resultarão em apropriação e satisfação; trata-se naturalmente de uma listagem aberta)

. 6% a 7% de área habitacional suplementar (no fogo).

. Varanda espaçosa – resulta no alargamento visual do espaço interior, pode permitir
vistas melhoradas do ambiente envolvente, enriquece o espaço interior contíguo, e cria zona tampão em termos de conforto ambiental.

. Lavabo adicional com WC e lavatório ou "Recinto de duche".

. Isolamentos térmico ou acústico melhorados.

. Grande quantidade de roupeiros embutidos.

. Compartimentações desmontáveis.



Fig. 03: a “simplicidade” de uma excelente organização doméstica é, provavelmente, o principal factor de adaptabilidade doméstica, como aqui acontece em Aldoar, Porto, num conjunto da cooperativa Nova Ramalde projectado pelo Arq. Manuel Correia Fernandes.



Elementos práticos de adaptabilidade doméstica

Referem-se alguns aspectos que garantem adaptabilidade pormenorizada nas habitações:

. Um dimenionamento pormnorizado de larguras críticas de vãos, corredores e compartimentos que proporcione o melhor exercício das respectivas funções correntes (ex., num corredor: passar e colocar pontualmente um pequeno elemento de mobiliário) e que proporcione a cada compartimento a maximização da respectiva arrumação de mobiliário considerando um determinado leque de funções gerais (ex., num quarto aplicarrem-se várias combinações de mobiliário de “quarto” mas também de mobiliário de escritório).

. Uma forte disponibilização de paredes mobiláveis.

. Uma forte capacidade de arrumação, de base e por possibilidade de integração de novos equipamentos: na cozinha e zonas de serviço (mais armários fixos e mais electrodomésticos, especialmente os volumosos); nas casas de banho; nos corredores (exº, roupeiros fixos); .nos quartos (exº, roupeiros fixos). Decorrendo de áreas e larguras úteis adequadas.

. A existência de um compartimento muito espaçoso (área superior ou igual a 25.0m2).

. Uma cozinha familiar muito espaçosa (>12.0m2).

. Zona e/ou equipamentos específicos de tratamento de roupas, que propocione(m) uso multifuncional da cozinha.

Bipartição da planta, com duas partes do fogo quase independentes.

. Sala prolongando-se por espaçoso recanto, relativamente autónomo, com cerca de 6.0m2.

. Sala com dupla exposição.

. Quarto grande com duas janelas.

. Sala de banho muito espaçosa (multifuncional).

. Distribuição estratégica das tomadas de telefone, rádio e TV ao longo da casa.


ESTUDAR E CONSIDERAR O QUE O HABITANTE QUER

Os “títulos” que são, em seguida, apontados são apenas isso: títulos e ideias a explorar.

O sentido que tem a inclusão desta matéria é chamar a atenção para que tudo aquilo que atrás se compilou se liga a estudos teóricos e práticos que foram sendo realizados em Portugal e no resto da Europa no que se refere às matérias da diversificação tipológica no habitar, mas é fundamental continuar a inquirir, directamente, os habitantes sobre os eus gostos e as suas preferências, e, portanto, a listagem seguinte é apenas um esboço de matérias que devem ser consideradas em tais inquirições.


Fig. 04: a propósito de uma imagem do conjunto chamado “Campo de Batatas”, em Malmö, de Charles More, apenas se comenta que entre soluções correntes unifamiliares e soluções correntes multifamiliares há um enorme leque de soluções a desenvolver e a aplicar.


Aspectos qualitativos habitacionais globais:

. “Mais espaço”: por exemplo, um estudo recente ligado a uma associação de industriais da construção referia áreas domésticas extremamente folgadas como sendo desejadas; ora é evidente que todos queremos mais espaço de casa, só que mais espaço custa dinheiro e a relação entre satisfação residencial e espaciosidade residencial não é uma relação directa pois há fogos muito espaçosos e perfeitamente desastrados, enquanto há fogos “mínimos” extraordinários em termos de funcionalidade e de caracterização.

. “Mais janelas”, ou maior dimensão de superfície envidraçada e transparente e/ou melhores condições de luz natural e de insolação; um “complexo” qualitativo de enorme importância e que deveria levar a caminhos específicos de estudo e avaliação. O poder gozar a luz natural e as vistas é um factor de enorme importância na satisfação do habitante; todos os estudos, desde há dezenas de anos, o confirmam.

. Mais funcionalidade; um tema que parece já tratado,mas que talvez não o esteja, isto se observarmos tantas soluções domésticas onde é quase ausente uma tal qualidade, designadamente, em termos de apoio às funções domésticas “obrigatórias”.

. Mais conforto, designadamente, em termos de frescura no Verão e calor no Inverno e a partir de medidas passivas (ex., inércia térmica, sombreamento e insolação estratégicos, etc.). E é fundamental interiorizar que o conforto higrotérmico – e nele há que contar, também, com uma verdadeira estratégia de ventilação – é fundamental na satisfação para com uma habitação e só não é mais considerado porque ainda estamos, maioritariamente, mal habituados a sofrer calor e frio nas nossas casas.

. Mais conforto, designadamente, em termos de isolamento acústico; outro aspecto fundamental para o bem-estar do habitante, seja em termos de bem-estar físico, seja em termos de privacidade – também todos os estudos o confirmam.



Fig. 05: aprofundar múltiplos aspectos domésticos pormenorizados (imagens de um hotel em Hamburgo).


Aspectos habitacionais qualitativos de pormenor, mas com influência crítica no projecto:

. Aprofundar, ou não, as relações com cidade. Será que esta opção é considerada importante, ou não – esclarece-se que o que se tem em vista é o tratamento pormenorizado e funcional das relações da envolvente do edifício com a continuidade urbana onde ele se integra, por exemplo, ao nível de passeios agradáveis e protegidos. Ou, pelo contrário, o que interessa é, essencialmente, o que se refere ao desenvolvimento do condomínio.

. Aprofundar, ou não, as relações com vizinhos. Será que esta opção é considerada importante, ou não – esclarece-se que não se pretende “obrigar” ao convívio, mas simplesmente proporcionar meios e elementos que possa, eventualmente, vir a despoletar algum tipo de convivialidade, ainda que limitada por exemplo à saudação e pouco mais. Ou, pelo contrário, o que interessa é essencialmente o que está para lá da porta da casa de cada um?

. Considerar pormenorizadamente o tipo/carácter de vizinhança próxima e seu arranjo: uma pequena rua em impasse, uma praceta, um largo. Será que esta caracterização e este cuidado é considerado importante, ou não. E no caso afirmativo o que se deve privilegiar? O recreio infantil, o desorto informal, a estadia no exterior, os espaços ajardinados?

. Relação com pequenos equipamentos desportivos: Campos "mini"; "recantos desportivos"; paredes para treinar ténis; percursos para corrida e exercícios de manutenção aproveitando as diversas zonas pedonais.

. Equipamentos para crianças e jovens - condições desejáveis de acessibilidade e uso: considerar distâncias desejáveis; para crianças até 9 anos: 100/200m; avigilância natural a partir das habitações só é eficiente em grupos de 20/30 alojamentos; asáreas de jogos devem estar próximas de zonas pedonais muito usadas e ser relativamente centrais; áreas de jogos atraentes evitam que as crianças usem espaços viários para brincar; as crianças estão sentadas com frequência e são atraídas pelas escadas; há que servir os gostos das crianças e não um objectivo de decoração espacial e as zonas de circulação pedonal devem considerar o recreio livre das crianças usando variados tipos de elementos.

. Considerar pormenorizadamente o carácter e os tipos dos equipamentos na vizinhança próxima, por exemplo, ao nível dos equipamentos construídos mais comuns. Que tipos de equipamentos são os mais desejados na vizinhança? equipamentos conviviais, como poequenos cafés, equipamentos funcionais como lojas de comércio diário.

. Ter espaços comuns mínimos e funcionais ou ter espaços comuns um pouco mais espaçosos e representativos,ou ter espaços comuns muito espaçosos e representativos.

. Ter, ou não ter, luz natural nas escadas comuns.

. Ter, ou não ter, luz natural nos patins de acesso aos fogos.

. Ter, ou não ter, quintal/pátio privativo, pequeno ou grande.

. Ter, ou não ter, varanda ampla e funcional e/ou pequena (de assomar).

. Ter, ou não ter, uma zona específica e funcional para tratar a roupa doméstica.

. Ter, ou não ter, uma cozinha que sirva como sala de família.

. Ter, ou não ter, uma cozinha apenas de preparação (cozinha “laboratório”); mas neste caso coloca-se a questão de poder, ou não, associar tal equipamento a um outro espaço, ou até torná-lo temporariamente invisível.

. Ter, ou não ter, um “salão”.

. Ter, ou não ter, uma “suite” com casa de banho privativa.

. Ter, ou não ter, um quarto especialmente grande (em área e em largura).

. Ter, ou não ter, um “hall” e este ser apenas funcional ou ser especialmente amplo.

. Ter, ou não ter, um quarto próximo da entrada, portanto mais autónomo e que possa funcionar, por exemplo, como escritório.

. Ter, ou não ter, uma zona da sala que possa ser mobilada como zona de trabalho.

. Ter, ou não, ter uma grande capacidade de arrumação embebida (armários, roupeiros, despensas); e esta arrumação servir todas as zonas da casa ou especilamente uma delas.

. Ter, ou não ter, corredores que possa ser mobilados (além de proporcionarem uma passagem funcional).

. Ter, ou não ter, uma casa de banho com janela exterior e esta casa de banho ser, ou não, especialmente espaçosa.

. Ter, ou não ter, pequenas janelas que possam ser abertas independentemente das janelas maiores para se ventilar a casa.



Fig. 06: a diversidade de equipamentos domésticos (exemplos da exposição Bo01).


E relativamente a alguns equipamentos, complementos e acabamentos domésticos - com base num recente estudo do Centro de Investigação Científica da Construção e do Imobiliário, CIC-COI, e da Eurosondagem e numa ordem decrescente de importância:

. “Ter cozinha totalmente equipada”; um aspecto que se poderá reflectir no interesse de se desenvolver ao máximo a funcionalidade e mesmo a ergonomia dos espaços e equipamentos da cozinha, não se perdendo de vista, por um lado o seu sentido mais simbólico/doméstico, nem numa outra dimensão o interesse de se aprofundar toda a ergonomia doméstica.

. “Ter televisão/rádio”; um aspecto que se poderá reflectir no interesse de se aprofundar a ligação do audio-visual com o espaço doméstico.

. Ter aquecimento central/ar condicionado;

. Ter estacionamento coberto e encerrado;

. Ter estendal exterior;

. E é interessante referir que “ter varanda” fica praticamente empatado com “ter estendal”.

(em termos de revestimentos o escalonamento descrecente é o seguinte)

. Madeira (numa maioria absoluta e muito expressiva);

. Pedra;

. Mosaico cerâmico.

(e quanto a recantos/elementos funcionais)

. Roupeiros e copa , praticamente empatados numa primeira posição; aspecto este que poderá ter a ver com a amostra de casos estudada;

. Lavandaria, também com uma expressiva referência;

. Despensa;

. Arrecadação.

É no mínimo essencial sublinhar o interesse de se continuarem e disseminarem este tipo de estudos, estabelecendo-se relações expressivas com as respectivas amostras em análise e, designadamente, com os respectivos projectos de arquitectura.



Fig. 07: este conjunto de realojamento da C. M. de Santa Maria da Feira, projectado pelo Arq. Bruno Marques, serve de exemplo de como com uma fundamentada simplicidade de meios é possível desenvolver uma afirmada adequação a modos de vida e a sítios específicos.


CUIDAR DE ALGUNS ASPECTOS FUNDAMENTAIS NA HABITAÇÃO


Em todas estas matérias de aproximação a uma mais ampla, consistente e diversificada adequação – e naturalmente satisfação – residencial há que cuidar e nao esquecer alguns aspectos fundamentais de ordem económica, estratégica e mesmo prática, salientando-se alguns aspectos:

. Aprofundar as matérias associadas à importância fundamental de um custo equilibrado (inicial e em termos de gestão/manutenção).

. Aprofundar e agilizar as tarefas ligadas à gestão do condomínio, profissionalizando-a e desenvolvendo-a em termos de leque de serviços a oferecer numa base de menu de opção a partir de um conjunto mínimo/obrigatório.

. Investigar e privilegiar o que realmente vale a pena pois para que algo se vá conseguindo há que estruturar e privilegiar estrategicamente determinados objectivos.

. Proporcionar que as pessoas entendam o que se lhes oferece, designadamente, procurando, identificando e melhorando processos de diálogo e de apresentação de soluções que sejam eficazes e bem “legíveis” pelas pessoas.



Fig. 08: um dos conjuntos da cooperativa Coohafal no Funchal, projectado pelo Arq. António Barreiros Salvador, serve aqui de exemplo da tradição já bem sedimentada e comprovada de mais de três décadas de uma promoção cooperativa tão sensível aos habitantes como a uma inovação residencial consistente; aqui como em muitos outros sítios a habitação está também no exterior e garante-se que a qualidade interior e exterior irá permanecer por muitos anos.


ADEQUAÇÃO E INOVAÇÃO TIPOLÓGICA E POTENCIALIDADES DAS COOPERATIVAS DE HABITAÇÃO

Em todas estas matérias de uma fundamentada e coerente adequação e inovação tipológica e da consideração efectiva de uma grande diversidade de soluções residenciais completas – que vão da casa á vizinhança urbana – são evidentes as vantagens disponibilizadas pela promoção cooperativa habitacional, designadamente, quando esta se encontra estruturada por objectivos afins associados à participação dos habitantes, á boa integração urbana e às matérias da sustentabilidade, uma situação que caracteriza, actualmente, em Portugal as cooperativas que integram a Federação Nacional de Cooperativa de Habitação Económica.

E assim regista-se a capacidade específica da promoção cooperativa, quer na dinamização global das promoções habitacionais de verdadeiro interesse social, quer, especificamente, no contacto com os habitantes e na crucial gestão de continuidade e de proximidade; uma capacidade aplicável na promoção directa das cooperativas, mas também nas suas parcerias com municípios.

Regista-se, também, que o desenvolvimento de vizinhanças de proximidade, intimamente implicado no desenvolvimento da defendida diversificação tipológica residencial foi sempre uma intenção muito ligada aos objectivos habitacionais cooperativos de proporcionar para além de uma casa, uma potencialidade de convívio e de alguma solidariedade através da formalização de determinadas configurações físicas e sociais de vizinhança. Realmente, também se habita a rua ou a praceta que é a nossa, e que de certa forma faz uma agradável transição entre o mundo doméstico, de cada um e de cada família, e o mundo mais urbano e animado que também desejamos.

E é interessante evidenciar que é neste nível de vizinhança de proximidade que se devem desfazer e anular, totalmente, todos e quaisquer resquícios que ainda sobrevivam em termos de discriminação por imagens habitualmente mais ligadas a habitação considerada “de baixo custo” ou “social” – custos e áreas poderão ser menores, mas a imagem urbana tem de ter toda a dignidade que a cidade exige. E, naturalmente, falar da criação e da gestão de espaços exteriores de vizinhança é falar das vantagens da promoção cooperativa que, ao acabar a intervenção, tem já a respectiva gestão bem organizada.

E regista-se, ainda, que o fundamental desígnio de fazer casas realmente adequadas aos diversificados mundos familiares e pessoais dos seus habitantes é um desigínio que está nas raizes da iniciativa cooperativa habitacional, seja na perspectiva básica de uma gradual aproximação a casas mais ligadas a cada família, seja na perspectiva prática e processual que marca o diálogo técnico que nas cooperativas sempre se fez entre promotores, moradores e projectistas.

E, há que o dizer, todo este sentido qualitativo está bem presente nas próprias intenções práticas que integram a Carta da Qualidade da Habitação Cooperativa , um instrumento recentemente aprovado no âmbito da Federação Nacional de Cooperativas de Habitação Económica.


Fig. 09: no Conjunto João Barbeiro, em Beja, o Arq. Raúl Hestnes Ferreira como que expandiu, muito positivamente, os espaços comuns dos pequenos multifamiliares sobre o espaço exterior que é tanto público como comum; ganharam os habitantes e ganhou a cidade.


NOTAS CONCLUSIVAS SOBRE O APROFUNDAMENTO E A DIVERSIFICAÇÃO DAS TIPOLOGIAS RESIDENCIAIS

As tipologias residenciais – consideradas numa perspectiva que abarca toda a área desde o micro-urbanismo à “celula-alojamento” e em articulação com o objectivo de se promoverem condições crescentes de alargada satisfação residencial – têm um campo muito amplo de diversificação e têm potencialidades, quer ao nível do desenho da arquitectura urbana e da respectiva imagem urbana, quer ao nível da integração física e paisagística, quer ao nível da adequação aos modos de vida, do uso da casa e do uso do Bairro e da cidade. Não há tipologias a descartar, há, sim, tipologias mais, ou menos, adequadas; e há aqui uma riquíssimo campo para o aprofundamento da qualidade do projecto arquitectónico.

Partilha-se da opinião de Francesc Peremiquel, relativamente à actual escassez de inovação tipológica residencial, baseada no repensar de funcionalidades domésticas e de relacionamentos urbanos, definidos pelos modernos e depois repetidamente aplicados e reformulados.

Outra condição que, hoje, dinamiza a reflexão sobre essas funcionalidades e relações liga-se à necessidade actual de “construir no construído”, numa muito actual dimensão da actividade de arquitecto ligada à reconversão de espaços urbanos e edificados.

Pode dizer-se que muito de tudo isto tem a ver com um jogo de agregação tipológica com sentido amplo, que privilegia o micro-urbanismo e alguma inovação na conjugação entre células habitacionais – inovação esta muito ligada aos possíveis serviços comuns –, elas próprias também potencialmente muito diversificadas, adaptáveis e mutantes.

Importa salientar que, cada vez mais, há diversos modos de vida e que, como resposta, tem de haver, cada vez mais, uma maior diversidade de oferta tipológica residencial; opçao esta que constitui, sublinha-se, um específico e importante factor de sustentabilidade no habitar da casa e da cidade. E é de grande importância esta disponibilização de formas diversas de habitar a casa e a cidade, afastando-se o fantasma do modelo único de habitar e desenvolvendo-se tipologias que prolonguem o exterior público, mas também o exterior caracterizadamente comum e potencialmente convivial; tipologias criadoras de pequenas e orgânicas partes de cidade, bem acabadas e afectuosas, e tipologias verdadeiramente criadoras de pequenos mundos privados e domésticos; e para tudo isto é fundamental o bom desenho de arquitectura, aquele que pode, de facto, ajudar a dar mais felicidade às pessoas.



Fig. 10: em um dos conjuntos da cooperativa Caselcoop, no Bairro de Caselas, Lisboa, o Arq. Justino Morais desenvolveu uma galeria/rua “jardim” interior que dá acesso aos fogos; mente quem diga que não é possível “inovar” e fazer boas soluções de habitar em multifamiliar e a custos controlados.


Nesta matéria das tipologias habitacionais as lições de arquitectura de Hertzberger (Herman Hertzberger, “Lições de Arquitetura”) são fundamentais, pois ele traça uma linha de concepção dos espaços residenciais extremamente ligada à pormenorização coerente e fundamentada da casa, do edifício e da rua/zona de proximidade, privilegiando a humanização do habitar e sublinhando aspectos verdadeiramente “construtores” de tipologias e de variações tipológicas residenciais, e designadamente:

. as soleiras e os espaços de acesso aos fogos;

. as vistas estratégicas sobre o exterior e sobre o interior, pontos de expressão de hospitalidade e que podem fazem transparecer ou mesmo expandir, controladamente, os espaços domésticos, ajudando a combater situações de solidão (hoje tão frequentes);

. os espaços comuns como zonas de algum recreio juvenil vigiado e de convívio, ou mesmo com papel de “rua” quando os seus utentes assim o necessitam (ex. idosos);

. os edifícios integrando uma estimulante variedade de acessos privados e/ou geminados, em diversos níveis e configurações;

. e os espaços do tipo “rua de convivência”, considerados e pormenorizados como verdadeiras “salas de estar comunitárias” (ou jardins considerados como salas de estar ao ar livre), combatendo-se o automóvel preponderante, a descontinuidade física, as densidades reduzidas (n.º de fogos e n.º de habitantes/fogo) e a falta de conforto do espaço público face a um interior doméstico cada vez mais atraente, apoiando-se o recreio infantil e a diversidade de contactos casa/rua, e vitalizando-se/polarizando-se o espaço público com um máximo de acessos directos a fogos bem identificados;

Há aqui, portanto, um léxico de “pequenos” elementos de composição do habitar que podem ser os verdadeiros protagonistas da composição de variadíssimas tipologias de habitar – e atente-se no sublinhado –, como se dos fogos e de uma sua aturada pormenorização passássemos, por exemplo, para a rua, a praceta, o pequeno quarteirão, sem uma nota de importância especial para o edifício; fica, assim, de pé, a ideia de certa forma concretizadora da importância dos espaços privados e públicos e de algum eventual apagamento dos espaços colectivos, a não ser que estes tenham condições de assumir um verdadeiro protagonismo formal e funcional, seja “para baixo”, ao nível doméstico, em termos suplementares ao que é disponibilizado dentro de casa, seja “para cima”, e um “para cima” que tem sempre de ter uma dupla valência, por presença no nível de vizinhança e no nível espacificamente mais urbano, atribuindo-se aos espaços e eventuais equipamentos comuns matérias funcionais e representativas que se casem muito bem com aqueles níveis, designadamente, em zonas de transição e de limiar, que podem constituir verdadeiros elementos protagonistas na construção de novas ou renovadas tipologias residenciais e urbanas.

Mas nesta matéria, e tal como se tem aqui apontado, há também que equacionar de forma activa o desenvolvimento de soluções tipológicas de habitar em que as células residenciais individualizadas e mutuamente bem agregadas se ligam de forma directa, ou apenas minimamente graduada, ao espaço urbano de vizinhança – mais afectivo – e ao espaço urbano mais efectivo. Soluções estas que podem até manter intensas características de um habitar unifamiliar. E muito disto é possível em soluções construtivamente racionalizadas e eficazmente densificadas, que cumpram um importante papel urbano de colmatação, preenchimento e vitalização/regeneração da cidade.

Fica, para já, apontada a enorme riqueza de um tão amplo e diversificado leque de soluções em termos de potencial de adequação a uma grande diversidade de modos e desejos de vida residencial e urbana, assim como de potencial funcional e formal em termos de desenho de arquitectura urbana – e neste aspecto particular não resisto a comentar que os novos processos de projecto e de visualização do projecto apoiam muito claramente este caminho de trabalho e permitem que promotores e habitantes possam ser razoavelmente exigentes em termos da qualidade arquitectónica, residencial e urbana que é desenvolvida.

Tudo isto terá também, naturalmente, muito a ver com as novas formas de habitar (e as novas formas de cidade/bairro): por exemplo a habitação assistida, o trabalho habitado; a casa escritório. E em tudo isto se sublinha a grande importância da adaptabilidade, do conforto , da densidade e da verdadeira adequação a diversas situações, desejos e necessidades habitacionais; e há ainda o verdadeiro suplemento de alma e reserva de apoio à concepção, proporcionada pelas cidades e casa da imaginação, da ficção, do futuro.

Conclui-se esta matéria com uma reflexão complementar sobre o interesse de um caminho qualitativo residencial que passe por um determinado equilíbrio das várias dimensões da qualidade residencial incluindo os aspectos dimensionais e sobre este assunto sublinha-se que o desígnio de se ter mais qualidade residencial pouco tem a ver com mais área e acabamentos mais luxuosos, mas liga-se, sim, a ter-se mais arquitectura, mais informada e mais sensível, uma arquitectura que trate os espaços do edifício com verdadeiro pormenor, concentrando, racionalizando e “poupando” onde seja possível assim fazer, mas que verdadeiramente crie pequenos mundos domésticos, adaptáveis e ricos; uma riqueza e uma associada motivação e apropriação pelo habitante que muito tem a ver com completas, interessantes e adequadas tipologias residenciais.

E bem a propósito deste assunto é, por exemplo, bem interessante poder visitar casas muito racionalizadas e espacialmente contidas (por exemplo em condições mínimas nas escadas comuns), mas onde nos espaços comuns é possível olhar, com pormenor, o pequeno jardim de vizinhança, onde na sala há lugar para um recanto de trabalho, onde na cozinha há sítio para uma pequena mesa, e onde foi possível criar uma pequena varanda multifuncional. Está realmente “na hora” de se re-equacionarem funcionalidades e caracterizações domésticas e nestas e em outras matérias é vital uma acção tipológica fundamentada, que há que aprofundar, designadamente, através da disponibilização de amplos menus em termos de grandes caminhos de soluções residenciais e urbanas, menus estes bem apoiados em exemplos concretos e significativos, tanto actuais como referidos a muitos casos da nossa história da arquitectura do habitar.

Afirmou Constantino Cavafis que “Chegarás sempre a esta cidade; Não esperes outra,” mas é possível fazer de partes significativas desta cidade “pequenas cidades” com grande riqueza formal e funcional e com uma adequação maximizada a quem as habita, e para tal é essencial a continuidade do estudo prático e da divulgação da matéria tipológica.

Adequação, diversidade e inovação no habitar (I e II) – Índice geral

(Parte I)
A cidade (um poema de Cavafis)
Enquadramento
Adequação, diversidade e inovação no meio urbano
Tipos de edifícios e de conjuntos de edifícios
. Opções gerais
. Altura do edifício (alguns elementos de reflexão, numa aliança entre uso e custo)
. Opções de pormenor
Tipos de espaços e de serviços comuns
Elementos de inovação no edifício multifamiliar
Edifícios unifamiliares inovadores
(Parte II)
A adaptabilidade na habitação
. Formas de adaptabilidade na habitação
. Modificações com reduzido aumento do custo global do fogo
. Elementos práticos de adaptabilidade doméstica
Estudar e considerar o que o habitante quer
. Aspectos qualitativos globais
. Aspectos qualitativos de pormenor, mas com influência crítica no projecto:
. Equipamentos, complementos e acabamentos domésticos (com base num recente estudo do CIC-COI, e da Eurosondagem)
Cuidar de alguns aspectos fundamentais
Adequação e inovação tipológica e potencialidades das cooperativas de habitação
Notas conclusivas sobre o aprofundamento e a diversificação das tipologias residenciais

Lisboa, Encarnação – Olivais Norte
Edição de José Romana Baptista Coelho na noite de 22 de Novembro de 2007

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