quarta-feira, agosto 24, 2005

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Sentidos lugares II – algumas notas gerais sobre a integração

Artigo de António Baptista Coelho

Noutros textos desta série intitulada “sentidos lugares” irá falar-se da altura dos edifícios na cidade, e, novamente, das árvores na cidade e, naturalmente, de outros importantes elementos criadores do espaço urbano e da sua paisagem, tal como a escala, a continuidade, a equilibrada diversidade de imagens e as múltiplas e vitais facetas da integração.

Salienta-se, também, que estas matérias ligadas aos sentidos dos lugares têm uma dupla importância seja na qualidade habitacional e de vivência de que revestem os diversos sítios urbanos, seja na própria qualidade urbana e cultural desses sítios.

Aqui neste texto vão ser apontadas apenas algumas notas gerais e informalmente preliminares sobre uma dessas facetas; a integração. E sublinha-se, desde já, que a integração, é, provavelmente, um dos principais elementos responsáveis por uma continuada e sempre provada geração de lugares verdadeiramente sentidos e positivamente, caracterizados e caracterizadores.
Regista-se a perspectiva geral e informal desta abordagem, mas desde já se defende que a ausência de cuidados sistemáticos de integração urbana e paisagística é um dos principais males de que padece a sociedade portuguesa actual e desde há várias décadas.

“Há certas qualidades que podem ser consideradas essenciais em todos os géneros de casas: sossego, encantamento, simplicidade, largueza de vistas, vivacidade/seriedade, abrigo na tempestade, economia na manutenção, protecção evidenciada, harmonia com a vizinhança/integração, ausência de lugares escuros, uniformidade de temperatura, fazer da casa o quadro dos seus habitantes. Ricos e pobres, uns e outros, apreciarão estas qualidades” - C. F. A. Voysey, “The English Home”, 1911.

Nesta frase está bem clara a importância da integração no conjunto das qualidades arquitectónicas habitacionais; como se pode constatar apenas a harmonia com a vizinhança – uma outra forma de se dizer integração - se refere a uma qualidade totalmente exterior e, de certa forma, pública.
Cada intervenção tem de ser um projecto e um acto construtivo de síntese da globalidade local, que considere a respectiva paisagem urbana e/ou natural nas suas múltiplas características e condicionantes e tem de se concretizar numa nova ou renovada situação urbana e natural marcada por consistentes, positivas e expressivas condições de integração.

Tão importante como o “objecto” construído em si próprio é a forma como ele dialoga com o local de implantação e a sua vizinhança, contribuindo para a sua caracterização, recheando-os de sentidos, suscitando emoções nas suas vivências e marcando, positivamente, o seu próprio lugar/função na cidade e na paisagem.

Pode-se considerar que é difícil avaliar a integração de uma dada solução num dado contexto. Naturalmente que é. No entanto, por um lado, a importância da integração é de tal ordem que todas estas dificuldades têm de ser ultrapassadas; não faz sentido que assim não suceda, a não a ser que se conceba poder-se aceitar, impunemente, a continuada e quase total destruição do nosso património urbano e natural. E, por outro lado, é interessante termos presente que, entre as várias qualidades arquitectónicas do habitar, umas mais funcionais outras mais de desenho, umas mais quantitativas outras mais qualitativas, a integração é provavelmente aquela que assegura uma maior capacidade de aplicação, capacidade esta a que não é estranha a sua faceta estratégica de apreensão pela própria opinião pública.

Não basta, nunca bastou e, hoje em dia, não é mais possível aceitar, de forma isolada e não fundamentada as tão frequentes palavras ligadas à integração, sempre presentes nas “memórias descritivas” dos projectos; um pouco como que numa “fórmula” para-regulamentar. É sim fundamental, hoje, em Portugal, no que resta, de consistente, das nossas zonas urbanas e das nossas paisagens rurais, e em todas as operações de requalificação - por razão ainda mais evidente -, fazer e refazer realmente integração urbana e natural, na prática, e de forma obrigatória.

E assim se defende que todas as barreiras burocráticas e outras que prejudiquem e compliquem uma rigorosa exigência de integração urbana e paisagística nas obras novas e nas acções de requalificação, devem ser metódica e totalmente anuladas.

Remata-se este pequeno texto, com carácter geral, sobre a importância, hoje crucial e urgente, da integração urbana e paisagística no território português no início do século xxi com duas referências simples:
A primeira, que se liga ao texto inicial desta série sobre os “sentidos lugares”, é relativa à enorme importância integradora que pode e deve ser assumida pelo verde urbano, nas suas mais diversas formas, mas sempre numa perspectiva arquitectónica unitária e amplamente coerente.

A segunda salienta o grande apuro arquitectónico, a extrema sensibilidade de análise e de leitura do conjunto de preexistências e a excelência de intervenção, que são fundamentais para se concretizar uma positiva integração urbana e paisagística. Dá vontade de dizer que, provavelmente muitos conseguirão fazer espaços interiores adequadamente regulamentares e mesmo agradáveis e atraentes, mas poucos serão capazes de atingir essa “harmonia com a vizinhança” de que fala Voysey.

E temos de perceber que não basta acreditar que essa harmonia possa vir a ser atingida, pois, de uma vez por todas, há que interiorizar que essa integração, essa harmonia com a vizinhança, capaz de gerar as tão essenciais vizinhanças harmoniosas, atraentes e culturalmente válidas, é um direito que nos assiste a todos nós habitantes e cidadãos e é, assim, um direito que exige processos expeditos para a sua garantia.
E no Portugal de hoje fica bem clara a falta que fazem esses processos, seja no que se faz de novo, seja em tudo aquilo que é vital recuperar, desde que o objectivo seja, como tem de ser, a criação e recriação de sentidos lugares.

“Eu não tenho uma cidade ideal. A minha cidade é uma cidade de cidades, uma colagem de lugares” - António Pinto Ribeiro, “abrigos: condições das cidades e energia das culturas”, p. 13. Lisboa. Edições Cotovia, 2004, 221 pp

Antes de concluir, duas notas finais e práticas são oportunas.

A primeira vem na sequência desta última citação e para as ideias da “cidade de cidades” e da “colagem de lugares”; é importante chamar a atenção para o livro onde se inserem e é muito importante poder ler estas ideias no seu contexto – fica a nota e a promessa de se voltar a outras ideias deste excelente livro.

A segunda refere-se à ilustração deste texto, que foi feita com imagens urbanas de três bairros de Lisboa com características arquitectónicas bem distintas – Bairro Alto (início do Sé. XVI), Alvalade (anos 40 do Séc. XX) e Encarnação/Olivais Norte (anos 60 do Séc. XX); é bom e curioso pensarmos no bem que nos fazem estas paisagens unas e tão bem qualificadas, tão diferentes de tanto “ruído” que por aí vai. Noutros textos haverá oportunidade de mostrar bons exemplos recentes de integração arquitectónica e urbana; dos maus todos estamos fartos.




Lisboa, Encarnação, 24 de Agosto de 2005
António Baptista Coelho

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